Representacoes Sociais sobre Medidas Socioeducativas dos Orientadores da FUNDAC Ba

June 4, 2017 | Autor: Cleide Magáli Santos | Categoria: Medidas Socioeducativas
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. O CASO DOS ORIENTADORES, ATORES DE GARANTIAS DE DIREITOS DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI NA FUNDAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (FUNDAC)-BAHIA

Discente: Cleide Magáli dos Santos Prof.Orientador:Gustavo Garcia Brito

SALVADOR – BA 2009

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. O CASO DOS ORIENTADORES, ATORES DE GARANTIAS DE DIREITOS DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI NA FUNDAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (FUNDAC)-BAHIA

Discente: Cleide Magáli dos Santos Prof.Orientador:Gustavo Garcia Brito

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de especialista em Direitos Humanos e Cidadania do Programa de Capacitação em Educação e Direitos Humanos- PROCEDH

SALVADOR – BA 2009

CLEIDE MAGÁLI DOS SANTOS

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. O CASO DOS ORIENTADORES, ATORES DE GARANTIAS DE DIREITOS DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI NA FUNDAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (FUNDAC)-BAHIA

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Direitos Humanos e Cidadania, como

requisito parcial para

obtenção do título de Especialista.

Aprovado em ___ de _____________de _____.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Prof. Ms. Gustavo Garcia Brito – Orientador Mestre em Direito Internacional Econômico

________________________________________ Prof. Dr José Cláudio Rocha Doutor em Educação

_______________________________________ Márcia Virgens Sra Promotora de Justiça, da Cidadania/Defesa da Educação do MP-Bahia Coordenadora do Núcleo de Proteção dos Direitos Humanos e Articulação com os Movimentos Sociais (Nudh)

Aos orientadores de medidas socioeducativas, que muitas vezes só com a intuição desenvolvem ações que visam contribuir, especialmente com jovens que foram “colocados” por nossa sociedade lá ...na FUNDAC, porque antes os colocou lá... no “mundão”.

AGRADECIMENTOS

Ao apresentar esse texto monográfico, se faz necessário agradecer e reconhecer toda a contribuição e auxílio dados, não só para efetiva elaboração pontual deste trabalho, mas também para toda trajetória que me trouxe até aqui. Agradeço a minha instituição, a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), que me proporcionou e proporciona “régua e compasso”. Ao Ministério Público do Estado da Bahia, que tem em seu quadro, pessoas sensíveis para além das questões técnicas, para uma transformação de nossa sociedade num ethos mais justo. Especialmente, agradeço à equipe de gestores (as), coordenadores (as), técnicos (as) e auxiliares do PROCEDH,

sensíveis às necessidades no transcorrer do curso e

tão

competentes na busca pelas soluções. Ao corpo docente do curso, que como verdadeiros mestres, muitas vezes nos fizeram chorar e até choraram conosco. Algumas lições foram inesquecíveis. Ao meu estimado professor-orientador, consciencioso, dedicado, competente e um hermano na luta pelos direitos humanos. Aos meus colegas de curso, para além de militares...seres humanos; para além de delegados...seres humanos; para além de promotores...seres humanos; para além de servidores, acadêmicos etc...seres humanos. Todos seres humanos de primeira linha, não porque são só virtuosos, mas, por que tentam...pois são todos seres humanos . Enfim, agradeço àqueles que viraram amigos inesquecíveis, tais como Sandra Cabral: inteligente, cautelosa e prestativa; Mary Ângela Gama: inteligente, sensível e vivaz; Joana: inteligente, charmosa e desafiadora; Samuel Moreno:inteligente; gentil, perspicaz, sensível na dose masculinamente correta

e por fim,

Zuleic Oliveira: inteligente, charmosa, justa,

generosa e grandiosamente Amiga . Agradeço a DEUS, por mais essa oportunidade de ser!

Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível e de repente... você estará fazendo o impossível. Francisco de Assis Entrada da CASE Feira de Santana (Ba)

RESUMO

Este trabalho visa apresentar os resultados da investigação que teve como objetivo geral compreender as representações sociais dos Orientadores da Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac) Bahia, sobre medidas socioeducativas. Como objetivos específicos buscou-se a identificação das representações sociais a propósito de temas correlatos tais como: juventude e criminalidade; atos infracionais, sanções e punições; comunidade socioeducativa; bem como a identificação dos significados que norteiam as práticas cotidianas dos orientadores como atores socioeducadores. Para tanto, recorreu-se à autores de diversos campos de conhecimento, tais como Sociologia, Psicologia, Antropologia, Direito e Historia. A monografia esta dividida em introdução, quatro capítulos e considerações finais, a saber: o primeiro capítulo, delineia a trajetória histórica das mudanças de paradigmas no tocante ao comportamento do Estado frente à questão da criança e do adolescente, especialmente na situação de conflito com a lei, até a construção do atual paradigma; o segundo capítulo, descreve alguns aspectos da principal comunidade socioeducativa no Estado da Bahia, a Fundac e nesse contexto, apresenta dados sobre a figura do orientador de medida socioeducativa; o terceiro capítulo, trata dos aportes metodológicos para a construção/aproximação do objeto; o quarto capítulo expõe os principais dados coletados com suas devidas análises; por fim, em considerações finais, estão expressas as principais conclusões sobre a investigação.

Palavras-chave: Orientador de Medidas Socioeducativas; Medidas Socioeducativas; Comunidade Socioeducativa; Representações Sociais; Direitos, Educação e Segurança Pública

LISTA DE SIGLAS ABMP

Associação Brasileira de Magistrado e Promotores da Infância e Juventude

CASES

Casas de Atendimento Socioeducativo

CBIA

Centro Brasileiro da Infância e da Adolescência

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente ECA

Estatuto da Criança e do Adolescente

ESG

Escola Superior de Guerra

FEBEM

Fundação Estadual do Bem-Estar ao Menor

FONACRIAD Fórum Nacional de Organizações Governamentais de Atendimento à Criança e ao Adolescente FUNABEM

Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

FUNDAC

Fundação da Criança e do Adolescente

PLIMEC

Plano de Integração do Menor/Comunidade

PNBEM

Política Nacional do Bem-Estar do Menor

REDA

Regime Especial de Direito Administrativo

SAM

Serviço de Assistência ao Menor

SE

Sistema Educacional

SEDES

Secretaria do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza

SEDH

Secretaria Especial dos Direitos Humanos

SGD

Sistema de Garantia dos Direitos

STF

Superior Tribunal Federal

STM

Superior Tribunal Militar

SINASE

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

SJSP

Sistema de Justiça e Segurança Pública

SPDCA

Subsecretaria Especial de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente

SUAS

Sistema Único da Assistência Social

SUS

Sistema Único de Saúde

UNICEF

Fundo das Nações Unidas para a Infância

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................................10 1- ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI NO BRASIL................................................14 1.1 História das mudanças de paradigmas nas políticas públicas brasileira sobre a questão.............................................................................................................................14 1.2 O SINASE e a idéia de Comunidade Socioeducativa....................................................21 2- A COMUNIDADE SOCIOEDUCATIVA NA BAHIA, A FUNDAC.......................................24 2.1-Breve histórico..............................................................................................................24 2.2 Estrutura e Funcionamento............................................................................................25 2.3 Um recorte: o perfil dos Orientadores ..........................................................................29 3- RETRATANDO APORTES.......................................................................................................34 3.1- Decisões metodológicas .............................................................................................34 3.2- Aporte nas Representações Sociais como Retratos de uma Realidade........................34

3.3 Operacionalizando o acesso as Representações sociais dos Orientadores ..............38 4-RETRATANDO A REALIDADE, OS ORIENTADORES E SUAS REPRESENTAÇÕES......42 4.1. A questão da Identidade de Orientador pelas falas, a auto-imagem.............................42 4.2 As representações quanto à questão da identidade dos adolescentes cumpridores de medida socioeducativa ........................................................................................................43 4.3-Representações sobre o mundo da Violência e a relação com a ocupação de Orientador .............................................................................................................................................45 4.4- Representações quanto a Medidas Socioeducativas..................................................47 4.4.1 Sobre a Imagem da Instituição Fundac...........................................................47 4.4.2 Sobre Comunidade Socioeducativa................................................................48 4.4.3 Sobre a Eficácia da Medida Socioeducativa...................................................49 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................................51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................................54 ANEXOS..........................................................................................................................................56

10 INTRODUÇÃO

Com base em uma pesquisa de caráter quantitativo, Volpi (2002) ressaltou a inconsistência de fundamento para existência de três mitos que permeiam o imaginário da população brasileira frente à questão da inclinação da juventude como agente de violência. O primeiro mito se refere ao hiperdimensionamento do problema, causado principalmente pelas informações transmitidas pela mídia, entretanto, mesmo com o número crescente de adolescentes que cometem atos infracionais, este número ainda é bastante inferior à quantidade de adultos que praticam os mesmos atos. A partir desta constatação, é um equivoco dizer que os adolescentes são os principais protagonistas da insegurança que se propaga na sociedade brasileira contemporânea, haja vista a quantidade de adultos punidos ser bem maior que a quantidade de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. O segundo mito faz referência à periculosidade do adolescente que muitas vezes é destacada a partir da divulgação de casos esporádicos de adolescentes que praticaram crimes hediondos. O autor demonstra que cerca de 21% dos adolescentes privados de liberdade praticaram atos infracionais considerado graves como: homicídios, estupros e latrocínios. Uma pesquisa realizada pelo IPEA em 2002 mostrava um índice um pouco maior com 28%, mas que também não é considerado alto. Por isso, como afirma Carrano (2000) é preciso sair da armadilha cultural e política daqueles que só enxergam delinqüência e violência nos grupos da juventude, isto porque classificaram a juventude também como o lugar da violência, uma percepção que nasceu de um discurso dominante de negação do diferente e daquilo que está fora das suas formas de alienação e dominação como a cultura juvenil. O terceiro mito alude à inverídica irresponsabilidade penal, uma vez que há uma grande confusão entre impunidade e inimputabilidade. Essa confusão, por sua vez, acarreta uma falsa idéia de que o adolescente não é responsabilizado pelos seus atos juridicamente ilícitos e que este seria o motivo que o impulsiona ao cometimento de mais delitos, já que “não respondem” por seus atos. No entanto, no caso de adolescentes (12 a 18 anos), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA- Lei nº 8069/90) prevê a adoção de medidas socioeducativas de caráter penal especial – expressas no artigo 112, tais como: I- advertência; II- obrigação de

