Representação por inconstitucionalidade - Proibição do Uber

May 29, 2017 | Autor: Thiago Viana | Categoria: Direito, Direito Constitucional, Controle De Constitucionalidade
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO

THIAGO GOMES VIANA, brasileiro, solteiro, advogado (OAB/MA nº 10.642), e MYLLA MARIA SOUSA SAMPAIO, brasileira, solteira, universitária, portadora do CPF nº 051.538.483-61, ambos residentes e domiciliados em São Luís/MA, vem perante Vossa Excelência apresentar

REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE Contra o Projeto de Lei nº 119/2015, aprovado pela Câmara dos Vereadores de São Luís, que dispõe sobre a proibição do uso de veículos particulares para o transporte remunerado individual de pessoas no município de São Luís (Uber), pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

I - HISTÓRICO A Câmara de Vereadores de São Luís aprovou o Projeto de Lei nº 119/2015 (PL nº 119/2015) (em anexo), de autoria da Exma. Vereadora Luciana Mendes, que dispõe sobre a proibição do uso de veículos particulares para o transporte remunerado individual de pessoas no município de São Luís. O PL aprovado determina a proibição do transporte remunerado individual de pessoas em veículos particulares cadastrados através de aplicativos para locais préestabelecidos (art. 1º), bem como a associação entre empresas administradoras desses aplicativos e estabelecimentos comerciais para o transporte remunerado de passageiros em veículos não remunerado de passageiros em veículos que não sejam táxi (Lei municipal nº 248/2013) (art. 2º). No art. 3º, o PL aprovado comina multa no valor de R$ 1.700,00 (mil e setecentos reais), a apreensão de veículo e demais sanções cabíveis, que podem ser aplicadas tanto contra o condutor quanto contra as empresas solidárias. O PL aprovado, pro fim, determina sua regulamentação por meio de por Decreto do Poder Executivo Municipal no prazo de 90 (noventa) dias contados de sua publicação, devendo as despesas com a execução da lei correrem às custas de dotações orçamentárias, inclusive com suplementação, se necessário (arts. 4º e 5º).

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Conforme informações da imprensa1, o PL acima transcrito foi aprovado em julho último2 e, tendo expirado o prazo de 15 dias para sanção pelo Prefeito, a autora do PL requereu ao Presidente da Câmara a promulgação da lei, nos moldes do art. 70, § 3º, da Lei Orgânica do Município de São Luís. Ocorre que o PL foi aprovado para proibir, em verdade, a operação do aplicativo Uber em São Luís, contudo o mesmo padece de sérias e graves inconstitucionalidades, conforme se demonstrará mais à frente. Antes, contudo, faz-se mister tecer algumas considerações para entender o contexto de propositura desse malfadado projeto eleitoreiro. O aplicativo Uber, como se sabe, é um aplicativo de celular que conecta uma pessoa a um motorista particular, utilizando a geolocalização para oferecer o carro mais próximo do consumidor. Desde que chegou ao Brasil em 2014, o Uber provocou uma série de reações. Infelizmente foram vários episódios criminosos e lamentáveis noticiados pela imprensa: em agosto de 2015, em Brasília, taxistas obrigaram um casal a descer do carro do serviço Uber e o coagiu a entrar em um táxi3; no mesmo mês, em São Paulo, um motorista do Uber foi agredido e sequestrado por taxistas, além de ter o carro vandalizado4; no Rio de Janeiro, o Ministério Público pediu a prisão de dez taxistas por agressão a motorista de Uber, tendo sido apurado que o grupo era acostumado a andar com ovos e barras de ferro para praticar atos criminosos contra motoristas que usam aplicativo5; também no Rio, uma idosa quase foi atropelada quando tentava pegar um carro do Uber no Aeroporto Internacional Tom Jobim6; em Belo Horizonte, A pedido dos taxistas, Câmara aprova projeto que proíbe Uber em São Luís, O Imparcial, 08/09/2016, disponível em: http://www.oimparcial.com.br/_conteudo/2016/09/ultimas_noticias/urbano/194329a-pedido-dos-taxistas-camara-aprova-projeto-que-proibe-uber-em-sao-luis.html 2 Não se faz referência ao número da lei respectiva desse projeto por absoluta falta de informações no site da Câmara de Vereadores de São Luís, em grave violação aos princípios da Lei nº 12.527/2011. Os requerentes tiveram de ir pessoalmente à Câmara para, após muita dificuldade, ter acesso ao conteúdo do PL nº 119/2015. 3 Taxistas obrigam casal a descer de um carro do Uber e entrar em um táxi, Correio Brasiliense, 04/08/2015, disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2015/08/04/interna_cidadesdf,493285/ta xistas-obrigam-casal-a-descer-de-um-carro-do-uber-e-entrar-em-um-tax.shtml 4 Motorista do Uber diz que foi agredido e sequestrado por taxistas em SP, G1, 10/08, 2015, disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/08/motorista-do-uber-e-sequestrado-e-agredidopor-taxistas-em-sp.html 5 MP pede a prisão de dez taxistas por agressão a motorista de Uber, O Dia, 13/07/2016, disponível em: http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2016-07-13/mp-rj-pede-a-prisao-de-dez-taxistas-por-agressao-amotorista-de-uber.html 6 Taxista tenta atropelar idosa que pegava Uber no Galeão, R7, 26/05/2016, disponível em: http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/taxista-tenta-atropelar-idosa-que-pegava-uber-no-galeao25052016 1

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recentemente, um motorista do Uber foi esfaqueado por taxistas7. Em várias cidades do Brasil, foram propostos pelas Câmaras de Vereadores ou pelo Poder Executivo projetos de lei proibindo os serviços do Uber, a exemplo do Distrito Federal8, Porto Alegre9 e São Paulo10. Em setembro de 2015, segundo levantamento da BBC Brasil, em mais da metade das capitais brasileiras já havia sido apresentado projeto de lei para proibir o Uber.11 Dito isso, passamos à análise da compatibilidade do referido PL em relação ao ordenamento jurídico nacional, estadual e municipal.

II – FUNDAMENTAÇÃO As inconstitucionalidades do PL nº 119/2015 são tanto de ordem material quanto de ordem formal, em grave ofensa não apenas à Constituição Federal de 1988, e Constituição do Estado do Maranhão, mas também à Lei Orgânica do Município de São Luís, e, ainda, violação flagrante do Código Civil/2002, a Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), como se passa a demonstrar.

