REPRESENTAÇÃO E “DESPERDÍCIO DE VOTOS”: UMA DEFESA DO VOTO PROPORCIONAL DE LISTA FECHADA
Theófilo Codeço Machado Rodrigues, PUC-Rio
[email protected]
ISSN: 2317-6334 para a publicação online - Anais III Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política – UFPR - Curitiba 31 de julho de 2013 a 02 de agosto de 2013.
REPRESENTAÇÃO E “DESPERDÍCIO DE VOTOS”: UMA DEFESA DO VOTO PROPORCIONAL DE LISTA FECHADA
Theófilo Codeço Machado Rodrigues1
RESUMO: O debate sobre a reforma política assumiu intenso protagonismo na agenda política do parlamento nos últimos anos, em especial em 2011. Dentro do debate acerca da reforma política o foco que tem gerado maior polêmica tem sido ainda o da reforma eleitoral. O presente trabalho pretende argumentar em defesa de uma reforma que garanta a implementação do sistema proporcional de lista fechada no modelo eleitoral brasileiro. Empiricamente utilizaremos os dados da eleição brasileira de 2010 para deputados federais e estaduais com o objetivo de testar o conceito de “desperdício de votos” e demonstrar que o sistema proporcional de lista fechada pode ser um caminho para a reforma.
PALAVRAS-CHAVE: teoria política ; sistema eleitoral ; reforma política
INTRODUÇÃO 1
Theófilo Codeço Machado Rodrigues: PUC-Rio,
[email protected], Mestre em Ciência Política pela UFF, Doutorando em Ciências Sociais pela PUC-Rio. ISSN: 2317-6334 para a publicação online - Anais III Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política – UFPR - Curitiba 31 de julho de 2013 a 02 de agosto de 2013.
O debate sobre a reforma política assumiu intenso protagonismo na agenda política do parlamento nos últimos anos, em especial em 2011. Dentro do debate acerca da reforma política o foco que tem gerado maior polêmica tem sido ainda o da reforma eleitoral. O presente trabalho pretende argumentar em defesa de uma reforma que garanta a implementação do sistema proporcional de lista fechada no modelo eleitoral brasileiro. O sistema proporcional de lista aberta não é o método de apuração de preferências mais utilizado mundo à fora: além do Brasil, apenas outros 12 países como Finlândia, Chile, Chipre, Dinamarca, Equador, Finlândia, Letônia, Luxemburgo, Noruega, Peru e Polônia adotaram este mecanismo enquanto 29 apropriaram-se da lista fechada2. Como já descrito anteriormente, no sistema proporcional de lista aberta utilizado no Brasil, cada partido apresenta uma lista de candidatos e o eleitor pode votar em apenas um nome desta lista. A soma dos votos de cada candidato da lista define a quantidade de cadeiras que cada partido poderá assumir. Assumem estas cadeiras os candidatos mais votados da lista. No Brasil o sistema proporcional de lista aberta vem sendo empregado permanentemente desde 1934, ainda que muitas tenham sido as tentativas de reformas que visassem sua substituição por outros modelos conforme observamos no debate que ocorreu no Congresso Nacional em 2011, entre muitos outros exemplos. Tabela 1: Modelos de representação proporcional de lista por país. 2
Existe uma certa imprecisão dentro da literatura especializada para estes dados. Por ser a mais atual, utilizamos a tabela 1 formulada por Nicolau (2012) que nos apresenta 29 países que utilizam a lista fechada. Segundo Marenco dos Santos (2006) são 28 os países que adotam o sistema proporcional de lista fechada em todo o mundo: África do Sul; Argentina; Benin; Bósnia-Herzegovina; Bulgária; Burkina-Faso; Costa Rica; El Salvador; Espanha; Guiana; Holanda; Honduras; Indonésia; Islândia; Israel; Madagascar; Moçambique; Namíbia; Nicarágua; Noruega; Paraguai; Polônia; Portugal; República Dominicana; Romênia; Serra Leoa; Turquia; e Iugoslávia. Já para Marcus Ianoni (2011) são 39 países que utilizam a lista fechada: África do Sul; Angola; Argélia; Argentina; Benin; Bulgária; Burundi; Cabo Verde; Camboja; Colômbia; Costa Rica; Croácia; El Salvador; Espanha; Guatemala; Guiana; Guiné Equatorial; Guiné Bissau; Honduras; Iraque; Israel; Macedônia; Madagascar; Marrocos; Moçambique; Moldávia; Namíbia; Nicarágua; Niger; Paraguai; Portugal; Romênia; Ruanda; São Marino; São Tomé e Príncipe; Suriname; Serra Leoa; Turquia; e Uruguai.