11

reparar os danos; III- prestação de serviço à comunidade; IV- liberdade assistida; Vsemiliberdade; VI- internação. 1 Assim sendo, a atenção aos adolescentes em conflito com a lei, deve ser muito mais ampla que a simples repressão aos atos infracionais, tratando-se de uma política de caráter pedagógico que objetiva educá-los, de modo a torná-los úteis ao país e a si próprios. Para o enfrentamento desse contexto, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) através da Resolução Nº 119/2006, aprovou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) que se apresenta como um conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa. O SINASE reafirma a diretriz do ECA, sobre a natureza pedagógica da medida socioeducativa, que segundo seu paradigma, pedagogicamente, significa a educação para o convívio social sem a quebra das normas dessa convivência . Vale ressaltar que o sistema de proteção e ressocialização somente se concretiza através de uma rede de operadores ou como a prevê o SINASE, através de uma Comunidade Socioeducativa. Quanto aos profissionais que atuem nessa Comunidade - no caso específico do trabalho com adolescentes em situação de conflito com a lei - devem possuir um entendimento e uma visão crítica em relação a uma situação que é inacessível ao leigo. O Estado da Bahia, em sua política, define um sistema operacional de atendimento que deve buscar articular organicamente os setores e instituições que atuam na área social especializada, através da Fundação da Criança e do Adolescente (FUNDAC), criada em 1991. Cabe a essa Instituição, executar no âmbito estadual, a política de atendimento ao adolescente em conflito com a lei, em consonância com os preceitos do Sistema Nacional de Atendimento

1

Além disso,visando assegurar os direitos da criança e do adolescente, para o ECA a criança (0 a 12 anos incompletos) - que também é de responsabilidade penal dos pais ou responsável – deverá ser encaminhada ao Conselho Tutelar, estando sujeita a medidas protetivas com intervenção administrativa no seio da família com medidas aplicáveis aos pais, que vão do encaminhamento a programas de auxilio a família, até a inclusão em programas de orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

12

Socioeducativo (SINASE), que reafirma a diretriz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sobre o caráter pedagógico da medida socioeducativa. A FUNDAC, dentre outras ações, é responsável pelas unidades denominadas Casas de Atendimento

Socioeducativo

(CASES)

que

recebem

adolescentes

sob

medidas

socioeducativas de semiliberdade, bem como, de internação. Nestas unidades encontramos uma equipe que atuando em diversas funções, se ocupa do cotidiano dos adolescentes. Em meio aos atores dessa equipe, estão os Orientadores de medidas socioeducativas cuja dinâmica do trabalho os leva constantemente a prestar assistência bio-psicossocial aos adolescentes em conflito com a lei que se encontram em cumprimento de medidas socioeducativas restritivas de liberdade. A partir de uma aproximação, realizada no final de 2007, quando da realização de um curso de capacitação destinado aos Orientadores, sob a responsabilidade da Universidade do Estado da Bahia, se evidenciou que havia poucas informações sobre o papel dos orientadores, desse modo, como pesquisadora da supracitada Universidade, empreendi uma investigação sobre o contexto do trabalho dos orientadores e sobre o que pensavam a propósito de violência e juventude. Em seguida, se fez necessário, saber de fato, o que significam as medidas socioeducativas para os eles e como esse conteúdo norteia suas ações. Assim, o relatório ora apresentado, visa empreender uma exposição sobre o processo de investigação e os seus resultados. Para tanto, além dessa introdução, o texto está organizado em quatro capítulos, além das considerações finais. O primeiro capítulo, delineia a trajetória histórica das mudanças de paradigmas no tocante ao comportamento do Estado frente à questão da criança e do adolescente, especialmente na situação de conflito com a lei, até a construção do atual paradigma . Para isso, recorre à apresentação das legislações, bem como, apela às inferências analíticas sobre seus conteúdos. O segundo capítulo, descreve alguns aspectos da principal comunidade socioeducativa no Estado da Bahia, a FUNDAC - um breve histórico, além da descrição de suas ações atuais. Além disso, apresenta o perfil da figura do Orientador de Medida Socioeducativa

e

13

e seu papel na referida Comunidade. O terceiro capítulo, trata dos aportes metodológicos para a construção, aproximação e análise do objeto. Apresenta as justificativas para a eleição das representações sociais como aporte, assim como, apresenta as principais escolhas técnicas para realização da coleta de dados, pautadas na observação direta , na análise de entrevistas e em análise documental. O quarto capítulo, expõe os principais dados coletados sobre representações dos orientadores e as devidas análises, no que se refere às identidades dos atores envolvidos no processo de medidas socioeducativas; a relação violência e a ocupação de Orientador; a comunidade socioeducativa e por fim, sobre a eficácia das medidas. Finalmente, em considerações finais, estão expressas as principais conclusões da investigação.

14 1- ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI NO BRASIL

1.1.

História das mudanças de paradigmas nas políticas públicas brasileira sobre a

questão No primeiro Código Penal Republicano do Brasil (1890), os menores de 9 anos eram absolutamente inimputáveis, bem como, os menores entre 9 e 14 anos que agissem sem discernimento. Todavia, os menores entre 9 e 14 anos que agissem com discernimento eram imputáveis e eram internados em estabelecimentos correcionais disciplinares, até a idade de 17 anos. Os maiores de 14 anos e menores de 16 anos eram imputáveis com penas atenuadas. Assim, aqui predominava a Teoria da Ação com discernimento. A alteração e substituição da concepção obsoleta de discernimento, veio com o primeiro Código de Menores do Brasil de 1927 (Código Mello Mattos), que surgiu no país, e mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, que estava passando por uma urbanização européia, tendo a França como modelo. Desse modo, trouxe um contexto no qual os menores pobres e excluídos socialmente da época, deveriam ser recolhidos e assistidos formalmente, uma vez que suas existências retratavam a pobreza da cidade e isso proporcionava uma estética visual desagradável para a elite, tornando-se um problema

que precisava ser

solucionado o mais rápido possível, com o movimento de higienista. Portanto, a criança passou de objeto da caridade para objeto de políticas públicas. Ainda eram vistos como não criminosos os agentes de até 14 anos de idade e também se preceituava que os menores de 18 anos abandonados e delinqüentes, deveriam ser submetidos ao regime de recolhimento em instituições. Foi somente com o Decreto-Lei no. 2.848 de 07 de dezembro de 1940, que a idade de 18 anos foi fixada como marca que separava a inimputabilidade da responsabilidade penal. O infrator era aquele que transgredia alguma lei tipificada no Código Penal e, ao cometer o ato infracional, estava sujeito a uma sanção também prevista no Sistema Legal, aplicada por um Juiz ou um seu representante, devendo ser internado em unidades especiais. Em 1942 foi criado o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), dentro da estrutura do Ministério da Justiça, funcionando como um sistema penitenciário para menores de idade. De

15

orientação correcional e repressiva, o SAM funcionava através de internatos que eram reformatórios e casa de correção para jovens autores de infração penal e de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para menores carentes e abandonados. Os anos 50, não trouxeram nenhuma novidade no tocante as crianças e adolescentes - o país parecia anestesiado com o período desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek (1955-1960). Já os 60, marcaram o mundo com uma enorme efervescência política, social, cultural e ideológica. Tragicamente no Brasil, as grandes marcas dessa década, foram deixadas pelo fechamento político do regime militar com o golpe de 1964, que chegaria a seu ápice em dezembro de 1968 com a instauração do AI-5, que possibilitou ao Executivo dentre outras coisas: a intervenção no Superior Tribunal Federal (STF), a intervenção no Superior Tribunal Militar (STM) e

a intensificação da, já

pré-existente, censura à imprensa (que ficou

submetida a tribunais militares). Foi nesse contexto turbulento da história brasileira, que em 1964, criou-se a Lei 4513/64 que estabeleceu a Programa Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), bem como se criou a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM). Esta instituição seguiu a linha pedagógica de internação do antigo SAM, acrescentando-se ainda ao seu Programa Nacional de Bem Estar do Menor (PNBEM) o apoio doutrinário e logístico da Escola Superior de Guerra (ESG), através de sua Doutrina de Segurança Nacional (argumento que foi usada pelo regime militar como seu sustentáculo). Ainda nesse contexto, a Constituição Federal de 1967, ao instituir a assistência ao universo infanto-juvenil, não seguiu no todo as constituições precedentes, determinando duas modificações específicas. A primeira, referente à idade mínima para a iniciação ao trabalho, que passou a ser de 12 anos, e, a segunda, instituindo o ensino obrigatório e gratuito nos estabelecimentos oficiais para as crianças de 7 a 14 anos de idade (art 168, inc II). Quando a década de 70 chegou, a sociedade brasileira vivia o período mais duro da ditadura militar: a censura estava institucionalizada, a tortura aos presos políticos era empregada pelo Estado, existia uma desagregação dos movimentos sociais e vivia-se o arrocho salarial (controle e rebaixamento dos salários impostos pelos governos militares).

16

Completando o quadro acenava uma profunda crise econômica, afinal o Brasil havia se integrado ao sistema capitalista monopolista internacional como país periférico. O país pagaria caro por sua corrida pelo Milagre Econômico – pelo seu acelerado crescimento econômico. Em 1979, foi instituído um “novo” Código de Menores (Lei 6697 de 10/10/1979) que definia a proteção e a vigilância aos menores em “situação irregular”. Por tal situação eram considerados, dentre outros, os menores em estado de necessidade, que por incapacidade dos país para mantê-los, passavam a ser objeto de interação do Sistema Administrativo da Justiça de Menores - a "carência" era uma das hipóteses para a "situação irregular". Assim, nesse Código, por um único conjunto de medidas se definiu o atendimento ao menor carente, ao menor abandonado e ao menor infrator. Todas as crianças e jovens tidos como em perigo ou perigosos (por exemplo: abandonados, carentes, infratores, apresentando condutas denominadas anti-sociais, deficientes ou doentes, ociosos, perambulantes) eram passíveis, em um momento ou outro, de serem enviados às instituições de recolhimento. Na prática isto significava que o Estado podia, através do Juiz de Menor, destituir aos pais do pátrio poder através da decretação de sentença de "situação irregular do menor". Estabelecia essa nova doutrina que os menores passariam a ser objeto da norma, quando se encontrasse em estado de “patologia jurídico-social”, assim definida legalmente em seu art. 2º. , que dizia: “Para os efeitos desse Código, considera-se, em situação irregular, o menor: [...] VI- autor de infração penal”. (LIBERATI, 2003, p.7677)

Vale ressaltar que a partir da segunda metade dos anos 70, a institucionalização definida pelo PNBEM e pelo Código de Menores começou a sofrer críticas por parte de especialistas e por defensores dos Direitos Humanos. Avaliava-se como perverso e ineficaz o ciclo promovido pelas instituições (apreensão–triagem-rotulação-deportação-confrontamento). Ainda em meados dos anos 70, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) passou a trabalhar com crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social em comunidades de origem, surgindo assim, o Plano de Integração do Menor/Comunidade (PLIMEC) que foi implantado no país através de núcleos preventivos.