II.A – Considerações gerais acerca do PL Em matéria publicada pela imprensa12, a Exma. Vereadora autora do projeto de lei que visa a proibição do Uber em São Luís alega que o aplicativo fere a Constituição Federal de 1988, o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Municipal, que regulamenta o serviço de táxi; declara ainda que os valores cobrados pelo aplicativo são baixos porque está isento de tributos e que o “único profissional habilitado para o serviço é o taxista”. A categoria, por sua vez, espera que a Câmara de Vereadores impeça o Motorista de Uber é esfaqueado por taxista em Belo Horizonte, Folha de São Paulo, 30/08/2016, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/08/1808340-motorista-do-uber-eesfaqueado-em-belo-horizonte.shtml 8 Lei do Uber é sancionada no DF sem restringir versão “popular” do app, G1, 02/08/2016, disponível em: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2016/08/sem-limitacao-versao-popular-lei-do-ubere-sancionada-no-df.html 9 Prefeitura entrega à Câmara projeto de regulamentação do Uber, Zero Hora, 04/07/2016, disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto-alegre/noticia/2016/05/prefeitura-entrega-a-camara-projeto-deregulamentacao-do-uber-5802483.html 10 Deputados de SP querem proibir Uber em todo o Estado, Estadão, 11/05/2016, disponível em: http://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/por-dentro-da-metropole/deputados-de-sp-querem-proibiruber-em-todo-o-estado/ 11 Mais da metade das capitais brasileiras já têm projetos de lei contra o Uber, BBC Brasil, 09/09/2015, disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150908_uber_projetos_de_lei_rb 12 A pedido..., O Imparcial, 08/09/2016. 7

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exercício da atividade do Uber, pois, para eles, a concorrência seria prejudicial, em virtude dos altos impostos que pagam à municipalidade. É compreensível que os taxistas se revoltem com a situação: inexiste qualquer motivo para que tenham de pagar, por meio de tributos devidos ao Estado, para exercerem sua atividade, mas sua indignação está mal direcionada. O problema não é o Uber, mas sim o Estado usurpando o fruto de seu trabalho ao exigir uma parte da renda conquistada com esforço. Não é razoável exigir que os motoristas vinculados ao aplicativo sofram as mesmas exigências feitas aos taxistas, o que deve ser buscado é que estes estejam isentos dos abusos estatais, como o Imposto Sobre Serviço – ISS, que, de acordo com o Código Tributário do Município de São Luís é cobrado sobre os transportes de natureza municipal. A autora da lei tem razão quando afirma que os valores cobrados pelo Uber são mais baratos por não haver um imposto incidindo sobre a atividade. É louvável que a Ema. Vereadora tenha percebido que impostos encarecem produtos e serviços, nada que a economia não possa explicar. De acordo com N. Gregory Mankiw, discorrendo sobre os resultados da taxação no mercado com o simples exemplo de um sorvete: Suponhamos que o governo local aprove uma lei que exija que os vendedores de sorvete de casquinha enviem ao governo R$ 0,50 para cada sorvete vendido [...] Para qualquer preço de mercado do sorvete, o preço efetivo para os vendedores – o valor com que ficam após pagar os impostos – é R$ 0,50 menor. Por exemplo, se o preço de mercado do sorvete de casquinha for R$ 2,00, o preço efetivo recebido pelos vendedores será de R$ 1,50. Qualquer que seja o preço de mercado, os vendedores ofertarão uma quantidade de sorvete equivalente a que ofertariam se o preço fosse R$ 0,50 menor. Em outras palavras, para induzir os vendedores a vender qualquer quantidade dada, o preço de mercado deve agora ser R$ 0,50 mais alto para compensar o efeito dos impostos.13

Os efeitos da tributação são sempre danosos ao consumidor. Ademais, se qualquer pessoa deseja hoje tornar-se taxista, ela está impossibilitada, pois para o exercício da profissão é necessário uma concessão da prefeitura. Tem-se, dessa forma, um oligopólio do setor criado e fomentado pela organização social que deveria incentivar a livre concorrência – o Estado. Na justificativa do projeto de lei, a Exma. Vereadora Luciana Mendes alega que o “uso de aplicativos para a oferta de transporte remunerado em veículos particulares é uma atividade privativa dos trabalhadores taxistas, portadores de certificação específica para exercer tal atividade, emitida pelo órgão competente da Prefeitura Municipal de São Luís, conforme a Lei Federal nº 12.468, de 26 de agosto de 2011.”

MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. Trad. de Allan Vidigal Hastings. São Paulo: Cengage Learning, 2009, p. 126. 13

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A parlamentar informa na justificativa do PL nº 119/2015 que ele se faz necessário para “assegurar aos trabalhadores taxistas o direito de exercer com exclusividade as suas atividades de transporte individual de passageiros”. A bem da verdade, esta lamentável situação representa um oligopólio, que é uma forma de concorrência imperfeita configurada por um mercado em que há poucos vendedores. Em São Luís há 06 empresas de táxi, que juntas possuem um contingente de 2.400 trabalhadores para atender uma demanda de 1.082.925 cidadãos ludovicenses. O resultado natural de um oligopólio é fazer com que os atos de qualquer vendedor tenham grande impacto nos lucros auferidos pelos outros. Assim, é gerada uma interdependência entre eles e, por isso, uma das consequências dos oligopólios é o surgimento de cartéis: outra indesejável deformação de mercado que o Estado deve combater. Nesse ínterim, faz-se mister traçar algumas considerações sobre a ordem econômica. Após a Grande Depressão, buscou-se introduzir normas no ordenamento jurídico de diversos países que regulassem as relações econômicas, sendo a atual Carta Magna brasileira um marco, pois foi consagrada doutrinariamente como Constituição Econômica, seguindo o exemplo da mexicana de 1917 e da alemã de 1919, pioneiras em esculpir objetivos e princípios econômicos nos seus textos. A regulamentação foi o primeiro mecanismo de controle estatal sobre a economia. De acordo com Giovani Clark: Durante a guerra fria, no século passado (1945 a 1990), imperaram na economia de mercado as políticas econômicas neoliberais de regulamentação, em que o Estado Nacional transfigurou-se em Social, realizando a sua atuação no domínio econômico diretamente, via empresa pública, sociedade de economia mista e fundações; ou indiretamente, por meio das normas legais de direito. Tudo em nome do desenvolvimento ou do crescimento. 14

Ainda, aduz o mesmo autor, sobre a transição da regulamentação para o atual estágio de regulação do mercado: No fim do século XX e no início do XXI, as políticas neoliberais de regulamentação passaram a restringir a expansão e a mobilidade do capital. O novo ambiente mundial de fim da guerra fria, queda do socialismo real e de alta evolução tecnológica resulta em pressões por outras políticas econômicas ao gosto dos donos do capital. Os Estados Nacionais passam a executar o neoliberalismo de regulação transferindo serviços e atividades à iniciativa privada (via privatização e desestatização). 15

Muito se fala em regular o Uber, que é uma intervenção indireta do Estado 14 15

CLARK, Giovani. Política econômica e Estado. 2008, p. 208. Id., ibid., 2008, p. 208.

