REPENSANDO A RBV: UM ENSAIO TEÓRICO SOBRE COMPARTILHAMENTO DE RECURSOS PARA A OBTENÇÃO DE VANTAGEM COMPETITIVA

May 30, 2017 | Autor: R. R. de Freitas | Categoria: Business Process Management, Strategic Management
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XIV FÓRUM INTERNACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO Rio de Janeiro – 2015 18 a 20 de maio

REPENSANDO A RBV: UM ENSAIO TEÓRICO SOBRE COMPARTILHAMENTO DE RECURSOS PARA A OBTENÇÃO DE VANTAGEM COMPETITIVA

Rodrigo Rodrigues de Freitas (CEFET-RJ e PPGE/UFF) [email protected] Ronaldo Bernardo Junior (CEFET-RJ e FEA-RP/USP) [email protected] Nelson Oliveira Stefanelli (FEA-RP/USP) [email protected] Priscila de Jesus Freitas Pinto (CEFET-RJ e PENO/COPPE) [email protected]

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RESUMO O presente artigo propõe, a partir de uma revisão bibliográfica, repensar o preceito de proteção dos recursos exposto na perspectiva estratégica da Visão Baseada em Recursos, a partir dos relacionamentos interorganizacionais. Para tanto, propõe que o compartilhamento do recurso principal de uma joint venture com atores de dentro e de fora da estrutura deve tornar possível a competição em um mercado com elevadas barreiras a novos entrantes, podendo ser, inclusive, uma fonte de vantagem competitiva. Tal proposição é elaborada a partir de considerações sobre o contexto brasileiro de cafés encapsulados, mercado que apresenta constante crescimento, retornos mais elevados, e é dominado por organizações de grande porte. As considerações deste artigoapontam para uma possibilidade para micro e pequenas empresas obterem vantagem competitiva a partir das decisões de (i) estabelecer um novo tipo de relacionamento, e de (ii) gerenciar o principal recurso a partir do conceito de open source, o que contraria uma dimensão da Visão Baseada em Recursos. Palavras-chave: Visão Baseada em Recursos; Open Source; Joint Venture

ABSTRACT This article propose, from a literature review, rethink the protection of exposed protection resources in the strategic perspective of Resource Based View from the point of view of interorganizational relationships. It proposes that the main feature of sharing a joint venture with actors inside and outside the structure should make it possible competition in a market with high barriers to new entrants, and may even be a source of competitive advantage. This proposition is derived from considerations of the Brazilian context of encapsulated cafes, which is a market experiencing constant growth, higher returns, and it is dominated by large organizations. The article considerations made point to a possibility for micro and small businesses gain a competitive advantage from the decisions of (i) establish a new type of relationship, and (ii) manage the main feature from the concept of open source, which contradicts a dimension of the Resource Based View. Keywords: Resource Based View; Open Source; Joint Venture

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INTRODUÇÃO Em um contexto de uma economia globalizada em que grandes organizações atuam desenvolvendo e adaptando serviços e produtos de classe mundial para hábitos e gostos locais, a competitividade tornou-se um desafio, em especial para as micros e pequenas empresas (MPEs), que necessitam lançar mão da inovação para sobreviverem ao mercado (Mello, Machado, Ferreira, 2010; Baron eShane, 2007; Hoffmann e Morales, 2006; Luz, Oliveira, Ornelas, 2004; La Rovere, 2001). No cenário do agronegócio brasileiro a indústria cafeeira vive momento semelhante com os cafés encapsulados, um mercado que apresenta crescimento superior ao mercado tradicional e margens de lucro mais elevadas. As máquinas de café expresso constituem o recurso que habilita a atuação nesse mercado, e uma vez que o consumidor final tenha adquirido uma máquina ele terá seu uso restrito às cápsulas do mesmo fabricante, de modo que o processo de escolha por uma máquina éinfluenciado por elementos como variedade, confiabilidade no fornecimento, e qualidade percebida (ABIC, 2014; ACCB, 2014). Essa configuração leva a uma concentração de mercado, em que grandes empresas mantêm o domínio atuando nacionalmente, ao passo que as MPEs ficam restritas a uma atuação local. Para entrar no mercado de café encapsulado esses pequenos produtores têm duas grandes barreiras:(i)o

