REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ALUNOS DE ESCOLA PÚBLICA SOBRE O ENSINO MÉDIO

June 3, 2017 | Autor: Luiz Rodrigues | Categoria: Social Representations, Representações Sociais, Ensino Médio, Psicología Educacional
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LUIZ CARLOS RODRIGUES

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ALUNOS DE ESCOLA PÚBLICA SOBRE O ENSINO MÉDIO

CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO OSASCO 2014

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LUIZ CARLOS RODRIGUES

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ALUNOS DE ESCOLA PÚBLICA SOBRE O ENSINO MÉDIO Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Curso de Pós-Graduação, do Centro Universitário FIEO, para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Educacional. Área de concentração: Ensino/Aprendizagem Linha de Pesquisa: Processos Educacionais no Contexto Social e Político. Orientador: Professora Doutora Maria Laura Puglisi Barbosa Franco.

CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO OSASCO 2014

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Autoria: Luiz Carlos Rodrigues Título: Representações sociais de alunos de escola pública sobre o Ensino Médio.

Os componentes da banca de avaliação, abaixo listados, consideram este trabalho aprovado. Nome

Titulação

Assinatura

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Data da aprovação: ____ de _____________________ de ________.

Instituição

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“A minha formação, desde a pré-escola, não poderia ter sido concretizada sem a ajuda, o carinho e a atenção de minha querida mãe Leonilda.

Com relação à etapa do mestrado, esse só se realizou com a cumplicidade da Eliane, minha metade. Ambas, generosamente, me deram, cada qual da sua maneira, carinho, compreensão e condições ao meu desenvolvimento como ser humano.

Por essa razão, a elas gostaria de dedicar essa dissertação de mestrado e expressar, sinceramente, toda a minha gratidão e todo o meu respeito”

Dedico, também, ao meu irmão Eduardo e a memória de meu pai Gonçalo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os que me ajudaram na elaboração deste trabalho, desde os alunos e alunas respondentes, ao diretor da escola que subsidiou esta pesquisa, bem como a sua vicediretora e aos colegas de turma de mestrado que contribuíram em muito com debates, posicionamentos e críticas. Tudo foi muito edificante. Agradeço imensamente a Professora Maria Laura por ter sido muito mais que minha orientadora. A convivência com ela me valeu bem mais do que qualquer título. Me sinto realmente honrado por essa oportunidade. Ao Doutor Wanderley pelo apoio, conversas, conselhos, orientações e por dividir comigo sua inteligência e humildade. A Vivi, colega de turma nesta etapa, pela amizade e pelas oportunidades confiadas. Aos grandes amigos David, Breno, Helber, às amigas Marluce e Naty e, também, às cunhadas (e também amigas) Paloma e Jacqueline pelos grandes e calorosos debates e pela valorosa amizade. A dona Maria da Paz e seu Marivaldo pelo apoio e confiança. Novamente a Eliane, agradeço por sua paciência, tolerância e cumplicidade.

6 “Através dos outros nos tornamos nós mesmos” Lev Vygotsky

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RESUMO

RODRIGUES, L.C. Representações Sociais de Alunos de Escola Pública sobre o Ensino Médio. 2014. 125 páginas. Dissertação de Mestrado – Curso de Pós Graduação em Psicologia Educacional. Centro Universitário FIEO, Osasco - SP.

Orientou essa dissertação de mestrado uma pesquisa que contou com alunos de uma escola pública localizada na Grande São. Os alunos responderam questões fechadas e abertas e, posteriormente, participaram de uma sessão de Grupo Focal. O objetivo desta pesquisa foi identificar as representações sociais dos alunos sobre o Ensino Médio. Constituíram os pesquisados dez alunos vinculados à rede pública estadual de São Paulo, matriculados no Ensino Médio, com idade entre 15 e 17 anos, todos moradores na cidade de Carapicuíba, que nunca estudaram ou moraram no exterior e que não estavam matriculados em nenhum outro curso de caráter profissionalizante. Após a realização da pesquisa, as respostas foram analisadas e interpretadas utilizando categorizações e processos de Análise de Conteúdo para a produção de inferências. Os resultados mostraram que as representações sociais dos alunos se distanciam das prerrogativas previstas em documentos oficiais para esta fase escolar, enfatizando a crise de identidade que caracteriza atualmente o Ensino Médio público.

Palavras-chave: Ensino Médio, Representação Social, Escola Pública

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ABSTRACT

RODRIGUES, L.C. Students Social Representations on Public School about High School. In 2014. 125 pages. Master Degree Dissertation - Graduate Program in Educational Psychology. Centro Universitário FIEO, Osasco - SP.

Guided this dissertation research which included students from a public school located in Grande São Paulo. Students responded closed and open questions, and later participated in a focus group session. The objective of this research was to identify the social representations of students about secondary education. Constituted the ten students surveyed linked to public schools of São Paulo, enrolled in secondary education , aged between 15 and 17 years, all residents in the city of Carapicuíba who never studied or lived abroad and who were not enrolled in any other course vocational character. After conducting the survey, the responses were analyzed and interpreted using categorizations and processes of content analysis to produce inferences. The results showed that social representations of students move away from the privileges of official documents for this school phase, emphasizing the identity crisis that currently characterizes public secondary education.

Keywords: Secondary Education, Social Representation, Public School

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................... 14 1.1 O Contexto Histórico do Ensino Médio no Brasil ......................................................... 14 1.2 Representações Sociais .............................................................................................. 29

2 A PESQUISA ....................................................................................................... 42 2.1 Objetivos Gerais .......................................................................................................... 42 2.2 Objetivo Específico ...................................................................................................... 42 2.3 Procedimentos Metodológicos..................................................................................... 42 2.3.1

Participantes ............................................................................................................................... 44

2.3.2

Instrumentos ............................................................................................................................... 45

2.3.3

Sistemática de Análise ............................................................................................................... 45

3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................... 56 3.1 Caracterização dos Participantes ................................................................................ 56 3.2 Grupo Focal ................................................................................................................ 57 3.3 Entrevista semiestruturada .......................................................................................... 60 3.4 Representações Sociais dos Alunos............................................................................ 62 3.4.1 Importância da Escola ................................................................................................. ................ 62 3.4.2 Importância do Ensino Médio ..................................................................................... ................ 67 3.4.3 Ensino Médio: aspectos positivos ............................................................................... ................ 74 3.4.4 Ensino Médio: mudanças desejáveis .......................................................................... ................ 79 3.4.5 Ensino Médio: contribuição na formação .................................................................... ................ 88

4 CONSIDERAÇÕES GERAIS ......................................................................................... 96

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES .................................................... 102 ANEXO 1 – QUESTIONÁRIO DA PESQUISA ........................................................ 107 ANEXO 2 – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP ........................................ 109 ANEXO 3 – PARECER DO CEP / RELATÓRIO PARCIAL DA PESQUISA ............. 111 ANEXO 4 – DESCRIÇÃO DAS ETAPAS DA ANÁLISE DE CONTEÚDO ................ 113 MEMORIAL ............................................................................................................. 114

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa pretendeu investigar as representações sociais que alunos de escola pública elaboram. Para isso, foi proposto um questionário com questões fechadas e abertas. A escola pública que abriga os alunos respondentes desta pesquisa está situada no Município de Carapicuíba, na Grande São Paulo. Os resultados foram articulados a partir de inferências e Análise de Conteúdo das respostas fornecidas pelos alunos e, também, da realização de entrevista com o diretor da escola e de sessão de Grupo Focal com os participantes, tendo a finalidade de propor um espaço ao aprofundamento das questões apresentadas nesta pesquisa. A ideia de pesquisar as representações sociais elaboradas por alunos de escola pública surgiu com a percepção de que Ensino Médio encontra-se hoje pressionado; de um lado, por não gerar aos alunos as condições necessárias para o acesso ao mercado de trabalho, abrindo assim espaços para o Ensino Médio Profissionalizante e, de outro, por não instrumentalizar os alunos de forma a competirem nos concursos vestibulares “de ponta”, função esta atribuída há tempos aos cursinhos pré-vestibulares. Neste contexto, conforme Da Silva (2009), vê-se explicitado em nossa realidade que o Ensino Médio passa por uma crise que gera esvaziamentos e questionamentos profundos, principalmente diante das dinâmicas do mercado de trabalho e dos processos de admissão em vestibulares. O mesmo autor, em resumo, explica que a crise da escola pública e, por conseguinte, do Ensino Médio, é decorrente, dentre outros fatores, da falta de identidade diante das novas realidades sociais, da falta de valorização dos professores por parte dos gestores, da falta de investimentos que possam tornar mais atual a Educação e da ausência de uma agenda política que possa debater seus propósitos e conteúdos. Kuenzer (2000, p. 23) aponta que estudos realizados pelo Banco Mundial relacionados aos investimentos em países periféricos (emergentes) na área da Educação, revelam que os custos são menores para universalizar o Ensino Fundamental em comparação com os custos do Ensino Médio. Por essa razão, segundo a autora, os governos sistematicamente deixam de investir em estruturas mais especializadas e tecnológicas e se concentram em outras estruturas menos complexas e de forte apelo popular.

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Ainda segundo Kuenzer (2000), o Ensino Médio se encontra diante da mudança do paradigma técnico para o tecnológico e, ao mesmo tempo, os governos pouco fazem para adaptar o desgastado Ensino Médio às necessidades que se apresentam na chamada sociedade da informação. Da Silva (2009, p, 26) ressalta que a escola pública na década de 1970 era considerada “tecnicista” e na década de 1980 “elitista”, “burocrática”, “excludente” e “reprodutora”. Porém, diante de demandas menores, compreendidas em um período anterior às tendências de massificação e universalização advindas da Constituição de 1988, as escolas públicas possivelmente se organizavam de forma mais assertiva e se tornavam referência entre os alunos. Com a democratização do ensino proposta com a Constituição de 1988, a escola pública não conseguiu crescer em qualidade juntamente com o acesso de um grande número de estudantes, se mostrando atualmente uma instituição defasada, tanto para os alunos como para aqueles que buscam uma carreira profissional na docência. O Ensino Médio deve se constituir como um instrumento mediador para que os indivíduos possam acessar a produção pertinente aos seus contextos históricosociais, a fim de fortalecerem, especialmente, o conhecimento político e cultural, o que significa promover a cidadania diante do que a democracia demanda. Domingues et al (2000, p. 66), a respeito do Ensino Médio, sua importância e seus propósitos, afirma: A ideia do Ensino Médio como parte da educação básica está em consonância com esse novo contexto educacional, uma vez que, segundo a LDB, objetiva consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos na educação fundamental, desenvolver a compreensão e o domínio dos fundamentos científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna, e não apenas preparar para o vestibular. Ocorre, porém, que a educação média tem sido, historicamente, seletiva e vulnerável à desigualdade social.

No sentido de promover o desenvolvimento nesta modalidade de ensino, em 1999 o Brasil deu um importante passo para oficializar e promover reformas significativas no Ensino Médio que pudessem atualizá-lo diante das transformações ocorridas, especialmente a partir da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996. Esse passo foi a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM – Brasil, 1999) que buscou expansão de vagas nas escolas, estruturação de sistemas de

12 avaliação1, criação de programas de formação continuada de docentes e gestores de escolas, bem como, também, desenvolvimento de programas de educação a distância e de melhoria da infraestrutura das escolas. Porém, com frequência nas últimas duas décadas, observaram-se gestões públicas, gestores e professores que marginalizaram aquilo previsto nos PCNEM. Em pesquisa realizada acerca da submissão do Ensino Médio ao mundo produtivo, Lopes (2002, p. 387) adverte que: Todavia, menosprezar o poder do currículo escrito oficial sobre o cotidiano das escolas significa desconsiderar toda uma série de mecanismos de difusão, simbólicos e materiais, desencadeados por uma reforma curricular, com o intuito de produzir uma retórica favorável às mudanças projetadas e orientar a produção do conhecimento escolar.

Ainda sobre o problema da implantação das políticas oficiais de Educação por partes de gestores e professores, Domingues, et al (2000, p. 64) ressaltam que: Em geral, essas políticas de currículo têm se caracterizado como programas de governo, isto é, com início e fim determinados pelos mandatos. Falta tempo para sua implantação e consolidação no espaço de um governo, acarretando descontinuidade administrativa e pedagógica. O mais grave é que tais políticas levam ao descrédito no âmbito escolar, uma vez que os professores não acreditam nelas, e, portanto, não se engajam efetivamente.

Diante deste contexto, torna-se importante conhecer e analisar as representações sociais que os alunos de escolas públicas elaboram sobre o Ensino Médio, tendo em vista suas vivências e experiências neste processo. Hipoteticamente, a maneira como se organiza e se estrutura o Ensino Médio contribui negativamente com a elaboração das representações sociais dos alunos, principalmente diante das ações dos professores, das suas didáticas e posturas, da estrutura da escola e das motivações e desmotivações contidas neste contexto. Não é leviano afirmar, portanto, que a elaboração de representações sociais positivas sobre o Ensino Médio favorecem a qualidade do processo ensino e aprendizagem e que, por sua vez, o contrário disso representa enormes perdas para as possibilidades e oportunidades de um desenvolvimento pedagógico significativo. Representações sociais negativas e, por consequente, atitudes e ações também negativas, distanciam os alunos das possibilidades de se apropriarem do Ensino Médio no sentido de transformá-lo em uma ferramenta social e reconhecê-lo

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Tais como o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, por exemplo.

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em seus desenvolvimentos, gerando assim consciência em relação ao processo histórico ao qual se inserem. Corroborando com a importância do reconhecimento dos indivíduos no meio em que se desenvolvem e, portanto, da consciência, temos: “O desenvolvimento sociocultural do indivíduo é o desenvolvimento de um indivíduo histórico, situado na história social humana. Então, para que o desenvolvimento ocorra é necessário que os indivíduos se apropriem dos produtos culturais, sejam materiais ou intelectuais”. (LEONTIEV, 1978, p. 39).

Diante do contexto apresentado, foi realizada uma pesquisa que contou com a participação de alunos de escola pública localizada no Município de Carapicuíba, na Grande São Paulo. Os alunos responderam um questionário com questões fechadas e abertas, a fim de caracteriza-los, em primeiro momento e, também, de visualizar as representações sociais que elaboram. Posteriormente, os alunos participantes da pesquisa realizaram uma sessão de Grupo Focal. Todos os pesquisados estão vinculados à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo através da rede pública de ensino, matriculados no Ensino Médio e possuem idade entre 15 e 17 anos. São moradores da região de Carapicuíba, nunca estudaram ou moraram no exterior e não estavam matriculados, também, em nenhum curso de caráter profissionalizante até a realização desta pesquisa. Ao estabelecer como critérios para participação na pesquisa a condição do aluno não ter experimentado modelos educacionais e nem fixado moradia em outros países, procurou-se garantir a convivência integral dos participantes na modalidade de ensino. Posteriormente à realização da pesquisa, as respostas obtidas foram analisadas mediante a interpretação dos respectivos conteúdos, utilizando-se inferências para o processo de identificação de indicadores e a separação destes em categorias e subcategorias, objetivando as análises das representações sociais dos alunos sobre o Ensino Médio e o estabelecimento de relações com o contexto. Portanto, diante das condições e problemas vivenciados pelo Ensino Médio público atualmente, esta pesquisa procurou estudar estas representações sociais, uma vez que as mesmas orientam as ações interferem na qualidade do ensino e se vinculam diretamente ao comportamento de professores, alunos e ao contexto socioeconômico pertinente.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1

O Contexto Histórico do Ensino Médio no Brasil

O Ensino Médio, como fase escolar, passa hoje por uma crise que resulta em questionamentos profundos, principalmente diante das dinâmicas do mercado de trabalho, que espera profissionais cada vez mais especializados tecnicamente, e dos processos de admissão em vestibulares, que marcadamente se orientam e se estabelecem fora do universo da Educação formal2. No entanto, o Ensino Médio é uma das fases escolares que, juntamente com as demais, exerce muita importância na vida dos alunos, promovendo os conhecimentos necessários e essenciais ao estabelecimento de interações com o meio. É, assim, significativo na geração de subsídios que aproximam indivíduos, conhecimentos e contextos. Corroborando com a importância do Ensino Médio se faz presente a relação do meio com o indivíduo, observada por Vygotsky (1984) ainda nas décadas iniciais do século XX, o qual propôs que todas as atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabavam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade. Essa percepção proposta reporta à importância das instituições escolares, especialmente por conta das possibilidades de gerarem aos alunos, a partir de suas comunidades, condições de consciência e reconhecimentos. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o Plano Nacional de Educação (PNE), a Educação Básica deve ter por finalidades garantir a formação indispensável para o desenvolvimento da cidadania de todos os brasileiros e, também, criar as possibilidades para o acesso ao mercado de trabalho e para o Ensino Superior. A partir da Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro passou a ter a obrigação de garantir de forma gratuita o Ensino Médio a todos os brasileiros que concluíssem as etapas anteriores da Educação Básica. É fato que a Constituição Federal de 1988 não se limita a garantir apenas a gratuidade, mas também a qualidade do ensino, tendo expressado o seguinte em seu Artigo 205º: 2

Entendemos aqui como “Educação formal” a prática escolar que ocorre em espaços escolarizados, sejam esses da Educação Infantil à Pós-graduação, com objetivos determinados e orientados pelo Poder Público.