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no domínio econômico, fiscalizando o mercado e ditando comandos técnicos para proteção dos demandantes. Não por acaso Thomas Sowell afirmou que “a competição faz um trabalho muito mais eficiente que o governo em proteger os consumidores”: atualmente, o aplicativo não sofre interferência estatal e mesmo assim oferece um serviço incrivelmente superior ao ofertado pelas companhias de táxi, reguladas pelo Estado. A ansiedade pela sua chegada às cidades brasileiras e as lamentáveis agressões físicas sofridas por seus motoristas pelos taxistas comprovam essa afirmação. Concluise, dessa forma, que regulá-lo não é garantia alguma de melhoria do serviço ou maior proteção ao consumidor. A polêmica do Uber demonstra que parâmetros estatais são inferiores aos dos clientes, assim, uma grande ofensa aos direitos dos consumidores seria submeter o aplicativo a regulação do Estado. Diga-se ainda que este tipo de controle exercido pelo Estado gera uma enorme quantidade de regulamentos que criam obstáculos à entrada de novos competidores no mercado, podendo causar capturas regulatórias, que ocorrem quando empresários já estabelecidos se adaptam aos comandos estatais e começam a utilizá-los para impedir a entrada de concorrentes. Exatamente o que está acontecendo agora, havendo seis empresas de táxi em conluio com o Estado para impedir que o Uber inicie as atividades na cidade. Infelizmente, a mentalidade pátria é estatista, influenciando na crença de que o Estado precisa tocar em qualquer atividade econômica, em contrapartida, os países mais desenvolvidos do mundo têm índices de baixa interferência governamental nas atividades humanas. É verdade que o capitalismo e o Estado possuem uma relação de simbiose, onde aquele não poderia ter se desenvolvido plenamente sem este, mas não se pode desconsiderar o fato de que os índices de liberdade econômica são diretamente proporcionais aos índices de desenvolvimento humano. De acordo com Washington Peluso Albino de Souza e Giovani Clark: A nossa Constituição Econômica de 1988 adotou uma ideologia constitucional neoliberal, ou seja, a economia de mercado; mas os seus pressupostos priorizam o capital nacional e sujeitam aquela a intervenção direta e indireta do Estado, no intuito de buscar seus fins (art. 170, caput, da CF) e os objetivos fundamentais da República (art. 3º da CF). [...] Apesar de se adotar o sistema econômico de mercado, ou seja, capitalista, não é a sua lógica que deve prevalecer quando tensões ocorrem entre os diversos princípios constitucionais econômicos, simplesmente, porque a ordem econômica constitucional não o contemplou como o seu fim ou objetivo, mas, sim, a necessidade de assegurar a existência digna a todos conforme os ditames da justiça social. Pode-se dizer, portanto, que a ideologia constitucionalmente adotada orienta-se pelos seguintes parâmetros: uma economia de modelo capitalista, ou seja, de mercado, cujos fundamentos são a valoração do trabalho humano e a livre iniciativa, porém, com objetivos de assegurar a todos uma existência digna conforme a justiça social, com inexorável viés desenvolvimentista, decorrendo, então, o dever do Estado brasileiro de atuar

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no campo socieconômico a fim de efetivar as diretrizes constitucionais. 16

Em um primeiro momento, pode parecer que há um conflito entre o princípio da livre iniciativa e o objetivo a ser alcançado pela ordem econômica, moldado pela justiça social, pois, no Brasil, acredita-se que as palavras “capitalismo” e “social” estão dissociadas. Mas o que vem a ser “justiça social”? É um termo que comporta inúmeras definições, mas sempre remete ao ouvinte a coisas boas que ninguém poderia se opor, mas um dos principais questionadores dessa suposta virtude da justiça social foi Hayek, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 1974, constatando que havia uma crença em que a liberdade deveria ser sacrificada a fim de se distribuir renda, dando cada vez mais poder ao Estado para que ele fizesse coisas supostamente vantajosas para a sociedade. Mas o que seriam essas coisas? Tudo o que puder ser definido como justiça social. Trazendo essa breve digressão para o tema ora analisado, a justiça social poderia ser o manto que revestiria a proibição do Uber para proteção do trabalho dos taxistas, ferindo a liberdade do mercado, de iniciativa e de concorrência. Além disso, leis municipais que vislumbram a proibição de aplicativos como o Uber nas cidades brasileiras são - além de uma intervenção desnecessária do Estado na economia - flagrantemente inconstitucionais por ofensa aos princípios da ordem econômica, que está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, como será demonstrado a seguir.

II.B - A inconstitucionalidade do PL nº 119/2015 perante a Constituição de 1988 Ita plane, o PL nº 119/2015, ora objeto de análise, é de “chapada inconstitucionalidade”, para usar da célebre expressão cunhada pelo Ministro do STF aposentado Sepúlveda Pertence17. A ofensa a princípios constitucionais da nossa Carta Magna são tamanhos que se poderia equivocadamente pensar que se trata de uma lei exótica. Pelo contrário, a referida lei é mais uma dentre as inúmeras aprovadas ou PLs em tramitação em todo o país para lidar com a inovação no mercado trazida pelo aplicativo Uber, como acima exposto. Cumpre ressaltar que em nenhum momento se rechaça a preocupação da autora do PL, expressa na justificativa, quanto ao direito dos taxistas de exercer sua atividade ou quanto a “coibir proliferação de serviços que possam colocar em risco os usuários e criar novos subterfúgios para a atuação de profissionais e veículos SOUZA, Washington Peluso Albino de; CLARK, Giovani. Direito econômico e a ação estatal na pós modernidade. São Paulo: LTR, 2014. p. 59-60. 17 ADI-MA 1802/DF, DJ 13/02/2004, p. 10. 16

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clandestinos”, contudo, quando o meio eleito para alcançar tais finalidades consubstancia uma norma alheia aos mais elementares direitos e garantias fundamentais, cabe a qualquer um cidadão se insurgir contra tal iniciativa e acionar os órgãos competentes. Recorre-se, assim, ao Ministério Público, ao qual, reconhecendo sua função essencial à Justiça, a Carta Magna atribui a singela e precípua tarefa de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, por ser ele quem, usando de suas atribuições legais e constitucionais, pode, mais uma vez honrar seu papel, e enfrentar os atos estatais que põem em risco a ordem jurídica, tal qual o PL ora impugnado. A seguir, se analisará o PL nº 119/2015 perante a Constituição da República, sob os aspectos material e formal, e perante a Constituição do Estado do Maranhão, também sob os aspectos material e formal, bem como em face do CC/02, do Marco Civil da Internet e do CDC. a) Da ofensa à livre iniciativa e livre concorrência Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

A livre iniciativa, princípio mais importante do Direito Empresarial e merecedor de destaque também no Direito do Consumidor, amparado pela Constituição da República, pode ser encarada de duas formas: positivamente, como o direito que todos possuem de associarem-se livremente ou, de forma individual, constituir um negócio com o objetivo de auferir lucro. Negativamente, como o dever do Estado de não fazer qualquer coisa que impeça os indivíduos de explorarem atividades lícitas. O Uber é serviço legal (transporte), oferecido para pessoas que estejam dispostas a pagar por ele (trocas voluntárias); é neste sentido que há uma associação entre o prestador e o consumidor, representada pelo acordo firmado entre as partes, onde alguém oferece algo pelo qual outro está disposto a pagar. Uma intervenção estatal no sentido de proibir essa ação é uma ofensa gigantesca às leis do mercado, na medida em que viola a lógica de oferta e demanda. Que modelo de Estado é desejável? Um que permite a uma empresa nova entrar num mercado já estabelecido e oferecer serviços para o público, ou um que crie barreiras artificiais proibitivas ou de regulação ao empreendimento, atrapalhando uma transação entre indivíduos livres? A respeito, ensina Fabiano Del Masso: 8