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País
Aberta Fechada Flexível
País
Aberta Fechada Flexível
África do Sul
X
Israel
x
Argentina
X
Itália
x
Áustria
x
Letônia
X
Bélgica
x
Luxemburgo
X
Benin
X
Bósnia e Herzegovina Brasil
x x
Macedônia
x
Moldávia
x
Marrocos
x
Bulgária
x
Montenegro
x
Cabo verde
x
Namíbia
x x
Chile
x
Nicarágua
Chipre
x
Noruega
x
Colômbia
x
Panamá
Costa Rica
x
Paraguai
Croácia
x
Peru
X
Polônia
X
Dinamarca
x
El Salvador Equador
X x
X x
Portugal
x
República Dominicana
x
Eslovênia
x
República Tcheca
Eslováquia
x
Romênia
x
Serra Leoa
x
Servia
x
Espanha
X
Estônia Finlândia
x x
Suriname
Grécia
x
x
X
Suécia
x
Guatemala
X
Suíça
X
Guiana
X
Turquia
x
Holanda
x
Ucrânia
x
Indonésia
x
Uruguai
x
Islândia
x
Fonte 1: Schmidt (2009): www.electionguide.org OBS: Retirado de NICOLAU, 2012.
Como já foi dito, são poucos os países no mundo que adotaram o sistema proporcional de lista aberta. Grosso modo, são três as principais críticas apresentadas ao
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modelo brasileiro: (1) o personalismo; (2) a disputa intrapartidária; (3) e a impossibilidade de implementação do financiamento público de campanha. Por ser um modelo que considera os votos dados para os nomes de cada lista e não para os partidos, ao contrário do que acontece na maior parte dos países do mundo, a literatura especializada tende a considerar o sistema proporcional de lista aberta como forte influenciador do personalismo na política (MAINWARING, 1991). Nas eleições de 2010 para a Câmara dos Deputados, por exemplo, apenas 573.986 eleitores do Rio de Janeiro (7,18%) votaram na legenda enquanto 7.423.341 (92,82%) votaram personalizadamente em algum candidato. Na lista aberta os partidos têm fortes incentivos para atrair nomes de lideranças e personalidades com “alta popularidade”. Como a bancada final de um partido depende do somatório
dos
votos
que
cada
candidato
conquista
individualmente, quanto mais nomes expressivos o partido tiver, maiores as chances de eleger uma bancada significativa. Por outro lado, o partido tem mecanismos limitados para favorecer a eleição de lideranças partidárias incapazes de conquistar tantos votos quantos outros nomes com forte apelo eleitoral (NICOLAU, 2004a). Entretanto, talvez seja injusto considerar apenas esta variável institucional como causadora do personalismo na política. Pode ser uma variável importante de explicação, mas seria imprudente considera-la apenas, isoladamente de outras variáveis. De acordo com Michel Neil Trindade Francisco “caso não seja inserido o elemento histórico e cultural para explicar o personalismo da política brasileira, a argumentação fica manca e limitada. É frequente nas análises dos partidos no Brasil o negligenciamento dos aspectos históricos e culturais” (FRANCISCO, 2006). O pensamento político e social brasileiro já nos indicou há algum tempo o quanto é determinante para o personalismo político a identidade cultural e a estrutura ISSN: 2317-6334 para a publicação online - Anais III Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política – UFPR - Curitiba 31 de julho de 2013 a 02 de agosto de 2013.