17

Essa política estabeleceu uma condução vertical e centralizada, com padrões uniformes de atendimento direto normatizado para todos os Estados do país, tendo como órgão nacional

a

FUNABEM que se desdobrou nas unidades denominadas FEBEM (Fundação Estadual do Bem-Estar ao Menor) como órgãos executores de uma uniformidade de conteúdo, método e gestão que propunham substituir o modelo até então vigente, o SAM, considerado repressivo. No entanto, mais uma vez a padronização e o verticalismo condenaram a proposta ao insucesso e mais ainda, as FEBENS, foram consideradas por muitos, como uma “modernização conservadora” ou como um modelo que acabou por perpetuar o modelo correcional-repressivo que criticava. Enquanto isso, no plano mais geral, o fim dos anos 70, já se caracterizava como um período de abertura lenta e gradativa na política brasileira. A década de 80 se caracterizou pela continuidade do processo de abertura política no país, com o empenho para a renovação das instituições e a implantação de um regime mais participativo. Os rumos adotados para a abertura implicavam no restabelecimento de alguns aspectos institucionais básicos tais como: reforma partidária (iniciada no final de 1979) e o retorno das eleições diretas para governadores (aprovada em 1980). No entanto, vale ressaltar que apesar da pressão dos movimentos sociais, ainda prevaleceram os rumos motivados pela conciliação entre interesses de segmentos burgueses. Haja vista o resultado negativo, naquele momento, da mobilização popular pró-diretas que começou a tomar corpo em 1983 e levou um duro golpe quando a emenda Dante de Oliveira não conseguiu 2/3 dos votos para sua aprovação, o que nos fez esperar um pouco mais para a eleição direta de um presidente. Assim, em 1985, um colégio eleitoral elegeu Tancredo Neves um presidente civil, depois de vinte e um anos, mas que em virtude de seu falecimento, levou o Colégio a empossar José Sarney, em junho do mesmo ano. As mobilizações da sociedade em torno de diversas questões continuaram. Por exemplo, em 1984 realizou-se em Brasília o I Seminário Latino Americano de Alternativas Comunitárias de Atendimento a Menores de Rua, que fortaleceu a idéia de atendimento alternativo como critica ao modelo correcional-repressivo; comissões locais e estaduais elegeram, em 1985, a Coordenação Nacional do Movimento Meninos e Meninas de Rua, uma

18

conquista fundamental no período. Em seguida, em 1986, também em Brasília, realizou-se o I Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Do mesmo modo, cabe destacar que, no mundo acadêmico surgiram aportes relacionados à situação dos “menores”. Assim, em um artigo denominado “A Fabricação do Menor”, publicado em fevereiro de 1987, o professor Faleiros fez uma veemente critica a Doutrina da Situação Irregular, Constata-se, assim, uma inversão no trato da questão social do menor em ´situação irregular´. A miséria passa a ser uma questão jurídica, e esta uma questão policial no sentido amplo de policiamento da conduta e da vida das famílias proletárias. O poder de policiamento é centralizado nas mãos do juiz. A sociedade não propõe, mas o juiz dispõe. (FALEIROS, 1987, p.11)

Nesse clima de mobilização popular em torno de diversas questões, em 1985 foi instalada a Comissão de Estudos Constitucionais que produziria o texto da Constituição Brasileira em 1988, que foi denominada de Constituição Cidadã. O fato é que, a Constituição Brasileira de 1988, em vigência, garante em seu texto, a iniciativa popular como iniciadora de processos legislativos (art. 14). Também estimula a participação popular na tomada de decisões sobre políticas públicas, como no caso do princípio de cooperação com associações e movimentos sociais no planejamento municipal (art. 29) ou de participação direta da população na gestão administrativa da saúde, previdência, assistência social, educação e criança e adolescente (arts. 194, 198, 204, 206 e 227). Aqui, com todas as criticas possíveis quanto à efetividade dessa participação, vale ressaltar que a Constituição de 1988, significou um grande avanço nos direitos sociais e isto por sua vez beneficiou, entre outros, não mais o “menor”, todavia, a criança e o adolescente. Nessa perspectiva, tem-se exemplificativamente, que a idade mínima para admissão ao trabalho é, novamente, fixada aos 14 anos - art. 7º, XXXIII. Quanto à educação, tal Carta Magna, em seu art. 208, determina como dever do Estado garantir ensino fundamental (primeiro grau), obrigatório e gratuito, até mesmo para os que a ele não tiverem acesso na idade própria.

19

Destarte em 1989, depois da promulgação da Constituição Brasileira, foi aprovada a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, da qual o Brasil tornou-se signatário.

Em

seguida, aprovou-se no Congresso Nacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), através da Lei Complementar Nº. 03, Artigo Nº. 17, de 22/08/1990. Com a aprovação do ECA, a FEBEM passou a denominar-se Fundação da Criança e do Adolescente (FUNDAC), na perspectiva de deixar para trás a Doutrina da “Situação Irregular” para convalidar o processo de mudança iniciado com a Constituição Federal de 1988, que exigia, exige e exigirá a efetivação e a universalização da Doutrina Sócio-Jurídica da Proteção Integral a toda criança e adolescente de 0 (zero) a 18 (dezoito) anos de idade.

A MUDANÇA DO PARADIGMA EXPRESSA NO ECA ASPECTO

Anterior

Atual

Doutrinário

Situação Irregular

Proteção Integral

Caráter

Filantrópico

Política Pública

Fundamento

Assistencialista

Direito Subjetivo

Centralidade

Local Judiciário

Município

Competência Executiva

União/Estados

Município

Decisório

Centralizador

Participativo

Institucional

Estatal

Co-gestão/Sociedade Civil

Organização

Piramidal Hierárquica

Rede

Fonte: CECA (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente da Bahia) 2008

Dentre outras coisas significativas foram criados os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, extingui-se a FUNABEM, substituída pelo Centro Brasileiro da Infância e da Adolescência (CBIA) com a missão de implementar o Estatuto por todo país.

20

Esse aspecto da realidade brasileira foi assim se incorporado àquilo que estava se constituindo no Brasil como um Sistema de Garantia dos Direitos (SGD), relacionados a: saúde com o Sistema Único de Saúde (SUS); à educação com Sistema Educacional (SE);

à

assistência social como o Sistema Único da Assistência Social (SUAS) e por fim à justiça e segurança pública com Sistema de Justiça e Segurança Pública (SJSP).

SGD (Sistema de Garantia de Direitos)

SISTEMA EDUCACIONAL

SISTEMA ÚNICO DE SAUDE

SINASE SISTEMA DE JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA

SISTEMA ÚNICO DE ASSISTENCIA SOCIAL

Desse modo, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) constituiu mudança no ordenamento jurídico, como um marco de um período inconcluso de transformações efetivas na realidade do atendimento ao adolescente em conflito com a lei, pautada em novas exigibilidades aos gestores públicos das medidas socioeducativas, fundada no reconhecimento da criança e do adolescente como pessoas sujeitas de direitos e que

21

ganharam impulso com a redação do documento oficial do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Foi no ano de 2002 que a CONANDA e a SEDH/SPDCA (Secretaria Especial dos Direitos Humanos/ Subsecretaria Especial de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente), em parceria com a Associação Brasileira de Magistrado e Promotores da Infância e Juventude (ABMP) e o Fórum Nacional de Organizações Governamentais de Atendimento à Criança e ao Adolescente (FONACRIAD), realizaram encontros estaduais, regionais e nacionais com o objetivo de debater e avaliar com os operadores do SGD a proposta da lei de execução de medidas socioeducativas da ABMP, bem como a prática pedagógica desenvolvida nas unidades socioeducativas, passando a subsidiar o CONANDA na elaboração de parâmetros e diretrizes para medidas socioeducativas.

1.2

O SINASE e a idéia de Comunidade Socioeducativa Em fevereiro de 2004 a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) por meio da

Subsecretaria Especial de promoção dos direitos da criança e do adolescente (SPDCA), em conjunto com a CONANDA e com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), sistematizaram e organizaram a proposta do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Assim, o SINASE foi fruto de uma construção coletiva que envolveu nos últimos anos diversas áreas do governo, representantes de entidades e especialistas na área, além de uma série de debates gerados por operadores do sistema de garantia de direitos em encontros regionais que cobrem todo o país. Em junho de 2006 o SINASE foi aprovado em assembléia do CONANDA. Esse documento foi organizado em nove capítulos, a saber: 1-marco situacional; 2-conceito de integração das políticas públicas; 3-princípios e marco legal do SINASE; 4-organização do sistema; 5-gestão dos programas; 6-parâmetros da gestão pedagógica no atendimento a socioeducativo; 7-parâmetros arquitetônicos para os programas socioeducativo; 8-gestão do sistema e financiamento e 9-monitoramento e avaliação.

22

O SINASE articula os três níveis de governo (Federal, Estadual e Municipal) para o desenvolvimento dos programas de atendimento, considerando a intersetorialidade e a coresponsabilidade da família, comunidade e Estado. Esse mesmo Sistema estabelece ainda as competências e responsabilidades dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente; que devem sempre fundamentar suas decisões com os demais integrantes do sistema de garantia de direitos (Poder Judiciário e o Ministério Público). Grosso modo, como foi aludido na Introdução, pode-se dizer que o SINASE é o agrupamento de regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que abarca desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medidas socioeducativas e que avança ao definir diretrizes no que concerne a: 1-estrutura organizacional do sistema; 2- gestão dos programas; 3-gestão pedagógica; 4-padrões arquitetônicos das unidades de atendimento; 5fFinanciamento; 6- monitoramento e 7avaliação. Segundo o SINASE para a idéia de comunidade socioeducativa é fundamental a realização dos objetivos das medidas socioeducativas, ...o objetivo superior a ser alcançado é a comunidade socioeducativa. É composta pelos profissionais e adolescentes das Unidades e/ou programas de atendimento socioeducativo, opera com transversalidade, todas as operações de deliberação, planejamento, execução, monitoramento, avaliação e redirecionamento das ações, que devem ser compartilhadas, rotativas, solidárias, tendo como principal destinatário o coletivo em questão, contemplando as peculiaridades e singularidades dos participantes. (SINASE, 2006, p.41)

Assim, segundo o mesmo, essa comunidade deverá ser formada por uma equipe com diferentes papeis e um único objetivo. O quadro de pessoal pode variar conforme o tipo de ação, a saber: específico para entidades e/ou programas que executam a medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade; específico para entidades e/ou programas que executam a medida socioeducativa de liberdade assistida; específico para entidades e/ou programas que executam a medida socioeducativa de semiliberdade

e

23

específico para entidades e/ou programas que executam a medida socioeducativa de internação. Ao findar esse capitulo, inicialmente, vale ressaltar que de fato ao longo da história recente brasileira, se pode verificar um avanço legislativo, fruto de uma ampla mobilização. Com uma mudança radical dos parâmetros jurídicos, o ECA, passou a tratar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. E, em relação à questão dos adolescentes em conflito com a Lei, o novo paradigma expresso pelo ECA, já não trata esses sujeitos de direitos como “menores” em situação irregular, expressão que trazia em si o estigma da marginalidade. Contudo, se faz necessário lembrar aqui, que se trata ainda de uma construção, ou melhor re-construção cultural que implica não só esforços para os ajustes institucionais, mas acima, um exercício no âmbito na extensão da sociedade brasileira, em tratar crianças e adolescentes como cidadãos plenos. Isso, por exemplo, igualmente se produz através da difusão na extensão da sociedade brasileira, da noção de comunidade socioeducativa.