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A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Sempre dividido entre a função de facilitar o acesso ao Ensino Superior e a de subsidiar mão de obra para o mercado de trabalho, o Ensino Médio público não conseguiu constituir uma identidade única que o caracterizasse. Possivelmente, no decurso do século XX, por tratar-se de momentos em que as exigências de conhecimento tecnológicos eram menores no mercado de trabalho e os desafios econômicos mais restritos, a escola dava conta de oferecer condições de inserção profissional e inclusão social3. Assim, referindo-se aos períodos das décadas de 1970 e 1980, Franco & Novaes (2001, p. 182) afirmam que “o diploma do antigo 2º grau era considerado promissor para o ingresso no mercado de trabalho”. Porém, até pelo menos a década de 1990, a exclusão e o elitismo caracterizavam a Educação, deixando à margem da sociedade milhões de brasileiros. Na rede privada, no entanto, especialmente nas últimas décadas, o Ensino Médio se mostrou mais próximo da função de facilitar o acesso dos alunos ao Ensino Superior através dos exames vestibulares. Ainda que não tenham sido encontradas pesquisas que mostram a quantidade de escolas particulares que utilizam materiais didáticos elaborados por “cursinhos” pré-vestibulares, é muito comum encontrar escolas associadas às marcas mais famosas de instituições que lidam, exclusivamente, com os concursos vestibulares4. Muitos desses “cursinhos”, por exemplo, se tornaram escolas particulares e passaram a oferecer o Ensino Médio5, os quais há décadas são reconhecidos como

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Segundo dados do IBGE, em 1940 o Brasil mantinha 3,3 milhões de estudantes no primário, secundário e técnico. Naquele momento, o número de indivíduos em idade para estudar era 15,5 milhões, ou seja, as redes públicas atendiam apenas 21% da população em idade escolar. Em 1960, essa porcentagem se elevou para 31%. Apenas em 1998 o país atingiu 86% de indivíduos em idade escolar atendidos pelas redes públicas de ensino. 4 Em entrevista concedida ao Portal UOL, ainda em 2006, José Augusto de Mattos Lourenço, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de São Paulo (SIEESP) afirmava que a orientação pedagógica gratuita e a possibilidade de associação a uma marca forte e reconhecida pelos pais fatores poderosos para as escolas particulares. Integra disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. 5 Para exemplificar temos: a rede “Anglo” que agrega centenas de escolas pelo Brasil através da comercialização de material didático e padronizações de modelos pedagógicas e, dentro da mesma estratégia organizacional, a rede “Objetivo”, a rede “Positivo”, dentre outras. Todas elas se valem de poderosos parques editoriais, de força política junto ao Poder Público e de grande espaço nas mídias digitais e convencionais.

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solução eficaz para o acesso aos vestibulares mais concorridos do país, em especial aqueles que possibilitam o ingresso às universidades públicas. Em artigo jornalístico publicado em 12/07/2010, a Editora Abril informou a aquisição do Anglo, um dos mais tradicionais grupos de educação do país. A transação incluiu as empresas Anglo Sistema de Ensino, Anglo Vestibulares e a Siga, especializada em concursos públicos. A partir desta transação a Abril Educação, empresa da Editora Abril, passou a deter a segunda maior rede de ensino do país, incluindo mais de 850 escolas particulares associadas ao Sistema Anglo em todo o Brasil. Assim, à época de 2010, a Editora Abril estimava obter com Educação um faturamento que superasse os 500 milhões de reais por ano e alcançar a liderança do mercado6. Acerca dos cursinhos, Fortes (2005, p. 68) afirma: [...] a crescente sofisticação dos exames vestibulares tem contribuído para uma melhoria dos cursinhos. Alguns cursinhos utilizam uma metodologia escolar sofisticada para garantir o sucesso nos vestibulares e cobram mensalidades elevadas.

Os cursinhos pré-vestibulares mais famosos de São Paulo, em relação ao Ensino Médio público, se mostram mais próximos das possibilidades tecnológicas que atualmente se apresentam, contando com estruturas adequadas, professores mais motivados, inclusive com melhores salários e, também, com grandes acervos de materiais pertinentes ao que pretendem oferecer, ou seja, condições de acesso aos vestibulares de ponta. Com o advento da Globalização7, especialmente a partir da última década do século XX, diversas transformações marcaram a sociedade brasileira, especialmente nos campos político, econômico, tecnológico e cultural. Os avanços tecnológicos e informacionais, por exemplo, aliados a maior circulação de bens de consumo e serviços, encurtaram as distâncias no planeta e possibilitaram intercâmbios culturais nunca antes imaginados. 6

Íntegra do artigo jornalístico disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. 7 Conforme Hobsbawm (2007) a Globalização é um fenômeno econômico e também um processo de aprofundamento internacional de integração econômica, social, cultural e política. Caracterizou o último quarto do século XX. Seus efeitos são percebidos ainda no século XXI, orientando muitas dinâmicas comerciais e econômicas. O termo Globalização vem sendo usado academicamente desde a década de 1980. Em geral, o fenômeno se dá através do comércio, transações financeiras, movimentos de capitais, de investimentos, migração e intercâmbio de pessoas e da disseminação de conhecimentos. Desta forma, afeta todos os setores da sociedade, principalmente a comunicação, o comércio internacional e a liberdade de movimentação, com diferentes intensidades dependendo do nível de desenvolvimento e integração das nações ao redor do planeta.

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Não obstante, a Educação e, por consequente o Ensino Médio público, deveriam também se organizar e propor transformações diante deste contexto. Atualmente, conforme Domingues et al (2000, p. 67), para adentrar o mercado de trabalho de forma qualitativa e para o desenvolvimento intelectual são fundamentais o conhecimento, o domínio de vários recursos tecnológicos, a formação de uma consciência crítica, a capacidade criativa e inovadora, etc. Reafirmando a necessidade do Ensino Médio ser, cada vez mais, uma modalidade de ensino inspirada nas demandas da cidadania e do mercado de trabalho, um estudo realizado com 659 alunos do último ano do Ensino Médio realizado por Sparta & Gomes (2005), demonstrou que o ingresso no Ensino Superior é uma das principais preocupações dos jovens que cursam o Ensino Médio, já que nesta fase de conclusão, as pressões advindas do mercado de trabalho se apresentam fortemente no cotidiano. A este respeito, os autores afirmam que o jovem brasileiro que chega ao fim do ensino médio é chamado a fazer escolhas profissionais e pode optar pela continuação dos estudos ou pelo ingresso imediato no mercado de trabalho. Uma das alternativas disponíveis para que o jovem continue seus estudos é a educação superior. (SPARTA & GOMES, 2005, p. 46). Neste mesmo estudo, demostram ainda a tendência dos alunos oriundos de escolas públicas em considerarem o ingresso no mercado de trabalho, imediatamente após a conclusão do Ensino Médio, uma alternativa viável e prudente, especialmente diante das situações socioeconômicas que vivenciam. Assim, segundo os autores, no sentido de atender demandas mais atuais, o Poder Público procurou, mediante a LDB, aproximar a Educação das atuais dinâmicas do mercado de trabalho e das novas tecnologias. Para tanto, o problema que se apresenta hoje é colocar em prática as determinações e expectativas deste novo momento, criando espaços escolares que possam dialogar com a LDB e que possam cumprir aquilo que a sociedade brasileira espera e precisa. É necessário, portanto, vontade política, esforços públicos e cobrança da sociedade para que as transformações na Educação ocorram. Essa, no entanto, é uma tarefa muito difícil, já que historicamente o Estado brasileiro sempre se distanciou da população quando o assunto é Educação de qualidade.

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Sobre a necessidade da melhoria na qualidade da Educação oferecida na rede pública de ensino, Paro (1998) comenta em suas conclusões: [...] pode-se concluir que há sim necessidade de melhor qualidade do ensino básico, mas não porque se tenha conseguido a quantidade e se precise alcançar com maior eficiência os ideais de preparar pessoas para o mercado (agora, tendo em mira o emprego imediato; ou no futuro, tendo em mira o vestibular). A má qualidade do ensino público atual expressa, por um lado, a falta de escolas de verdade, com condições adequadas de funcionamento; por outro, a ausência, em nosso sistema de ensino, de uma filosofia de educação comprometida explicitamente com uma formação do homem histórico que, ultrapassando os propósitos da mera sobrevivência, se articule com o objetivo de viver bem, realizando um ensino que capacite o educando tanto a usufruir da herança cultural acumulada quanto a contribuir na construção da realidade social.

Diante de tais considerações conjunturais e da necessidade de inferir a respeito das influências que o processo histórico determinou ao desenvolvimento da Educação no Brasil, se faz necessário apresentar aqui a abordagem histórica em que se insere o Ensino Médio no Brasil, buscando suas raízes e suas idiossincrasias. Desta forma, com mais profundidade, pretendeu-se nesta pesquisa lançar mão de subsídios que contribuíram na compreensão e construção de inferências sobre o universo em que os alunos elaboram suas representações sociais sobre o Ensino Médio na escola pública. Ao longo da História do Brasil a Educação (entendida hoje como Educação Básica) sofreu um processo constante de distanciamento social. Inicialmente, ainda no Período Colonial, a Educação no Brasil esteve às voltas com o compromisso de atender uma pequena elite aristocrática, deixando à margem um enorme contingente populacional menos abastado. Por séculos, até chegar aos dias atuais, a Educação no Brasil não conseguiu estabelecer um equilíbrio entre democratização e qualidade de ensino. O Ensino Médio, por sua vez, como parte da Educação, seguiu o mesmo processo de distanciamento. Até a década de 1990 não abrangia a demanda que se apresentava e, por consequente, não se alinhava às tendências de democratização do Ensino Público propostas com a Constituição de 1988. Em geral, o Ensino Médio não cumpre as funções que, constitucionalmente, deveria, ou seja, gerar cidadania e condições para o trabalho. Assim, os alunos do Ensino Médio carecem de preparo para o exercício de sua vida social, econômica e política.

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Como qualquer outra instituição social ou política no Brasil a Educação, em especial o Ensino Médio, tem suas raízes nas estruturas e nos paradigmas trazidos por Portugal no Período Colonial. Nossa herança com as estruturas político-sociais portuguesas e, mais ainda, com sua cultura e com os propósitos que os motivavam em 1500, forjaram tudo aquilo que somos e, seguramente, nenhuma instituição se isentou das influências e dos vícios lusitanos. Especialmente no caso do Brasil, a dinâmica de colonização e os interesses que regiam e norteavam os portugueses na construção de estruturas sociais e políticas, determinaram a formação de um Estado que, antes de tudo, conforme Carvalho (1990), não reconhecia a maior parte da população como cidadãos. A cidadania demorou a ser definida no Brasil, já que o processo de Independência levado a cabo em 1822 por Dom Pedro I não trouxe mudanças sociais significativas, mantendo, por exemplo, heranças coloniais como a escravidão, o distanciamento do Estado das populações indígenas e a concentração econômica e política nas mãos de uma pequena parcela privilegiada, limitando na Constituição de 1824 a cidadania, o processo eleitoral e o acesso à Educação Pública. Portugal à época da Colonização, não entendia o território brasileiro ocupado desde 1500 como o berço de uma futura nação, mas sim como um “quintal” repleto de possibilidades mercantilistas, conforme aponta Furtado (2007, p. 10-15). Situando a História da Educação no Brasil neste contexto, ainda no Período Colonial, os jesuítas deram os primeiros passos no sentido de promover o desenvolvimento de instituições escolares no Brasil. Entre os séculos XVI e XVIII estruturaram e criaram os mecanismos que deram origem à escola desde seus momentos mais incipientes, influenciados, no entanto, pela ideologia da cultura católica vigente à época das Grandes Navegações. No início do processo de colonização, o temor gerado pelo protestantismo de Martinho Lutero no século XVI, bem como o avanço de tais ideias protestantes sobre as terras recém-descobertas na exploração do Atlântico, fizeram com que a Igreja Católica determinasse a intensa presença missionária dos jesuítas na América, especialmente nas regiões dominadas pelas Coroas portuguesa e espanhola.

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Tal preocupação e as devidas determinações que motivaram e nortearam a presença dos jesuítas no Brasil Colônia são visíveis nas propostas do Concílio de Trento8 para conter o avanço protestante. Segundo Câmara (1957, p. 267), chegando ao Brasil Colônia, a Companhia de Jesus, inicialmente liderada pelo Padre Manuel de Nóbrega, começou seus trabalhos através da formação de catequeses, erguendo um colégio em Salvador da Bahia e fundando a Província Brasileira da Companhia de Jesus. Neste período inicial da exploração, todo o trabalho educacional foi voltado às populações indígenas e foi promovido exclusivamente pelos missionários jesuítas que vinham da Europa. Cinquenta anos mais tarde, os jesuítas já contavam com colégios e missões por grande parte do litoral, estendendo-se de Santa Catarina ao Ceará. Quando o Marquês de Pombal os expulsou, em 1759, eram centenas de colégios por todo o território colonial, distribuídos em aldeias, reduções, missões, mosteiros e conventos. Aranha (2009), neste sentido, denota que a Educação no Brasil, entendida em sua essência como um processo sistematizado de transmissão de conhecimentos, é indissociável da presença da Companhia de Jesus. Atendendo à elite colonial portuguesa aqui instalada, por volta da primeira metade do século XVI, os jesuítas começaram a fragmentar o ensino que ofereciam a fim de selecionar os níveis de conteúdos. Desta forma, implantaram o regime seriado, ou de classes escolares, modelo que, posteriormente, serviu de base ao desenvolvimento de outras estruturas escolares aqui no Brasil, naturalizando características visíveis até hoje no sistema de ensino organizado e oferecido pelo Poder Público. A este respeito, André Petitat ressalta que: Os primeiros colégios organizados segundo os novos princípios foram àqueles mantidos pela comunidade humanista dos Irmãos de Vida Comum, nos Países Baixos. A partir do final do século XV, eles passam a repartir os seus alunos em seis ou sete classes sucessivas. A ideia abre caminho rapidamente, passando por diversas etapas. Nos primeiros tempos, são introduzidas somente três ou quatro divisões; depois, forma-se o hábito de destinar um mestre a cada uma delas. Contudo, o ensino continua a ser ministrado em uma única peça, com as três classes reunindo-se em torno de seus mestres em pontos diferentes da sala. Na última etapa desta evolução são introduzidos tantos graus quanto anos de aprendizagem, e cada classe passa a ter seu local e seu mestre específicos. (PETITAT, 1994, p.78)

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Conforme Libanio (2005), o Concílio de Trento foi realizado entre 1545 e 1563 e é um dos três concílios fundamentais da Igreja Católica. Ainda segundo o autor, o Concílio foi convocado pelo Papa Paulo III e se trata do melhor exemplo da reação da Igreja à Reforma Protestante, razão pela qual é denominado também de Concílio da Contrarreforma.

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Conforme Pinto (2007, p.48) o ensino brasileiro esteve ligado aos jesuítas até 1759, ano em que o Marquês de Pombal, a serviço da Coroa portuguesa, promoveu reformas na Colônia com o objetivo de reafirmar o poder de Portugal e de suas instituições. Segundo Aranha (2009), no lugar deixado pelos jesuítas na Educação da colônia, foram estabelecidas as “aulas régias”, orientadas pela Coroa portuguesa e ministradas por professores indicados pela metrópole. Tais professores, em geral, não dispunham de competências pedagógicas ou mesmo de formação adequada para a Educação, porém, em boa medida, atendiam os interesses políticos da Coroa portuguesa naquele contexto. O cargo de professor tinha caráter vitalício e suas práticas de ensino em nada se diferenciavam em relação aos métodos já utilizados pelos jesuítas. Sobre as aulas régias, Chagas (1984, p.9) lembra que cada uma constituía uma unidade de ensino, possuindo um único professor para determinada disciplina. No entanto, não havia currículo e as aulas régias eram isoladas e autônomas. Não havia preocupação com diretrizes ou mesmo objetivos a serem atingidos, a não ser, é claro, aqueles ideológicos implícitos na colonização. Desta forma, o ensino no Brasil Colônia passou a ser laico e público, cabendo aqui duas observações importantes. A primeira é que, embora laico, o ensino religioso se manteve muito presente nas escolas, demonstrando a proximidade dos conteúdos com a orientação e a ética católica, porém, deixando de fora a Igreja de Roma da administração da Educação. A segunda observação é quanto ao caráter público da Educação neste período, uma vez que é incauto falar em cidadania brasileira no século XVIII já que, propriamente dito, o Estado brasileiro só passou a existir em 1822, no decurso do século XIX. Assim, delimitar a abrangência da cidadania e o alcance público da Educação é compreender que apenas e tão somente os portugueses e seus descendentes acessavam a Educação pública, já que os indígenas, os afrodescendentes escravizados e os libertos, grupos sociais que compunham naquele momento a grande maioria da população, não faziam parte para Portugal do universo público e do contexto da cidadania.

22

Vale considerar que até o início do século XIX, O Brasil não oferecia de forma significativa cursos no ensino superior9 e, assim, o Ensino Médio como etapa de preparação para este nível de escolarização se reservava exclusivamente à parcela da sociedade que detinha as condições necessárias ao acesso em instituições de ensino no exterior, ou seja, basicamente a aristocracia ligada à agro-exportação escravocrata. A Educação no Brasil oitocentista também reservava ao Ensino Médio a função de “amadurecer” o indivíduo mediante reafirmações da fé católica e da moral europeia, uma vez que a construção de uma identidade nacional no Brasil ainda não estava estabelecida. Adentrando o século XIX, a Educação manteve, no entanto, seu caráter seletivo e elitista, voltando-se essencialmente à formação inicial e ao acesso dos alunos das classes mais abastadas ao Ensino Superior, especialmente nos cursos mantidos fora do país. A Educação aqui no Brasil caminhou praticamente inalterável desde a expulsão dos jesuítas e mesmo diante, nos séculos XVIII e XIX, das forças transformadoras propostas e impulsionadas pelo movimento Iluminista10. Ainda no século XIX, a responsabilidade em promover o ensino no Brasil foi dividida, ficando as províncias responsáveis pelo oferecimento do ensino primário e secundário e a Corte responsável pelo Ensino Superior. No entanto, não se criou nenhuma instituição governamental que pudesse gerenciar a Educação no Brasil. No incipiente contexto republicano da História do Brasil, mais precisamente nas primeiras duas décadas do século XX, o Brasil já contava com uma população muito mais diversificada e muito mais ativa politicamente. A Primeira Guerra Mundial (1914/18) havia proporcionado ao país a oportunidade de receber muitos imigrantes, os quais traziam com eles suas experiências sociais, culturais e políticas. O espírito republicano e as vicissitudes daquele contexto exigiam do Brasil, à época da Revolução de 1930, transformações e inovações. A população havia

9

A Faculdade de Medicina da Bahia (FAMEB), em Salvador, hoje parte da Universidade Federal da Bahia (UFBA), completou em 2008 seu bicentenário. É considerada a primeira faculdade do Brasil e foi fundada pela Coroa portuguesa, quando da chegada da Família Real ao Brasil em 1808. 10 Segundo Falcon (1994) o movimento Iluminista, ou Iluminismo, caracterizou o século XVIII e pode ser definido como um conjunto de ideias da elite intelectual europeia, que contou com o apoio da burguesia e procurou mobilizar o poder da razão em detrimento dos ranços da tradição medieval. Concebeu muitas tendências de caráter liberal. Promoveu, ainda, o intercâmbio intelectual e foi contra a intolerância da Igreja e do Estado.