A atuação do Estado na organização, regulação e controle da atividade econômica não pode interferir na livre-iniciativa fora dos padrões estabelecidos na própria Constituição Federal. Tanto na participação direta do Estado na atividade econômica (desenvolve diretamente atividade econômica) quanto nas formas de intervenção indireta o Estado deve obedecer aos limites determinados pela Constituição Federal, ou, nas palavras de Modesto Carvalhosa (1972, p. 120): “Assim, o Estado, seja quando intervém operacionalmente, seja quando, por força de sua programação econômica, exerce controle legislativo e administrativo sobre o processo produtivo, deve sempre respeitar o direito à livre-iniciativa como fonte fundamental da atividade econômica. Em consequência, não pode eliminá-la, substituí-la ou limitá-la, fora das estritas e inquestionadas hipóteses previstas em lei.” (grifo nosso)18

O progresso é um corolário da livre iniciativa. O desenvolvimento dos países, estados e cidades não se dá por burocratas, mas por quem decide investir e arriscar, cooperar, trabalhar em prol dos outros considerando seus próprios interesses. Este princípio está coligado à liberdade de empresa e de contrato, elementos fundamentais do capitalismo moderno. O Supremo Tribunal Federal, discorrendo sobre a libre iniciativa, decidiu: A intervenção estatal na economia como instrumento de regulação dos setores econômicos é consagrada pela Carta Magna de 1988. Deveras, a intervenção deve ser exercida com respeito aos princípios e fundamentos da ordem econômica, cuja previsão resta plasmada no art. 170 da Constituição Federal, de modo a não malferir o princípio da livre iniciativa, um dos pilares da república (art. 1º da CF/1988). Nesse sentido, confira-se abalizada doutrina: As atividades econômicas surgem e se desenvolvem por força de suas próprias leis, decorrentes da livre empresa, da livre concorrência e do livre jogo dos mercados. Essa ordem, no entanto, pode ser quebrada ou distorcida em razão de monopólios, oligopólios, cartéis, trustes e outras deformações que caracterizam a concentração do poder econômico nas mãos de um ou de poucos. Essas deformações da ordem econômica acabam, de um lado, por aniquilar qualquer iniciativa, sufocar toda a concorrência e por dominar, em conseqüência, os mercados e, de outro, por desestimular a produção, a pesquisa e o aperfeiçoamento. Em suma, desafiam o próprio Estado, que se vê obrigado a intervir para proteger aqueles valores, consubstanciados nos regimes da livre empresa, da livre concorrência e do livre embate dos mercados, e para manter constante a compatibilização, característica da economia atual, da liberdade de iniciativa e do ganho ou lucro com o interesse social. A intervenção está, substancialmente, consagrada na Constituição Federal nos arts. 173 e 174. Nesse sentido ensina Duciran Van Marsen Farena (RPGE, 32:71) que ‘O instituto da intervenção, em todas suas modalidades encontra previsão abstrata nos artigos 173 e 174, da Lei Maior. O primeiro desses dispositivos permite ao Estado explorar diretamente a atividade econômica quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. O segundo outorga ao Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica. o poder para exercer, na forma da lei as funções de fiscalização, incentivo e MASSO, Fabiano Del. Direito econômico esquematizado. 2. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013, p. 73. 18

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planejamento, sendo esse determinante para o setor público e indicativo para o privado’. Pela intervenção o Estado, com o fito de assegurar a todos uma existência digna, de acordo com os ditames da justiça social (art. 170 da CF), pode restringir, condicionar ou mesmo suprimir a iniciativa privada em certa área da atividade econômica. Não obstante, os atos e medidas que consubstanciam a intervenção hão de respeitar os princípios constitucionais que a conformam com o Estado Democrático de Direito, consignado expressamente em nossa Lei Maior, como é o princípio da livre iniciativa. Lúcia Valle Figueiredo, sempre precisa, alerta a esse respeito que “‘As balizas da intervenção serão, sempre e sempre, ditadas pela principiologia constitucional, pela declaração expressa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”’ (DIÓGENES GASPARINI, in Curso de Direito Administrativo, 8ª Edição, Ed. Saraiva, págs. 629/630, cit., p. 64). 3. O Supremo Tribunal Federal firmou a orientação no sentido de que 'a desobediência aos próprios termos da política econômica estadual desenvolvida, gerando danos patrimoniais aos agentes econômicos envolvidos, são fatores que acarretam insegurança e instabilidade, desfavoráveis à coletividade e, em última análise, ao próprio consumidor.' (RE 422.941, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 24-3-2006).” (RE 632.644-AgR, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 10-4-2012, Primeira Turma, DJE de 10-5-2012.) (grifo nosso)

A jurisprudência supracitada é suficientemente clara: a lógica do mercado pode ser quebrada pela formação de oligopólios e cartéis, prejudiciais para a ordem econômica, o que respaldaria uma intervenção estatal para combater essa distorção. No caso em análise, há um oligopólio respaldado pelo próprio Estado e isso é inadmissível, pois macula o dever de preservação da economia que a própria instituição possui. As restrições a livre iniciativa só podem acontecer quando a intenção for assegurar a todos uma existência digna. Assim, o Uber não ameaça o emprego da categoria de taxistas, obstando a existência digna, pois os mesmos não estarão proibidos de exercer suas atividades – como desejam que os motoristas do Uber estejam -, podendo, inclusive, fazer parte do aplicativo, que representa a modernização da profissão. Os graves defeitos do serviço de táxi é um fato reconhecido pelo Ministério Público Federal, que, em nota sobre necessidade de regulamentação federal de serviços como o Uber, se manifestou no sentido de que faz-se necessária a desregulamentação progressiva do serviço de táxi19, premente também por causa do mercado ilegal de vendas de alvarás – em São Paulo, o valor pode chegar a R$ 140 mil e pode triplicar (!!!) em pontos mais visados, como aeroporto, segundo ação que o MP/SP move contra a prefeitura de São Paulo desde 2011. A economia de mercado nada seria sem a livre concorrência entre os vendedores, buscando conquistar a demanda e lograr êxito com seu empreendimento. MPF defende regulamentação federal do Uber, 12/08/2016, disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-defende-regulamentacao-federal-do-uber 19