social de nossa formação. Clássicos como Coronelismo, enxada e voto de Victor Nunes Leal (1997), Raízes do Brasil de Sergio Buarque de Holanda (1995), O Mandonismo local na vida política brasileira, de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1976) entre muitos outros já nos mostraram esta característica. Maria Isaura apresentando o mandonismo característico de nossas relações sociais desde o início da colônia até o fim da República Velha ou mesmo os estudos de Victor Nunes sobre o coronelismo presente na primeira república são exemplos importantes, mas é Sergio Buarque quem melhor apresenta esta característica como advinda desde a nossa formação ibérica e permanentemente presente. O personalismo seria, portanto, marca de nossa origem. De acordo com Sergio Buarque, À frouxidão da estrutura social, à falta de hierarquia organizada devem-se alguns dos episódios mais singulares da história das nações hispânicas, incluindo-se nelas Portugal e o Brasil. Os elementos anárquicos sempre frutificaram aqui facilmente, com a cumplicidade ou a indolência displicente das instituições e costumes. As iniciativas, mesmo quando se quiseram construtivas, foram continuamente no sentido de separar os homens, não de os unir. (...) A falta de coesão em nossa vida social não representa, assim, um fenômeno moderno (HOLANDA, 1995). Outra crítica apresentada ao sistema proporcional de lista aberta é o de que ele estimula durante a eleição uma disputa intrapartidária e a conseqüência desta disputa é o enfraquecimento orgânico do próprio partido. “Como o número de candidatos é maior que o de cadeiras que o partido conquistará, haveria uma disputa para ficar entre os primeiros da lista” (NICOLAU, 2004a). Uma terceira crítica ao sistema proporcional de lista aberta é feita pelos defensores do financiamento público de campanha. O argumento é o de que a implementação do financiamento público de campanha só é possível com a lista fechada
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na medida em que seria impossível distribuir os recursos entre os candidatos e fiscalizálos de maneira eficiente num modelo de lista aberta (SAMUELS, 2006, pg. 151). No entanto, uma crítica que também pode ser feita ao sistema proporcional de lista aberta diz respeito ao “desperdício de votos”. Será sobre este aspecto que raramente é abordado pela literatura especializada que me deterei mais firmemente. O conceito de “desperdício de votos” foi formulado originalmente pelo professor Renato Lessa em um artigo publicado em 1993 numa coletânea organizada por Emilio Eigenheer, intitulada Raízes do Desperdício e editada pelo ISER. O artigo intitulado Notas sobre o desperdício e sua ubiqüidade: uma perspectiva da ciência política foi posteriormente reproduzido na coletânea de artigos do professor Renato Lessa intitulado Presidencialismo de animação (2006). Para Lessa, um grave exercício de desperdício pode se dar através do sistema eleitoral. Em suas palavras, Permanecendo no âmbito da política e do sistema político há outros domínios menos evidentes de manifestação do desperdício. Um dos mais graves, já que atinge as formas de expressão da cidadania política, se situa no âmbito dos sistemas eleitorais. Em uma sociedade democrática é de esperar que o sistema eleitoral tenha por finalidade fazer com que o maior número possível de votos apresente-se como relevante para a configuração do mundo político. É exatamente por essa razão que um dos requisitos invioláveis dos sistemas eleitorais democráticos é o sufrágio universal (LESSA, 2006, pg. 48). Partindo do pressuposto de que o “desperdício de votos” é um mal do sistema eleitoral a ser evitado, Lessa propõe a seguinte formulação: Nesse sentido, a aplicação da premissa erradicadora do desperdício (ajuste entre necessidade e provisão) sobre o âmbito
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dos sistemas eleitorais poderia ter o seguinte enunciado: “um sistema eleitoral que tenha por objetivo o aproveitamento máximo das decisões individuais expressas em votos deve garantir a correspondência entre demanda por participação e oferta de representação” (LESSA, 2006, pgs 48-49). De acordo com a tese proposta por Lessa o sistema majoritário conhecido como distrital puro é o que possui a maior tendência de haver desajuste de representação, ou “desperdício de votos”. O
primeiro
sistema
eleitoral
dotado
dessas
características, a ser aqui considerado, está em uso na GrãBretanha, em todos os países da Commonwealth britânica e nos Estados Unidos. Trata-se do sistema de pluralidade baseado em distritos uninominais. Esse nome excessivamente técnico vem sendo substituído no debate pela expressão imprecisa de sistema distrital puro. Nesse sistema os representantes são eleitos em circunscrições eleitorais com direito a apenas uma cadeira no parlamento. A exigência para ser eleito por esse distrito uninominal é a de conquistar a maioria dos votos. Qualquer maioria é suficiente para isto, não sendo necessária pois que seja absoluta. Portanto, em uma circunscrição eleitoral com, por exemplo, cinco partidos competitivos, é possível a vitória de um candidato com pouco mais de 20% dos votos. Nesse caso, 80% dos eleitores não tem acesso à representação, configurando uma situação de desperdício de votos. Em outras palavras, trata-se de um contingente de votos excluído do sistema de representação (LESSA, 2006, pg. 49).