alto custo

de

desenvolvimento

de

máquinas

personalizadas,

feitas

exclusivamente para cada marca, e (ii)a exigência de elevada escala de produção de cápsulas de café (ABIC, 2014). Nota-se que as MPEs têm dificuldade de acesso a grandes escalas, e que as grandes empresas agem de acordo com o disposto na literatura sobre RBV (ResoucesBasedView), que promove a necessidade de realização de ações no sentido de criar proteção aos principais recursos da firma (Silverman, 1999; Peteraf, 1993; Barney, 1991; Penrose, 1959; Selsnick, 1957). A partir dessa exposição é que se apresenta o objetivo principal deste texto, que é repensar preceito de proteção dos recursos exposto na RBV a partir dos relacionamentos interorganizacionais. Para tanto, propõe que o compartilhamento do recurso principal de uma joint venture com atores de dentro e de fora da estrutura deve tornar possível a competição em um mercado com elevadas barreiras a novos entrantes, podendo ser, inclusive, uma fonte de vantagem competitiva.

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Busca-se alcançar o objetivo proposto demonstrando o caso dasMPEsbrasileiras produtoras de Café, quando a partir de uma construção teórica apresenta-se umapossibilidade para estabelecerem um tipo de relacionamento para construção e compartilhamento do recurso principal, tornando possível a entrada em um novo mercado. A relevância acadêmica deste texto está em seu valor propositivo, uma vez que levanta hipóteses a serem testadas no que tange aos relacionamentos organizacionais e à estratégia de utilização dos recursos. Em geral as organizações buscam proteger seus recursos para obter vantagem competitiva, ao passo que este artigo também se mostra relevante por desenvolver um contraponto ao importar o conceito de open source para a discussão da RBV. O presente artigo apresenta implicações gerenciais quando propõe que uma configuração de determinada forma de relacionamento interorganizacional pode possibilitar a entrada em novos mercados; e, também, quando propõe que a abertura ao acesso do recurso principal pode gerar uma vantagem competitiva. Em relação aos aspectos metodológicos, este texto é um ensaio teórico que apresenta abordagem qualitativa (Patton, 1990), sendo a pesquisa classificada como aplicada quanto aos seus fins (Vergara, 2010), e classificada como bibliográfica quanto aos meios (Miles e Huberman, 1994). O escopo deste trabalho está dividido da seguinte forma: após esta introdução são apresentadas características e considerações sobre a Visão Baseada em Recursos, apresentando uma contraposição da VBR com o conceito de Open Source; a seção seguinte fala sobre Relacionamentos Interorganizacionais, e especifica o arranjo de joint ventures; a seguir, fala-se sobre o mercado de café no Brasil, especificando o mercado de cafés em cápsulas; então, a partir do manuseio dos conceitos apresentados são realizadas proposições teóricas objetivando demonstrar uma possibilidade de obtenção de vantagem competitiva; por fim, são realizadas as considerações finais.

VISÃO BASEADA EM RECURSOS: CARACTERÍSTICAS E CONSIDERAÇÕES A Visão Baseada em Recursos (ResoucesBasedView, RBV) considera que a vantagem competitiva da firma é dependente de recursos e capacidades necessárias para a competição, de modo que a elaboração da estratégia nasce por uma perspectiva interna (Barney, 1991; Penrose, 1959; Selsnick, 1957).Desse modo, a RBV contrapõe a perspectiva que a vantagem 4

competitiva depende do ambiente externo, tal como defendido por Porter (1980), Ansoff (1965), Schumpeter (1950), dentre outros. Os recursos podem ser entendidos como ativos tangíveis ou intangíveis que possibilitam a elaboração de estratégias pela firma, sejam eles recursos físicos, financeiros, humanos, técnicos, processuais(Barney, 1991). Com base na perspectiva da RBV as organizações buscam recursos que sejam valiosos, raros e inimitáveis, de modo que sejam difíceis de ser reproduzidos pela concorrência, possibilitando a geração de receitassustentáveis; ou ainda, recursos que permitam a organização competir com vantagem (Barney, 2001; Peteraf, 1993; Silverman, 1999; Wernerfelt, 1984). Quatro elementos distintos devem ser considerados na análise da RBV, sendo eles: (i) o valor, relativo ao poder que o recurso possui para agregar valor à organização; (ii) a raridade, que significa quantas outras empresas têm o recurso disponível; (iii) a imitabilidade, se há substitutos ao recurso; e (iv) a questão da organização, que corresponde ao apoio conferido pelos elementos da firma à exploração do recurso (Barney, 1991). A vantagem competitiva está mais ligada à conquista da especificidade dos recursos, o que melhora a posição da organização em relação à concorrência (Silverman, 1999; Montgomery e Wernerfelt, 1988). A decisão estratégica de formar alianças para aproveitar oportunidades ou mitigar os riscos em mercados atuais ou futuros também deve ser tomada de acordo com os recursos disponíveis a serem acessados por cada uma das organizações parceiras (Gulati e Gargiulo, 1999; Jensen e Roy, 2008). Uma organização toma a decisão de entrar em novos mercados quando neles poderá explorar os recursos existentes, ou quando sua base de recursos tem tamanha força que lhe possibilitará competir com algumas vantagens neste mercado (Silverman, 1999). O Open Source e a Visão Baseada em Recursos A definição do Open Source(fonte aberta, em uma tradução livre) foi criada pela OpenSourceIniciative (OSI), e determina que um programa de código aberto deve garantir características relacionadas à utilização gratuita por outros grupos (SLB, 2014).