24 2-A COMUNIDADE SOCIOEDUCATIVA NA BAHIA, FUNDAC

2.1-Breve histórico Como já vimos de forma mais apurada no Capitulo 1, em 1989, depois da promulgação da Constituição Brasileira, aprovou-se a Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Logo em seguida aprovou-se no Congresso Nacional, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), sancionado em 13 de julho de 1990. Mas para além dessas, outras ações significativas foram: a criação dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, bem como a extinção da FUNABEM, substituída pelo CBIA (Centro Brasileiro da Infância e da Adolescência) com a missão de implementar o Estatuto em todo país. O artigo 90 do ECA trata das entidades de atendimento à infância e juventude, abordando que: As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócioeducativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de: orientação e apoio sócio familiar; apoio sócio-educativo em meio aberto; colocação familiar; abrigo; liberdade assistida; semiliberdade; internação.

No Estado da Bahia, a FAMEB (Fundação de Assistência a Menores do Estado da Bahia) instituição criada desde 1976, iniciou em 1991, a reforma do seu Estatuto, Regimento e do processo de reordenamento institucional criando a FUNDAC (Fundação da Criança e do Adolescente) em 22 de maio de 1991- mediante o art. 23 da lei estadual nº 6074. Definindo-se assim, uma política estadual, num sistema operacional de atendimento que vem buscando articular organicamente os setores e instituições que atuam na área social especializada, através da FUNDAC. A FUNDAC hoje, vincula-se a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (SEDES), criada pelo governo da Bahia em 2007.

25

2.2 Estrutura e Funcionamento Em sua estrutura administrativa a FUNDAC apresenta: Conselho Curador Diretoria Geral Diretoria adjunta da Fundac Gabinete do Diretor Geral Assessoria Técnica Procuradoria Jurídica Gerência de Atendimento Socioeducativo Especializado Subgerência Técnico Pedagógica Subgerência de Artes-Plásticas Subgerência de Medidas Complementares ao Atendimento Gerência de Apoio à Família Subgerência de Desenvolvimento Comunitário Subgerência de Atendimento Familiar Gerência de Iniciação Profissional e Mercado de Trabalho Subgerência de Cadastramento, Seleção e Engajamento Subgerência de Iniciação Profissional e Geração de Renda Subgerência de Oficinas Educativas Gerência de Atendimento Articulado Operacional Subgerência de Pronto Atendimento à Criança e ao Adolescente Subgerência de Rede Interinstitucional de Apoio à Criança e ao Adolescente Subgerência de Mobilização Institucional e Comunitária Subgerência SOS - Criança e Adolescente Gerência Administrativo-Financeira – composta por Subgerência de Pessoal; Subgerência de Material; Subgerência de Patrimônio; Subgerência de Serviços Auxiliares;Subgerência de Execução e Controle Financeiro;

Subgerência de Contabilidade

26

Para além dos cargos, a FUNDAC apresenta um corpo técnico como prevê o Sistema Nacional de Medidas Socioeducativas (SINASE) ou pelo menos em certa medida, formado de profissionais tais como: terapeuta ocupacional, dentista, médico, psicólogo, assistente social, músico terapeuta, professores da rede municipal e estadual, arte-educadores (música, teatro, dança), socioeducadores, orientadores/monitores. Os objetivos da atuação técnica, são: promoção da continuidade do processo educativo do adolescente; promoção de ações integradas de escolarização, arte-educação, iniciação profissional e esporte; asseguramento do processo educacional através de projetos específicos utilizando os eixos dos temas transversais dos PCNs; resgate de valores e despertar nos adolescentes o interesse pelo saber e fazer cultural, através da arte; viabilização das diversas manifestações da fé, ultrapassando as crenças religiosas e respeitando-as dentro de uma visão ecumênica. Suas linhas metodológicas estão pautadas na Pedagogia da Presença como nova forma de ajudar o educando a desenvolver a sua autonomia e a Pedagogia de Projetos que é uma metodologia que propicia o conhecimento de forma global tanto aos professores quanto aos educandos. Formalmente as atividades desenvolvidas se dividem em: •

Educação formal (escolas municipais e estaduais que funcionam dentro das Unidades)



Educação não formal (arte-educadores)



Acompanhamento médico, social, psicológico e terapêutico estendido para as famílias dos adolescentes.

Os projetos que mais são citados são: •

Plano de Atuação Técnica (PAT) - desde 2005, através do PAT são implementadas as ações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).



Fazenda A Partilha, localizada no município de Pojuca, a 68 quilômetros de Salvador - parceria entre a FUNDAC, a Associação Reggio Terzo Mondo, a

27

Fundação Franco Gilberti e o governo da Itália, envolve recursos de R$ 4 milhões. Área de 420 hectares, com lagoas, pomar, horta e espaço para criação de animais. Ainda este ano serão instalados um infocentro e um ateliê de pintura. •

Em Maragogipe através de investimentos do Governo do Estado, prefeitura, Petrobrás e Banco do Brasil será reativada a Escola Agroindustrial para aplicação

de

medidas

de

semiliberdade

e

implantação

de

cursos

profissionalizantes com previsão de formar 1,6 mil jovens a cada quatro meses •

Projeto de regionalização da internação ou municipalização das medidas socioeducativas, priorizando a implantação de unidades em Barreiras, Juazeiro e Ilhéus. O serviço já foi implementado em Ilhéus, Eunápolis, Canavieiras, Itabuna, Porto Seguro, Itamarajú e Teixeira de Freitas e beneficia no momento cerca de 200 adolescentes.A previsão da Fundac é estender, até o final de 2007, as ações para Juazeiro, Barreiras, Paulo Afonso, Santo Antonio de Jesus, Pojuca, Vitória da Conquista, Bom Jesus da Lapa e I

As áreas de atuação da FUNDAC são os programas de atendimento socioeducativo especializado; atendimento articulado operacional; atendimento a crianças e adolescentes em situação de rua; atendimento a família; iniciação profissional e mercado de trabalho, estruturados da seguinte maneira: •

Pronto atendimento: atendimento inicial ao adolescente a quem atribua autoria de ato infracional, enquanto aguarda a decisão de órgãos competentes.



Internação provisória: atendimento ao adolescente durante a apuração do ato infracional, até que se defina a medida ou seu desligamento.

Isso se efetiva através

da unidade denominada: Pronto Atendimento (P.A). •

Medida de semiliberdade: destina-se a atender, em regime semi-aberto, o adolescente autor de ato infracional. A FUNDAC conta com cerca de onze unidades de atendimento para medida de

semiliberdade, a saber: duas na capital do Estado (Salvador –Brotas e Cajazeiras) e as demais

28

unidades distribuídas na região Metropolitana de Salvador e no interior do Estado (Alagoinhas, Barreiras, Camaçari, Canavieiras, Feira de Santana,Juazeiro,Paulo Afonso, Santo Antonio de Jesus e Vitória da Conquista). •

Medida de Internação: destina-se a atender adolescentes autores de ato infracional, em privação de liberdade. A FUNDAC dispõe hoje, de três unidades de internação, denominadas Casas de

Atendimento Socioeducativo (CASES): a CASE- Salvador, em Tancredo Neves, a CASE Simões Filho, na Região Metropolitano de Salvador e a CASE – Feira de Santana. •

Medida de liberdade assistida: destina-se a atender adolescentes autores de ato infracional,

consistindo

em

acompanhamento

educacional,

profissional

e

encaminhamento a serviços da comunidade, ficando o jovem em companhia de sua família ou responsáveis. A FUNDAC, conta com parcerias com instituições e efetivamente com as unidades tais como Centro de Cultura e Arte do Pelourinho e o Centro de Atendimento à Família e ao Egresso (CAFE). Há ainda, a unidade denominada Centro de Educação Especial Elcy Freire (SalvadorMussurunga), que teria como função, prestar acompanhamento aos jovens portadores de necessidades especiais, mas que muitas vezes, cumpre o papel de unidade de internamento, já que muitas famílias sem condições emocionais ou financeiras “deixam” seus filhos na unidade e não mais voltam, criando para a instituição uma situação paradoxal, uma vez que ao completarem 18 anos devem deixar a unidade, mas muito deles não tem condições físicas e psicológicas para o autocuidado. Assim, a FUNDAC realiza seus trabalhos com base no ECA e SINASE e buscando seguir o princípio da incompletude institucional que é a responsabilidade de TODOS, recorrendo à manutenção de uma Rede Externa de parceria. (Anexo 11). Na Bahia, a quantidade de adolescentes privados de liberdade é maior que aqueles cumprindo medida em meio aberto. De acordo com os dados estatísticos, em Salvador no mês de Agosto/2007, existiam 207 adolescentes privados de liberdade, sendo 127 em regime de

29

internação provisória e 80 em regime de internação. Enquanto em meio aberto existiam 146 (Fonte:FUNDAC,2007)2. No entanto, no decorrer da pesquisa vimos vinculados dados fornecidos também pela própria FUNDAC, que dizia existir em 28/09/2007, mais de 500 adolescentes, atendidos pela Fundac, dos quais 325 cumpriam regime de internação. Essa imprecisão de dados foi uma constante, demonstrando que talvez ainda não tenhamos a real dimensão do problema.

2.3 Um recorte: o perfil dos Orientadores As pesquisas bibliográficas apontaram para o fato de que foi na liberdade vigiada e na liberdade assistida, na vigência dos Códigos de Menores de 1927 e 1979, que se localizou a origem da função de Orientador de medidas socioeducativas. A função de Orientador foi tecida historicamente entre vigiar e controlar, inseridos num modelo autoritário e repressivo que tinha sua base jurídico-social apoiada na doutrina da situação irregular. Na verdade, as pessoas encarregadas/capacitadas materializavam, na prática, os pressupostos da lei, a partir da execução de suas funções, isto é, as de vigiar/controlar a conduta dos “menores”, previsto na lei, era delegado ao Judiciário, na definição das normas e regras de condutas a serem seguidas e às pessoas encarregadas/capacitadas, subordinadas a este último, no acompanhamento destas condutas. Nesta relação hierárquica assim estabelecida, podemos supor que a pessoa encarregada/capacitada é o agente da lei e suas funções pressupõem não apenas a vigilância e o controle social, mas também “ditam” suas formas: autoritarismo e repressão. (CARVALHO, 2003, p.23)

Já no que concerne ao paradigma vigente, na leitura do SINASE, o conteúdo que mais se assemelha às atividades desenvolvidas pelo denominados Orientadores da FUNDAC-Bahia

2

Não foi possível atualizar os dados com fontes absolutamente seguras, portanto optamos pela manutenção desses dados.