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Em seu artigo Lessa utiliza o exemplo da eleição para a Câmara dos Comuns no Reino Unido em 1992 em que os Conservadores assumiram muito mais cadeiras do que tiveram de votos enquanto os Liberais conquistaram um número muito reduzido de cadeiras perto do número de votos que obteve. Como já vimos neste trabalho o sistema distrital tende a não trazer para o parlamento os partidos minoritários e foi justamente por este motivo que este sistema não sobreviveu no Brasil. Todavia, o “desperdício de votos” não é encontrado apenas nos sistemas majoritários. Outra forma de se desperdiçar votos se dá, segundo Lessa, com a aplicação do sistema proporcional de lista aberta. Ainda que em menores proporções se comparada ao sistema majoritário, a lista aberta é um mecanismo incompleto na tarefa de transformar preferências em representação. O cenário pode ser resumido do seguinte modo: todos os votos de um candidato fracassado, já que pertencem ao partido, são transferidos a outros candidatos, sem que o eleitor manifeste qualquer decisão a esse respeito. Da mesma forma, todos os votos obtidos por um candidato bem-sucedido, e que excedem a quota
eleitoral,
são
transferidos
para
candidatos
que
individualmente não alcançam este limiar. Trata-se, portanto, de um método eleitoral gerador de considerável dose de votos desperdiçados, com o agravante de que seu destino é distinto daquele manifestado originalmente pelo eleitor (LESSA, 2006, pg. 51-52). De forma ainda mais rigorosa Lessa continua sua crítica ao sistema proporcional de lista aberta. O non-transferable vote define-se, portanto, como o pior dos mundos possíveis, no que diz respeito à aplicação do princípio da representação proporcional. Apesar de acenar com a possibilidade de livre escolha do eleitor, o sistema impede
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qualquer controle do cidadão sobre a migração a que se submete o seu voto. (...) A distorção básica do sistema de lista partidária adotado no Brasil, portanto, é a de que ele interdita um dos principais
propósitos
do
princípio
da
representação
proporcional: garantir que o maior número possível de votos (opiniões) constitua a representação (LESSA, 2006, pg.53-54). Segundo Lessa, o sistema que melhor pode garantir o desperdício mínimo de votos é o sistema proporcional de lista fechada. Em suas palavras, com a lista fechada “o desperdício de votos é mínimo, pois atinge apenas a partidos que não conseguem um número de votos capaz de eleger pelo menos uma cadeira” (LESSA, 2006, pg. 55). Para testar a hipótese do “desperdício de votos” no sistema proporcional de lista aberta brasileiro o presente estudo analisou os dados das eleições para a Câmara dos Deputados e para as assembleias legislativas em 2010. Como podemos observar na Tabela 2 abaixo cerca de 30% dos eleitores votaram em 2010 em um candidato à deputado federal que não foi eleito. Votaram em alguma legenda cerca de 10% do eleitorado e outros 60% votaram em algum candidato que de fato foi eleito.