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O conceito de open source causou profundas mudanças na indústria de desenvolvimento de softwares, apresentando um novo modelo de negócios baseado na colaboração, em queo recurso principal deve ser disponibilizado gratuitamente (Taurion, 2004). Nota-se uma tensão entre as estratégias pregadas pela Visão Baseada em Recursos, que contempla a proteção dos principais recursos empresariais (Silverman, 1999; Peteraf, 1993; Barney, 1991; Penrose, 1959; Selsnick, 1957), e a estratégia pregada pelo Open Source, que contempla a abertura e disponibilização do recurso tecnológico da firma (SLB, 2014; Taurion, 2004).

RELACIONAMENTOS INTERORGANIZACIONAIS E JOINT VENTURES O estabelecimento de relacionamentos interorganizacionais é importante porque possibilita melhor desempenho da firma (Mello, Machado, Ferreira, 2010; Dahab, Guimarães, Dantas, 1994; Luz, Oliveira, Ornelas, 2004), acesso a novos canais de distribuição (Osterwalder e Pigneur, 2011; Mello, Machado, Ferreira, 2010), novas possibilidades de desenho de modelo de negócios (Osterwalder e Pigneur, 2011), inovação (Mello, Machado, Ferreira, 2010; Luz, Oliveira, Ornelas, 2004), dentre outras possibilidades. Uma forma mais intensa de relacionamento pode ser vista pela formação de alianças, que gera benefícios de informação para as empresas parceiras e aumenta a confiança entre os envolvidos (Gulati e Singh, 1998; Gulati, Nohria, Zaheer, 2000).Quando duas ou mais organizações vão além das alianças elas podem se juntas dar origem a um novo empreendimento com personalidade jurídica própria, constituindo uma joint venture (Dahab, Guimarães, Dantas, 1994). A formação de uma joint venture pode ser explicada por meio da Teoria do Custo de Transação, segundo a qual a criação desta estrutura é capaz de otimizar os custos com a regulamentação, as atividades de especificação e o monitoramento dos recursos envolvidos (Williamson, 1985). O quadro 1 sintetiza os motivos para a formação de uma joint venture.

Quadro 1 – Motivos para a formação de uma joint venture

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 Protecionismo no país de destino;  Competição de igualdade com fabricantes locais;  Maior penetração de mercado;  Ganhar acesso a canais de distribuição;  Ganhar “expertise” de administração;  Insumos disponíveis localmente;  Vantagem competitiva via compartilhamento de recursos;  Obter Benefício de Megablocos Econômicos Regionais (Redução de alíquota de importação ou exportação por fazer parte do mesmo);  Exigência do governo local para que uma empresa estrangeira se estabeleça no país.  Reduzir o impacto negativo da legislação local sobre investimentos estrangeiros.  Limitações de Capacidade na unidade doméstica – quando as opções de expandir domesticamente no local atual são consideradas desfavoráveis; Quadro 1 – Adaptado de Lima e Carvalho (2011)

A joint ventureconsiste em uma estrutura na qual as organizações desenham conjuntamente um compromisso sobre a estrutura de governança, com o intuito dede alinhar os incentivos entre os participantes da parceria (Kogut, 1988). Em se comparando à outras formas de modalidade contratual, a joint venture apresenta maior flexibilidade para lidar com a incerteza e para oferecer apropriação entre as empresas participantes, alinhando os incentivos entre elas (Dahab, Guimarães, Dantas, 1994). Deste modo é possível notar que a Visão Baseada em Recursos influencia diretamente na formação de joint ventures, uma vez que a nova estrutura criada a partir do relacionamento entre diferentes organizações contempla regras para o acesso e para a gestão de recursos, criando potenciais benefícios e riscos aos parceiros envolvidos(Walker,Kogut, Shan, 1997;Gulati e Gargiulo, 1999; Jensen e Roy, 2008).