30

é a de Socioeducadores. Por exemplo, no caso daqueles Socioeducadores que trabalham com a medida de internação o SINASE prevê: As atribuições dos socioeducadores deverão considerar o profissional que desenvolva tanto tarefas relativas à preservação da integridade física e psicológica dos adolescentes e dos funcionários quanto às atividades pedagógicas. Este enfoque indica a necessidade da presença de profissionais para o desenvolvimento de atividades pedagógicas e profissionalizantes específicas. (SINASE, 2006, p.50).

Na investigação, a primeira constatação foi de que existem oficialmente na FUNDAC duas categorias ocupacionais mais próximas da prescrição do SINASE. A primeira denominada de Orientadores de Medidas Socioeducativas e a segunda categoria denominada de Educadores de Sócio-Medidas ou Sócio-Educadores. Para a FUNDAC em documento está expresso que: (i) Os Orientadores de Medidas Socioeducativas são pessoas (sexos feminino e masculino) que já existiam no Sistema, na figura de agentes ou monitores que vivem o cotidiano diurno e noturno junto às crianças e adolescentes. Seu papel é o de acompanhamento de todas as atividades junto às crianças e adolescentes. Ou seja, os Orientadores de Medidas Socioeducativas são figuras que já estavam na Instituição mesmo antes do processo de transição do paradigma do Código de Menores para o ECA. Desse modo, vários têm muito tempo na

FUNDAC e já ocuparam outras funções/ cargos, enfim como se fossem

profissionais de “carreira”. Portanto, estão submetidos a diferentes regimes de trabalho tais como concursados, prestadores de serviços, REDA, etc. Esses funcionários são em maior número, cerca de 554 pessoas e para eles, a exigência de escolaridade sempre foi de segundo grau completo. (ii) Por sua vez, os Educadores de Sócio-Medidas ou Sócio-Educador, são figuras relativamente recentes no Sistema e conseqüentemente na instituição FUNDAC-Ba. Desse modo, poderíamos dizer que sua existência esta relacionada diretamente a mudança de paradigma do Código de Menores para o ECA. Vale ressaltar que esses representam um número bem menor.

31

Assim, se percebe que nos documentos oficiais, encontram-se apenas referências aos atores denominados de Orientadores. Certamente para atender ao SINASE, que não prevê essa distinção. No entanto, através da observação, rapidamente se constatou que no cotidiano das atividades, os Orientadores são chamados de Monitores – sobre esse fato, há uma abordagem mais adiante. Antes, vale salientar que isso demonstra como a descentralização de Políticas, dentro de um Sistema Nacional, pode operar, demonstrando que as adaptações nem sempre acontecem, como previsto e, cada instituição adapta-se a novas situações dentro do seu quadro organizativo cultural próprio. Ainda no que concerne às ações do Orientador, em documento interno, ofertado pela própria FUNDAC, as atividades do Orientador são:



DESCRIÇÃO SUMÁRIA: Acompanhar diariamente os adolescentes internos nas atividades e serviço existentes nas Unidades Socioeducativas tais como escola, oficinas profissionalizantes, esportes, bem como no atendimento social, psicológico, medico, jurídico, visando o controle disciplinar e a segurança do adolescente. Também acompanha o adolescente, juntamente com um técnico em atividades externas culturais/recreativas, em audiências, no atendimento médico especializado etc

Suas principais atividades segundo o documento: •

Recepcionar os adolescentes, informando sobre as normas e os procedimentos dentro do processo socioeducativo;



Fazer revistas e conferencias dos adolescentes, observando o estado físico dos mesmos para identificação de possíveis lesões corporais e evasões;



Orientar os adolescentes quanto a sua higiene pessoal e do ambiente físico;



Vistoriar banheiros, pias, chuveiros e outros equipamentos, retirando os que estão soltos ou quebrados, visando evitar incidentes em situações de conflitos;

32



Realizar rondas quando da presença de grupos de adolescentes em áreas de lazer, escolas e outros locais;



Executar medidas disciplinares aos adolescentes, conforme determinação do superior;



Incentivar a participação dos adolescentes nas atividades artísticas e pedagógicas desenvolvidas pelas Unidades;



Distribuir refeições e lanches nas casas internas dos adolescentes, bem como recolher os partos e bandejas para o refeitório;



Intervir nas situações de risco que resulte em ameaça à integridade física, psicológica e moral dos adolescentes, restabelecendo a ordem;



Comunicar-se, freqüentemente, como os colegas, bem como, com os lideres do plantão, através de rádios transceptores;



Articular-se como os demais setores, passando e recebendo informações pertinentes e necessárias ao rápido atendimento;



Participar das atividades artísticas, pedagógicas e recreativas para os adolescentes, fortalecendo a integração , e o conhecimento recíproco com os mesmos;



Tomar conhecimento das ocorrências dos plantões anteriores, através da leitura das ocorrências observando os recados e quadros de avisos;



Fazer relatório do plantão e registrar ocorrências no livro apropriado;



Conhecer a medida socioeducativa a ser cumprida pelo adolescente, colaborando pela sua execução.

Vale ressaltar que em 2009, quando da realização através do Edital nº 02/2009 de Processo Seletivo Simplificado para contratação de pessoal, por tempo determinado, em Regime Especial de Direito Administrativo (REDA), as atribuições que em documento ofertado pela FUNDAC, são pertinentes aos Orientadores, estão denominadas no Anexo III do Edital , como sendo de Monitores. Por fim, ao se analisar o documento oficial em questão, no qual se apresenta à descrição do cargo de Orientador, encontra-se o termo “acompanhar”. Ao se procurar

33

sinônimos para esse termo, encontram-se “comboiar, seguir, escoltar”. Portanto, verifica-se que apesar do discurso oficial embasado no SINASE (2006), a descrição oficial da ocupação, apresenta-se bem mais próxima à política anterior ao ECA (1990) - que não concebia a ressocialização como fundamentalmente medida educativa e sim ajuste de disciplina. Na observação do cotidiano da FUNDAC, imediatamente se percebe que a idéia partilhada é que a nomenclatura de Socioeducadores é utilizada para denominar professores e condutores das oficinas educativas. Isso tende a reforçar a constatação de que diferentemente do que objetiva o SINASE, os Orientadores -ou Monitores, como preferem na FUNDAC estão ali, muito mais para cuidar das questões relacionadas à disciplina e segurança. Finalmente, a descrição aqui realizada, da Comunidade Socioeducativa FUNDAC e da figura do Orientador, evidencia que mesmo com honrosos esforços para se seguir as diretrizes do ECA e do SINASE, muito ainda deve ser realizado para se cumprir o conteúdo pedagógico das medidas socioeducativas. Há uma dissonância, fruto de ajustes e arranjos necessários para uma instituição anterior a um dado paradigma vigente, ou seja, com uma cultura organizacional, criada e vivenciada pelos indivíduos antes mesmo do ECA e do SINASE. Certamente, para alguns indivíduos, a assimilação de novos conteúdos e novas as condutas, podem ser mais fáceis do que para outros.Certamente também. setores da

Instituição

conseguem mais rapidamente se adequar a novas realidades do que outros setores. Essa complexidade,

muitas vezes paradoxal, também se refletiu em alguns aspectos

metodologicamente investigados nesse texto.

34 3- RETRATANDO APORTES

3.1- Decisões metodológicas No decorrer desse trabalho, a abordagem privilegiada foi à compreensiva (recorrendo a procedimentos interpretativos) por trabalhar os conteúdos de manifestações da vida social, próprias às atividades dos sujeitos. A investigação buscou captar as percepções dos atores, suas experiências, expectativas e perspectivas. O percebido, o silenciado e o vivido foram às unidades de análise adotadas para descrever como socioeducadores percebem e significam temas relacionados ao nosso objeto. Por ser de caráter qualitativo o desenho dessa investigação é emergente e em cascata, uma vez que foi elaborado à medida que a investigação avançava. Questionamentos contínuos e reformulações constantes fizeram parte desse desenho. O uso da metodologia qualitativa deu-se pelo fato de possibilitar uma discussão sobre a intencionalidade dos atores sociais: valores, modelos ou regras que contribuem, na situação específica para a construção de uma determinada realidade social. Especificamente, buscamos nesse estudo de caso identificar às representações sociais dos orientadores de medidas socioeducativas

3.2. Aporte nas Representações Sociais como Retratos de uma Realidade O conceito de representação social atualmente é utilizado por inúmeros cientistas sociais (psicólogos, sociólogos, geógrafos, historiadores, etc.), sendo aplicado no estudo de problemas muito diversos (o ambiente, a saúde, a justiça, etc.), formando um campo de investigação vivo e dinâmico, Historicamente, Durkheim, Mead e Mauss foram os pioneiros nos estudos das produções mentais coletivas. No entanto, a noção de representação social saiu do campo da sociologia e se desenvolveu no campo da psicologia social. Nesse campo de conhecimento, o trabalho pioneiro foi: “A psicanálise, sua imagem e seu público” (1961) de Serge Moscovici.

35

Nesse desenvolvimento, o conceito esteve pautado dentro de uma perspectiva construtivista-interacionista de natureza social. Nessa perspectiva, se expressa à dinâmica do sujeito conhecer e de comunicar aquilo que conhece (um objeto físico, social, imaginário ou real). Ou seja, uma imagem e sua significação. Estamos assim, diante da relação entre o individual e o social, entre o particular e o coletivo, e ante a expressão “comum” dessa relação. De acordo com Moscovici e Hewstone (1984) o significado de “comum” tem um duplo sentido. De um lado, ele aparece como um corpus de conhecimento nascido de tradições partilhadas e alimentadas pela experiência e de outro lado, este corpus é atravessa pelas imagens mentais. (ANADON e MACHADO, 2003, p.13)

Desse modo, A representação social é a construção social de um saber ordinário (do senso comum) elaborado por e dentro das interações sociais, através de valores, das crenças, dos estereótipos etc partilhado, por um ‘grupo social no que se concerne a diferentes objetos (pessoas, acontecimentos, categorias, objetos do mundo etc), dando lugar a uma visão comum das coisas. (ANADON e MACHADO, 2003, p.14)

Assim sendo, podemos afirmar com segurança que a Representação Social (RS) se dá na interface do psicológico, do social, ou seja, na interface entre o individual e o coletivo. RS é gerada e reproduzida ao longo de intercâmbios sociais, constituindo-se como elemento pertencente à vida coletiva e possui uma relativa autonomia que é confirmada pelo fato de ser elaborada em variados espaços sociais e debaixo de pressões e situações variadas. (ANADON e MACHADO, 2003, p.14)

Além disso, Enquanto produto, a representação social constitui um universo de opiniões, de crenças, de conhecimentos etc a respeito de um objeto, organizados em volta de uma significação central. Como processo, a RS e a atividade mental que subjaz à elaboração da representação-produto. (ANADON e MACHADO, 2003, p.16)