Tab 2 Câmara dos Deputados (Eleições 2010) Votos em Legenda
9094833
9,25
Votos em Eleitos
58996382
59,99
Votos em Legenda + Votos em Eleitos
68091215
69,24
Votos em Não Eleitos
30244684
30,76
Votos Válidos
98335899
100
A taxa de desperdício de votos em 2010 foi, portanto, de 30% dos votos. Os dados desagregados de votos em não-eleitos apresentados na Tabela 3 abaixo nos mostram como foi este resultado em cada um dos 27 estados. Como podemos observar
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nesta Tabela 3, a variação de votos em não-eleitos vai de um ponto máximo de 54,2% no Amapá até um ponto mínimo de 17,47% em Pernambuco. Imaginar que mais da metade dos eleitores de um estado não votou em nenhum dos deputados eleitos daquele estado, como ocorreu no Amapá em 2010, nos aponta uma primeira possibilidade de problema de representação oferecido pelo voto proporcional em lista aberta. Torna-se intuitivo imaginar que estes 54,2% da população não se sintam representados no Parlamento.
Tabela 3
Votos em não-eleitos Câmara dos Deputados 2010
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Estado
Cadeiras
Votos em não eleitos
%
RS
31
2001731
32,47
SC
16
1373298
39,56
PR
30
1837609
32,14
SP
70
7203543
32,78
RJ
46
2874345
35,94
MG
53
3001370
28,82
ES
10
798036
42,31
GO
17
700535
23,44
DF
8
377783
26,87
MS
8
434457
33,91
MT
8
658513
43,70
AC
8
77518
22,55
RR
8
93110
41,81
RO
8
292279
36,98
AM
8
476708
31,15
AP
8
184175
54,20
TO
8
298202
40,96
PA
17
719750
21,03
AL
9
393922
27,83
SE
8
267824
26,04
RN
8
329818
19,95
CE
22
1189690
27,94
PI
10
400788
24,05
MA
18
1078643
35,44
PE
25
777457
17,47
BA
39
1788499
26,76
PB
12
615081
31,50
Total
513
30244684
30,76
A mesma observação foi feita sobre o voto para os deputados nas assembléias estaduais em 2010. A Tabela 4 a seguir nos indica a taxa de votos em não-eleitos dividida por estado. Como podemos observar nesta tabela, os votos em não-eleitos para as assembleias legislativas de 2010 vão de um ponto máximo de 62,29% no Distrito
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Federal até um ponto mínimo de 27,79% no Piaui. Imaginar que em 7 estados (ES, GO, DF, AC, RR, RO e AM) mais da metade do eleitorado não elegeu diretamente um representante para a Assembleia Legislativa reafirma a necessária preocupação com o desperdício de votos.
Tabela 4
Votos em não-eleitos Assembleias Legislativas 2010
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Estado Cadeiras
Votos em não eleitos
(%)
RS
55
2957403
47,43
SC
40
1501240
42,60
PR
39
2363936
40,12
SP
94
7894569
36,95
RJ
70
3387884
40,83
MG
77
4103168
39,61
ES
30
968050
51,61
GO
41
1610728
53,03
DF
24
887995
62,29
MS
24
485480
37,39
MT
24
680168
43,94
AC
24
211035
61,86
RR
24
124956
55,57
RO
24
410352
51,93
AM
24
770092
51,46
AP
24
157767
47,40
TO
24
297667
40,43
PA
41
1637413
47,72
AL
27
457976
32,13
SE
24
320216
30,17
RN
24
584203
33,92
CE
46
1438099
33,02
PI
30
470171
27,79
MA
42
1083347
35,20
PE
49
1666312
37,03
BA
63
2490044
36,65
PB
36
694446
35,01
Como nos mostram os dados, existe uma possível correlação de variáveis entre estas taxas e as regiões geográficas do país. Na região Sul, por exemplo, a taxa de votos em não-eleitos varia entre 40% e 47%. Na região Sudeste entre 36% e 51%. Na região
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Centro-Oeste entre 37% e 62%. No Norte entre 40% e 62% e, por fim, no Nordeste, entre 27% e 37%. Outra possível correlação intuitiva a ser feita diz respeito à sub e sobrerepresentação parlamentar nestes estados. A hipótese seria a de que estados que possuem proporcionalmente menos cadeiras que eleitores possuem maior taxa de votos em não-eleitos, enquanto os estados que possuem proporcionalmente mais cadeiras que eleitores possuem uma menor taxa de votos em não-eleitos. Cada unidade da federação possui um número de cadeiras determinado pela Constituição Federal. Segundo o artigo 27 da C.F, “o número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze”. Para testar esta hipótese sobre a correlação entre desproporcionalidade de representação e taxa de não-eleitos nas assembléias estaduais isolamos apenas aqueles estados cujo número mínimo de 24 cadeiras é estipulado pela Constituição Federal. O resultado está na Tabela 5 abaixo.