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O MERCADO DE CAFÉ NO BRASIL O mercado de cafés no Brasil vem crescendo continuamente.A estimativa da Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC) é que o volume de vendas nas categorias de café torrado e de moído tenha sido de R$ 7,3 bilhões em 2013 (ABIC, 2014). Tal crescimento pode ser visualizado por meio do Gráfico 1.

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Gráfico 1 - Evolução do consumo interno de café no Brasil

Fonte: ABIC, 2014

O contínuo aumento no consumo deve estar estimulando uma consolidação na indústria, que passou de 1.490 indústrias registradas no final de 2012 para 1.428 indústrias ao final de 2013, números gerados principalmente pela redução da quantidade de empresas de pequeno porte neste setor (ABIC, 2014). Adicionalmente à redução de empresas de pequeno porte, o Quadro 2 apresenta um retrato do biênio 2011-2012 que possibilita a visualização de concentração do setor em empresas de grande porte, no qualo 1,5% maior (grupo denominado “acima de 1000 sacas”)controla mais de 50% da produção total, e os 7,8% maior(composto pelos dois grupos de maior porte)controlam aproximadamente 75% do volume total produzido:

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Quadro 2 – Produção e Participação por grupo e porte de empresas associadas

Fonte: ABIC, 2014 Ainda que oQuadro 2 considere apenas café moído e torrado de empresas cadastradas na ABIC, é possível ter a dimensão da concentração do mercado em grandes produtores. Simultaneamente a esta concentração, o consumo de cafés em cápsulas aparece como uma tendência para os próximos anos, tendo crescido 36,5% enquanto o consumo de cafés tradicionais aumentou apenas 4,7% em 2013 (ABIC, 2014). O mercado de cafés em cápsula Para haver o consumo de cafés em cápsula é necessário que o consumidor adquira uma máquina de café expresso, uma vez que há incompatibilidade da cápsula produzida por uma empresa com a máquina produzida por outra organização.Os elevados custos de desenvolvimento de uma máquina e a necessidade de elevada variedade e escala para viabilizar a aquisição pelo consumidor são fatores que também levam a uma concentração do mercado por grandes produtores, reduzindo micro e pequenos produtores a uma atuação local (ACCB, 2014). A evolução do mercado de cafés em cápsula foi acentuada no ano de 2013, quando aproximadamente 10 novas empresas passaram a produzir no Brasil, estimuladas pelo elevado valor agregado do produto (ABIC, 2014). Ao final de 2012 já havia mais de 850 mil unidades de máquinas de café expresso comercializadas no Brasil, com expectativa de intenso crescimento.Este dadoreforça a tendência de consumo monodose, que são os cafés preparados para uma única xícara (Kantar, 2014).

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A atuação de empresas de grande porte pode estar pavimentando a estrada a melhorar a percepção do consumidor sobre produtos de maior valor (ACCB, 2014; ABIC, 2014), ainda que o acesso à esta estrada não seja totalmente viável às micros e pequenas empresas. Compreende-se haver possibilidade de MPEs competirem nacionalmente com grandes empresas, conseguindo inclusive, obter algumas vantagens competitivas. A próximaseção apresenta algumas proposições a partir de uma construção teórica no sentido de viabilizar essa competição.