36

Em relação à sua diversidade, os estudos apontam para cinco orientações no campo dos estudos sobre Representação Social, a saber: sobre suas estruturas; sobre seus processos cognitivos; sobre as relações entre Representação Social (RS) e as práticas dos atores; sobre a gênese da Representação e por fim, sobre os seus conteúdos. Nessa investigação, a matéria privilegiada foram os conteúdos das representações: Nesta perspectiva procura-se colocar em evidencia como os grupos constroem a realidade e a integram a seu sistema de valores. Assim, pode-se analisar o sentido dos conteúdos observados em uma população dada. Trata-se do estudo das normas, das atitudes, dos pressupostos do grupo a respeito de um objeto particular. (ANADON e MACHADO, 2003, p.31)

Desse modo, destacamos na investigação os conteúdos das RS - o sentido dos conteúdos observados junto à população estudada, ou seja, os Orientadores de Medidas Socioeducativas. A maior representante teórica dessa linha de trabalho – sobre os conteúdos – foi Denise Jodelet. Segundo a autora, as representações sociais podem ser caracterizadas como um modo de conhecimento, socialmente elaborado e partilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a constituição de uma realidade comum a um conjunto social. Assim,

enquanto sistemas de interpretação, as representações sociais regulam a nossa relação com os outros e orientam o nosso comportamento. As representações interferem além disso em processos tão variados como a propagação e a assimilação de conhecimento, a construção de identidades pessoais e sociais, o comportamento intra e intergrupal, as ações de resistência e de mudança social. Enquanto fenômenos cognitivos, as representações sociais são consideradas como o produto duma atividade de apropriação da realidade exterior e, simultaneamente, como processo de elaboração psicológica e social da realidade (JODELET, 2001, p.36-37).

37

A autora, acena ainda que as representações sociais formam sistemas e dão origem à

‘teorias espontâneas’, que são versões da realidade que encarnam em imagens cheias de significação. Por isso, as representações sociais servem como guias da ação, uma vez que modelam e constituem os elementos do contexto no qual esta ação acontece (Moscovici, 1961) e desempenham, ainda, certas funções na manutenção da identidade social e do equilíbrio sociocognitivo (Jodelet, 2001). Assim, ainda por Jodelet (2001) por um lado, as representações estruturam-se de acordo com as estratégias grupais e, por outro, as representações servem e justificam os comportamentos grupais, isto é, as representações sociais têm uma função de justificação antecipada e/ou retrospectiva das interações sociais. Ela é um sistema de pré-decodificação da realidade porque ela determina um conjunto de antecipações e de expectativas. (ABRIC,1987 apud ANADÓN e MACHADO, 2003 p.24).

Em resumo, na visão de Jodelet (2001), as representações sociais são fenômenos complexos, permanentemente acionados na vida social, constituindo-se de elementos informativos, cognitivos, ideológicos e normativos. Nessa investigação, o acesso às representações (individuais ou coletivas) se deu através da captura de discurso. Vale ressaltar, que aqui se comunga com Michael Foucault, quando se considera um discurso como uma estrutura histórica, social e institucionalmente especifica de enunciados, termos, categorias e crenças. Assim, se optou pela a análise de discurso (AD). O objetivo da AD é a linguagem verbal do homem no mundo, bem como as relações que o homem estabelece com a realidade, através da palavra. (ROCCO,1989, p.72)

Entende-se aqui a linguagem, como em Scott (1988) enquanto um sistema verbal ou não, que constrói significado e que através dela, as pessoas criam práticas culturais e representações sobre si mesmas, sobre o mundo e as relações com outros indivíduos.

38 Outro conceito fundamental da Análise do Discurso e também muito importante para o nosso trabalho, pois trata das relações entre os discursos e a sociedade na qual os sujeitos estão inseridos, é o de Formação Discursiva (FD). Cada FD contém aquilo que é possível e também aquilo que não é possível de ser dito nos discursos dos sujeitos que estão inseridos nela. (...) As Formações Discursivas estão submetidas às Formações Ideológicas, [FI] que são o conjunto de atitudes, valores e preceitos que são regidos pela ideologia, de acordo com as posições de classe ocupadas. (RAVOUXRALLO, 1984, p.1).

3.3 Operacionalizando o acesso as Representações sociais dos Orientadores No pólo técnico, foram utilizadas várias técnicas para coleta de dados, tais como observação direta (de grupos de discussões), aliada a entrevistas individuais e análise documental. Mas, vale ressaltar que em se tratando de instituições como da FUNDAC – que historicamente estiveram sujeitas a muitas criticas por parte da sociedade - o primeiro passo, que é a entrada em seu universo, apresenta sempre certa dificuldade. Nessa investigação, a entrada foi facilitada pela nossa inserção na Instituição como uma das mentoras e coordenadoras do curso de Formação para os Orientadores de Medidas Socioeducativas, oferecido pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) com recursos federais. Assim, a partir do final do ano de 2007 e durante o ano de 2008, estivemos em contato direto com a realidade do cotidiano das Casas de Atendimento Socioeducativo (Cases), bem como, durante o desenvolvimento do curso supracitado, o que nos possibilitou a observação direta. Esse procedimento se harmoniza com uma sociologia que coloca no centro de seu objeto de estudo (...) ações coletivas e processos sociais que podem ser em parte apreendidos, por meio de interações diretas, cuja significação – cabe não negligenciar – não é determinada previamente. (JACCOUD e MAYER, 2008,p. 255)

39

Desse modo, vale ressaltar que coletar dados em situações de interação é importante quando investigamos representações sociais. ...opta-se principalmente por uma perspectiva “etnometodológica”, que visa descrever e compreender como, concretamente, os atores sociais atribuem um sentido às suas ações. (JACCOUD e MAYER, 2008,p. 259)

Em maio de 2008, deu inicio a Formação dos Orientadores, que teve como metodologia não só aulas, mas, oficinas psicossociais; oficinas de arte e educação; oficinas de lazer, esporte e qualidade de vida (Anexo 1). De tal modo, podemos acompanhar de perto os dois encontros semanais com cerca de 360 Orientadores. Foram assistidas dezenas de discussões em turmas compostas por orientadores de diferentes unidades. Os grupos de discussão (Anexos 2 e 3) auxiliaram no estudo das representações sociais já que se assemelham ao que Serge Moscovici (1984) chamou de “sociedade pensante”. Afinal, ...as representações sociais são uma forma de conhecimento elaborado pelo individuo, mas que é partilhada socialmente, um conhecimento produzido pelo social e produtora do social. ...A matéria primeira dos estudos sobre as representações sociais é constituída por repertórios de opiniões, atitudes, julgamentos individuais nos quais é preciso reconstruir os princípios organizadores comuns a um conjunto de indivíduos ou a um grupo particular. Essa tarefa exige diferentes tipos de análise de dados. (ANADÓN e MACHADO, 2003, p.52)

Sendo as próprias representações sociais do pesquisador, uma das preocupações nos estudos de representações sociais, vale ressaltar que para driblar situações perigosas na coleta de dados, optamos pela utilização de entrevistas com roteiros semi-estruturados na coleta dos depoimentos, dando mais liberdade às narrativas dos depoentes. Além disso, A interação face-a-face criada pela situação de entrevista é sempre marcada por algum tipo de assimetria social. O momento do encontro envolve dois atores com

40 expectativas e objetivos diferentes (pesquisador e pesquisado). Além disso, cada um deles traz consigo toda uma bagagem histórica, na qual suas origens sociais, trajetórias de vida, inserção na sociedade etc, desempenham um papel especifico. (TRIGO e BRIOSCHI, 1992, p.33).

Ao mesmo tempo, foi considerado que, ...o discurso se encontra ou se expressa tanto nas organizações e instituições como em palavras; tudo isso constitui textos ou documentos para serem lidos. (SCOTT,1988, p. 88)

Foram realizadas, cerca de 36 entrevistas com os Orientadores de unidades de atendimento diversas, foram feitas escolhas aleatórias, a partir das listas do curso de Formação. Também, foi realizada a analise de conteúdo de documentos. Segundo Dencker e Da Viá, A análise de conteúdo ocupa-se, particularmente, dos significados das palavras. Esse tipo de análise classifica as diferentes partes de um texto de acordo com as categorias determinadas pelo investigador para extrair dali a informação predominante ou as tendências manifestadas no texto. A análise de conteúdo tem sido usada tanto para fins descritivos quanto para fins de comprovação de hipóteses. A parte mais importante da análise de conteúdo e a definição acertada das categorias formuladas para classificar o conteúdo do texto em função do objeto do estudo. (DENCKER e DA VIÁ, 2001,p 153)

Outro recurso utilizado foi à realização de visitas as unidades (Anexos 4,5,6,7,8,9,10). Inicialmente, na pesquisa, visitou-se a Sede Administrativa, no bairro de BrotasSalvador. Lá, foi conhecida igualmente a Unidade de Pronto Atendimento bem como o fluxo do processo de acolhimento inicial dos jovens, junto a Delegacia Especializada, ao Juizado e ao Ministério Público. Também foi realizada visita à unidade de semiliberdade só masculina em Brotas-Salvador. Além disso, as Casas de Atendimento Socioeducativo (CASES) visitadas

41

foram: CASE Tancredo Neves (Internamento - masculino e feminino); Centro Educacional Elcy Freire – Mussurunga (Internamento de portadores de deficiências mentais) e CASE CIA/Simões Filho (Internamento – masculino). Enfim, as visitas para observação direta, as interações durante o desenvolvimento do curso de Formação, as audiências dos grupos de discussões e as entrevistas, possibilitaram uma gama de informações, que puderam viabilizar a compreensão das representações dos Orientadores sobre alguns dos aspectos fundamentais para o processo de cumprimento de medida socioeducativa, conforme se observa a seguir.

42

4-

RETRATANDO

A

REALIDADE,

OS

ORIENTADORES

E

SUAS

REPRESENTAÇÕES

4.1 A questão da Identidade de Orientador pelas falas, a auto-imagem A Identidade aqui é entendida como: um conjunto de critérios que permitem uma definição social do individuo ou grupo, possibilitando localizá-lo em sua sociedade. Desse modo, a identidade social seria uma identidade atribuída por grande parte de outros indivíduos e grupo e o sujeito geralmente aceita e/ou participa da atribuição. (SANTOS,1996, p.77).

No decorrer da investigação pode-se constatar que há uma incerteza entre os próprios Orientadores quanto ao seu atual papel na política que requer atendimento socioeducativo. No entanto, certamente eles reconhecem que algo mudou,

-...trazemos a carga negativa dos Orientadores do passado. Hoje eles têm obrigação de se renovar...

-...eu só sei que sou pai, psicólogo, garçom...

-...cada dia, eu sou um personagem diferente.

-...estou triste, desmotivado,não sei se sou Orientador...Monitor...sei lá!