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Por isso os defensores do capitalismo sempre enfatizam os benefícios da concorrência, pois é este processo competitivo que permite adaptações constantes a situações instáveis, mantendo as empresas em alerta, atenciosas às necessidades dos consumidores, que são os verdadeiros comandantes desse sistema econômico. Não há dúvidas de que mercados centralizados ou monopolistas não possuem qualquer vantagem sobre os sistemas em que a livre concorrência prospera. A iniciativa privada busca sempre solucionar problemas da sociedade. Neste sentido, em São Paulo, por exemplo, o Uber já faz rotas pelo irrisório valor de seis reais20, competindo diretamente com o transporte coletivos, serviço que gera grandes transtornos aos usuários (regulado pelo Estado, frise-se). Os taxistas, em Porto Alegre, estão melhorando o seu serviço para que não percam os clientes para o aplicativo21, mas na capital do Maranhão, o PL nº 119/2015 traz logo em seu dispositivo inaugural a proibição de serviços como o Uber, ofendendo violentamente o princípio da livre concorrência. Neste sentido, André Luiz Santa Cruz Ramos critica severamente a ação estatal: Infelizmente este também é um princípio que não vem sendo respeitado no Brasil. E quem mais desrespeita a livre concorrência é justamente aquele ente que, em tese, deveria protegê-la: o Estado. Se, por um lado, o Estado finge defender a livre concorrência, criando órgãos com tal missão institucional, tais como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), por outro lado é o próprio Estado que ataca a sagrada liberdade de competição, intervindo cada vez mais na economia, restringindo cada vez mais o exercício de atividade econômica e criando cada vez mais obstáculos ao empreendedorismo. (...) O exercício de atividade econômica não pode ser guiado por decretos e regulamentos baixados por funcionários públicos, mas sim pelos consumidores dos produtos e serviços. A imensa quantidade de órgãos de controle cria um emaranhado de regulamentos que acabam se tornando barreiras insuperáveis à entrada de novos competidores, algo que, por si só, é uma violação à livre concorrência. (...) Regulação estatal é algo que definitivamente não se coaduna com a liberdade de competição.22

Discorrendo sobre a livre iniciativa, o professor Daniel Sarmento assevera RUSSO, Rodrigo. Após rivalizar com táxi, Uber cria rota de R$ 6 em SP e põe ônibus em alerta. Folha de São Paulo, 02/09/2016, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/09/1809448-apos-rivalizar-com-taxi-uber-cria-rota-der-6-e-poe-onibus-em-alerta.shtml 21 Taxistas melhoram serviço para competir com Uber. Band, 30/11/2015, disponível em http://noticias.band.uol.com.br/bandcidade/rs/video/2015/11/27/15693673/taxistas-melhoramservico-para-competir-com-uber.html 22 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 48-49. 20

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em parecer a respeito do aplicativo Uber: O princípio da livre concorrência tem uma dupla face. Por um lado, ele limita o Estado, que não pode instituir restrições excessivas que impeçam os agentes econômicos de ingressar, atuar e competir livremente no mercado. Por outro, o princípio impõe que o Poder Público atue sobre o mercado, para proteger a sua higidez, prevenindo e coibindo abusos do poder econômico e práticas anticoncorrenciais, como a formação de monopólios, oligopólios, cartéis etc. É que o princípio não pressupõe, romanticamente, a existência de um mercado atomizado, formado por agentes econômicos de igual poder, competindo em condições equânimes pela preferência do consumidor. Pelo contrário, diante da constatação de que, quando livre de todas as amarras, o poder econômico tende a se concentrar patologicamente em detrimento da concorrência, o princípio impõe a atuação comissiva do Estado, em favor da saúde do próprio mercado.23

Se a regulação é um grande empecilho a livre concorrência, a proibição a assassina. Não se pode parar o vento com as mãos. O progresso e o desenvolvimento chegam, mesmo que o Estado tente impedir isso. A Súmula Vinculante 49, do STF, estabelece que “ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”. Por analogia, vislumbra-se situação assemelhada a questão ora analisada, em que os “estabelecimentos comerciais” dão lugar para os “serviços” do mesmo ramo em determinada área. Assim, conclui-se pela violação do direito à livre concorrência e livre iniciativa (art. 1º, inc. IV). b) Da ofensa ao direito ao livre exercício do trabalho Art. 5º. In omissis

(...) XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Tendo em vista as considerações já tecidas sobre o direito ao trabalho, decorrência natural que seja ele exercido, com a mais ampla liberdade possível, com limites legais que vierem a ser estabelecidos em determinados casos, sempre tomando como norte o interesse público. Com efeito, o direito individual ao livre exercício de trabalho ofício ou profissão consiste em direito de defesa, de modo que o “(...) Estado está jungido a não SARMENTO, Daniel. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte individual de passageiros: O “caso Uber”, p. 11, disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/paracer-legalidadeuber.pdf 23

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estorvar o exercício da liberdade do indivíduo, quer material, quer juridicamente. Desse modo, ao Estado veda-se (...) instituir pressupostos desmesurados para o exercício de uma profissão. (...) Canotilho, a propósito, cogita de uma nota específica das liberdades, no contexto do conjunto dos direitos de defesa. Para o autor, as liberdades teriam como traço típico a alternativa de comportamento, a possibilidade de escolher uma conduta. (...) a liberdade de escolha de profissão envolve a possibilidade de escolher esta ou aquela profissão”.24,25 O art. 170, CF/88, erige a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa como bases da ordem econômica e a defesa do consumidor e, também, o art. 173, CF/88, assegura a todos o “(...) livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos”, excetuados os casos previstos em lei, devendo esta ser aprovada pelo Congresso Nacional (art. 22, inc. XI, CF/88). Ora, adiantando-se alguns argumentos que mais à frente serão esmiuçados, o serviço que o Uber oferece ao consumidor é transporte privado individual, logo, atividade lícita exercida sob a guarida do princípio da livre iniciativa, do referido art. 170, CF/88. Trata-se de um contrato de prestação de serviço entre o motorista do Uber e o consumidor. O táxi é também um serviço de transporte remunerado, mas público, operando sob a permissão da Administração Pública. É de se recordar que o art. 5º, inc. II, da CF/88, dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” ou, em outros termos, ao particular o que não está proibido por lei é juridicamente permitido. Lê-se na justificativa do PL aprovado nº 119/2015 que a Lei municipal nº 248/2013, que cria o Sistema de Transporte Municipal, “assegura a categoria de trabalhadores taxistas o direito de exercerem esse segmento do transporte público com exclusividade.” O que a lei pode assegurar é o serviço de transporte ser privativo de taxistas, mas nunca poderão estes exercer monopólio sobre todo o transporte individual de passageiros, pois representaria reserva de mercado, conduta que implica infração à ordem econômica porque impede o acesso de novas empresas ao mercado, bem como cria dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente de serviços (art. 36, incs. III e IV, Lei nº 12.259/2011). Em sede do julgamento do Mandado de Injunção nº 6.113, a Ministra do STF Carmen Lúcia, com acerto, sustentou que o “art. 5º, inc. XIII, da Constituição da MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo G. Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, Ibid., id., p. 290-291. 25 “a vigente Constituição da República, observando tradição inaugurada com a Carta Política do Império do Brasil (art. 179, n. 24), que foi reafirmada pelos sucessivos estatutos constitucionais (CF/1891, art. 72, § 24; CF/1934, art. 113, n. 13; CF/1937, art. 122, n. 8; CF/1946, art. 141, § 14; CF/1967, art. 150, § 23; CF/1969, art. 153, § 23), proclama e assegura a liberdade de profissão, dispondo, em seu art. 5º, inciso XIII, ser ‘livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’”. (RE 635.023-ED, rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 13-02-2012) 24

