Representações do Brasil: cinema e identidade nas aulas de Inglês na EJA

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Representações do Brasil: cinema e identidade nas aulas de Inglês na EJA Aline Vargas Stawinski Marianna Corrêa Bitencourt

O projeto Representation of Brazil: movies and identity foi realizado na etapa cinco da EJA (7ª série), em uma escola da rede estadual de ensino fundamental do Rio Grande do Sul, localizada na zona sul de Porto Alegre. O trabalho aconteceu no intervalo de dois meses e meio, em dois períodos semanais de língua inglesa, totalizando oito encontros. Na sala de aula, havia em torno de 14 alunos, embora mais de 30 estivessem regularmente matriculados. A idade dos alunos da EJA parte sempre dos quinze anos, sem um limite máximo, e esse fator contribui para que as turmas sejam bastante heterogêneas – o que, a nosso ver, pode enriquecer o trabalho. Entretanto, não é fácil encontrar um ponto comum entre os gostos tão variados dos alunos. Com isso em mente, após as observações das aulas, decidimos trabalhar com a representação do Brasil e dos brasileiros a partir de filmes nacionais e internacionais, já que a construção de identidade é um tema que toca a todos. Ter o Brasil como tema coincidiu com os vários protestos no país, o que contribuiu ainda mais para as discussões, que também estavam sendo feitas em disciplinas de outros professores. Pensando em como combinar a discussão temática com o ensino da língua adicional, de forma que fosse possível aos alunos produzir sentido na língua, surgiu a ideia de uma produção final com o gênero discursivo “comentário na internet”. Partimos do princípio de que, para uma aprendizagem significativa da língua inglesa, os alunos deveriam apropriar-se dela, de forma prática, em um contexto real de interação, seguindo os ideais propostos pelos Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul (2009) e as propostas de Schlatter e Garcez (2012). O que buscamos foi inserir o inglês na vida desses alunos, em uma prática social comum realizada em tempos de internet. Na aula inicial, assistimos ao documentário Olhar Estrangeiro (2006), a fim de debater sobre como o Brasil é representado pelo cinema internacional. A discussão foi bastante produtiva, e logo percebemos que os alunos haviam se interessado pelo assunto. Na aula seguinte, todos participaram do debate, com posicionamentos divergentes sobre os questionamentos colocados no quadro: (a) Vocês concordam

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com a maneira que o Brasil é mostrado nos filmes apresentados no documentário? Por que sim / não? (b) Como vocês descreveriam o Brasil? What do you imagine when you think of Brazil? “A lot of girls on the beach, wearing thongs and bikinis and no top” (Young man, USA) “I think of football, love, romance and jungle” (Woman, USA) “I think of topless gorgeous women on the beach” (Hope Davis, actress)

Conforme imagem acima, distribuímos, para duplas, algumas falas extraídas do filme quando mencionado algum tipo de imagem clichê do Brasil, e os alunos deveriam dizer se concordavam ou discordavam, lançando mão da estrutura “I agree / I disagree”, oralmente. Percebemos que, a partir dessa aula, com o incentivo da participação oral, os alunos passaram a fazer uso das expressões agree e disagree nas aulas seguintes. Além disso, para que a tarefa com os cartões das falas fosse possível, estudamos outros comentários em conjunto, partindo do vocabulário que eles já conheciam e das palavras cujo significado poderia ser facilmente identificado pela similaridade com o português. Ademais, trabalhamos com o contexto, mostrando para os alunos que é possível entender a ideia de um texto também a partir de “pistas”, sem precisar saber o significado de todas as palavras para se ter uma ideia geral do texto. Isto porque os alunos da turma eram muito dependentes do uso do dicionário – não se “atreviam” a tentar ler qualquer frase sem saber o significado de cada palavra isolada. Assim, consideramos importante trabalhar com a confiança ao ativar o conhecimento prévio. Na terceira aula começamos a trabalhar com adjetivos e substantivos relacionados à temática. Para isso, revisamos a estrutura básica (adj + noun) e realizamos tarefas em que novas palavras seriam aprendidas. Ao final, para praticar, os alunos deveriam responder de forma escrita e oral à pergunta “Quando você pensa no Brasil, sobre o que pensa? Use ‘I think of…’ e adjectives + nouns”. Em seguida, eles leriam em voz alta sua opinião e os outros deveriam dizer se concordavam ou não, utilizando o vocabulário da aula anterior. Nessa parte da atividade o grupo mostrou-se tímido para falar inglês, e acabavam lendo seus comentários traduzidos, deixando para o inglês apenas agree e disagree. Considerando isso, vimos que seria necessário trabalhar mais com a expressão oral em aulas futuras – por uma demanda dos próprios alunos.

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Nas duas próximas aulas, passamos a vez para os filmes brasileiros, refletindo sobre como retratam o nosso país, em oposição aos pontos de vista discutidos nas aulas anteriores a partir de filmes estrangeiros. Inicialmente, trabalhamos com o trailer em inglês do filme Tropa de Elite (2007) – foi a partir daí que introduzimos os sites que seriam o foco do projeto (IMDB e YouTube)1, além de estabelecermos o contato inicial com o gênero comentário de internet em inglês, a partir da tarefa ilustrada pela imagem acima. Os comentários acima foram lidos após assistirmos ao trailer no YouTube, e serviram como modelo para os comentários que os estudantes deveriam fazer em seguida. Os alunos puderam realizar a leitura, visto que em aulas anteriores havíamos introduzido adjetivos na língua inglesa. Como os alunos estavam familiarizados, não houve necessidade do uso de dicionários. A próxima tarefa os desafiou a escreverem seus próprios comentários, e para isso estudamos a tabela abaixo com novos adjetivos que poderiam ser utilizados:

Além disso, como pré-tarefa de produção, estudamos alguns exemplos de diálogos curtos sobre filmes, reforçamos o vocabulário e a estrutura pertinentes, e

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Internet Movie Database (IMDB) – www.imdb.com; YouTube – www.youtube.com.