23

crescido e amadurecido politicamente, as expectativas eram muitas e as oportunidades que se abriam nos mercados internacionais se multiplicavam, uma vez que os países detentores das condições tecnológicas para competir naquele momento estavam em severas crises econômicas e sociais. Segundo Fausto (2012), a Revolução de 1930, a qual trouxera Getúlio Vargas ao poder, interrompeu o decurso da Constituição de 1891 e do período conhecido por “República do café com leite”, alusão aos privilégios destinados dos cafeicultores e latifundiários do Sudeste. Neste contexto politicamente conturbado, nascida da esperança de transformações políticas, econômicas e sociais, a Revolução de 1930 gerou mais expectativas na população brasileira do que a Proclamação da República de 1889, quando poucos sabiam o que acontecera ali naquele momento. Com o intuito de exemplificar o desenvolvimento político dos brasileiros no período compreendido pela Primeira República (1889-1930) e, mais ainda, de ressaltar a necessidade da elaboração e positivação de estruturas educacionais mais

avançadas

em

relação

àquelas

propostas

no

período

monárquico,

apresentamos o comentário do jornalista Aristides Lobo11, sobre sua percepção a respeito do comportamento do povo diante da Proclamação da República em 15 de Novembro de 1889: [...] Por ora, a cor desse Governo é puramente militar, e assim deverá ser. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada. 12 [...] .

Ocorre que, quatro décadas depois da implantação da República no Brasil, já em 1930, o povo não podia ser mais considerado “bestializado”. Conforme aponta Fausto (2012), nestas quatro primeiras décadas da República no Brasil foram observadas intensas revoltas sociais13, mostrando que o povo buscava participar da República, conquistar direitos e, se necessário fosse, lutar por eles, como de fato aconteceu, trazendo à cena política novas forças sociais. 11

Aristides da Silveira Lobo, nascido em 1838, foi um jurista, político, jornalista republicano e abolicionista brasileiro, sendo um ativo membro do movimento republicano. Aristides foi nomeado ministro do Interior no governo do Marechal Deodoro da Fonseca e elegeu-se mais tarde deputado federal, participando da elaboração da Constituição de 1891 e, depois, senador, cumprindo seu mandato entre 1892 e 1896. 12 Cf. artigo publicado no "Diário Popular" de 18 de novembro de 1889. 13 Guerra de Canudos (1896), Revoltada da Vacina (1904), Revolta da Chibata (1910), Guerra de Contestado (1916), Movimento Operário Paulista (1917), Semana de Arte Moderna (1922), Movimento Tenentista (1922), Coluna Prestes (1927), Cangaço (final do século XIX até pelo menos 1938, ano da morte de Lampião).

24

A partir de 1930, estando à frente do comando do país, Getúlio Vargas se esforçou em cumprir o desafio de incluir as populações menos abastadas na esfera dos direitos republicanos e, assim, passou a promover ações populistas 14 em diversas áreas, buscando ter a adesão através da inclusão social. Para tanto, criou, regulamentou e promoveu estruturas que pudessem estabelecer uma nova identidade para o Brasil. Segundo Jorge (1986), em relação à Educação, a intenção na “Era Vargas”15 era ampliar em escala nacional o ensino público, tornando-o obrigatório, laico e gratuito. Assim, a Educação, principalmente nos níveis inicial e secundário, ganhara naquele momento maior importância por parte do Poder Público, ainda que fortemente marcada por ideologias e populismo. A década de 1930, contudo, promoveu transformações significativas em diversos setores e, assim, também no sistema educacional. Uma das primeiras transformações foi a institucionalização do Ministério da Educação. Em 1931 foi criada a Lei Orgânica do Ensino Secundário através do Decreto de número 19.890, a qual foi complementada em 1942 pelo Decreto Lei de número 4.244 e vigorou até 1971. Esta Lei, dentre outras normatizações, estipulava a divisão entre ensino primário e ensino secundário, sendo, o ensino primário formado por quatro anos e o ensino secundário por sete anos, subdividindo-se em “ginásio” com quatro anos e “colegial” com três. Segundo Ghiraldelli (1990, p. 84), durante o Estado Novo 16, tendo Vargas ainda no poder, a Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-Lei nº 4.244, 09/04/1942) foram instituídas, objetivando transformar a Educação vigente em ensino

profissionalizante.

Reestruturam

profundamente

o

ensino

primário,

secundário, industrial, comercial, normal e agrícola, lançando mão de um caráter marcadamente elitista e conservador. A finalidade era formar mão de obra técnica, a

14

Laclau (1978) sustenta que o termo populismo se refere a um conjunto de práticas políticas que consistem no estabelecimento de uma relação direta entre o governante (líder carismático) e o povo (massa) sem a intermediação de entidades de classe, partidos políticos ou sindicatos. Em geral, a fala do líder populista atende aos clamores populares e é carregada de ideologias, tendo como pano de fundo o interesse em omitir, enganar, subverter, convencer ou mesmo iludir. 15 Apontado em Jorge (1986), a “Era Vargas” refere-se ao período da História Republicana em que o Brasil foi governado por Getúlio Vargas (1930 – 1945), constituindo-se do Governo Provisório (1930 – 1934), Governo Constitucional (1934 – 1937) e Estado Novo (1937 – 1945). 16 Entendido aqui como golpe militar. É o regime político criado por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937. Vigorou até 29 de outubro de 1945 e se caracterizou pela centralização do poder, repressão, censura, nacionalismo, anticomunismo e autoritarismo.

25

qual se fazia necessária naquele momento em que a industrialização se apresentava no topo das intenções políticas do país. Desta forma o ensino profissional cresceu em larga escala no Brasil, tendo o Estado (governo) estabelecido convênios com as indústrias no sentido de suprir a insuficiente infraestrutura educacional, a qual deveria abrigar a demanda do ensino técnico. A Educação no Estado Novo, ainda segundo Ghiraldelli (1990, p. 87), tornouse um importante instrumento do Estado, orientada por diretrizes políticoeconômicas que atendiam ao discurso ideológico de Vargas, o qual se fundamentava na centralização do poder e no paternalismo populista. Até a década de 1970 o ingresso no ensino secundário, a partir do ginásio, só era possível com aprovação em um exame conhecido por “admissão”. A Lei n° 5.692/7117 alterou a estrutura do ensino vigente até então, unificando as etapas alusivas ao “primário” e ao “ginásio”, originando, assim, ao chamado “primeiro grau”, compreendido com oito anos de duração. A etapa alusiva ao “colegial” passou a ser denominada de “segundo grau”, estendendo-se por três anos. Ainda de acordo com a Lei n° 5.692/71, as escolas que desenvolvessem o segundo grau (Ensino Médio) deveriam criar condições que garantissem uma qualificação profissional de nível técnico ou de auxiliar técnico, variando entre três e quatro anos dependendo do curso. A este respeito, temos: Tudo indica que o objetivo por trás deste novo desenho do ensino médio, dando-lhe um caráter de terminalidade dos estudos, foi o de reduzir a demanda para o ensino superior e tentar aplacar o ímpeto das manifestações estudantis que exigiam mais vagas nas universidades públicas. (PINTO, 2007; p.55).

Certamente, as tentativas de tornar o Ensino Médio uma etapa meramente tecnicista na década de 1970, contribuiu em muito para o seu distanciamento da qualidade e da promoção da cidadania. Em suma, o Ensino Médio oferecido pela rede pública neste período, atendeu em grande parte, a função de formar mão de obra despolitizada, massificada e pouco transformadora, cumprindo assim aquilo que se fazia ideal para a ideologia

17

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Íntegra da Lei 5.692, de 11 de Agosto de 1971. Disponível em . Acesso em: 19 jan 2014.

26 dos militares que se mantinham de forma golpista no poder desde 1964 18 e para intensificação da ditadura militar no Brasil. Com a Constituição de 198819 as mudanças relacionadas à Educação possibilitaram

o

desenvolvimento

de

estruturas

político-pedagógicas

mais

avançadas e mais próximas daquilo que o contexto histórico impunha e que a sociedade brasileira necessitava. Porém, da positivação na Constituição Federal à execução de fato, encontramos distâncias quase intransponíveis. Assim, em 1996, oito anos após a promulgação da “Constituição Cidadã”, A LDB (Lei de Diretrizes e Bases para à Educação) impôs aos Estados membros a responsabilidade de ampliar a oferta do Ensino Médio público, o que de fato se realizou. Em relação à LDB e sua relevância no contexto em que é concebida, foi observado que: Nos anos de 1990, a luta em torno do significado do ensino médio ganhou nova intensidade. O embate principal, como se sabe, deu-se no processo de elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que, fundamentada na Constituição de 1988, deveria substituir a LDB de 196l. A mobilização para uma nova LDB acontecia concomitantemente a grandes mudanças nas relações de força no âmbito internacional. (ZIBAS, 2005, p. 1070.).

Porém, a massificação do Ensino Médio público, bem como a sua democratização, não foram acompanhadas da qualidade e de estruturas suficientes para atender, em todas as dimensões, as necessidades demandadas hoje pelo nosso momento histórico-social. Zibas (2005, p. 1075), apresentando pesquisas científicas realizadas em diversos Estados brasileiros, dentre eles São Paulo, no início dos anos 2000, aponta os problemas mais severos que entravam as reformas propostas pela LDB de 1996. Dentre eles, destacam-se o baixo investimento nas redes físicas e na ampliação dos recursos didáticos, professores com pouca informação acerca das reformas propostas, ausência de capacitação dos docentes, dedicação dos professores em duas ou três escolas e a consequente dispersão de esforços, além da ausência da participação dos pais e alunos nos processos de gestão das unidades escolares.

18

É opção política do autor desta dissertação de mestrado considerar a deposição de João Goulart em 31/04/1964 um golpe militar, compreendendo que houve a usurpação da Constituição de 1946. 19 Conhecida também por “Constituição Cidadã” devido à positivação de vários dispositivos legais em favor da defesa e preservação dos Direitos Humanos. Cf. íntegra da Constituição Federal de 1988 referenciada anteriormente.

27

Segundo o autor da pesquisa, esta falta de valorização docente ocorreu, inclusive, em Estados que investiram mais em Educação, como é o caso de São Paulo. Tais situações negativas ainda caracterizam a rede pública de ensino e são visíveis no Ensino Médio, especialmente quando são cruzados alguns números oficiais, tais como o Censo Escolar 2010 e a Prova Brasil 2009. Nestas pesquisas, é possível encontrar mais de oito milhões de alunos matriculados, sendo que 49,8% não concluem essa fase escolar. Dos 50,2% que concluem, apenas 10% dos alunos conseguem demostrar o nível de conhecimento esperado segundo os critérios de avaliação do Ministério da Educação. Rodrigues (2011) aponta em sua série de reportagens que o Ensino Médio oferecido pela rede pública de ensino no Brasil é desinteressante para os alunos, muito por conta de ser estruturado com conteúdos voltados ao ingresso em vestibulares. Ao mesmo tempo, os professores da rede pública, ainda segundo a série de reportagens, não estariam devidamente preparados diante de conteúdos tão atuais, já que mal conseguem se organizar diante das várias jornadas que cumprem para assegurarem minimamente um salário adequado. Falta-lhes tempo e dinheiro para especializações, atualizações e aperfeiçoamentos. Ainda segundo Rodrigues (2011), outro fator que gera desinteresse nos alunos, e que também se relaciona ao conteúdo do currículo no Ensino Médio da rede pública, é que boa parte destes alunos não vão ingressar na faculdade antes de passarem por uma experiência profissional. Neste sentido, preferem que o Ensino Médio ofereça cursos mais voltados ao universo do trabalho. Na contra mão deste cenário negativo, o Ensino Médio, nos campos ideal e legal, deve contribuir no sentido de promover processos de aprendizagem que busquem

a

elevação

das

qualidades

individuais,

a

complementação

do

desenvolvimento e a inserção de forma qualitativa dos alunos na sociedade, a fim de torná-los capazes de interagirem em um contexto sociocultural cada vez mais complexo e exigente. Criar, desenvolver e facilitar processos de aprendizagem que possam dialogar de forma consciente com o meio e com os sujeitos da Educação envolvidos é o principal desafio dos professores, gestores e pesquisadores que fazem parte da Educação. Por consequente, extremamente importante neste processo de avivamento do Ensino Médio, a mediação se faz essencial para estabelecer os meios necessários

28

ao estabelecimento de ações conscientes na relação dos alunos com o seu processo sócio-histórico e, também, na promoção de transformações diante das demandas emergentes. Assim, a este respeito, a mediação do professor é imprescindível, pois o sujeito não se apropria do significado apenas por estar inserido em ambientes propícios, sejam eles alfabetizadores, letrados ou científicos (GALUCH, SFORNI, 2009, p. 123). A compreensão do professor acerca do processo sócio-histórico ao qual ele se insere o faz consciente, ou seja, o torna capaz de se reconhecer no exercício docente. Desta

forma,

as

práticas

dos

professores,

plenas

de

consciência,

estabelecem aos alunos possibilidades de construção de relações significativas que, então, determinarão, também, consciência entre os alunos e possibilidades de elaboração de representações sociais positivas acerca da escola e suas fases. O resultado final desse processo é a apropriação e compreensão do contexto sócio-histórico, tornando todos os membros da sociedade capazes de interagir e transformar. Além disso, o professor é também um elemento extremamente significativo na elaboração das representações sociais dos alunos a respeito do Ensino Médio, já que é parte integrante do contexto histórico-cultural em que o Ensino Médio e os alunos se inserem. Essa percepção deve fazer parte das rotinas dos professores, já que eles são por muitas vezes o exemplo ético mais imediato para os alunos. Por fim, diante de seu processo histórico e do contexto ao qual se insere, o Ensino Médio brasileiro carece hoje de objetivos diferentes daqueles impostos pelo tecnicismo do mercado de trabalho e pela lógica dos vestibulares de ponta. Precisa determinar e impor sua identidade positivada legalmente na Constituição e em seus instrumentos para formar alunos que possam se substanciar desse período escolar, a fim de alcançarem com qualidade seus objetivos, metas e conquistas, capazes de se articularem em todos os campos da atuação humana, plenos, sobretudo, de cidadania.

29

1.2

Representações Sociais

Com o propósito de estabelecer novas possibilidades de compreensão das construções sociais e, também, de formular novos questionamentos sobre os problemas apresentados atualmente na sociedade, a Teoria das Representações Sociais se fortaleceu nas últimas décadas no universo das Ciências Humanas, especialmente na Psicologia Social. Conforme Jodelet (2001), são as representações sociais as responsáveis por nossa relação com tudo que é produzido – materialmente ou imaterialmente – pela humanidade, seja neste ou em outros tempos históricos. Ademais, organizam e orientam condutas, estabelecem formas com as quais nos comunicamos socialmente, interferem na transmissão e na apreensão de conhecimentos, bem como no desenvolvimento, individual ou coletivo, na definição de identidades, na expressão dos grupos e nas transformações sociais. As

representações

sociais

são

importantes

em

nosso

cotidiano,

principalmente pelo fato de que nos possibilitam a criação de denominações e definições aos sentidos, objetos e marcas que nos rodeiam o tempo todo em nossa realidade. Tais denominações e definições contribuem para nossas interpretações do real, tomadas de decisão, posicionamentos ideológicos e formulação de opiniões. Proposta por Serge Moscovici20 em 1961, a Teoria das Representações Sociais21 trouxe às pesquisas – especialmente nas áreas das ciências humanas e sociais – uma perspectiva mais crítica, negando a separação entre aquilo que, internamente, pertence ao indivíduo e aquilo que se desenvolve na relação deste com o meio no qual se insere. Ainda assim, Moscovici propunha articulações e aproximações entre os contextos psicológico e social, considerando indissociáveis o sujeito, o objeto e a sociedade. Diante de tais propostas, a Teoria das Representações Sociais se desenvolveu e se estabeleceu no sentido de compreender o indivíduo, a sociedade e suas relações. 20

Serge Moscovici nasceu em 1928 na Romênia e é, atualmente, psicólogo social, diretor do Laboratoire Européen de Psychologie Social em Paris. É também membro do European Academy of Sciences and Arts , da Légion d'honneur e do Russian Academy of Sciences. Na década de 1940 filiou-se ao partido Comunista Romeno. Durante a Segunda Guerra Mundial foi preso e confinado à prisão. Durante esses anos aprendeu sozinho francês e filosofia, através da leitura das obras de Baruch Spinoza e René Descartes. 21 Quando da publicação de seu livro “La psychanalyse, son image et son public”.