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República é norma de aplicação imediata e eficácia contida que pode ser restringida pela legislação infraconstitucional. Inexistindo lei regulamentando o exercício da atividade profissional dos substituídos, é livre o seu exercício.”26 No RE 414.426, a Ministra do STF aposentada Ellen Gracie consignou que nem “todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade.” (grifo nosso)27 Há declarações de que um dos maiores problemas que o UBER pode ocasionar é o desemprego de taxistas28. Essa afirmação é falaciosa porque: a) a existência do aplicativo não impede que os taxistas continuem a oferecer seus serviços; b) os próprios taxistas, auferindo as vantagens do Uber, podem abandonar as placas vermelhas que lhes são muito custosas e tornarem-se motoristas do serviço. Seguindo essa linha de raciocínio equivocado, Thomas Edison cometeu um crime contra a humanidade ao criar as lâmpadas, tornando os tradicionais acendedores de lamparinas desnecessários. Ou Alan Turing foi cruel por ter desenvolvido o computador e reservado às máquinas de datilografia um espaço nos museus de antiguidades, sem falar dos criadores da internet e dos mecanismos de busca, como o tradicional Google, que, a despeito de seus grandes feitos, seriam responsabilizados por esvaziarem as bibliotecas. A função da tecnologia e do desenvolvimento é justamente esta: melhorar a vida das pessoas. Este, inclusive, é um direito humano, previsto na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986. O desenvolvimento pode ser encarado sobre duas óticas: o direito individual de cada ser humano a desenvolver, de forma livre, seu projeto de vida (o significado de justiça para o liberalismo) a partir da supressão de privações pessoas (liberdade em Amartya Sen); e o direito coletivo, como progresso social, econômico e cultural de toda a sociedade, estando, inclusive, previsto como um dos objetivos republicanos primordiais a serem perseguidos, a teor do art. 3º, inc. III, da CF/88. Proibições ao Uber agridem o direito individual e coletivo ao desenvolvimento à medida que impossibilitam que pessoas comuns tenham acesso a um serviço melhor e menos custoso, assim como representam um obstáculo ao progresso, ofendendo a livre iniciativa, tão cara para a história da humanidade.

MI 6.113 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 22-5-2014, P, DJE de 13-6-2014. RE 414.426, rel. min. Ellen Gracie, j. 1º-8-2011, P, DJE de 10-10-2011. 28 Os taxistas alegam que, por supostamente configurar uma concorrência desleal, o Uber tomaria todo o espaço que hoje é destinado a eles no mercado. A própria ex-presidente da República, Dilma Rousseff, chegou a declarar que o aplicativo tira o emprego das pessoas. (Ao defender uma regulamentação, Dilma diz que o UBER tira emprego das pessoas. UOL. 2/09/2015. Disponível em: http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/09/02/ao-defender-uma-regulamentacao-dilmadiz-que-uber-tira-emprego-das-pessoas.htm) 26 27

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Não se pode negligenciar que os motoristas do aplicativo também são trabalhadores e muitos se encontravam em situação de desemprego antes da oportunidade de dirigirem carros pretos surgir. Qual o critério de proteção ao trabalho humano o Estado está perseguindo? O que protege uns e marginaliza outros? Importante reiterar: os taxistas não ficarão desempregados com as atividades do Uber, podem, inclusive, filiarem-se ao aplicativo, mas os motoristas deste ficarão sem emprego caso haja proibição por arbitrariedade estatal. Valorizar o trabalho humano não é sinônimo de manter, por coerção, atividades que se tornaram obsoletas. O Estado não tem o dever e tampouco o direito de atrapalhar o progresso e o desenvolvimento. Ajudaria caso isentasse os taxistas dos valores cobrados indevidamente para que exerçam sua profissão, assim, facilitando a redução dos custos e possibilitando que os trabalhadores pudessem baixar as tarifas cobradas pelas corridas, garantindo, dessa forma, que concorram de forma igualitária com o Uber, mas os legisladores municipais preferiram a forma mais confortável e ineficiente de solucionar este problema. O que PL aprovado nº 119/2015 põe em xeque é a liberdade individual de se escolher um trabalho, ofício ou profissão de forma livre, no caso, o direito a oferecer serviço de transporte individual privado remunerado. Isso posto, conclui-se a fortiori pela violação do direito ao livre exercício de trabalho, ofício ou profissão (inc. XIII, art. 5º, CF/88). c) Da ofensa à competência privativa da União Art. 22 Compete privativamente à União legislar sobre: (...) IX - diretrizes da política nacional de transportes; (...) XI - trânsito e transporte;

Como se vê, cristalinamente, a Carta Magna conferiu à União a competência legislativa para editar as diretrizes da política nacional de transportes, bem como legislar sobre a matéria de trânsito e transporte. A teor do parágrafo único do dispositivo acima transcrito, lei complementar federal pode autorizar que os Estados-membros venham a legislar sobre questões específicas das matérias elencadas no dispositivo, todavia inexiste tal lei complementar sobre essa matéria, havendo, portanto, usurpação de competência privativa da União por parte do PL aprovado nº 119/2015. Cumpre lembrar que tal permissão é cabível aos Estados e não aos municípios. Explica-se: o art. 30 da CF/88 estabelece que a competência legislativa, nessa área, consiste em “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, 15

que tem caráter essencial” (inc. V). Assim, em se tratando de “transporte”, a competência legislativa dos municípios e Distrito Federal (art. 32, §1º, CF/88) se restringe a legislar sobre “transporte coletivo”, ao passo que compete privativamente à União legislar em matéria de “transporte individual” (art. 22, inc. XI, CF/88)29 – a lei complementar de que trata o parágrafo único do art. 22, reitere-se, não existe. Vale lembrar que, como afirma o professor Daniel Sarmento, o transporte individual de passageiros comporta duas modalidades: a “pública”, que configura serviço de utilidade pública, sujeita assim a intensa regulação estatal, consistente na atividade privativa dos táxis; e a “privada”, prevista na lei (Lei nº 12.587/2012), que “não foi ainda regulamentada – o que, pelo princípio da livre empresa (art. 170, parágrafo único) não impede a sua prestação pelos particulares interessados em fazêlo.”30 Com efeito, a Lei federal nº 12.468/2011 regulamenta a profissão de taxista, dispondo em seu art. 2º: “é atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros”, elencando em seguida vários critérios e condições que devem ser atendidos por quem deseja exercer a profissão de taxista. A lei fala, expressamente, em “transporte público individual remunerado de passageiros” (grifo nosso), não sendo tal dispositivo referente ao Uber, que, reitere-se, consiste em transporte privado individual remunerado de passageiros. A respeito, a Exma. Ministra do STJ Nancy Andrighi afirmou: “A lei 12.468 regulamenta apenas a profissão de taxista, mas não a de motorista particular nem contrato de transporte privado individual. No transporte privado individual impera a autonomia da vontade do motorista, que tem o direito de aceitar e firmar o contrato com o consumidor de acordo com sua conveniência.”31 Ademais, a Lei nº 12.587/2012, que estabelece a Política Nacional de