Vale ressaltar que em sua maioria, os Orientadores afirmam que nunca foram informados diretamente e adequadamente, sobre qual o papel de um Orientador, nem mesmo, nos cursos promovidos pela própria FUNDAC.

43

-Na Fundac, nunca se definiu de fato o que é um orientador

-...eu estou a sete anos, e já fiz sete cursos...nunca recebi um certificado dos cursos que fiz pela FUNDAC

-...trazemos a carga negativa dos Orientadores do passado. Hoje eles têm obrigação de se renovar...

- eu só sei que sou pai, psicólogo, garçom...

- ...cada dia, eu sou um personagem diferente..

- ...estou triste, desmotivado, não sei se sou Orientador...Monitor...sei lá

4.2 As representações quanto à questão da identidade dos adolescentes cumpridores de medida socioeducativa Ao longo da história e em grande parte dos povos, o período da adolescência, tem sido identificado como aquele com os níveis mais elevados de agressividade, transgressão e conflito. A agressividade, transgressão e conflito e até a dissimulação próprios da adolescência são superdimensionadas na ótica dos orientadores da FUNDAC,

-Eles são capazes de se organizar e fazer complôs contra a gente, e nós acabamos saindo por errado!

-Eles só têm corpo de criança, mas não são mais, o mundo em que vive é mais triste que o de muitos adultos, é um mundo triste, mal interpretado e sem ninguém para

44

ajudá-los, o sistema até tenta mas não consegue, a comunidade é que pode fazer a diferença, pois conhece a realidade, apesar de não saber como agir

-A sra não sabe quem são os meninos

Ou ainda,

-Eles aprendem a se organizar,um encobre o erro do outro na hora de fazer coisa errada

-Eles se juntam ,eles são muito organizados.Se um faz algo errado os outros não entregam

Através

de

uma

atividade

que

teve

como

objetivo

montar

um

perfil

de

crianças/adolescentes que chegam a FUNDAC, através do perfil construído pelos Orientadores pode-se constatar que crianças e, especialmente adolescentes são descritos como:

-Individuo agressivo, que vem da favela, são pobres, sem perspectiva alguma na vida, não tem sonhos, os pais são drogados, traficantes, às vezes não tem pai nem mãe, as vezes a mãe é casada com outro homem que o espanca ou que a estupra.

-Esses jovens na maioria das vezes não vai a escola, falta muito as aulas, fingem que vão e ficam na rua bagunçando, quebrando as coisas, fazendo o que não deve.

Outro dado

significativo, veio através de um exercício, no qual foi solicitada a

construção de uma possível história de vida de um adolescente que foi recebido pela FUNDAC. Através desse exercício pode-se observar um biótipo que se repete, e que através de características semelhantes, o tornam seres em potencial para ingressar na FUNDAC . Numa das aulas do curso de Formação, após assistir uma cena de um filme na qual jovens de uma comunidade pobre quebravam computadores doados a associação

de

45

moradores, o Mediador da aula perguntou aos Orientadores, como seria esta mesma situação com os jovens que estão cumprindo medida de internamento na

FUNDAC, ao que foi

respondido por muitos:

-Seria pior,lá eles aprontam e fica por isso mesmo por que eles não entregam um ao outro .

-Geralmente quando uma faz algo ruim saiba que já ta tudo armado entre eles.

4.3-Representações sobre o mundo da Violência

e a relação com a ocupação de

Orientador Notadamente, a vida na contemporaneidade, transmitiu ao sujeito uma sensação de risco iminente. Desse modo, não foi difícil perceber que para os atores que focalizados, trabalhar na FUNDAC e o mesmo que trabalhar num contexto permeado por uma sensação de risco. Assim, vale ressaltar que ... a violência gera o medo, mas este gera igualmente a violência, numa escala que pode chegar ao grau de “psicose coletiva” (CHESNAIS, 1999).

Portanto, o medo, faz com que eles pensem e exponham assim a sua realidade:

-Um dia eu estava de folga e sai com minha mulher e meus dois filhos , para visitar uma pessoa que considero da família. Quando eu desci do ônibus no largo...tinha lá dois caras que já tinha sido internos...e vieram para cima de mim. Vou um desespero, minha mulher, meus filhos...

46

-Quem trabalha na Fundac, esta marcado, não pode trabalhar mais em certas profissões como por exemplo de cobrador....

-Aquilo lá é uma bomba relógio,qualquer hora pode acontecer alguma coisa ,agente tem que ficar atento para tudo

Assim verifica-se, a existência de seqüelas emocionais afinal, O fenômeno da violência deixa em todos, seqüelas biopsicossociais e morais em nível pessoal, familiar e coletivo (YUNES e RAJS, 1994 apud MILANI, 2007)

Isso se constatou em falas que expressam carência afetiva/emocional :

- O menino lá ...quando acontece alguma coisa ...lá tem tudo: psicólogo, assistente social etc. Eu fiquei em casa meses com uma doença e ninguém da FUNDAC, foi capaz de ligar para saber como eu estava.

- nós também precisamos de cuidado e atenção!

- não sou orientador, sou monitor...nós precisamos que alguém lute por nós

- quando se trabalhar assim, se perde a liberdade, por isso precisamos de reconhecimento

47

4.4- Representações quanto a Medidas Socioeducativas

4.4.1 Sobre a Imagem da Instituição FUNDAC Apesar de reconheceram que a FUNDAC tem hoje uma gestão central diferenciada, percebe-se claramente que os Orientadores têm uma percepção negativa pautada na história da instituição

-As pessoas que lideram a FUNDAC são lideres que chegam lá sem saber nada da instituição,não conhece os adolescentes como nos ,não sabem quantos tem, se são, só meninos ou só meninas, não sabem quantos adolescentes tem na instituição,não sabem nada .Aí esse líder que é escolhido não se sabe de onde nem por quem leva todos os louros sendo que agente é que faz todo trabalho,se não fosse agente lá ai-ai,nós é que somos os verdadeiros lideres e ninguém reconhece ..

-...quando se trabalhar assim [se refere à falta de apoio da FUNDAC a suas ações], se perde a liberdade, por isso precisamos de reconhecimento

-...a FUNDAC não nos trata com o devido respeito que merecemos

-...somos heróis, acredito no mundo melhor, mas somos pai, mãe de família,mas sendo desrespeitados

Esse descrédito a atribuído à Instituição, bem como toda a condição de trabalho considerada ruim, lhes remete ao desejo de uma passagem breve pela FUNDAC:

-Eu só estou nesse trabalho por que não encontrei coisa melhor.

48

4.4.2 Sobre Comunidade Socioeducativa A investigação se preocupou em verificar representações quanto à idéia de comunidade socioeducativa, essencial para o desenvolvimento do trabalho de medidas socioeducativas. Através dos conteúdos, constatou-se que essa noção parece não se concretizar:

...a FUNDAC não nos trata com o devido respeito que merecemos

... eles [no caso os gestores] fazem as posses para as fotos, mas nós é que somos donos, somos nós que todos os dias estamos lá, lhe dando, ali, com os meninos que vão sair para a sociedade).

..eles [no caso os gestores] pensam que são da FUNDAC, nós é que somos, eles estão apenas passando uma chuva.

Segundo os Orientadores, no cotidiano da FUNDAC, existe uma diferenciação entre o “pessoal do administrativo” e o Orientador de medida socioeducativa. Mas, ao mesmo tempo, não há ainda uma real construção e assimilação de sua identidade dentre da chamada “comunidade educativa”, assim:

- ...lá tem muito colega caboete. [da gíria: cacoete]

-Quando um de nos procura tomar a frente e ter espírito de liderança somos derrubados por nossos próprios colegas ,eles se juntam pra te derrubar

Já a questão da concepção do apoio e interdependência de todos as ações educativas o mesmo se verifica. Por exemplo, quando foi discutida a questão do teatro como forma de educar as crianças/adolescentes, foi perguntado e se já haviam assistido alguma peça teatral, a

49

maioria confirmou que já havia assistido e da experiência, e, quando foram questionados sobre a arte e seu trabalho, todos afirmaram não ver como conciliar a sua profissão com o teatro. O SINASE

(Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) documento que

apresenta os princípios pedagógicos das ações legais para aplicação das medidas socioeducativas, prevê a estrutura e a existência de uma comunidade socioeducativa que vai desde as agencias especializadas, parceiros externos bem como os próprios funcionários das Instituições como no caso da FUNDAC (composta por todos de gestores, à técnicos especializados, professores, arte-educadores, enfermeiros, Orientadores etc). No entanto, foi verificado haver uma fragilidade na idéia de Comunidade Socioeducativa.

4.4.3 Sobre a eficácia da Medida Socioeducativa Além da constatação de um sentimento de fatalidade quanto ao destino de jovens oriundos de um dado contexto social - bairros pobres e periféricos - o qual os Orientadores consideram propício para a criação de delinqüentes, também pode-se observar o mesmo sentido de fatalidade, quanto ao destino dos jovens egressos da FUNDAC,

- Eles podem até mudar aqui dentro porque aqui eles têm tudo a disposição deles. Mas, quando eles saírem e encontrar as mesmas dificuldades de antes ,sem médico,psicólogos,etc...,a sua disposição,eles vão acabar indo pelo caminho errado de novo.

Em muitos discursos pode-se constatar uma critica as ações desenvolvidas para a socioeducação, questionando mesmo sua eficácia :

-Tem menino lá dentro que faz o que quer .

50

-Lá tem menino que manda mais que a gente,se o menino cismar com a nossa cara é só ele reclamar que mudam a gente de setor rapidinho.

-Agora a FUNDAC quer que a gente e os adolescentes use farda.Se os meninos não quiser usar eles não usam, mas a gente não tem escolha e vai ter que usar, agora é que os meninos vão ver a gente como policia mesmo.

A partir das experiências vividas e dos discursos dos Orientadores sobre medidas socioeducativas, pode-se perceber que esses atores, em sua maioria não acreditam na capacidade de transformação e crescimento da maioria dos jovens que estão submetidos às medidas. Muitos, ainda têm a idéia de que os jovens que vem de origem de classes sociais mais baixas, mesmo que mudem seu comportamento no período de internamento dentro da FUNDAC - por ter algum tipo de assistência- ao sair, irão repetir os mesmos atos infracionais. A maioria dos Orientadores acredita que os adolescentes não são capazes de cumprir seus deveres se não com a devida vigilância. Os Orientadores

da FUNDAC não têm uma crença consolidada na idéia de

Comunidade Socioeducativa, nem de que a atuação de todos os funcionários da instituição, inclusive a deles, deve ter um caráter educativo e que todos os atores dessa pretensa Comunidade influenciam no processo socioeducativo desses jovens. Desta maneira suas representações sobre essa realidade, reforçam práticas que terminam por contribuir para a obtenção de resultados negativos na aplicação de medidas socioeducativas.