Tabela 5 Votos em Não-Eleitos nas Assembleias Legislativas com número mínimo de cadeiras (2010)
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Estado
Cadeiras Eleitorado Votos em não eleitos
(%)
RN
24
2.246.691
584203
33,92
MT
24
2.095.821
680168
43,94
AM
24
2.030.549
770092
51,46
DF
24
1.835.280
887995
62,29
MS
24
1.702.511
485480
37,39
SE
24
1.425.973
320216
30,17
RO
24
1.079.327
410352
51,93
TO
24
948.920
297667
40,43
AP
24
420.890
157767
47,40
AC
24
470.975
211035
61,86
RR
24
271.890
124956
55,57
Como podemos observar na Tabela 5 acima, a hipótese intuitiva de correlação entre taxa de votos em Não-Eleitos e desproporcionalidade de representação não se confirma no teste empírico. Caso a hipótese fosse verdadeira, estados como Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Amazonas deveriam ter as maiores taxas de voto em nãoeleitos enquanto estados como Roraima, Acre e Amapá deveriam ter as menores taxas. Não há como afirmarmos, portanto, que a alta taxa de votos em não-eleitos encontrada no voto proporcional de lista aberta seja um problema de distorção proporcional, ou seja, um problema entre sub-representação e sobre-representação federativa. A solução para tal problema não poderia passar, portanto, num reajuste no número de cadeiras de cada estado. A alternativa possível para a redução desta alta taxa de votos em não-eleitos estaria, assim, resumida apenas à mudança de modelo, transformando o atual modelo de voto proporcional em lista aberta para o voto proporcional de lista fechada. Tomemos o caso do Rio de Janeiro como exemplo. No ano de 2010 houve uma taxa de 56,88% de votos em eleitos para a Câmara dos deputados no estado, 7,18% de votos em legenda e 35,94% de votos em não eleitos conforme podemos observar na tabela 6 abaixo.
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Tabela 6
Câmara dos Deputados Rio de Janeiro (Eleições 2010) Votos em Legenda
573986,00
7,18
Votos em Eleitos
4548996 56,88
Votos em Legenda + Votos em Eleitos
5122982 64,06
Votos em Não Eleitos
2874345 35,94
Votos Válidos
7997327 100,00
Já para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro houve uma taxa de 49,83% de votos em eleitos para a assembleia legislativa do estado, 9,34% de votos em legenda e 40,83% de votos em não eleitos conforme podemos observar na tabela 7 abaixo. Tabela 7
Assembleia Legislativa (Eleições 2010)
do
Rio
de
Janeiro
Votos em Legenda
775135
9,34
Votos em Eleitos
4134520 49,83
Votos em Legenda + Votos em Eleitos 4909655 59,17 Votos em Não Eleitos
3387884 40,83
Votos Válidos
8297539 100,00
Naquela eleição o Rio de Janeiro contou com 1.643 candidatos para deputados estaduais e 821 candidatos para deputados federais distribuídos em 26 partidos diferentes que disputavam as 70 cadeiras da ALERJ e as 46 cadeiras da Câmara. É intuitivo imaginar que nenhum eleitor tenha tido informação ou conhecimento
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suficiente sobre todos os 1.643 candidatos para a ALERJ e sobre todos os 821 candidatos para a Câmara de modo que pudesse escolher da melhor forma possível em quem votar, problema já conhecido da lista aberta. Por outro lado, seria plausível afirmar que a lista fechada traria a vantagem de facilitar ao eleitor o acesso à informação sobre quem votar na medida em que haveria apenas 26 opções de voto. Com a lista fechada o desperdício de votos também seria mínimo já que apenas os eleitores que votaram em algum partido que não obteve nenhuma cadeira na ALERJ ou na Câmara teriam seus votos desperdiçados. No caso da eleição para a ALERJ seriam os eleitores do PSTU, PCB e PTC que representam menos de 1% do total dos votos. Não considerei nesta contagem o PSL e o PHS, pois apesar de não terem eleito nenhum deputado estadual diretamente, estavam em coligação com partidos que elegeram. De qualquer modo, ainda que fossem considerados os votos nesses partidos a taxa de desperdício continuaria inferior a 1%. No caso da Câmara seriam desperdiçados apenas os votos dados ao PCB, PSTU e