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solicitamos aos alunos que praticassem os diálogos oralmente. Depois, as duplas deveriam criar seus próprios diálogos, com base no que foi apresentado a eles, conforme exemplo:

A turma, que era bastante extrovertida, ficou tímida, pois, segundo eles, seria a primeira vez que falariam em inglês em aula. Após a hesitação inicial, leram os diálogos e apresentaram satisfação ante a realização, com elogiado sucesso, de sua primeira experiência de uso oral da língua inglesa. Apesar de ter sido uma tarefa bastante simples, a barreira do falar inglês começou, aos poucos, a ser desconstruída, de acordo com o depoimento de uma aluna. Nas aulas que se seguiram, encaminhamo-nos para o fim do semestre e da etapa, e voltamos nosso olhar para os sites onde os trailers e filmes são publicados, avaliados e comentados na internet. Já havíamos visto o site Youtube, e utilizamos também o IMDB a fim de oferecer aos alunos a oportunidade de ler sinopses em inglês, com o objetivo de praticar, constantemente, a escrita de comentários sobre filmes na língua adicional. Atentando para como pesquisar o filme pelo título, ver informações relevantes ─ como Ptulo original, direção, nota dos usuários, sinopse e comentários ─, os alunos efetuaram o cadastro nos sites mencionados acima, utilizando o laboratório de informática da escola, a fim de seguir o roteiro para a realização da tarefa proposta:

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Para finalizar, os alunos deveriam deixar seus comentários no YouTube, inteiramente em inglês, como resposta aos trailers dos filmes escolhidos a partir do IMDB, onde avaliaram os filmes preferidos. A realização da tarefa foi plenamente satisfatória – todos os alunos estavam focados no trabalho, e demonstraram grande interesse e satisfação ao interagir, em inglês, em sites internacionais. Os estudantes obtiveram ótimos resultados, sendo capazes de postar comentários em inglês sozinhos ou com a ajuda de colegas e das professoras, como no exemplo:

Inicialmente, tivemos problemas durante a realização da tarefa, pois alguns alunos não conseguiam acessar suas contas de e-mail para fazer o login nos sites. A fim de solucionar o imprevisto, fizemos uma conta geral para a turma – EnglishClass Brazil – deste modo, todos puderam escrever comentários no YouTube. Apesar das dificuldades de acesso, o que inclui a instabilidade de alguns computadores e da conexão, foi possível atingirmos o objetivo com a turma. Nosso último encontro serviu para uma autoavaliação escrita pelos alunos e uma última conversa para entendermos o que eles sentiram ao longo do trabalho. Destacamos duas perguntas respondidas por alunos diferentes: Quais foram os pontos mais importantes da aprendizagem? “Os pontos mais importantes foi que aprendemos como se comunicar”. O que você achou de poder deixar um texto seu em inglês postado em um site onde o mundo inteiro pode ver? “Achei legal, não pensei que iria fazer isso um dia. Gostei”.

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É o retorno positivo dos alunos que nos confirma a importância do trabalho contextualizado, que oportuniza aos alunos a ampliação de suas práticas sociais. Foi muito gratificante trabalhar com a EJA, que ajudou-nos a reforçar, no início da carreira de docência, a certeza de que se pode fazer projetos, não importa o tempo disponível ou o nível de ensino. O retorno dos alunos, o empenho durante as aulas e o feedback positivo sobre o trabalho realizado nos dão a convicção de que, com trabalho contextualizado que faça sentido na vida dos alunos agora e não num futuro que pode parecer muito distante, cada professor pode mudar para melhor o ensino básico do Brasil, com iniciativas simples, mas que fazem toda a diferença. O espaço para mudança está em cada sala de aula de cada escola do país.

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Referências RIO GRANDE DO SUL, Secretaria de Estado da Educação, Departamento Pedagógico. Referenciais curriculares do Estado do Rio Grande do Sul: linguagens, códigos e suas tecnologias. Vol. 1. Porto Alegre: SEDUCRS/DP, 2009. Disponível em http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/refer_curric.jsp? ACAO=acao1 SCHLATTER, M; GARCEZ, P.M. Línguas adicionais na escola: aprendizagens colaborativas em Inglês. Erechim: Edelbra, 2012. OLHAR Estrangeiro. Direção: Lúcia Murat. Rio de Janeiro: Taiga Filmes, 2006. 1 DVD (70 min). TROPA de Elite. Direção: José Padilha. Rio de Janeiro: Zazen Produções, 2007. 1 DVD (115 min).

Aline Vargas Stawinski - formanda do oitavo semestre de Letras (Português-Inglês) da UFRGS. Tem experiência com o ensino de Inglês para crianças e adultos, e trabalhou como monitora no PAG - Programa de Apoio à Graduação de Língua Portuguesa da UFRGS.

Marianna Corrêa Bitencourt - graduanda do oitavo semestre de Letras (Português-Inglês) na UFRGS. Trabalha com o ensino de inglês para crianças, adolescentes e adultos em curso livre e atuou como voluntária em oficinas de contação de histórias para crianças carentes.

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