30

Presente por mais de cinquenta anos dentre as ferramentas de análises dos pesquisadores da área de humanas, a Teoria das Representações Sociais se mostra eficiente e vigorosa diante das complexidades dos fenômenos sociais da atualidade, figurando em grande parte nas pesquisas voltadas, por exemplo, à Psicologia, Sociologia e Educação. Mediante as representações sociais se faz possível estabelecer um conjunto de informações que relacionam as vicissitudes da vida real de um indivíduo, ou mesmo de um grupo, com a formação de conceitos e percepções da realidade em determinado recorte temporal. Moscovici pretendeu dar a mesma importância para os comportamentos individuais e para os fatos sociais, desconsiderando o foco exclusivo das influências exercidas

pelos

contextos

sócio-históricos

sobre

os

indivíduos

e

seus

comportamentos, atribuindo a participação destes últimos na construção das realidades sociais. Neste sentido, compreende-se que as representações sociais orientam as ações individuais que se fazem presentes na criação, recriação, ou mesmo reinvenção de contextos sociais. Enquanto o filósofo Emile Durkheim22 no século XIX atribuía às camadas sociais de modo geral a reprodução das representações advindas da elite dominante, a qual impunha modelos, comportamentos morais e éticas, Moscovici observou, já na segunda metade do século XX, que as representações sociais não se constituíam verticalmente, ou seja, das macroestruturas para as microestruturas, mas sim a partir das relações estabelecidas pela divisão de trabalho na sociedade. Desta forma, diante de determinado fenômeno social e em um mesmo ambiente, a divisão de trabalho se encarrega de criar as condições necessárias para os indivíduos elaborarem suas representações sociais de acordo com a posição que nela ocupam. No entanto, Moscovici dialoga significativamente com as propostas de Durkheim para desenvolver a Teoria das Representações Sociais, partindo da análise das representações coletivas de seu colega francês.

22

Émile Durkheim nasceu em Épinal, na Lorena, em 1858. Iniciou seus estudos filosóficos na Escola Normal Superior de Paris, indo depois para Alemanha. Entrou na École Normale Supérieure em 1879. Durante estes estudos teve contatos com as obras de August Comte e Herbert Spencer que o influenciaram significativamente na tentativa de buscar a cientificidade no estudo das humanidades.

31

Dando um caráter de continuidade, o foco de Moscovici, ao contrário de Durkheim, não está na valorização da filosofia positivista 23, que enfatizava o método empregado na pesquisa em detrimento do objeto de pesquisa e de seus sujeitos, subordinando assim a imaginação à observação. Moscovici valorizou na Teoria das Representações Sociais a força que exerce a divisão de trabalho na orientação das ações individuais. Assim, os indivíduos transformam o meio social em que se inserem, agindo e reagindo diante daquilo que compreendem. Postulou também que os indivíduos são pensadores ativos, construtores de realidades e não meros receptores de informações que desempenham papéis sociais ideologizados e pré-determinados por um contexto sócio-histórico inflexível. Neste contexto, os indivíduos para Moscovici produzem e comunicam incessantemente suas próprias representações e soluções específicas para as questões que se colocam a si mesmo. (MOSCOVICI, 1984, p.16 apud SÁ, 1995, p.28). Para Moscovici (2013), as representações sociais abrangem sentimentos, pensamentos, ações práticas e construções cognitivas. Também são elas – as representações sociais – instáveis diante do tempo e das vicissitudes do contexto histórico ao qual se inserem, impregnando a produção humana, o consumo, as comunicações, etc. Tal dinamismo das representações sociais as coloca como parte da realidade social, sustentando o conteúdo representado pelos indivíduos. Ainda proposto por Moscovici, qualquer sentimento, ideia, crença, emoção, afetações religiosas, mitos, etc., fazem parte das representações sociais. Assim, as representações sociais constituem a realidade de um grupo. A realidade é representada após apropriação pelos indivíduos ou grupos e reconstruída dentro das relações estabelecidas e vivenciadas em determinado meio social. Desta forma, a realidade adquire características próprias daquele grupo, dialogando com as culturas, tradições, contradições, éticas e moral ali presentes. A Teoria das Representações Sociais elaborada por Moscovici contribui no sentido de trazer à tona a formação e o funcionamento de todo o referencial utilizado

23

Segundo Soares (1998), o Positivismo foi proposto por Augusto Comte (1798-1857) na primeira metade do século XIX e se apoiou metodologicamente na observação dos fenômenos, opondo-se ao racionalismo e ao idealismo por meio da ênfase radical na experiência, única maneira, segundo o positivismo, de produzir dados concretos (positivos). Desta forma, o Positivismo se afastou das influências da teologia e da metafísica, subordinando a imaginação à observação, tomando como base apenas o mundo físico ou material.

32

na classificação de objetos e situações por pessoas e grupos, e é especialmente eficaz na compreensão dos fenômenos sociais apresentados e vivenciados no cotidiano. Desta forma, especialmente no contexto e nas propostas desta pesquisa, a Teoria das Representações Sociais se estabelece como instrumento de extrema relevância, uma vez que, estabelecendo diálogos com linguagens, ideologias e imaginário social, oferece possibilidades e elementos fundamentais à produção de inferências e análises acerca dos processos que orientam, norteiam e interferem nas dinâmicas educativas e, por conseguinte, de uma forma mais geral, também em nosso próprio contexto (ambiente) sociocultural. Ademais, com relação às condutas e práticas sociais dos indivíduos, podemos afirmar que as representações sociais se apresentam como elemento determinante na orientação das ações. Em boa medida, as análises das representações sociais elaboradas por alunos de escola pública sobre o Ensino Médio podem trazer à tona diversas e diferentes possibilidades de argumentações e questionamentos que permitem compreender qualitativamente as ações e motivações dos alunos nesta fase escolar. É importante ressaltar que, além das posturas e condutas dos professores e da qualidade do exercício docente, o Ensino Médio, como estrutura e fase escolar, hoje exige, principalmente do Poder Público, dinamismos e competências que possam contribuir na elaboração de seus conteúdos e de propostas de ensino que dialoguem mais assertivamente com as demandas que atualmente se apresentam. Compreender, portanto, as representações sociais dos alunos se torna essencial para a construção de espaços escolares adequados e eficientes no atendimento de suas necessidades. Neste sentido, Alves-Mazzotti (1994) aponta que a grande contribuição da Teoria das Representações Sociais à Educação não está apenas nas possibilidades de constatações sobre aquilo que pensam os indivíduos, mas sim nas possibilidades de compreender como as percepções, atitudes, expectativas são construídas e difundidas. Tal contribuição é o ponto de partida para que sejam sugeridas, observadas e elaboradas as transformações necessárias que são demandadas pelas vicissitudes do tempo presente. Só assim é possível propor ações que contribuam

33

qualitativamente no processo ensino e aprendizagem e que possam aproximar a Educação do desenvolvimento pleno da cidadania. Assim, ainda sobre a contribuição da Teoria das Representações Sociais à Educação, a autora afirma que a intenção propalada de propiciar mudanças através da educação exige que se compreendam os processos simbólicos que ocorrem na interação educativa, e esta não ocorre num vazio social. (ALVES-MAZZOTTI, 1994, p.60). As análises advindas da aplicação da Teoria das Representações Sociais, portanto, possibilitam compreensões da realidade cotidiana vivenciada por indivíduos ou grupos, especialmente por possibilitar aproximações com linguagens, ideologias vigentes, símbolos e imaginários. Essas

aproximações

se

constituem

em

elementos

fundamentais

à

compreensão dos contextos que interferem na eficiência do processo educativo. Assim, a análise das representações sociais de alunos de escola pública sobre o Ensino Médio é especialmente importante nesta pesquisa por possibilitar as aproximações citadas acima e por, também trazer à tona oportunidades para reflexão da qualidade oferecida pela escola, especialmente no que diz respeito à garantia de direitos constitucionais, à promoção da cidadania e preparação para o trabalho. Na perspectiva de estabelecer elos entre a eficácia da Teoria das Representações Sociais na interpretação das percepções dos alunos em relação ao Ensino Médio e o contexto sócio-histórico atual, levou-se em consideração nesta pesquisa que atualmente os grupos sociais, especialmente os urbanos, estão expostos cotidianamente a quantidades enormes de informações, possibilidades de análises, opiniões, símbolos, etc., já que as tecnologias que difundem informação24 estão cada vez mais presentes, levando e trazendo, muitas vezes em tempo real, as mais diversas ações humanas, bem como suas repercussões, advindas de todas as áreas do conhecimento. Diferentes olhares sobre quaisquer motivos, objetos ou símbolos são apresentados quase que instantaneamente, carecendo muitas vezes de nomeações, identificações e aproximações com o universo já construído que conhecemos e vivenciamos.

24

Mídias eletrônicas e digitais, celulares, Internet, redes sociais, televisão, rádio, cinema, celulares, tablets, etc.

34

Esse dinamismo na difusão de informações que caracterizou as duas últimas décadas do século XX e marca o momento atual é advindo da Globalização25, que, por sua vez estabelece diversas possibilidades que facilitam a circulação de mercadorias e serviços por todo o planeta, intercambiando tecnologias, culturas, informações e conhecimentos. Ao mesmo tempo, conforme proposto por Hobsbawm (2007), a Globalização massifica desejos, necessidades e opiniões em escala mundial. Diante de grandes volumes de informação e de variadas possibilidades de observação e pontos de vistas, emergem questionamentos, comparações com outras realidades e o desejo de conhecer aquilo que se apresenta, já que o “novo” surge e ressurge todos os dias para indivíduos e grupos, subsidiando a elaboração de representações sociais. Assim, o dinamismo imposto pela contemporaneidade, em especial no que tange às novas tecnologias de informação e de comunicação, afeta grandes contingentes populacionais que, assim, são instigados no sentido de buscarem a compreensão de tudo aquilo que os rodeia, definindo e ampliando o contexto em que vivemos. Em relação ao meio social que subsidia o desenvolvimento desta pesquisa – o Município de Carapicuíba, na Grande São Paulo – é fato que este se insere no contexto econômico da Globalização e, assim, vivencia todas as possibilidades de circulação de informações o que, por consequência, amplia aos indivíduos inseridos neste meio social, em especial os alunos de escola pública, o universo simbólico, imaginário, ideológico e cultural marcadamente caracterizado pelo fenômeno da Globalização. Essa ampliação de informações traz cada vez mais necessidades de compreender aquilo que se apresenta e de estabelecer comparações com aquilo que já conhecem, amalgamando o novo com o repertório já construído na experiência cotidiana. Contudo, a partir de olhares dos autores citados nesta dissertação, foi compreendido que as representações sociais são historicamente construídas e que estão vinculadas diretamente aos grupos sociais, econômicos, culturais e étnicos

25

Fenômeno econômico já definido nesta dissertação anteriormente.

35 que as produzem e difundem por meio das mais variadas mídias26, sejam essas últimas individuais ou coletivas. Por essas mídias, as representações sociais são percebidas nas ações, nas práticas e no cotidiano social daquele grupo. A respeito da difusão das representações sociais, Franco (2004) define que os indivíduos são importantes emissores de informações e é essencial compreendelos para analisar as representações sociais, uma vez que elaboram representações e, a partir deles, elas se multiplicam e se expressam nas mais variadas mídias. Além da compreensão dos emissores das representações sociais Franco (2004) ressalta com muita precisão a influência da divisão do trabalho na construção destas representações sociais. Os meios de subsistência, o capital cultural, a escolaridade

e

ocupação

são

elementos

fundamentais

na

exploração

e

compreensão das representações sociais de determinado grupo social ou indivíduo, especialmente porque as condições materiais situam o indivíduo ou o grupo em uma determinada realidade social. Assim, salientando as considerações de Franco (2004), apresenta-se a seguir uma das compreensões que definem a representação social: [...] representação social é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo quanto este, devido, à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais. (JODELET, 2001, p. 22).

Constantemente nas relações sociais, nas trocas diárias de informação, nas conversações e nos pensamentos, nas relações profissionais, pessoais e emocionais, no dia-a-dia com os amigos, familiares, com os afetos e desafetos, todos são pressionados no sentido de explicar e compreender os comportamentos, as ações e reações diante de tudo que é produzido nas interações sociais. Mediante

tais

interações

sociais

surgem

universos

consensuais,

compreendidos aqui como “espaços mentais” que vão produzir e abrigar as representações sociais, as quais farão parte dos processos de comunicação entre indivíduos e grupos e das orientações para ação.

26

Por “mídia”, entende-se aqui nesta dissertação de mestrado todo e qualquer veículo de transmissão de informações, incluindo-se, portanto, os seres humanos.

36

Assim, as representações sociais deixam de ser meras opiniões e passam a figurar o contexto do real, constituindo o senso comum27 de um grupo. Moscovici (2013) mostra que as representações sociais são fenômenos que, se

devidamente

descritos e

analisados,

constituem

uma “ferramenta” de

compreensão e difusão da realidade. Moscovici também aponta que sujeito e objeto não são distintos e que constituem um corpo indissociável, fazendo crer que um objeto não existe isoladamente, mas sim a partir do estabelecimento de uma relação com determinado sujeito, que por sua vez, estabelece aproximações do objeto com o seu sistema cognitivo, adequando-o aos seus valores, verdades e princípios construídos historicamente no contexto social, palco da relação entre o sujeito, as incorporações estabelecidas diante das representações sociais e o objeto. Franco (2004), sobre a relação entre sujeito e objeto nas representações sociais, demonstra que: [...] representações sociais são elementos simbólicos que os indivíduos expressam mediante o uso de palavras e de gestos. No caso do uso de palavras, utilizando-se da linguagem oral ou escrita, os indivíduos explicitam o que pensam, como percebem esta ou aquela situação, que opiniões formulam acerca de determinado fato ou objeto, que expectativas desenvolvem a respeito disto ou daquilo... e assim por diante [...] (FRANCO, 2004, p. 170).

Diante desta relação de proximidade entre sujeito e objeto, as representações sociais orientam as ações e os comportamentos de indivíduos ou grupos. Franco (2004, p. 171), em relação às representações sociais e seu potencial orientador das ações e dos comportamentos, fala em “virtude preditiva”, ou seja, a partir das compreensões e inferências sobre determinada representação social é possível deduzir, dentro de um contexto social, os comportamentos individuais e as atitudes individuais. Essa dinâmica apresentada, ainda segundo Franco (2004), conduz à percepção das representações sociais como indicadores importantes que se refletem na prática cotidiana, tanto de professores quanto de alunos. As formas como os alunos de escola pública se relacionam com o Ensino Médio mediante aquilo que compreendem e sentem a respeito desta fase escolar permite, nesta pesquisa, estabelecer reflexões acerca do estado geral em que se 27

Por “senso comum” entende-se aqui a suposta compreensão do mundo, oriunda da herança adquirida de um grupo social e de suas experiências vivenciadas. No senso comum, os fenômenos sociais se tornam fáceis de entender, pois acabam sendo familiarizados diante daquilo que determinado grupo acredita, valoriza, executa e entende como verdade ou mentira. Em geral, o senso comum é carregado de ideologias e preconceitos.

37

encontra o Ensino Médio público. Os alunos, mediante as representações sociais, tornam para si íntimas diversas ideias, valores, conceitos e finalidades. Assim, no sentido de compreender o processo que torna íntima (ou familiar) uma representação social na consciência individual, Moscovici apresenta com profundidade

e

perspicácia

a

definição

mais

recorrente

da

Teoria

das

Representações Sociais e sua função: As representações que construímos [...] são sempre o resultado de um esforço constante de tornar real algo que é incomum (não familiar), ou que nos dá um sentimento de não familiaridade. Através delas, superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com isso, enriquecido e transformado. Depois de uma série de ajustamentos, o que estava longe, parece ao alcance de nossa mão; o que era abstrato torna-se concreto e quase normal [...] as imagens e ideias com as quais nós compreendemos o não usual apenas trazem-nos de volta ao que nós já conhecíamos e com o qual já estávamos familiarizados. (MOSCOVICI, 2013, p.58).

Moscovici explica ainda que todos temos a necessidade de elaborar representações sociais, propondo que é natural ao ser humano o sentimento de incômodo diante daquilo que não é familiar. O autor ainda ressalta que nos motivamos em absorver aquilo que “não nos parece familiar” e adapta-lo ao nosso sistema “familiar”. Esse sistema familiar, segundo argumentações de Moscovici (2013) e Franco (2004), é construído historicamente por determinado grupo social. Assim, ao tornar o “não familiar” em “familiar”, as pessoas repensam o que já fora pensado anteriormente, registrado no contexto e no processo histórico em que grupos e indivíduos se inserem. Desta forma, Moscovici conclui: Em outras palavras, existe uma necessidade continua de reconstituir o ‘senso comum’ ou a forma de compreensão que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual nenhuma coletividade pode operar. (MOSCOVICI, 2013 p. 48).

Há em todos os indivíduos, segundo Moscovici (2013), o desejo inato de compreender o mundo ao redor e, portanto, tornar próximo tudo aquilo que está de alguma maneira distante da compreensão. No entanto, diante de uma ideia nova, de uma situação aparentemente transformadora e potencialmente motivadora de inferências, ações e, talvez, de mudanças comportamentais, grupos e indivíduos desenvolvem dificuldades de absorção do “novo” e, por vezes, até resistem.

38

Moscovici argumenta que: Não é fácil transformar palavras não familiares em familiares, ideias ou seres, em palavras usuais, próximas e atuais. É necessário, para dar-lhes uma feição familiar, por em funcionamento, dois mecanismos de um processo de pensamento baseado na memória e conclusões passadas. (MOSCOVICI, 2013, p.60).