PTdoB, irrisórios no cômputo geral. A
diferença é imensa se compararmos com as taxas de desperdício de votos encontradas em 2010 no Rio: 40,83% na ALERJ e 35,94% na Câmara dos deputados. Com a redução da taxa de desperdício de votos que passaria a ser praticamente nula, o sistema de lista fechada, ainda que possa não aproximar diretamente o eleitor do eleito, aproximaria o eleitor dos partidos políticos, além de aumentar a relação do eleitor com o parlamento na medida em que este saberia concretamente que seu voto transformou-se em representação ao contrário do que acontece com a lista aberta. Seria assim atendido o pressuposto de Lessa (2006) de que o sistema eleitoral deve garantir da melhor forma possível a “correspondência entre demanda por participação e oferta de representação”. Há de se imaginar também que o que Carey e Shugart (1995) chamam de “reputação partidária” aumentaria em detrimento da “reputação pessoal”, ou seja, a informação sobre a identidade dos partidos políticos seria mais importante para o eleitor que a informação sobre os candidatos isoladamente. De acordo com Nicolau,
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(...) os estudiosos dos sistemas eleitorais em geral concordam que a lista aberta tende a estimular as campanhas centradas no candidato. Como os candidatos têm que obter votos individuais, é natural que reforcem seus atributos (reputação pessoal) para se distinguir dos colegas de partido, ou dos atributos que são comuns a todos os membros do partido (reputação partidária). Os estudos sobre os dois países que utilizam a lista aberta por longo período (Finlândia e Chile) mostram uma predominância de campanhas centradas nos candidatos (NICOLAU, 2006). Quando analisamos as possibilidades de realizarmos uma mudança no sistema eleitoral devemos avaliar os prós e os contras de tais alterações. Todos os sistemas possuem vantagens e desvantagens. Aos construtores da engenharia institucional cabe pesar na balança todas as consequências possíveis e buscar por aquilo que Couto (2011) definiu como melhor “resultado global”, ou seja, em qual modelo as vantagens superam as desvantagens. Se outros motivos para aplicarmos uma reforma do sistema eleitoral ainda não são consistentes o suficiente para, por si só, justificarem as mudanças, o mesmo não pode ser dito da busca pelo fim do desperdício de votos. Talvez aí esteja um bom caminho argumentativo para os defensores da lista fechada. O desperdício de votos não contribui para um dos mais importantes resultados globais que se espera de um processo democrático, qual seja, a maximização da relação entre participação e representação, a maximização da relação entre o voto do eleitor e a eleição de representantes, ou, nas palavras de Lessa “correspondência entre demanda por participação e oferta de representação”. Nesse sentido, o trabalho argumenta sobre a necessidade de se inserir o debate sobre a mudança do sistema eleitoral de lista aberta no sistema representativo como um todo. Uma taxa geral de aproximadamente um terço de desperdício de voto não parece ser adequada para a plena eficiência de um sistema representativo de uma poliarquia consolidada. Por outro lado, a lista fechada propiciaria
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uma minimização do desperdício de voto que só existiria para os eleitores que votassem em partidos que não alcançassem o limiar. A substituição da reputação pessoal, fomentadora do personalismo, pela reputação partidária, fomentadora dos nexos de sociabilidade e solidariedade intrapartidários, fortaleceria simultaneamente o sistema partidário e o sistema representativo como um todo.
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