PROPOSIÇÕES TEÓRICAS Considerando o contexto do mercado brasileiro de café é necessário que as micro e pequenas empresas ganhem escala porque a atuação em nível nacional deverá possibilitar a competição com as grandes empresas a fim de usufruir do mercado de cafés em cápsulas, mercado em que reside o maior crescimento e a maior agregação de valor na indústria do café. Para alcançar o status pretendido, a inovação se apresenta como um caminho necessário às MPEs, possibilitando uma nova estrutura para novas combinações de recursos (Shane, 2003; Shane e Venkataraman, 2000; Weitzman, 1996; Henderson e Clark, 1990; Basalla, 1988; Nelson e Winter, 1982). Ainda que a inovação possibilite novos percursos, há incentivos para a organização diversificarno mesmo mercado quando ela pode estabelecer contratos favoráveis aos seus recursos, nos quaisseus recursos são altamente aplicáveis (Silverman, 1999).Contudo, há uma série de limitações para a firma conseguir a inovar e a diversificar, ainda mais em se tratando de MPEs, dado que o poder de investimento pode ser mais crítico à inovação que a competência tecnológica (Christensen, 1997). Como a questão financeira deve limitar as organizações separadamente, uma alternativa é a formação de uma estrutura combinada para esta nova empreitada. Neste caso uma alternativa viável seria a criação de uma joint venture, dadas as possibilidades de aproveitamento de oportunidades e monitoramento dos recursos envolvidos (Williamson, 1985). Uma joint venture possibilita maior coesão entre as empresas participantes no decorrer do curso de colaboração (Park e Russo, 1996; Kogut, 1989; FichmaneLevinthal, 1988). Dado que a competição em um novo mercado seria viável às MPEs somente por meio de uma joint venture, logo, deverá haver menos conflitos entre as empresas participantes porque os 11

parceiros não seriam concorrentes neste mercado se estivessem fora da estrutura (Park eUngson, 2001; Park e Russo, 1996; Kogut, 1989). Deste modo, propõe-se:

Proposição 1: A criação de uma Joint Venture pelas MPEs, quedeve possibilitá-las competir no mercado de cafés encapsulados em um nível nacional O estabelecimento de um relacionamento entre micros e pequenas empresas produtores de café representado por uma joint venture deve equacionar a questão financeira, possibilitando o desenvolvimento de um recurso em conjunto, neste caso, uma máquina de café expresso. Sobre a estratégia a ser adotada em relação ao recurso principal, a literatura sobre a VBR recomenda a proteção à imitabilidadedo recurso da firma (Barney, 2001; Silverman, 1999; Peteraf, 1993; Barney, 1991; Wernerfelt, 1984). As bases da RBV conduzem ao entendimento que a joint venture deveria criar uma marca para ter uso exclusivo do recurso desenvolvido. Simultaneamente, a corrente literatura sobre marketing destaca que o consumidor final vem valorizando atributos dos produtos relativos à história do produto – o chamado storytelling, que vem sendo utilizado de forma abrangente por diversas marcas em muitos países (Pulizzi, 2012), da responsabilidade social (Lichtensteinet al., 2004), e do poder de escolha representado pela variedade(Mogilneret al., 2008); e a consideração a tais elementos deve gerarmaior valor percebido pelo consumidor final, o que pode leva-lo até mesmo a se dispor a pagar mais (Kalogeraset al., 2009; Unahanandh e Assarut, 2013). Compreende-se aqui uma oportunidade de a joint venture conseguir entregar valor mais elevado se romper com a visão tradicional da RBV e se aproximar mais ao conceito de open source (conforme SLB, 2014; Taurion, 2004), estimulando o desenvolvimento de produtos (cápsulas de café) para utilização não recurso principal (máquinas de café) por todos os micro e pequenos produtores que participam da joint venture e também permitindo o desenvolvimento de cápsulas de café para utilização no recurso produzido pela joint venture (máquina) por empresas que não participam da estrutura. A vantagem competitiva está mais ligada à conquista da especificidade dos recursos, o que melhora a posição da organização em relação à concorrência (Silverman, 1999; Montgomery e Wernerfelt, 1988), e neste caso a execução do conceito de open source no recurso principal 12

(máquinas de café) criou uma nova especificidade, que é a possibilidade de o consumidor escolher entre diversas marcas de cápsula de café, cada um com uma história diferente e destacando as diferentes características de cada produtor, em vez de escondê-los por detrás de uma única empresa de grande porte.