Para transformar aquilo “não familiar” em “familiar” Moscovici (2013) lança mão de dois mecanismos, a saber; a “ancoragem” e a “objetivação”. O primeiro mecanismo se refere à “ancoragem” e é baseado na memória. Já o segundo mecanismo é a “objetivação”, que se vale das elaborações alusivas às conclusões passadas já familiarizadas pelo indivíduo. Tudo aquilo que rodeia o indivíduo e não tem nenhum nome e nem classificação é, automaticamente, estranho e tenebroso, representando inclusive ameaça. É necessário, portanto, para o indivíduo, segundo Moscovici (2013, p. 61), nomear e classificar o algo novo que se apresenta. Esse processo, segundo o autor, se chama “ancoragem”. Diante daquilo que não conseguimos descrever para nós mesmos, tendemos a nos distanciar, preservando-nos. A oportunidade para que o indivíduo possa se aproximar deste algo novo que se apresenta e, cognitivamente, conhecê-lo, se dá mediante a ancoragem, uma vez que o indivíduo tente a aproximar o novo daquilo que ele já conhece em sua experiência. Com o “objeto novo” em processo de familiarização, o indivíduo passa a ser capaz de avaliá-lo e comunicá-lo, podendo representá-lo socialmente. Daí a necessidade constante que temos em rotular e classificar pessoas, situações ou “coisas” em geral. Categorizar alguém ou alguma coisa significa escolher um dos paradigmas estocados em nossa memória e estabelecer uma relação positiva ou negativa com ele. (MOSCOVICI, 2013, p.63). Quanto mais rotulamos, menos conhecemos os elementos que nos rodeiam. O contrário, ou seja, quando não precisamos rotular tudo que é apresentado, demonstra boa relação com o contexto e com o meio que nos inserimos. Toda classificação pressupõe nomear algo e, assim, para Moscovici é impossível classificar algo sem nomeá-lo. No momento em que algo é nomeado é possível transferir o novo do universo “não familiar” para o universo “familiar”. A classificação e a nomeação que é

39

percebida diante do novo é, portanto, atributo da ancoragem das representações sociais. Já com relação ao segundo mecanismo que, segundo Moscovici (2013), transforma o “não familiar” em “familiar”, apresenta-se a objetivação. O autor revela que objetivar é procurar e descobrir uma relação iconográfica de uma ideia que se apresenta, ou seja, reproduzir um conceito em uma imagem. O tempo todo somos postos diante de palavras, conceitos, frases, opiniões, sentimentos, símbolos, marcas e tudo mais que pode ser representado socialmente. Após imaginar um objeto, é criada uma imagem que o identifique e, assim, atribui-se vida a sentimentos. Tal processo só é possível mediante a linguagem, instrumento responsável por realizar tais aproximações e transformações. Jamais os indivíduos deixam de transformar as representações em realidade e, em geral, expressam a imagem primeiramente e, em seguida, o conceito que a aproxima da realidade. A esse respeito, com muita precisão, Moscovici argumenta também que cada caso implica uma representação social que transforma palavras em carne, ideias em poderes naturais, nações ou linguagens humanas em linguagem de coisas. (MOSCOVICI, 2013, p. 77-78). Ainda segundo Moscovici (2013) a orientação no sentido de transformar o “não familiar” em “familiar” é uma necessidade inata nos seres humanos. As representações sociais são geradas pelos mecanismos de ancoragem e de objetivação, os quais se subsidiam da linguagem, sendo esta última um instrumento essencial nesse processo. Desta forma, memória e comunicação atuam em paralelo para gerar as representações sociais. Ainda com relação à memória e a comunicação, aquilo que, historicamente, já fora comunicado por gerações anteriores e ainda é difundido socialmente pelos diversos meios capazes de nos ligar ao passado (mitos, lendas, mídias, valores, tradições, etc.) permeia nossa memória. Vale considerar, mesmo que mais adiante nesta dissertação essa reflexão se apresente novamente, que o papel da escola (professores, educadores e gestores) é aproximar o aluno do contexto de suas origens, de suas tradições e de seu processo histórico.

40

Alunos do Ensino Médio devem conhecer o mundo que os espera também através da escola e dos conteúdos por ela apresentados. Assim, a escola pode propor para os alunos sentidos e expectativas alusivas ao momento histórico em que vivem. Sobre a necessidade da construção de ambientes escolares significativos para os alunos, em especial no que tange ao favorecimento dos processos de objetivação e ancoragem, Franco argumenta: É preciso mobilizar, fazer acreditar, envolver, provocar a participação efetiva, criando condições para uma crítica ancorada em maior objetividade e não em senso-comum. A desinformação aqui tem papel deletério e, por essa razão, é imperativo criar caminhos de comunicação mais transparentes, mais ágeis, mais expostos, para reverter esse quadro no qual a imagem da escola pública é sempre a de algo irremediavelmente feio e ruim. As práticas pedagógicas contaminam-se com essas imagens, gerando modos pouco eficazes de lidar com os problemas reais, concretamente instalados na sociedade, e que se refletem na sala de aula. (FRANCO, 2004, p. 173-174)

Neste sentido, hipoteticamente, o ambiente escolar, entendido como espaço público comunitário, que abriga grande parte das crianças e jovens, ocupando tempo e atenção, é o lugar que juntamente com o ambiente familiar permite o exercício do convívio social, possibilitando o conhecimento e o reconhecimento dos valores e tradições pertencentes ao contexto sócio-histórico que agrupa a família, a escola, a comunidade, alunos e professores. O espaço escolar, extensão muitas vezes do espaço familiar, já que crianças mais novas e adolescentes passam ali boa parte do dia, deve (ou deveria) ter como orientação ideológica a obsessão em construir conjunturas e estruturas que, conforme apontado acima por Franco (2004), possibilitem condições favoráveis para que os alunos (e demais sujeitos envolvidos nos processos ensino e aprendizagem) possam elaborar processos de ancoragem mais precisos e qualitativos, distanciando o desenvolvimento dos conhecimentos baseados no senso comum e na ausência de crítica. A desinformação leva à alienação e não à consciência, a qual deve ser, imediatamente, o principal objetivo dos processos de ensino e aprendizagem desenvolvidos nos espaços escolares, atendendo as gerações mais novas e a fim de estabelecer condições favoráveis para o desenvolvimento das propostas e atividades escolares.

41

As representações sociais têm na consciência da realidade sua elaboração mais apurada e significativa, muito por conta de que são as representações sociais que orientam as ações dos indivíduos, além de contribuírem na elaboração dos processos de objetivação e ancoragem, os quais, como visto, permitem o conhecimento e o reconhecimento das informações disponíveis no meio. A respeito da importância da valorização de processos escolares que favoreçam o desenvolvimento da consciência dos alunos em relação às realidades que vivem e vivenciam e, também, à elaboração qualitativa das representações sociais, Franco revela que: Na maioria das vezes, as representações sociais, refletindo o senso comum, são divulgadas pelos diferentes meios de comunicação e, consequentemente, absorvidas, sem uma reflexão mais crítica no que concerne aos fundamentos reais, concretos, históricos, científicos e teóricos que as embasam. Mas, para atingir essa reflexão mais crítica, é preciso que se efetue um sólido e consistente trabalho no sentido do desenvolvimento da consciência. (FRANCO, 2004, p. 180)

Os alunos compreendidos na Educação Básica são fortemente influenciados e marcados pelo meio social e, ao mesmo tempo, marcam também este meio, gerando desenvolvimento para si e para outros ali inseridos. Tais alunos têm a família, a escola e o meio seus principais referenciais. Assim, afastando-se do senso comum, o espaço escolar deve remeter a história de seus sujeitos para o contexto sócio-histórico que a comunidade pertence, valorizando assim, a cultura local, as tradições, os saberes significativos ali presentes e, também, e não menos importante, os desafios que ali emergem e demandam, sejam esses coletivos ou pessoais.

42

2

A PESQUISA

2.1

Objetivos Gerais

Essa pesquisa tem por objetivos gerais estabelecer, a partir da identificação das representações sociais elaboradas pelos alunos de escola pública, análises que possam contribuir com o debate em torno da melhoria da qualidade do Ensino Médio. Além disso, essa pesquisa pretendeu também contribuir com os alunos abrindo possibilidades de reflexão a respeito do Ensino Médio e da fase em que se encontram, viabilizando debates e discussões que os favorecessem.

2.2

Objetivo Específico

O objetivo específico desta pesquisa é identificar, a partir de respostas de questionários, as representações sociais que alunos de escola pública elaboram sobre o Ensino Médio. O estudo foi realizado com dez alunos do 3º ano do Ensino Médio, todos na idade compreendida entre 15 e 17 anos, matriculados em escola pública estadual do Município de Carapicuíba, cidade situada na Grande São Paulo, inserida no contexto da periferia dos grandes centros urbanos, a qual vivencia problemas alusivos à violência, ausência de oportunidades econômicas, sociais e culturais.

2.3

Procedimentos Metodológicos

No sentido de atingir os objetivos propostos, além do questionário estruturado elaborado para os alunos, esta pesquisa lançou mão de revisões e análises bibliográficas, levantamentos de informações em mídia local e nacional e dados acerca da cidade, da população e da economia. Para tanto, no sentido de garantir a credibilidade das informações, os dados foram obtidos através de fontes oficiais, a exemplo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Avançada) entre outros. Ainda neste sentido, outros dados que subsidiam as inferências nesta pesquisa se originaram mediante atuação em campo, entrevista semiestruturada realizada com o diretor da escola e realização de uma sessão de Grupo Focal.

43

Para a realização do presente estudo, previamente foi solicitada a autorização da escola e o termo de consentimento livre e esclarecido para os responsáveis dos alunos envolvidos na pesquisa, conforme aprovação do Comitê de Ética em Pesquisas28. No dia agendado pela escola, o pesquisador informou aos alunos e gestores os objetivos da pesquisa, deixando-os à vontade para participar. Os estudantes responderam um questionário com questões fechadas a fim de caracterizá-los e, também, com questões abertas, para captar suas representações sociais. Os dados obtidos a partir das respostas das questões fechadas foram analisados e quantificados percentualmente. Posteriormente, em conjunto com as respostas obtidas mediante as questões abertas e com o Grupo Focal, todo o material obtido subsidiou os processos de Análise de Conteúdo a partir das perspectivas propostas por Franco (2012). Assim, nesta pesquisa a Análise de Conteúdo foi entendida como um conjunto de processos, etapas e práticas de análise que tem como finalidade a produção de inferências a partir das mensagens coletadas ou absorvidas. Nesta perspectiva foi compreendido que produzir inferência no processo de Análise de Conteúdo significa aprimorar suposições sobre determinada mensagem emitida, subsidiando com as compreensões, entendimento e percepções do pesquisador acerca do contexto em que o processo de Análise de Conteúdo se desenvolve. Conforme Franco (2012), o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado, e/ou simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida para a identificação do conteúdo, seja ele explícito e/ou latente. A análise e a interpretação dos conteúdos são processos (ou passos) a serem seguidos. Assim, seguindo neste processo, foi atribuída à relação com o contexto a condição de principal requisito de fidelização entre as respostas obtidas dos alunos, os dados coletados e a relevância com o objeto de pesquisa proposto, no caso, o Ensino Médio. Partindo da explanação de Franco (2012), foi compreendido nesta pesquisa que a execução da Análise de Conteúdo deveria ser precedida por objetivos claros e

28

Cf. “ANEXO 2”.

44

que o pesquisador, por sua vez, deveria se preocupar com a elaboração de questões que pudessem dar conta de refletir seu objeto. Assim, as perguntas foram elaboradas reportando-se ao tempo em que os alunos passam interagindo com o Ensino Médio, aos sentimentos que emergem da relação dos estudantes com esta fase escolar e, também, às expectativas e perspectivas que estes mesmos alunos atribuem ao seu futuro. No sentido de gerar objetividade nos resultados, o processo de Análise de Conteúdo, conforme aponta Franco (2012) com propriedade, necessita de categorias de análise precisamente bem definidas, já que irão acomodar as palavras-chave das respostas dos entrevistados para que, na sequência, o pesquisador possa quantificar os dados e inferir sobre os resultados. O ponto de partida de uma pesquisa que busca analisar conteúdos é a mensagem. Para Franco (2012) essa mensagem, seja ela oral, escrita, gestual, silenciosa, dentre outras, expressa as representações sociais na condição de elaborações mentais socialmente construídas. Tais representações construídas emergem a partir da dinâmica que se estabelece entre a atividade psíquica do sujeito e o objeto do conhecimento.

2.3.1

Participantes

Foram participantes desta pesquisa, dez alunos que, após solicitação e explicação dos objetivos desta pesquisa, se apresentaram voluntariamente para responder o questionário proposto. Cinco alunos são do sexo masculino e cinco do sexo feminino, todos compreendidos na faixa etária entre 15 e 17 anos, que declararam morar com os pais ou familiares. Todos os alunos, no momento da aplicação do questionário, pertenciam à rede pública de ensino do Estado de São Paulo e estavam devidamente matriculados no terceiro ano do Ensino Médio na escola estadual que subsidiou esta pesquisa, situada na cidade de Carapicuíba, na Grande São Paulo. Adotou-se como pré-requisitos nesta pesquisa que os participantes fossem moradores da cidade de Carapicuíba, que nunca tivessem estudado ou morado no exterior e não estivessem matriculados, concomitantemente, em nenhum curso de

45

caráter profissionalizante. Todos esses pré-requisitos foram atendidos pelos participantes.

2.3.2

Instrumentos

Os alunos responderam um questionário estruturado composto por doze questões fechadas e abertas. A partir do questionário foi possível coletar, primeiramente, os dados que caracterizaram os respondentes e, em seguida, perceber suas representações sociais acerca do Ensino Médio. Posteriormente, participaram de uma sessão de Grupo Focal. As respostas do questionário foram analisadas mediante a interpretação dos conteúdos, utilizando inferências para o processo de identificação de indicadores e a separação destes em categorias e subcategorias, objetivando a identificação das representações sociais dos alunos sobre o Ensino Médio e o estabelecimento de relações com o contexto pertinente. Antes de responderem ao questionário, porém, foi apresentado aos pesquisados o termo de consentimento, o qual foi compreendido e assinado por cada um dos responsáveis legais. Como instrumento metodológico e no sentido de compreender o meio em que se inserem os alunos participantes desta pesquisa, lançou-se mão também de entrevista semiestruturada com o diretor da escola em visita técnica, possibilitado o conhecimento do espaço escolar, do seu entorno, das condições materiais disponíveis e do ambiente em que se desenvolvem boa parte das representações sociais analisadas. Por fim, é válido considerar que não houve riscos para os sujeitos da pesquisa e que os participantes puderam se beneficiar da oportunidade de reflexão ao final do processo.

2.3.3

Sistemática de Análise

Na investigação acerca das representações sociais elaboradas por alunos de escola pública sobre o Ensino Médio, foi analisado o conteúdo das respostas atribuídas ao questionário.

46

Para tanto, houve a separação das respostas em categorias e subcategorias e, posteriormente, a produção de inferências, objetivando a visualização de um cenário preciso à interpretação dos dados coletados. Conforme aponta Franco (2012, p. 26), toda a comunicação é composta por quatro elementos básicos: uma fonte ou emissão; um processo codificador que resulta em uma mensagem e se utiliza de um canal de transmissão; um receptor ou detector da mensagem; e, por fim, seu respectivo processo decodificador. Franco (2012, p. 21) demonstra que é o pesquisador quem pode produzir inferências sobre as características do texto analisado, as causas ou antecedentes constituintes das mensagens e, também, sobre os efeitos ou defeitos (ruídos) da comunicação. Com base, portanto, nos referenciais citados, após a conclusão dos questionários pelos alunos, foram realizadas as etapas que conceberam o processo de Análise de Conteúdo. Assim, nesta pesquisa, foram cinco etapas para tal processo, a saber: a) Preparação, tratando do recolhimento dos questionários e das autorizações pertinentes, considerando se todas as doze questões propostas foram respondidas pelos alunos sujeitos desta pesquisa e leitura do conteúdo; b) Definição de Unidades de Contextos (ou temas); c) Unitarização ou transformação dos conteúdos das respostas dos alunos em unidades de registro (UR); d) Categorização ou classificação das unidades de registro; e) Descrição e interpretação dos dados. As etapas mencionadas acima tiveram por finalidade o estabelecimento de condições ao desenvolvimento das análises qualitativas. Porém, tais etapas também foram geradoras de dados para quantificações nesta pesquisa. Na primeira etapa do processo de Análise de Conteúdo, denominada de “Preparação”, foram reunidas as informações obtidas com as respostas do questionário apresentado aos alunos, identificando as palavras-chave que se constituíram em objetos de análises e inferências. Após a leitura de todo o conteúdo, foram escolhidas as palavras e expressões que refletiam os objetivos propostos, ou seja, aquelas que potencialmente revelavam as representações sociais dos alunos sobre o Ensino Médio, reportando a

47

caracterização do Ensino Médio, ou mesmo pertinentes aos sentimentos, frustrações expectativas e perspectivas envolvidos no contexto. Os dados necessitaram de preparação para constituírem as informações sujeitadas à Análise de Conteúdo. Assim, essa primeira etapa de preparação assumiu nesta pesquisa uma função essencialmente importante e central. Na segunda etapa dos processos da Análise de Conteúdo, a partir das perguntas apresentadas aos alunos respondentes, foram definidas as unidades de contexto (ou temas), as quais, conforme Franco (2012), são unidades mais amplas e abrangentes. Nesta pesquisa, foram definidas cinco unidades de contexto que se originaram a partir das perguntas estabelecidas para o questionário. Tais unidades de contexto tiveram por finalidades a ordenação e orientação dos dados, bem como, a fixação dos limites contextuais para interpretações das unidades de registro, constantes nas respostas dos alunos. Cada uma das cinco unidades de contexto abrigou as 71 unidades de registro, as quais serão apresentadas adiante29.

Iniciando a terceira etapa, denominada nesta pesquisa como “Unitarização”, de posse do questionário, foram analisadas as respostas com o objetivo de identificar as informações consideradas relevantes neste processo. Para tanto, o ponto de partida se deu com as questões de número “08”, “09”, “10”, “11” e “12” propostas pelo questionário da pesquisa e que propunham reflexões pertinentes às percepções, sentimentos e experiências vivenciadas pelos alunos em relação ao Ensino Médio e, mediante as respostas dos alunos, foram identificadas

29

Cf. tabela apresentado as etapas do processo de Análise de Conteúdo no item “Anexo 4”.