Mobilidade prevê expressamente o serviço de transporte individual de passageiros de natureza privada (art. 3º, § 2º, inciso I, “a”, c/c incisos II, “b”, e III, “b”). “Ora, em se tratando de competência privativa da União, e competência essa que não pode ser exercida pelos Estados se não houver lei complementar - que não existe - que o autorize a legislar sobre questões específicas dessa matéria (artigo 22 da Constituição), não há como pretender-se que a competência suplementar dos Municípios prevista no inciso II do artigo 30, com base na expressão vaga aí constante "no que couber", se possa exercitar para a suplementação dessa legislação da competência privativa da União.” (STF - RE: 227384 SP, Relator: MOREIRA ALVES, Data de Julgamento: 17/06/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 09-08-2002) (grifo nosso). No mesmo sentido: STF, 2ª Turma, RE 313.060-9, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 24/02/2006; STF, 1ª Turma, Ag. Reg. no RE com Ag. 668.285, Rel. Min. Rosa Weber, julg. 27/05/2014. 30 SARMENTO, Daniel. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte individual de passageiros: O “caso Uber”, p. 29, disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/paracer-legalidadeuber.pdf 31 Nancy Andrighi: Juridicamente não há como proibir Uber, Migalhas, 24/09/2015, disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI227474,81042Nancy+Andrighi+Juridicamente+nao+ha+como+proibir+Uber 29

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O professor Celso Antônio Bandeira de Mello, com acerto, asseverou que não se pode falar em serviço público prestado pelos táxis, mas sim serviço de utilidade pública, prestado pela iniciativa privada: (...) os serviços prestados pelos táxis – e quanto a isto nada importa que o sejam por autônomos ou por empresas – possuem especial relevo para toda a coletividade, tal como se passa, aliás, com inúmeras outras atividades privadas, devendo por isso ser objeto de regulamentação pelo Poder Público, como de fato ocorre, mas obviamente isto não significa que sejam categorizáveis como serviços públicos. (...) Nem a Constituição, nem a Lei Orgânica dos Municípios, nem a lei municipal regente da matéria qualificam os serviços de táxi como serviços públicos. Contudo, a Constituição foi expressa em qualificar como serviço público o serviço municipal de transporte coletivo local de passageiros (art. 30, V), não se podendo, como é óbvio, considerar casual a explícita menção a ‘coletivo’. Nisso, a toda evidência, ficou implícito, mas transparente, o propósito de excluir o transporte individual de passageiros da categorização de serviço público.

Por diversas oportunidades o STF declarou inconstitucionais leis estaduais ou municipais que, analogamente, invadiam a competência da União para legislar sobre a matéria de transporte e trânsito32, cabendo aqui referenciar alguns julgados: Lei distrital 3.787, de 2-2-2006, que cria, no âmbito do Distrito Federal, o sistema de moto-service – transporte remunerado de passageiros com uso de motocicletas: inconstitucionalidade declarada por usurpação da competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (CF, art. 22, XI). (ADI 3.679, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 18-6-2007, P, DJ de 03/08/2007) CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. TRÂNSITO. LEI 11.311/99, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INSPEÇÃO TÉCNICA VEICULAR. VIOLAÇÃO AO ART. 22, XI, DA CF. MATÉRIA PRIVATIVAMENTE OUTORGADA À UNIÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. 1. Ao disciplinar tema que está inegavelmente compreendido na noção conceitual de trânsito – não se confundindo com aquilo que o art. 23, XII, da Constituição denominou de “política de educação para segurança no trânsito” – a Assembleia Legislativa estadual se houve com nítido excesso no exercício de sua competência normativa, em afronta à previsão do art. 22, XI, da Constituição, o que implica a invalidade da Lei 11.311/99. 2. A atividade de inspeção das condições de segurança veicular somente poderá ser exercida pelos órgãos e ADI 280, rel. min. Francisco Rezek, j. 13/04/1994, P, DJ de 17/06/1994; ADI 3.327, rel. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, j. 08/08/2013, DJE de 30/10/2014; ADI 3.639, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 23/05/2013, DJE de 07/10/2013; ADI 2.960, rel. min. Dias Toffoli, j. 11/04/2013, P, DJE de 09/05/2013, dentre outras. 32

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entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal quando assim autorizados por delegação do órgão federal competente (art. 22, III, do Código de Trânsito Brasileiro). Ao atribuir ao DETRAN/RS competência para realizar referidas inspeções, além de possibilitar a transferência da execução das inspeções a Municípios, consórcios de Municípios e concessionárias, a Lei 11.311/99 também usurpou a titularidade da União para prestação desses serviços, ainda que por delegação. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, confirmando-se liminar anteriormente concedida. (ADIn nº 1.972/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, Julg.: 18/09/2014) (grifo nosso)

O fato de não haver lei regulamentando o serviço de Uber não significa que ele esteja funcionando a seu bel-prazer: (...) em que pese inexista regulamentação própria ao Uber, este não desenvolve suas atividades sem a incidência da legislação consumerista, tributária, trabalhista e de mobilidade urbana em vigor, não estando, desta forma, à deriva no mercado econômico.33

Pelo exposto, o PL aprovado nº 119/2015 viola a competência privativa da União em legislar sobre diretrizes da política nacional de transportes e matéria de trânsito e transporte, a teor do art. 22, incs. IX e XI, da CF/88.

II.C – A inconstitucionalidade do PL aprovado nº 119/2015 perante a Constituição do Estado do Maranhão (CE/MA) Em seus dispositivos inaugurais, a Constituição do Estado do Maranhão, como não poderia deixar de ser, explicita a obediência aos princípios constitucionais da República, bem como o dever de assegurar, no seu território e nos limites de sua competência, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais, vez que o Estado é parte da República Federativa do Brasil (art. 1º, § 2º; art. 2º, inc. IV, CE/MA). Servem aqui as considerações tecidas a respeito dos fundamentos do Estado nos valores sociais do trabalho e livre iniciativa (art. 2º, inc. IV, da CE/MA). Insta relembrar o art. 25 da Constituição de 1988, que estatui serem reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas pelo texto constitucional. Tal dispositivo é reproduzido no art. 4º da CE/MA. A norma aí inserta traduz o princípio da simetria das constituições estaduais com a CF/88. Quanto às competências legislativas do município, a CE/MA estabelece que cabe a ele “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou ARRAES, Rayana Pereira Sotão; CAMARÃO, Felipe Costa. Para quem o mercado deve funcionar? Uma análise do caso Uber no Brasil à luz dos princípios constitucionais. In: XXV CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, Brasília, DF. Anais..., Brasília, DF. 2016. No prelo. 33