51 CONSIDERAÇÕES FINAIS Aqui, se faz necessário retomar as inferências ao longo desse trabalho, num agrupamento das principais conclusões. Através do estudo da construção histórica da legislação brasileira, se pode verificar um avanço, fruto também de uma ampla mobilização da sociedade. Houve então, uma significava mudança através dos parâmetros jurídicos, expressos pelo ECA. Finalmente, a legislação passou a tratar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. E, no que se refere à questão dos adolescentes em conflito com a Lei, o novo paradigma expresso no ECA e no SINASE, já não trata esses sujeitos de direitos como “menores” em situação irregular, expressão estigmatizadora. Contudo, para além da legislação e dos arranjos institucionais, ainda há uma árdua e longa tarefa para se cumprir na esfera da sociedade brasileira, a saber: a re-construção de conteúdos culturais que concebam crianças e adolescentes como cidadãos. Essa tarefa tem várias frentes, aquela abordada nessa monografia diz respeito à apenas uma dessas frentes: a noção de Comunidade Socioeducativa. A descrição e análise aqui realizadas, a respeito da Comunidade Socioeducativa FUNDAC e da figura do Orientador, evidenciam que mesmo com históricos esforços, para se seguir as diretrizes do ECA e do SINASE, muito ainda deve ser realizado, no intento de se cumprir o conteúdo pedagógico das medidas socioeducativas. Ficou evidenciada uma dissonância, fruto de ajustes e arranjos necessários para a transformação de uma instituição já existente com um outro papel – antes do paradigma vigente. Ou seja, se constata as dificuldades de mudança de uma cultura organizacional, criada e vivenciada pelos indivíduos (antes mesmo do ECA e do SINASE). Seguramente, para alguns indivíduos, a assimilação de novos conteúdos e novas as condutas, podem ser mais fáceis do que para outros e, certamente também, setores da FUNDAC, podem ter conseguido mais rapidamente se adequar a novas realidades do que outros setores, gerando um descompasso. Exemplo desse descompasso está na constatação de que os Orientadores da FUNDAC não têm uma crença consolidada da idéia de Comunidade Socioeducativa, nem na idéia de que a atuação de todos os funcionários da instituição -inclusive a deles- deve ter um caráter

52

essencialmente educativo e que todos contribuem no processo socioeducativo desses jovens. Desta maneira, suas representações sobre essa realidade, influenciam em uma prática que termina por intervir para a obtenção de resultados negativos na aplicação de medidas socioeducativas. Essa complexidade paradoxal, se reflete nos dados coletados através das visitas para observação direta, através da interação durante o desenvolvimento do curso de Formação, através da audiência dos grupos de discussões e das entrevistas, que viabilizaram a compreensão das representações dos Orientadores sobre alguns dos aspectos fundamentais para o processo/contexto de cumprimento de medida socioeducativa. A partir das experiências vividas e dos discursos dos Orientadores focalizados nesse estudo, pode-se perceber que a maioria acredita que os adolescentes não são capazes de cumprir seus deveres sem vigilância/controle. E ainda, a maioria não acredita na capacidade de transformação e crescimento do grosso dos jovens que estão submetidos às medidas. Muitos Orientadores, ainda têm a idéia de que os jovens originários de classes sociais mais baixas, de bairros pobres e periféricos, ainda que mudem seu comportamento no período de internamento dentro da FUNDAC, ao saírem, irão repetir os mesmos atos que os levaram ao cumprimento de medida. Assim, conclui-se aqui, que o processo de socioeducação é antes de tudo, atribuído ao Orientador de medidas socioeducativas por uma legislação, mas que, o modo particular com que cada Orientador significa - ou grupos de orientadores significam - suas atribuições, depende antes das suas visões de mundo e das posições assumidas por cada um e por todos, dando sentido à suas ações, às suas práticas. Por conseguinte, aqui se faz necessário ressaltar, que uma Política Pública, por mais bem elaborada que seja, ou que tenha princípios claros e bem intencionados - como por exemplo o caso do SINASE - sem a devida sensibilização, através por exemplo de capacitação/formação dos atores envolvidos, não se alcança os objetivos.

53

Portanto, há uma clara necessidade no que se refere a projetos de formação do Orientador de Medidas Socioeducativas. Esse ator necessita de atenção, bem como de projetos, que os ajudem a refletir o que é essa “nova” Instituição, essa “nova” Política,

esse

“novo” paradigma – enfim, o que foi estabelecido em termos legais e pedagógicos por essa comunidade socioeducativa. Recrutá-los através de seleções e concursos, exigindo-se o mínimo possível de títulos, é compreensivo na hipótese de que não existe um profissional pronto no mercado para assumir tal ocupação; no entanto, faz-se necessário uma preparação, uma formação continuada, não só em termos legais como também em termos filosóficas, sociológicos, antropológicas, psicológicas. Lidar com pessoas, principalmente, na situação na qual se encontram os jovens em conflito com a lei, exige do Orientador um saber prático e ético-político (pautado em legislações, diretrizes e normativas), bem como um fazer técnico-operativo (pautado em orientações pedagógicas). Infelizmente, nesse estudo verifica-se, que isso ainda não acontece de fato para a maioria dos Orientadores que trazem ainda preconceitos, que não se sentem educadores e que no fundo, além disso, não estão sendo devidamente sensibilizados para suas ações. Isso por outro lado, não significa que não haja possibilidade de reverter essa situação a médio e longo prazo, para que as medidas socioeducativas possam ser de fato eficazes na vida dos jovens e na existência da sociedade brasileira. No entanto, apesar das constatações desse estudo, como últimas palavras, gostaria de ressaltar que ações que viabilizem a formação de material humano e que promovam a tarefa da comunidade socioeducativa, são possíveis. Formação no sentido mais amplo e na forma operacional de seminários, palestras e cursos, no âmbito de Programas, tal qual a semelhança daqueles capitaneados pelo Ministério Público do Estado da Bahia, como por exemplo, o PROCEDH que viabilizou a realização dessa investigação e que tem envergadura para promover a difusão de uma cultura consoante com a promoção, a defesa e o exercício dos direitos, que no caso específico, ora tratado, pautado no principio da incompletude prevê a esforço coletivo e irrestrito para aplicação das medidas socioeducativas.

54 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANADÓN, Marta e MACHADO, Paulo Batista. Reflexões teórico-metodológicas sobre as representações sociais. Salvador: Editora UNEB,2003 BRIOSCHI, L. R. e TRIGO, M. H. Reflexão sobre o trabalho de campo. In: Textos Nova Série no.1. São Paulo: CERU/CODAC/USP, 1989 CARRANO, P. Identidades Juvenis e Escola. In: Alfabetização e Cidadania, n. 10, novembro de 2000. CARVALHO, Roberta P. de. A abordagem da ação socioeducativa na liberdade assistida sob a ótica do orientador.2003. 119 p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC, São Paulo 2003 DENCKER, Ada de F. M. e DA VIÁ, Sarah C. Pesquisa empírica em ciências humanas. S. Paulo: Futura, 2001 FALEIROS, Vicente de. A fabricação do menor. In: Revista Humanidades, n.12, p.5-17, Brasília , 1987 ITANI, Alice. A violência no imaginário dos agentes educativos. In: Caderno CEDES, vol.19 n.47 Campinas,1998. JODELET, Denise (org). As representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001. 420p. JACCOUD, Myléne e MAYER, Robert. A observação direta e a pesquisa qualitativa. In: POUPART, Jean et al. A pesquisa qualitativa:enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2008 JOVCHELOVITCH, Sandra e GUARESCHI, Pedrinho (org). Textos em Representações Sociais. Petrópolis: Ed. Vozes, 1995. LIBERATI, Wilson D. Adolescente e ato infracional. Medida socioeducativa é Pena?. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2003 MOSCOVICI, Serge. The phenomenon of social representations In FARR, R. M. e MOSCOVICI, S. (eds) Social Representations. Cambridge: Cambridge University Press, 1984. p. 3-69. RAVOUX-RALLO, Elizabeth. Análise do Discurso. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em http://spider.ufrgs.br/discurso. Acesso em 12/04/2007 ROCCO, Maria Thereza Fraga . Oral e escrito: secções e intersecções. In: Revista Teoria e Prática da ABL, Campinas/SP, v. 1, n. 14, p. 25-31, 1989. SANTOS, Cleide Magali dos. Da Delegacia à Penitenciária ou de como se faz uma “Viagem” da Violência Física à Violência Simbólica. In: Anais do 4º Simpósio Baiano de Pesquisadoras (es) sobre Mulher e Relações de Gênero.Salvador: UFBA, 1998. ______ . (coord.). Relatório do Projeto Representações Sociais Sobre Violência: O Caso dos Agentes Sócio-Educadores da Fundac (Fundação da Criança e do Adolescente), Ssa-Ba. 2007/2008 Salvador: Universidade do Estado da Bahia, 2008 SCOTT, Joan W Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e Realidade. Porto Alegre, n 20, v.2, p.71-100, jul/dez 1.995. VOLPI, Mário (org) O adolescente e o ato infracional. São Paulo: Cortez,2002 VELTRI, Marcos. A construção da identidade profissional do orientador de liberdade assistida comunitária: o processo de equilibração do saber, do fazer e do poder. 2006. 158p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC. São Paulo, 2006. Documentos BAHIA . Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza.-SEDES. Fundação da Criança e do Adolescente -FUNDAC . Atividades de Orientadores, 2008 BAHIA. Governo do Estado da Bahia.. Fundação da Criança e do Adolescente Processo Seletivo Simplificado. Edital Nº 02/2009 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente -Lei nº 8069/90. Brasília, DF, 1990.

55

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. BRASIL.Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Medidas Socioeducativas e Responsabilização dos Adolescentes. Assembléia Ordinária do Conanda, 4 e 5 de agosto de 1999. BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Sistema nacional de atendimento socioeducativo (SINASE). Brasília: CONANDA, 2006

56

ANEXOS

Anexos 1, 2, 3 - Cenas do curso de Formação dos Orientadores

Anexo 1 Oficina, 19/06/2008 Foto: Cleide Magáli

Anexo 2 - Grupo de discussão em Oficina, 19/06/2008 Foto: Cleide Magáli

Anexo 3 - Grupo de discussão, Foto: Cleide Magáli

Anexos 4, 5,6,7,8,9,10 - Algumas unidades visitadas

Anexo 4 -Fachada CASE Tancredo Neves. Março,2008 Foto: Cleide Magáli

Anexo 5- Visão pós 1º portão de entrada, de dentro para fora. CASE Tancredo Neves Março,2008 Foto: Cleide Magáli

Anexo 6- 2º portão de entrada, CASE Tancredo Neves Março,2008 Foto: Cleide Magáli

Anexo 7- Ultrapassando o 2º portão, entrada pátio central, CASE Tancredo Neves Foto: Cleide Magáli

Anexo 8- Ângulos do pátio central CASE Tancredo Neves maio 2009,Foto: Cleide Magáli

Anexo 9- Padaria, CASE Tancredo Neves Foto: Cleide Magáli

Anexo 10- CASE CIA/Simões Filho

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.