48

as unidades de registro que reportaram às possibilidades de inferência nesta pesquisa. Cada unidade de registro, compreendida em determinada unidade de contexto, foi também identificada com um número sequencial, estabelecendo um sistema de níveis em que o primeiro numeral se refere à unidade de contexto pertinente à pergunta realizada, e o segundo à parte da resposta do aluno potencialmente geradora de inferências. Esses

códigos

estabelecidos

ao

material

analisado

nesta

pesquisa

possibilitaram a rápida identificação de cada elemento da amostra considerada relevante, gerando agilidade e facilidade no trânsito constante da leitura e da revisão. Sequencialmente, os dados foram submetidos ao processo de “unitarização”, que se constituiu na releitura de todo o conteúdo, buscando nos dados unidades passíveis de análises e inferências de acordo com os objetivos propostos nesta pesquisa. Tais unidades, em seguida, também foram submetidas à classificação, respeitando a ordem em que se apresentam nas respostas dos alunos. Com base na proposta apresentada por Franco (2012), a qual sugere que o pesquisador, por conhecer a essência dos objetivos da pesquisa, é quem deve elaborar a natureza das unidades de registro, foram escolhidas, para tanto, palavras na maioria dos casos. Apenas em determinadas situações, as quais necessitavam de complemento para gerar significativos na pesquisa e na análise, foram escolhidas frases para definir as unidades de registro. Desta forma, por palavras ou por frases, as respostas dos alunos foram divididas em unidades menores. No processo de transformação das respostas dos alunos (dados brutos) em unidades de registro considerou-se que cada unidade isolada deveria representar um conjunto de informações que remetesse sentidos e significados aproximados das unidades de contexto. Vale considerar que, embora diferente da denominação utilizada por Bardin (1977) e Franco (2012) o termo “unidade de registro” refere-se unicamente ao termo “unidade de análise”.

49 A preferência por “registro” e não por “análise” se dá nesta pesquisa pelo fato de que a expressão “registro” atende melhor ao fim que ela se sujeita, ou seja, de marcação e orientação de dados e informações dentro desta pesquisa. Cada unidade de registro ficou isolada e recebeu um código sequencial inserindo-a

nas

unidades

de

contexto

determinadas

anteriormente.

Este

procedimento estabeleceu a ordem de apresentação das unidades de registro nas respostas dos alunos. Ao todo, nesta etapa, foram geradas 71 unidades de registro, as quais se apresentam nas tabelas a seguir, divididas entre as unidades de contexto já definidas e apresentadas. A “Tabela 2” a seguir mostra as unidades de registro criadas mediante as respostas dos alunos, pertinentes à unidade de contexto denominada “Importância da Escola”. Na coluna da esquerda da tabela, estão a referência numérica (sequencial) inidcativa e a unidade de contexto. Na coluna da direita estão elencadas as unidades de registros, precedidas de referência numérica que reporta a unidade de contexto pertinente e a ordem em que se apresentam nas respostas dos alunos. Para a unidade de contexto “Importância da Escola”, alusiva à questão de número “8” do questionário da pesquisa, foram criadas dezoito unidades de registro.

50 A “Tabela 3” a seguir mostra as unidades de registro criadas mediante as respostas dos alunos, pertinentes à unidade de contexto denominada “Importância do Ensino Médio”. Para essa unidade de contexto, alusiva à questão de número “9” do questionário da pesquisa, foram criadas quatorze unidades de registro.

A “Tabela 4” a seguir mostra as unidades de registro criadas mediante as respostas dos alunos, pertinentes à unidade de contexto denominada “Ensino Médio: aspectos positivos”. Para essa unidade de contexto, alusiva à questão de número “10” do questionário da pesquisa, foram criadas quatorze unidades de registro.

51

A “Tabela 5” a seguir mostra as unidades de registro criadas mediante as respostas dos alunos, pertinentes à unidade de contexto denominada “Ensino Médio: mudanças desejáveis”. Para essa unidade de contexto, alusiva à questão de número “11” do questionário da pesquisa, foram criadas dez unidades de registro. Tabela 5 - Denominações atribuídas às URs (d) UNIDADES DE REGISTRO (URs) Sequência / Unidade de Contexto

4. Ensino Médio: mudanças desejáveis

Seq. Denominação atribuída 4.01 4.02 4.03 4.04 4.05 4.06 4.07 4.08 4.09 4.10

Professores mais comprometidos Funcionários mais respeitosos Alunos mais comportados Didática mais eficiente Deveria ser menos estressante Deveria ter mais projetos de lazer Deveria mudar a forma de organização Ensinar conhecimentos além do conteúdo Comprometer-se com o acesso à faculdade Funcionar como as escolas particulares

A “Tabela 6” a seguir mostra as unidades de registro criadas mediante as respostas dos alunos, pertinentes à unidade de contexto denominada “Ensino Médio: contribuição na formação”. Para essa unidade de contexto, alusiva à questão

52 de número “12” do questionário da pesquisa, foram criadas quinze unidades de registro. Tabela 6 - Denominações atribuídas às URs (e) UNIDADES DE REGISTRO (URs) Sequência / Unidade de Contexto

Seq. Denominação atribuída 5.01 Contribuição à profissão 5.02 Contribuição à formação da personalidade 5.03 Contribuição para conhecer pessoas Percepção da insatisfação pessoal em relação à 5.04 fase 5.05 Contribuição para o estabelecimento de valores Contribuição ao aprendizado de matérias 5.06 (conteúdos)

5. Ensino Médio: contribuição na formação

5.07 Preparação para fases superiores de escolarização 5.08 5.09 5.10 5.11 5.12 5.13 5.14 5.15

Contribuição para o futuro Contribuição para a alfabetização Construção da cidadania Construção do conhecimento Possibilidade de "ver" o mundo de outras formas Possibilidades de novas formas de aprender Possibilidades de se tornar responsável Possibilidades de amadurecimento

Após as definições das unidades de contexto e das unidades de registro, passamos à etapa denominada “Categorização”. Segundo Bardin (1977), de forma geral, a categorização é um procedimento do processo de Análise de Conteúdo que consiste em agrupar os dados de determinado documento considerando, para tanto, partes em comum. No mesmo sentido, a categorização conforme Franco (2012, p. 63), é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação seguida de um reagrupamento baseado em analogias, a partir de critérios definidos. Assim, de posse das definições de Bardin e Franco foram definidas as categorias desta etapa observando as similaridades nas unidades de registro. Em alguns casos, usou-se a ênfase aparente em determinada frase observada em unidades de registro e, em outros casos, adjetivos e verbos, buscando sempre ressaltar sentidos e significativos que corroborassem no processo de inferências em relação às representações sociais elaboradas por alunos.

53

Essa etapa que estabeleceu as categorias, ou etapa de categorização, teve o objetivo central de reduzir os dados obtidos, preservando, porém, a essência de seus sentidos e significados. Franco (2012) atribui à categorização, etapa da Análise de Conteúdo, o resultado contínuo de elaboração de síntese em uma comunicação, norteado pelos aspectos mais importantes da mensagem emitida. Desta forma, a etapa de categorização nesta pesquisa foi um procedimento de classificação de informações das mensagens emitidas pelos alunos a respeito do Ensino Médio na escola pública. No total foram atribuídas às unidades de registro 33 categorias que buscaram preservar a confiabilidade do processo de Análise de Conteúdo, objetivando nesta pesquisa equilibrar a quantidade de categorias com a quantidade necessária para uma análise verossível das representações sociais criadas pelos alunos sobre o Ensino Médio. Assim, todas as 33 categorias estabelecidas foram elaboradas de forma pertinente aos objetivos da análise, à natureza do questionário apresentado aos alunos e às demandas que configuram os objetivos de estudo nesta pesquisa. As 33 categorias elaboradas nesta etapa possibilitaram a inclusão de todas as 71 unidades de registros identificadas anteriormente na etapa de unitarização dos dados da pesquisa, bem como as 5 unidades de contexto, abarcando todas as informações consideradas significativas. A seguir, a “Tabela 7” apresenta as 33 categorias elaboradas nesta pesquisa e as relacionam com as unidades de contexto e as unidades de registro propostas. Na primeira coluna é apresentada a denominação atribuída à categoria, na segunda coluna a unidade de contexto que contém as unidades de registro que determinaram a categoria. As colunas seguintes mostram, respectivamente, a quantidade de unidades de registro que são representadas por determinada categoria e o percentual relativo a todas as 71 unidades de registro criadas em relação às categorias.

54

A etapa de descrição e interpretação dos dados teve como finalidade comunicar os resultados advindos das respostas do questionário elaboradas pelos alunos, interpretando-os segundo os objetivos desta pesquisa. De acordo com a organização demonstrada até aqui para o processo de Análise de Conteúdo, os dados quantitativos foram apresentados percentualmente e, também, em gráficos e tabelas procurando computá-los mediante percentuais

55

referentes às unidades de contexto, unidades de registro, categorias, idade e sexo dos participantes, nível de escolarização, condição social em relação ao trabalho, moradia e religião. Os gráficos e tabelas se apresentam nesta pesquisa em seus respectivos momentos de análises. Com relação à descrição e interpretação dos dados qualitativos foram procedidas de forma que cada categoria elaborada fosse motivadora de inferências e contextualizações que expressassem o conjunto de significados alusivos às unidades (de contexto e de registro) analisadas. Assim, essa última etapa buscou expressar os significados obtidos mediante as mensagens analisadas e emitidas pelos alunos sobre o Ensino Médio e, também, ir além da descrição dos dados. Para tanto, o aprofundamento da interpretação se deu mediante a produção de inferências, estendendo conclusões de um grupo mais diminuto para outro mais amplo. Nesta etapa de interpretação e análise dos dados, as inferências se deram por meio da exploração daquilo que foi definido como significativo nas 71 unidades de registro e contexto. Por fim, com base na Teoria das Representações Sociais proposta por Moscovici (2013), nas definições e procedimentos referentes ao processo metodológico de Análise de Conteúdo, apresentadas por Bardin (1977) e Franco (2012), bem como, da compreensão do contexto sócio-histórico em que se inserem a escola pública e os alunos do Ensino Médio, foi possível nesta pesquisa, primeiramente, captar as representações sociais que alunos de uma escola pública do Município de Carapicuíba elaboram sobre o Ensino Médio e, posteriormente, inferir sobre elas.

56

3

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Adiante serão apresentados a caracterização dos participantes, os conteúdos do Grupo Focal, da Entrevista semiestruturada com o Diretor da escola e as representações sociais elaboradas pelos alunos. Tais discussões e resultados compreendem os processos metodológicos de Análise de Conteúdo e produção de inferências, tendo como critério teórico a Teoria das Representações Sociais proposta por Moscovici e o contexto sócio histórico do Ensino Médio no Brasil.

3.1

Caracterização dos Participantes

Os dez alunos participantes desta pesquisa estão matriculados no Ensino Médio oferecido pela rede pública de ensino. Cursam o último ano (3º ano) e compreendem a faixa etária de 15 a 17 anos. Dentre os alunos, constatou-se que 50% integram o grupo do sexo masculino e 50% o grupo do sexo feminino. Todos cursam o Ensino Médio à noite, único período na escola que oferece tal modalidade de ensino. Com relação à moradia, 100% dos pesquisados informaram em suas respostas que moram na cidade de Carapicuíba com os pais ou familiares. Segundo informado no questionário, 70% dos alunos já tiveram experiência com algum tipo de trabalho fora de casa, enquanto 30% informaram que nunca trabalharam fora de casa. Dos que trabalham ou já trabalharam fora de casa, 67% são do sexo masculino e 33% do sexo feminino. Desses que informaram realizar ou já ter realizado atividades ligadas ao trabalho fora de casa, 67% exercem ou exerceram atividades em áreas administrativas, enquanto 33% atuam em linha de produção na área gráfica. A participação religiosa também foi aferida nesta pesquisa, sendo observado que 30% dos alunos desenvolvem atividades relacionadas com religião. Desses, 100% são alunos do sexo feminino e todos professam, segundo as informações prestadas, a fé cristã. Em suas respostas, 67% afirmaram que desenvolvem atividades ligadas à caridade e 33% ligadas à dança.

57

No entanto, 70% dos alunos que responderam ao questionário proposto informaram que não frequentam e não mantém nenhum tipo de atividades em círculos religiosos. Desses, 100% pertencem ao grupo do sexo masculino. Tabela 8 - Quadro Geral da Caracterização dos Alunos

3.2

CARACTERIZAÇÕES

QUANTIDADE

PERCENTUAIS

Participantes

10

-

Masculino

5

50%

Feminino

5

50%

Entre 15 e 17 anos de idade Moram com os pais dos parentes Trabalham

10 10 3

100% 100% 30%

Não trabalham

7

70%

Participam de atividades religiosas

3

30%

Não participam de atividades religiosas

7

70%

Grupo Focal

Contemplando os processos da Análise de Conteúdo, esta pesquisa contou com uma sessão de Grupo Focal que objetivou aprofundamento às respostas obtidas a partir das questões abertas. É importante ressaltar que os alunos foram esclarecidos a respeito de que, ao responderem o questionário, em hipótese alguma estariam sendo avaliados e que, também, teriam a garantia plena do anonimato em todas as etapas da pesquisa, bem como após sua conclusão. A sessão de Grupo focal dialogou metodologicamente com os autores Sparta & Gomes (2005, p. 41), que acerca desta etapa do trabalho de pesquisa, esclarecem que o Grupo Focal deve ser constituído por um conjunto de pessoas reunidas com o pesquisador para que, juntos, a partir de experiências pessoais, possam discutir e comentar sobre determinado tema. Ainda, segundo os mesmos autores, a participação na sessão do Grupo Focal deve ser livre, como de fato foi no caso desta pesquisa, pois a liberdade de adesão é um fator determinante, estabelecendo um pacto de confiança entre o pesquisador e os participantes. Durante a sessão de Grupo Focal, o próprio pesquisador deste estudo foi o moderador, atuando como facilitador. Introduziu o assunto propondo questões

58 pertinentes à temática envolta no questionário respondido30, ouvindo os participantes e procurando garantir que não se afastassem do tema, permitindo que expressassem

seus

sentimentos,

estimulando

debates

e

encorajando

os

participantes a tratarem do assunto em questão. Para registrar as interações foi realizada gravação em áudio, sendo disponibilizada posteriormente apenas aos respondentes desta pesquisa, garantindo o sigilo de seu conteúdo. O Grupo Focal foi realizado no mês de Setembro de 2014, distanciando-se em um mês e meio da realização do questionário, o qual ocorreu ao final de Julho do mesmo ano. Nesta sessão de Grupo Focal, os alunos foram questionados a respeito da importância que atribuíam à possibilidade de reflexão sobre o Ensino Médio em suas vidas. De forma geral, os alunos expressaram que se sentiam valorizados por estarem participando da pesquisa e que esperavam mudanças, principalmente em relação à indisciplina em sala de aula e organização da escola. A respeito da importância do Ensino Médio e a continuidade dos estudos no nível Superior, mais da metade dos alunos informaram que se sentem pressionados por suas famílias para começarem trabalhar logo após o Ensino Médio. Com relação à continuidade dos estudos, todos os alunos disseram que temiam as mensalidades das faculdades privadas e não se viam preparados para o ingresso em um curso Superior de uma faculdade pública. Apenas dois alunos se manifestaram informando que não pretendem trabalhar e que ao termino do Ensino Médio se matriculariam em cursinhos prévestibulares para buscarem oportunidades melhores de ingresso em faculdades públicas. Também foram abordadas na sessão de Grupo Focal questões ligadas à violência na escola e à qualidade das aulas. Os alunos foram unânimes em afirmar que temem a violência nos arredores da escola, especialmente no momento da saída do período noturno e que é comum ali no entorno o tráfico de drogas. Todos disseram, também, que já haviam presenciado o uso de maconha nos banheiros da escola durante o período noturno. 30

Íntegra do questionário disponível no item “ANEXO I – QUESTIONÁRIO DA PESQUISA” ao final desta dissertação.

59

Com relação às aulas, mais da metade dos alunos expressaram descontentamento com os professores, dizendo que muitos deles chegam cansados e nervosos nas salas de aula e que a única maneira que utilizam para “dominar” a sala de aula é mediante gritos e palavrões. Informaram também que muitos professores não seguem o material didático e são repetitivos nos conteúdos que ensinam. Porém, de forma mais pontual, elogiaram alguns professores que, segundo eles “sabiam conversar” e, assim, tinham mais controle sobre a classe e se mostravam mais preparados com os conteúdos. As alunas respondentes desta pesquisa, compondo 50% dos entrevistados, se mostraram mais à vontade para conversar e expressar suas representações sobre o Ensino Médio. Comentaram que as festas e os dias em que a escola está aberta aos finais de semana, o espaço é um bom lugar de lazer, já que podem encontrar amigas e outras pessoas ali de forma mais segura. Os meninos, por vez, afirmaram que gostam de frequentar a escola nos finais de semana, quando está aberta, especialmente para jogar futebol e usar a sala de informática. Conseguem, por exemplo, acessar em rede jogos eletrônicos de batalhas e confrontos, muitos deles de alta resolução que só “rodam” nos computadores da escola, segundo os alunos. Nenhum dos alunos se mostrou definitivamente decidido por uma profissão específica. Dentre eles, 80% afirmaram que irão fazer faculdade e que entendem que só com um curso superior é possível encontrar um “emprego decente”. O restante, 20% dos alunos, informaram que não estão ainda “no clima” para cursar uma faculdade e que gostariam de trabalhar e “curtir um pouco mais a vida”. Estes mesmo alunos defenderam, ainda, a ideia de que seria interessante “dar um tempo pra cabeça” assim que terminassem o Ensino Médio. Também comentaram nesta sessão de Grupo Focal, experiências de amigos que estudam ou estudaram em escolas particulares e disseram sentir que os outros sempre estão mais preparados que eles em relação ao vestibular. Ainda assim, em relação às escolas públicas da região, se sentem em maiores condições no vestibular por conta da organização da escola. Segundo eles “é impossível estudar em algumas escolas de Carapicuíba”.