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permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo-se nestes o transporte coletivo, que tem caráter essencial” (inc. V), reproduzindo o teor do art. 30, inc. V, da CF/88. Dispõe, ainda, que compete aos municípios o planejamento e a administração do trânsito, na forma da lei federal (art. 189, CE/MA), que ainda assim se faz dependente tal regulação de norma federal. Ex expositis, manifesta a inconstitucionalidade integral do PL aprovado nº 119/2015 pela flagrante violação dos arts. 1º, § 2º, art. 2º, inc. IV, da CE/MA. II.D – Da ofensa à Lei orgânica do Município de São Luís O art. 13, inc. V, da Lei orgânica do Município de São Luís estabelece que compete ao Município “organizar e prestar, diretamente ou sobre regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”, não se incluindo aí, reitere-se mais uma vez, poder para regulamentar por meio da lei o transporte privado individual. Considerando o arrazoado até aqui nos tópicos anteriores, conclui-se pela afronta aos princípios fundados nos valores sociais do trabalho e a livre iniciativa (art. 3º, inc. IV), da inviolabilidade dos direitos fundamentais do homem e da sociedade, nos termos da Constituição Federal (art. 5º), da vedação de legislar sobre matérias cuja competência para legislar foi explícita ou implicitamente vedadas pelas Constituição Federal e pela Constituição Estadual (art. 12) e do art. 13, todos da Lei orgânica do Município de São Luís.

II.E – Da ofensa ao CC/02, CDC e ao Marco Civil da Internet Não bastassem as já expostas inconstitucionalidades do PL aprovado nº 119/2015, este diploma normativo também está em gritante incompatibilidade com o CC/02, o CDC e o Marco Civil da Internet. A relação estabelecida entre o indivíduo e o motorista de Uber pode ser classificada como um contrato de prestação ode serviço, nos moldes do art. 730, do CC/0234. Daí se falar em “transporte privado individual”, ao passo que o “transporte público coletivo” (ou “transporte coletivo”) é aquele “exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão”, a ser regulamentado precipuamente pelas normas regulamentares e, de forma subsidiária, pelo CC/02. Nesse sentido, há nítida relação de consumo medida por um contrato de transporte privado individual. Ora, é dever fundamental a defesa do consumidor (art. 5º, inc. XXXII, CF/88), plasmada no CDC, bem como é também esta um dos princípios “Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.” 34

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ordem econômica (art. 170, inc. V, CF/88), é direito básico do consumidor a liberdade de escolha dos produtos e serviços que pretende consumir (art. 6º, inc. II, CDC). Na justificativa do PL aprovado nº 119/2015, se quer “coibir proliferação de serviços que possam colocar em risco os usuários”, no entanto em nenhum momento a nobre parlamentar oportunizou a realização de uma audiência pública, tal como se deu em Porto Alegre35, para ouvir a empresa do Uber, os taxistas e, sobretudo, o maior interessado em toda essa questão: o consumidor. Não por acaso, em pesquisa na internet feita pelo portal Imirante, 81% das pessoas disseram que não votariam em um candidato contrário à implantação do Uber em São Luís36. Existe, inclusive, uma campanha na internet intitulada Quero Uber em São Luís.37 O PL aprovado nº 119/2015 fere, outrossim, o art. 2º do Marco Civil da Internet porque desrespeita: os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais (inc. II); a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor (inc. V); e, ainda, a liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet (inc. VIII). Por fim, como bem asseverou a Exma. Ministra do STJ, Nancy Andrighi: Juridicamente não há como proibir tais aplicativos com base nessas leis que são diariamente invocadas. Não vi, até o momento, qualquer notícia do que os maiores interessados têm a dizer sobre a questão. A discussão sobre a proibição ou não de aplicativos de intermediação de contratos de transporte não pode ser pautada exclusivamente por pressão política de certas categorias profissionais como tem sido feito, mas sim no interesse dos consumidores privados de transporte individual. É interesse do consumidor, e deveria ser do Estado, que a livre concorrência seja fomentada e jamais restringida. Os consumidores devem ser os primeiros a ser ouvidos quando o Estado pretende proibir qualquer atividade econômica lícita. Todos devemos ficar atentos aos ventos da modernidade, porque só eles nos levam para o sucesso e a paz social.38

Audiência discute projeto de lei que regulamenta Uber em Porto Alegre, Agência Brasil, 05/07/2016, disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-07/audiencia-discute-projeto-delei-que-regulamenta-uber-em-porto-alegre 36 Uber em São Luís: Prefeitura, aplicativo e população se manifestam, Imirante, 15/09/2016, disponível em: http://imirante.com/oestadoma/noticias/2016/09/14/uber-em-sao-luis-prefeitura-aplicativo-epopulacao-se-manifestam-em-meio-a-polemica.shtml 37 Internautas se mobilizam para pedir Uber em São Luís, Imirante, 15/09/2016, disponível em: http://imirante.com/oestadoma/noticias/2016/09/15/internautas-se-mobilizam-para-pedir-uber-emsao-luis.shtml 38 Nancy Andrighi..., Migalhas, 24/09/2015. 35

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III – DO PEDIDO Ex expositis, os Representantes vêm requerer a V. Exa. que, em virtude da flagrante violação das seguintes normas: 1) princípios da livre iniciativa (art. 1º, IV), da liberdade no exercício de trabalho (art. 5º, XIII, CF), da defesa do consumidor (art. 5º, inc. XXXII), a qual também consiste em um dos princípios ordem econômica (art. 170, inc. V), da livre concorrência (art. 170, IV) e do livre exercício da atividade econômica (art. 170, § único), todos da Constituição Federal de 1988; 2) princípios correspondentes na CE/MA (arts. 1º, § 2º, art. 2º, inc. IV) e, ainda, princípios fundados nos valores sociais do trabalho e a livre iniciativa (art. 3º, inc. IV), da inviolabilidade dos direitos fundamentais do homem e da sociedade, nos termos da Constituição Federal (art. 5º), da vedação de legislar sobre matérias cuja competências foi explícita ou implicitamente vedadas pelas Constituição Federal e pela Constituição Estadual (art. 12) e do art. 13, todos da Lei orgânica do Município de São Luís; art. 730, do CC/02; art. 6º, inc. II, CDC; art. 2º incs. II, V e VIII do Marco Civil da Internet, sejam tomadas as providências cabíveis no sentindo de extirpar do ordenamento jurídico municipal o PL aprovado nº 119/2015, com a impetração de ação direta de inconstitucionalidade contra o referido diploma legal perante o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, se assim entender cabível. Outrossim, requer a realização de audiência pública para debater a implantação do serviço de Uber no município de São Luís. Nestes termos, pede e espera deferimento. São Luís (MA), 24 de setembro de 2016.

THIAGO GOMES VIANA Advogado OAB/MA nº 10.642

MYLLA MARIA SOUSA SAMPAIO Coordenadora Estadual da ONG Estudantes Pela Liberdade - MA Presidente do Grupo de Estudos Liberais Bem-te-vis

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