Proposição 2: A aplicação do conceito de ‘open source’ ao recurso principal da firma ao invés da proteção, o que deve gerar uma nova especificidade ao recurso e ser uma fonte de vantagem competitiva No caso proposto, o estabelecimento de um relacionamento por meio de uma joint venture possibilitou uma inovação nem no produto nem no processo, mas no modelo de negócios, no qual os canais de distribuição (que representam a maneira como a empresa vende, comunica e entrega seus produtos e serviços) deve ter especial atenção (Osterwalder, 2011). Com a finalidade de facilitar a comunicação com o cliente, o desenvolvimento de uma identidade visual comum a todas as embalagens das cápsulas de diferentes produtores, o próprio processo de desenvolvimento da qualidade dos produtos e o processo de encapsulamento dos produtos devem ser centralizados na joint venture. As empresas que não participarem da estrutura deverão adotar outra identidade visual, de modo que reforçará a variedade de itens disponibilizados para uso no recurso máquina de café, mas não deverão ter a mesma qualidade percebida pelos consumidores finais. A identidade visual é fruto da parceria, e deve oferecer atributos específicos às empresas que estiverem mais intimamente integradas (Mitchell e Singh, 1996). A centralização de atividades na joint venture deve aliviar as empresas parceiras do desenvolvimento de novas competências, mas também deve exigir determinadas capacitações dinâmicas para a joint venture. O modelo de negócios proposto reduz o atrativo para o comportamento oportunista, o que diminui o custo de governança por meio do reforço da confiança (Zaheer, McEvily, Perrone, 1998; Uzzi, 1996). É extremamente importante que empresas produtoras de café ampliem os investimentos em marketing e publicidade para “orientar, educar e difundir conhecimentos sobre café e suas qualidades”, além de investir também em diferenciação e inovação de produtos (ABIC, 2014). Recomenda-se utilizar como canais de distribuição as cafeterias especializadas, a internet (entrega direta ou retirada do produto pelo cliente na cafeteira indicada); e por meio de 13

parceiros (comoo wine.com, site virtual que funciona como uma espécie de clube que mensalmente envia bebidas e conteúdo sobre a história dos produtores, da safra, e do produto). O sucesso de novos empreendimentos depende em muito da capacidade de desenvolver competências para construção de capacitações em atividades de distribuição (Pisano, 1990). O investimento em marketing cria recursos de capacitações que proporcionam vantagem competitiva (Montgomery eHariharan, 1991).

Proposição 3: O desenvolvimento de uma capacitação dinâmica em estratégia de canal de distribuição, o que deve possibilitar uma fonte de vantagem competitiva Conforme exposto no decorrer do texto, o diferencial para os clientes será uma rede de pequenos produtores vendendo suas cápsulas que podem ser utilizadas na mesma máquina, pois: (i) ao contrário de grandes marcas, onde não se sabe quais são as fazendas produtoras, o consumidor saberá a propriedade, seu histórico, e dados da safra; (ii) o consumidor não ficará refém de uma única marca de cápsula para utilizar em sua máquina; (iii) possibilidade de consumir mais que um café, consumir uma história, uma experiência, semelhante a produtos de alto valor agregado como o vinho. Acredita-se que esta estratégia de valorizar cada produtor em separado também deve fortalecer as marcas individualmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Sendo a questão financeira um fator impeditivo para a entrada de micro e pequenas empresas em determinados mercados, cada vez mais se faz importante estabelecer relacionamentos interorganizacionais, repensar modelos estabelecidos, e buscar a inovação e a aplicação de novos conceitos. O mercado de café no Brasil está passando por transformações nas quais os consumidores valorizam cada vez mais a aquisição de produtos com valor agregado, e as proposições aqui elaboradas contemplam a valorização da cadeia do café, com concepções relacionadas à responsabilidade social empresarial. Este artigo apresentou um ensaio teórico sobre compartilhamento de recursos para a obtenção de vantagem competitiva, com o objetivo de repensar a RBV exemplificando a aplicação do

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conceito de open source em MPEs viabilizado pelo estabelecimento de relacionamentos interorganizacionais por meio de uma joint venture. As proposições deste texto buscam contribuir à competitividade com vantagens específicas pelas MPEs em um mercado com elevadas barreiras aos entrantes de menor porte, e suas construções consideraram que o estabelecimento do relacionamento por meio de uma joint venturepoderia possibilitar o compartilhamentodo recurso principal com atores de dentro e de fora da estrutura. Isso vai de encontro à literatura tradicional sobre RBV que preza pela proteção do recurso, e se aproxima do conceito de open source, que determina a abertura do uso do recurso. Compreende-se que este artigo não se esgota em si; portanto, recomenda-se que estudos futuros elaborem cenários para a aplicação das proposições aqui levantadas em outros mercados, também em outros contextos. Adicionalmente, recomenda-se avaliar se a participação de MPEs em uma joint venture conduz ao aumento do valor individual das firmas.

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