60

De forma espontânea, os alunos comentaram também sobre o cotidiano das aulas, dos momentos positivos e negativos vivenciados com os professores ao longo deste ano e, também, no decorrer do próprio Ensino Médio. Não pouparam críticas fortes referentes às aulas de alguns professores e, por outro lado, não deixaram de elogiar e ressaltar outras aulas empolgantes e produtivas. Ao finalizar o Grupo Focal os alunos foram convidados a expressar o que quisessem em relação ao que estávamos tratando ali. Eles agradeceram a oportunidade e se mostraram interessados em ler temas relacionados à Educação e à Psicologia.

3.3

Entrevista semiestruturada

Com relação à entrevista semiestruturada com o diretor da escola, parte integrante dos procedimentos metodológicos, ela foi realizada na escola que subsidiou esta pesquisa no ano letivo de 2014, antes da apresentação do questionário e da realização do Grupo Focal com os alunos participantes. Reforçando o compromisso firmado, foi garantido ao diretor, assim como aos alunos participantes, a proteção incondicional das identidades e dos conteúdos de todas as etapas desta pesquisa. Nesta entrevista semiestruturada o diretor da escola comentou sobre o público que atende, sobre a estrutura física da escola, os problemas que enfrentam ali e as soluções que são demandadas. Inicialmente a escola foi apresentada. Foram observadas salas amplas e arejadas, espaços de convivência como pátio e espaços abertos, cantina e vários acessos facilitados aos alunos com necessidades educacionais especiais. Além desses, a escola conta, conforme informado pelo diretor, com sala de informática contendo microcomputadores em número suficiente para atender qualquer uma das turmas, softwares educacionais e de entretenimento adequados aos níveis de ensino presentes na escola, configurações de hardware compatíveis com as tecnologias atuais de informática e livre acesso aos alunos, seja para pesquisar ou mesmo para interagir em redes sociais. O diretor informou que ele próprio já desenvolveu alguns projetos educacionais voltados à produção e edição de vídeos com algumas turmas da

61

escola, já que, segundo ele, existem ali muitos alunos que se interessam por computadores e softwares. Alguns trabalhos de alunos foram apresentados e o sucesso destes projetos é notório, mostrando o grau de empenho de professores, gestores e alunos na realização. Ainda segundo o diretor da escola, o público atendido é “muito carente de cultura”. Algumas vezes, aos finais de semana, costuma abrir a escola à comunidade para apresentar sessões de filmes, tentando criar um “clima de cinema”. Sempre que os alunos produzem peças de teatro, a escola também busca estender as apresentações à comunidade. Além disso, a escola sempre promove festas e procura atender os alunos quando estes sugerem eventos. Muitos desses eventos acontecem durante o ano letivo na própria escola e se relacionam com vários conteúdos e disciplinas. São criativos e fazem muito sucesso entre os alunos. Tratam de atividades artísticas, desfiles com produções elaboradas pelos próprios alunos, peças teatrais, adaptações, festivais de bandas e de danças. Vários talentos estão presentes ali, conquistando visivelmente o orgulho do diretor da escola. Já em relação aos problemas relatados pelo diretor, em geral se voltam às questões de indisciplina dos alunos em sala de aula. Segundo o diretor, a falta de comprometimento de muitos alunos com as disciplinas e os projetos da escola se dá, em suas palavras, pela ausência de uma “consciência cultural” na região que, por sua vez, tem sua origem na falta de incentivos que recebem dos pais em casa e da própria cidade. O Município de Carapicuíba, segundo o diretor da escola, “incentiva pouco e investe menos ainda em cultura”. As questões em torno do tráfico de drogas e da violência também foram citadas pelo diretor da escola. Segundo ele, “a violência tem sua origem no tráfico de drogas que é muito forte em toda a cidade de Carapicuíba” e, por isso, reflete em diversas situações negativas dentro e fora da escola. Informou ainda, que sempre que precisa tem o apoio da Ronda Escolar da Polícia Militar que, em geral, o atende prontamente. Finalizou dizendo que, em muitos momentos, se depara com professores que não cumprem aquilo que combinam no início do ano em reuniões e planejamentos. Essa situação cria, segundo o diretor, “incômodos na escola”, especialmente no Ensino Médio. Enquanto alguns professores “pegam pesado” em relação a exigir

62

a disciplina em sala de aula, outros fazem vistas grossas e deixam de organizar a sala de aula adequadamente, atrapalhando em muito aqueles que desejam estar ali para aprender e ensinar. Contudo, o diretor se mostrou satisfeito com os resultados e com o atendimento oferecido à comunidade.

3.4

Representações Sociais dos Alunos

Observadas e apresentadas as unidades de contexto, as unidades de registro e as categorias, iniciaram-se às análises pertinentes das representações sociais elaboradas pelos alunos sujeitos desta pesquisa. Para tanto, são apresentadas as inferências elaboradas para cada uma das cinco unidades de contexto. Tais unidades de contexto são entendidas nesta pesquisa como “temas”, que se orientaram pelo teor das perguntas propostas no questionário e apresentadas aos alunos respondentes. Com relação às possibilidades de análises, foram consideradas as respostas dos alunos de acordo com os objetivos desta pesquisa, determinando assim, as unidades de registro em cada unidade de contexto.

3.4.1

Importância da Escola Considerando, portanto, que as questões “1”, “2”, “3”, “4”. “5”, “6” e “7” do

questionário desta pesquisa tiveram por finalidade a caracterização dos alunos respondentes, foi iniciada a análise das representações sociais dos alunos pela questão número “8” (Qual a importância da Escola?), a qual originou a unidade de contexto de número “1”, denominada “Importância da Escola”. Dentro desta unidade de contexto foram identificadas 18 unidades de registro, as quais foram geradoras de 5 categorias, conforme tabela a seguir:

63

Tabela 9 - Categorização: Importância da Escola UNIDADE DE CONTEXTO

SEQ. URs

Importância da Escola

1.18 1.01 1.02 1.04 1.05 1.07 1.08 1.10 1.13 1.14 1.16 1.17 1.03 1.15 1.06 1.09 1.11 1.12

UNIDADES DE REGISTRO

CATEGORIAS

Possibilitar o amadurecimento Formar cidadãos Formar pensadores (críticos) Mudar o país Facilitar a Educação Dar um bom aprendizado Auxiliar o aluno através do ensino Motivar o estudo Função de ensinar Manter pessoas capacitadas Transmitir conhecimento Guiar os alunos no processo de aprendizagem Estabelecer bom senso Tornar a infância e a adolescência felizes Possibilidade de interação Proporcionar um futuro melhor para os alunos Papel significativo na vida em relação ao futuro Ensino o que é preciso na vida

Amadurecimento Cidadania

Ensinar

Formação pessoal Futuro

No sentido de elucidar os números na análise da unidade de contexto “Importância da Escola”, a seguir o gráfico mostra o percentual indicador da quantidade de unidades de registro que constituíram cada uma das cinco categorias de análise. GRÁFICO 1 - IMPORTÂNCIA DA ESCOLA: PERCENTUAL DE URs POR CATEGORIA 5,56% Amadurecimento

16,67% 16,67%

Cidadania Ensinar

16,67% 44,44%

Formação pessoal Futuro

Em 44,44% das unidades de registro extraídas das respostas dos alunos, “Ensinar” é a grande importância da escola. Nesta questão, a pergunta se voltou para a escola e não para o Ensino Médio. Assim, os alunos reportaram subjetivamente na resposta o seu tempo de vivência dentro da escola, desde a Educação Infantil.

64

Assim, diante das demandas que caracterizam as periferias da Grande São Paulo, especialmente aquelas ligadas ao fato de que os pais se deslocam de suas residências para trabalharem, o cuidar dos filhos assume na escola um papel fundamental. Aprendizados essenciais aos alunos, tais quais higiene, moral, ética, afeto, respeito, tolerância, entre outros, que em tempos passados eram transmitidos exclusivamente pelos pais agora são, também, transmitidos pelas escolas. Desta forma, o ato de “ensinar” na escola para esses alunos se torna extremamente relevante, misturando-se à ideia de “cuidar” e, assim, determinando praticamente metade das unidades de registro. Não menos importante é o fato de que os alunos, sujeitos desta pesquisa, sempre estudaram em escola pública, que é o espaço de relações sociais mais acessado em suas vidas, sendo o palco de aprendizagens, brincadeiras, relações de afeto, de descobertas e de trocas em geral. Toda essa vivência é geradora de aprendizagem, de ensinamentos que determinam a personalidade e a vida dos alunos. Portanto, “ensinar” é a principal importância da escola representada socialmente pelos alunos respondentes desta pesquisa. Seguindo na apresentação dos resultados referentes às representações sociais elaboradas pelos alunos, compreendendo 16,67% das unidades de registro observadas nas respostas dadas à questão “8”, se encontra a categoria “Formação Pessoal”. Como importância da escola, os alunos representam socialmente mediante a categoria de “Formação Pessoal” a ideia de que a escola pode desenvolver o ser humano, tornando-o capaz de interagir com o meio e de conquistar da autonomia. Como apresentado nos parágrafos anteriores, a escola é o primeiro local fora do ambiente familiar em que a criança se lança ao meio social. Por essa razão, desde cedo passa a confiar na escola e dela espera subsídios que possam fortalecê-la diante de tudo que está ainda por vir no cotidiano. Neste sentido, seria mais significativo que a categoria “Formação Pessoal” obtivesse um percentual maior a partir das respostas dos alunos nesta pesquisa. No entanto, sabemos que as estruturas, sejam elas materiais ou não, dispostas ao funcionamento das escolas, não atendem a totalidade das expectativas das comunidades.

65

Embora o ensino público conte com excelentes profissionais, mesmo diante de precariedades atribuídas à categoria docente, não é raro encontrar profissionais descontentes e que desempenham mal seu papel. Caráter, moral, dignidade e tolerância são valores que os alunos, em geral, aprendem e valorizam a partir das experiências que vivenciam e na medida em que observam seus professores cotidianamente na prática. São esses valores que compreendem a ideia de formação pessoal para os alunos e, assim, a observância constante e diária na escola é geradora de aprendizagem. Ao mesmo tempo, quando esses valores não são disseminados ou praticados pelos docentes, principais agentes da Educação na escola, os alunos tendem a percebê-los em outros espaços, desvinculando a escola dessa formação específica. As representações sociais dos alunos em relação à formação pessoal como importância da escola em suas vidas vêm do contato com profissionais dedicados que demonstram em salas de aula e demais ambientes de aprendizagem na escola, valores que contribuem para o desenvolvimento humano e, consequentemente, para a geração de qualidade nas relações pessoais. Seguido com o mesmo número percentual, 16,67% das unidades de registro observadas nas respostas dos alunos correspondem à categoria “Cidadania”, ou seja, entendem que a importância da escola é gerar cidadãos participativos. Novamente é percebido um percentual baixo, mostrando que os alunos representassem a “cidadania” de forma tímida como importância da escola em suas vidas. Sendo que a geração da cidadania, juntamente com a preparação profissional, está entre as finalidades da Educação positivadas na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, as estruturas de ensino deveriam se comprometer com essas finalidades e garantir que os alunos, ao final da Educação Básica, pudessem vivenciar a plenitude da cidadania, compreendendo seus direitos, deveres e as possibilidades democráticas de participação e transformação da vida política, social e econômica do país. No entanto, é sabido que muitas vezes as escolas não contam com as condições materiais adequadas e acumulam alunos em salas de aula lotadas. Além disso, a desvalorização da carreira docente, em diversos aspectos, contribui negativamente para o desenvolvimento crítico dos alunos.

66

Nas escolas, especialmente no Ensino Médio, é essencial o debate acerca da cidadania e das principais demandas em que o país se envolve. Deste debate devem emergir soluções, opiniões e participações que valorizem as necessidades e as expectativas dos alunos, já que eles constituem, ao final do Ensino Médio, os novos eleitores, tendo o poder da decisão política mediante o voto. O fato de 16,67% das respostas atribuídas à importância da escola na vida dos alunos apontarem para a categoria “cidadania” mostra, primeiramente, que os alunos representam a escola como um espaço em que a discussão política séria e essencial não é valorizada e nem difundida como deveria. Posteriormente, esse percentual nos revela que a escola deve caminhar mais próxima dos propósitos nacionais estabelecidos à Educação Básica, criando estratégicas que envolvam todos os profissionais de ensino neste compromisso. A categoria “Amadurecimento” compreendeu, também, 16,67% das unidades de registro observadas nas respostas dos alunos em relação à importância da escola em suas vidas. Os alunos representam o “amadurecimento” como a condição necessária para o enfrentamento do cotidiano e das relações pessoais, profissionais na transição da adolescência para a fase adulta. No entanto, o percentual de unidades de registro que faz referência à categoria “Amadurecimento” demonstra que os alunos buscam ou encontram fora da escola grande parte dos conhecimentos e aprendizados necessários nesta fase de suas vidas. Por fim, 5,56% das unidades de registro geradas mediante as respostas dos alunos quando perguntados sobre a importância da escola em suas vidas compõe a categoria “Futuro”. O valor percentual é baixo, considerando a unidade de contexto e a categoria, ou seja, a relação entre a importância da escola e o futuro. Tal condição demonstra descrédito na estrutura escolar como geradora de possibilidades de sucesso e bem estar no futuro para os alunos. As condições materiais, o excesso de alunos em sala de aula e a qualidade do ensino oferecido na rede pública, principalmente diante dos acirrados exames de vestibular, os quais acabam favorecendo os alunos da rede particular de ensino e de cursinhos pré-vestibular, contribuem para o número reduzido de alunos que representam socialmente o futuro como importância da escola em suas vidas. Assim, com relação às categorias de análise criadas mediante as unidades de registro pertinentes à importância da escola, foi possível concluir de forma geral que

67

os alunos representam socialmente que a escola é importante para ensinar bons modos, conhecimentos e conteúdos, porém, representam também, que a escola é menos significativa do que deveria em relação à formação da cidadania, e a formação pessoal dos alunos. Os números em relação à categoria “Amadurecimento” (16,67%) nos permite inferir que poucos alunos se favorecem dos processos escolares no sentido de se tornarem mais amadurecidos, ou preparados para a fase adulta. Menos alunos ainda entendem e representam a escola como elemento importante para o futuro.

3.4.2

Importância do Ensino Médio

Adiante são apresentadas as análises pertinentes à unidade de contexto criada a partir da questão de número “9”, que perguntou aos alunos sobre a importância do Ensino Médio.

Antes de apresentar as representações sociais elaboradas pelos alunos acerca da importância da modalidade “Ensino Médio”, vale considerar o contexto institucional em que se estrutura o Ensino Médio na cidade de Carapicuíba. Segundo dados do programa “Escola Brasil” do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a cidade de Carapicuíba conta com mais de 17.000 alunos matriculados no Ensino Médio na rede pública de ensino

68

do Estado de São Paulo, distribuídos em 57 escolas, resultando em uma média de mais de 300 alunos matriculados na modalidade “Ensino Médio” por escola pública estadual na cidade. Em número absoluto, a escola estadual que subsidiou esta pesquisa, conta com 357 alunos matriculados no Ensino Médio até o final de 2013, distribuídos em 10 salas de aula. O número de alunos da escola é superior à média de alunos apontada para o Município de Carapicuíba, considerando a relação entre alunos matriculados e escolas estaduais que oferecem a modalidade “Ensino Médio”. Com relação ao ano letivo de 2014, a escola obteve um aumento aproximado de 15% no número de alunos matriculados no Ensino Médio31. Na escola pública estadual que subsidiou esta pesquisa, a modalidade “Ensino Médio” só é oferecida no período noturno.

Assim, para efeito de análises e inferências alusivas à importância que os alunos atribuem ao Ensino Médio, bem como às representações sociais elaboradas para esse tema, ficou entendido nesta pesquisa que as salas de aulas contam com grandes quantidades de alunos, porém, próxima do limite de 35 alunos por sala de aula que é preconizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) no Art. 25º e orientado pelo Senado Federal. No entanto, a experiência docente mostra que o número de 35 alunos para uma sala de aula do Ensino Médio é alto e, em muitos momentos, é também um número improdutivo para o acompanhamento adequado de um professor,

31

Informação fornecida em entrevista concedida pelo Diretor da escola, na data de 10/02/2014, quando da escolha da unidade de ensino para essa pesquisa.

69

principalmente quando pensamos em processos de socialização e na necessidade constante do estabelecimento de debates qualitativos dos conteúdos das disciplinas. A experiência docente e, também, boa parte das reivindicações dos profissionais de Educação junto à Secretaria da Educação ao longo das últimas décadas, mostram a emergência da implantação de salas de aulas com quantidades mais reduzidas de alunos como garantia de melhorias na qualidade dos processos ensino e aprendizagem. Segundo o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), complementando esse contexto que desfavorece os processos de aprendizagem no Ensino Médio, especialmente em escolas da rede pública, é considerável a desmotivação de muitos professores e a pouca qualidade material oferecida à carreira docente na rede pública estadual do Estado de São Paulo. Desta forma, é possível compreender o descontentamento dos alunos com relação ao Ensino Médio, bem como as representações sociais que elaboram, uma vez que esperam da escola elementos motivadores e incentivadores para suas vidas, seja nos âmbitos pessoal, político ou profissional. Assim, a modalidade “Ensino Médio”, parte da Educação Básica oferecida pela rede estadual de ensino tem mais compromissos do que aqueles já consagrados pela Constituição Federal ou pela LDB, especialmente quando nos referimos às comunidades mais carentes ou menos abastadas economicamente, como é o caso do Município de Carapicuíba segundo o IBGE. Esses compromissos adicionais se referem às expectativas dos alunos que entendem que o Ensino Médio deve contribuir para o acesso à faculdade, ou seja, ser mais próximo daquilo que, possivelmente, representam socialmente a respeito dos cursinhos pré-vestibulares e das escolas particulares. Não por acaso, as escolas particulares e os cursinhos no Estado de São Paulo são os grandes responsáveis pelo maior número de alunos aprovados nos vestibulares mais concorridos em todo o Brasil32. Desta forma, não é leviano afirmar que os alunos, diante dos altos custos das escolas particulares e dos cursinhos pré-vestibulares, especialmente aqueles

32

Íntegra da matéria jornalística veiculada em 03/052013 no informativo eletrônico do Portal Terra, Guia Educação, com o título “Fuvest teve 75% dos candidatos brancos; 59% vieram de escola privada”. Não assinada. Disponível em: . Acesso em 02 ago 2014.

70 considerados “de ponta33”, contam apenas com o Ensino Médio como estrutura ou período escolar facilitador para o acesso ao Ensino Superior. Essas considerações demonstram o contexto em que se insere o Ensino Médio na cidade de Carapicuíba e, também, influenciam significativamente os alunos nos processos de elaboração de suas representações sociais. Para a sequência das análises, apresenta-se a seguir a representação gráfica que aponta o percentual de unidades de registro por categorias na unidade de contexto “Importância do Ensino Médio.

Depois das contextualizações e argumentações apresentadas, em relação às representações sociais elaboradas pelos alunos a respeito da importância do Ensino Médio, foi observado inicialmente que na categoria “Acesso à faculdade”, a qual compreende 14,29% das unidades de registro presentes nas respostas dos alunos, reflete a ideia de que o Ensino Médio é uma fase de preparação ao Ensino Superior, um caminho de acesso, minimizando em boa parte as funções Constitucionais positivadas no sentido de formar cidadãos e qualificar alunos para o mercado de trabalho. Outra categoria presente na representação social elaborada pelos alunos para traduzir a importância do Ensino Médio em suas vidas foi a denominada “Conhecimento”. Essa categoria compreendeu 28,57% das unidades de registro que expressaram o Ensino Médio como o momento na vida escolar em que novos saberes devem ser apresentados e adquiridos.

33

Anglo, Objetivo, Universitário, Etapa, dentro outros.

71

Os alunos respondentes desta pesquisa demonstram entender que a escola é o centro de difusão de novos conhecimentos. É importante ressaltar nesta representação social elaborada pelos alunos, o papel do professor e a posição que este ocupa no imaginário dos alunos. Desta forma, é possível inferir que os alunos, mesmo diante das adversidades políticas, econômicas e estruturais que já apresentamos nesta pesquisa, esperam que o professor seja o portador dos conhecimentos e dos saberes novos que podem contribuir em suas vidas. Essa representação social elaborada pelos alunos que associa a importância do Ensino Médio com a aquisição de conhecimentos se justifica, também, por conta dos alunos (e dos demais cidadãos de Carapicuíba) não terem a possibilidade de contar dentro do município com aparelhos culturais, tais como cinemas, teatros, espaços de lazer e outros em quantidades suficientes e adequadas. A escola se apresenta em Carapicuíba para os alunos como uma das únicas possibilidades de difusão de conhecimentos, lazer e novos saberes. Juntamente com as escolas e com a ausência de aparelhos culturais diversificados, as igrejas34 ocupam na cidade grande importância no processo de socialização. A população estimada do Município de Carapicuíba, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), é de 387.788. Para esse contingente, a Secretaria de Cultura do Munícipio de Carapicuíba informa em sua página eletrônica que dispõe de três teatros, sete bibliotecas e uma escola de música. Não há cinemas no Município de Carapicuíba. Esse cenário traduz com precisão a ausência de incentivos públicos que potencialmente poderiam gerar possibilidades culturais na cidade de Carapicuíba e, ao mesmo tempo, reserva quase que exclusivamente às escolas a função de produzir, gerar, compartilhar e difundir conhecimentos, cultura e entretenimento entre a população. No entanto, a estrutura da rede estadual de ensino que se apresenta nesta conjuntura não é suficiente para atender tal demanda. Seguindo nas análises e inferências alusivas às representações sociais elaboradas pelos alunos acerca da importância do Ensino Médio, 7,14% das

34

Segundo informações obtidas em visita à Câmara de Vereadores de Carapicuíba em 10/07/2014, o vereador Paulo Xavier Albuquerque afirmou que o Município de Carapicuíba conta com mais de 150 igrejas cristãs (católicas e evangélicas) e outros templos não cristãos. Mais informações sobre os números alusivos à religião em Carapicuíba podem ser acessadas na página oficial do IBGE na Internet, disponível no endereço eletrônico constante na notação de rodapé subsequente.

72 unidades de registro apontaram o entendimento desta fase como um “período de finalização”, demonstrando a importância do Ensino Médio como o fim do ciclo escolar. Neste caso, a categoria proposta foi a denominada “Conquista”, uma vez que os alunos expressam na ideia de finalização da etapa escolar a superação, a satisfação em concluir uma fase da vida. O número de unidades de registro nesta categoria é muito pequeno, demonstrando que a maioria dos alunos não entende a conclusão do Ensino Médio como o fim ou a conclusão do processo escolar, mas sim o início de outra fase, que é o Ensino Superior. Podemos explicar a ideia de finalização ou suposta “conquista” expressada pelos alunos, mediante o possível descontentamento com modelo de escolarização oferecido, ou por uma percepção individualizada e negativa em relação às oportunidades de acesso ao mercado de trabalho e ao Ensino Superior. Segundo dados do Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), o Município de Carapicuíba não conta com um parque industrial desenvolvido, o que faz do setor de serviços o maior responsável pela oferta de empregos, atraindo boa parte dos concluintes do Ensino Médio que, ao invés de buscar a profissionalização no Ensino Superior, preferem colocações profissionais mais singelas na própria cidade. Esse contexto pode, em geral, explicar a “Conquista” como representação social elaborada por uma pequena parte apenas dos alunos em relação à importância do Ensino Médio. Para outras 7,14% das unidades de registro observadas nas respostas dos alunos, a importância do Ensino Médio em suas vidas se refere à determinação do caráter, subsidiando a categoria “Formação pessoal”. A organização da escola, a postura e de seus gestores e as atitudes dos professores, bem como a relação estabelecida entre esses e os alunos, especialmente no que diz respeito aos posicionamentos éticos, morais e profissionais, acabam por influenciar na formação do caráter dos alunos. Finalizando a unidade de contexto (tema) “Importância do Ensino Médio”, alusiva à questão de número “9” do questionário proposto para os alunos, foram atribuídas às respostas dos alunos 42,86% de unidades de registro que sinalizam a categoria “Futuro”.

73

Os alunos destacaram em suas respostas que o Ensino Médio é uma fase importante para a vida, que é um momento de tomada de decisões em relação ao futuro e que também é uma transição da fase adolescente a fase adulta. O futuro, segundo as respostas dos alunos, representa socialmente a inserção no universo adulto e o compromisso com as responsabilidades pertinentes nesta fase da vida. Assim, a definição dos meios que vão viabilizar e subsidiar a condição de independência e a autonomia se torna a base das preocupações entre os alunos. É importante considerar que os jovens da cidade de Carapicuíba vivenciam cotidianamente o desemprego35 e a insuficiente oferta de capacitação profissional, contando com apenas três Instituições de Ensino Superior36 e uma ETEC (Escola Técnica Estadual). Assim, sem muitas opções, esses mesmos jovens passam a valorizar o trabalho como realização pessoal e como fonte de renda e, também, como único meio de conquista da liberdade. A representação social do futuro reflete o cuidado na tomada de decisões, expectativas, medos e incertezas. Além disso, reflete também a vontade dos alunos em seguir seus estudos, assim como apontado em estudo realizado por Sparta & Gomes (2005), apresentando anteriormente nesta pesquisa, o qual mostra que o ingresso no Ensino Superior está entre as principais preocupações dos alunos concluintes do Ensino Médio, considerando que as pressões advindas do mercado de trabalho se apresentam fortemente no cotidiano. Em linhas gerais, o Ensino Médio, como fase escolar, segundo a Constituição de 1988 e a LDB de 1996, deve procurar o aprofundamento dos saberes e conhecimentos desenvolvidos anteriormente no Ensino Fundamental, valorizando a articulação entre os conteúdos curriculares e formação básica da cidadania e do trabalho. Além disso, cabe ao Ensino Médio segundo as prerrogativas oficiais e legais já mencionadas colaborar na formação ética, na autonomia e no pensamento crítico dos alunos.

35

C.f. informações do IBGE. FALC – Faculdade da Aldeia de Carapicuíba, FNC – Faculdade Nossa Cidade que pertencem ao setor privado e a Faculdade de Tecnologia (FATEC) – Carapicuíba, que pertence ao Poder Público. 36

74

Desta forma, o Ensino Médio, enquanto proposta idealizada, deve proporcionar aos estudantes a conclusão da Educação Básica, habilitando-os às escolhas que assumirem em suas vidas, seja no sentido de se inserirem no mercado de trabalho ou no percurso do Ensino Superior.

3.4.3

Ensino Médio: aspectos positivos A questão de número “10” do questionário desta pesquisa (Pensando no

Ensino Médio, o que mais lhe agrada?) buscou nos alunos respondentes seus comentários, impressões e opiniões acerca daquilo que mais lhes agrada e que é positivo no Ensino Médio. Mediante as respostas atribuídas, essa questão compreendeu a unidade de contexto “Ensino Médio: aspectos positivos”, sendo atribuídas 14 unidades de registro. Diferente da unidade de contexto “Importância do Ensino Médio” que provocou os alunos respondentes em relação à relevância que Ensino Médio pode (ou poderia) propor para suas vidas profissionais, acadêmicas ou pessoais, essa unidade de contexto “Ensino Médio: aspectos positivos” buscou contemplar o momento presente que os alunos vivenciam no Ensino Médio. Desta forma, embora algumas categorias nesta unidade de contexto coincidam com outras observadas anteriormente, as respectivas análises e inferências são diferentes. A esse respeito, Franco (2012) nos mostra que são as unidades de contexto/tema que norteiam e limitam as inferências e as análises no processo de Análise de Conteúdo. Adiante, são apresentadas as análises das representações sociais dos alunos acerca dos aspectos positivos do Ensino Médio. A tabela a seguir mostra as categorias elaboradas a partir do agrupamento das unidades de registro para essa Unidade de Contexto (tema).

75

Tabela 12 - Categorização: Ensino Médio; Aspectos Positivos UNIDADE DE CONTEXTO

Ensino Médio: aspectos positivos

SEQ. URs 3.14 3.05 3.03 3.08 3.09 3.02 3.10 3.04 3.11 3.12 3.01 3.07 3.06 3.13

UNIDADES DE REGISTRO

CATEGORIAS

Chance de ingresso na faculdade Acesso à faculdade Fase de preparação Determinadas disciplinas são agradáveis Contato com novas formas de aprender Conhecimento Contato com novas matérias Contato com professores Bons professores Sensação de evolução (conclusão de fase) Conquista Satisfação com a conclusão dos estudos Possibilidade de superação Convivência Possibilidade de convivência Possibilidade de capacitação para o futuro Futuro Chance de um futuro melhor Gratuidade Serviço público oferecido pelo Governo

Para iniciar, porém, é prudente ressaltar que os jovens do Ensino Médio, assim como os adultos, são eleitores e determinam em boa parte as características da sociedade brasileira, marcando-a por gerações. Neste contexto, o Ensino Médio deveria se inserir e se desenvolver tendo a preocupação de formar, antes de tudo o ser humano e o cidadão. Do ponto de vista legal, como já vimos anteriormente nesta pesquisa, temos instrumentos e parâmetros que se preocupam com a humanização da aprendizagem no Ensino Médio, porém, da teoria para o real a distância ainda se faz muito grande. A adolescência é uma fase de profundas transformações e, portanto, se faz essencial que os alunos estejam diante de bons valores, em especial na escola, onde passam a maior parte do tempo. Paralelamente, o Ensino Médio envolve essa fase dos alunos, tonando-se um instrumento intermediador entre as expectativas dos alunos e seu futuro profissional. Neste contexto, misturam-se expectativas quanto às escolhas, inseguranças, esperanças, medos, certezas e incertezas. Com relação aos aspectos positivos representados socialmente pelos alunos em relação ao Ensino Médio, é possível observar a partir da tabela acima, a satisfação destes em aprender conteúdos e conhecimentos novos, o sentimento de conquista e as expectativas em relação ao futuro, já que as escolhas nesta fase podem ser determinantes na geração de qualidade de vida.

76

As categorias elaboradas revelam as representações sociais dos alunos em relação aos aspectos positivos do Ensino Médio. Tais categorias, conforme quantidade de unidade de registro que comportam, se apresentaram na seguinte ordem: Conhecimento, Conquista, Acesso à faculdade, Futuro, Gratuidade e Convivência.

GRÁFICO 3 - ENSINO MÉDIO: ASPECTOS POSITIVOS 7,14% Acesso à faculdade 14,29% 14,29%

Conhecimento Conquista

7,14% 35,71% 21,43%

Convivência Futuro Gratuidade

Observando que 35,71% das unidades de registros recolhidas das respostas dos alunos apontam para a categoria “Conhecimento”, é possível inferir que a valorização do saber se dá, especialmente, por conta dos alunos compreenderem que a escola é, antes de tudo, o lugar que abriga o conhecimento e, de certa forma, esperam que ali se cumpra essa representação social. O número percentual nesta categoria, representando socialmente o conhecimento como um valor positivo do Ensino Médio, se aproxima dos resultados apresentados em pesquisa realizada em 2013 promovida pela Revista Educação37. Nesta pesquisa, em recorte nacional, 42% dos alunos demostraram interesse em estudar e adquirir conhecimentos através da escola. Quando o recorte da pesquisa se faz por São Paulo, o número de estudantes que se interessam pelos estudos cai para 37% dos entrevistados, aproximando-se ainda mais dos números apresentados no gráfico anterior. Mais da metade dos alunos respondentes desta pesquisa mostraram na sessão de Grupo Focal que esperam acessar o Ensino Superior e que querem 37

Pesquisa realizada pela Multifocus Inteligência de Mercado com 507 estudantes, apresentada no Fórum “Como (re) construir a escola do século XXI”, idealizado pela Revista Educação. Pesquisa completa disponível em: . Acesso em 20 out 2014.

77

prosseguir seus estudos, pois acreditam que com uma formação adequada podem se colocar de maneira mais digna no mercado de trabalho. Daí o interesse em acumular conhecimentos mediante o Ensino Médio, já que para as populações menos abastadas, especialmente aquelas que o Poder Público não oferece oportunidades culturais38, a escola se torna a única possibilidade de acessar conhecimentos específicos que podem contribuir na sequência de suas formações pessoais, acadêmicas e profissionais. As categorias “Acesso à faculdade” e “Futuro”, ambas compreendendo 14,29% das unidades de registros pertinentes ao tema “Ensino Médio: aspectos positivos”, corroboram com o interesse dos alunos pelo conhecimento e representam socialmente o que os alunos esperam da escola, ou seja, um ambiente em que possam adquirir conhecimentos que não são acessíveis fora do espaço escolar e que, de uma maneira ou de outra, serão válidos e úteis na construção de suas trajetórias pessoais, seja acessando o Ensino Superior ou mesmo desenvolvendo atividades profissionais que lhes asseguram qualidade de vida. Porém, o valor percentual de 14,29% para essas categorias se revela baixo e mostrou que os alunos representam socialmente as falhas do Ensino Médio em relação às garantias de acesso ao Ensino Superior e de segurança no futuro. Tal situação pode se justificar com a qualidade das aulas oferecidas, com conteúdos insuficientes ou mesmo com o ambiente escolar. Com 21,43% das unidades de registro, a categoria “Conquista” mostrou que os alunos representam socialmente o Ensino Médio, em relação aos seus aspectos positivos, como o dever cumprido, ou seja, o momento em que se realiza uma etapa em suas vidas. A maioria dos alunos respondentes desta pesquisa, durante a sessão de Grupo Focal, afirmaram que seus pais não ultrapassaram o nível do Ensino Médio e apenas dois alunos sinalizaram que seus pais haviam cursado o Ensino Superior. Desta forma, o Ensino Médio é uma conquista para os alunos, pois os igualam aos seus pais em relação à escolarização e, diante das vicissitudes econômicas que se apresentam na região, estariam prontos para o mercado de trabalho assumindo responsabilidades e vivenciando novas situações.

38

Como é o caso de Carapicuíba já demonstrado em dados nesta pesquisa.

78

Todos os alunos, na sessão de Grupo Focal, informaram que se sentem pressionados em ajudar nas finanças da casa e que pretendem trabalhar antes mesmo de acessar o Ensino Superior. Considerando que os alunos representam socialmente o fim do Ensino Médio como uma conquista, inferimos que o trabalho é parte significativa de suas realidades desde muito cedo. A conclusão desta etapa escolar se associa ao fim de um período em que os alunos se mostram sem muitas responsabilidades sociais ou familiares mesmo diante de pressões. Ao mesmo tempo, é o início de uma nova fase, a qual se sentem diante de compromissos e desafios mais significativos, Já com relação à categoria “Convivência”, alocando 7,14% das unidades de registro oriundas das respostas dos alunos em relação aos aspectos positivos do Ensino Médio, inferiu-se que os alunos não representam socialmente esta fase como possibilidade de aprimoramento das relações sociais. Nas discussões estabelecidas na sessão de Grupo Focal, os alunos relataram que existem muitas brigas na escola e que há também muita intolerância com questões relacionadas à sexualidade e à religião. Metade dos alunos respondentes desta pesquisa, relatou que não se sentia à vontade para circular entre os espaços da escola nos horários de intervalo. Atualmente vemos em diversas mídias que a cidade de Carapicuíba vive uma escalada de violência39. O sentimento de insegurança e medo se reflete na escola, especialmente nas falas dos alunos durante sessão de Grupo Focal que remeteram ao certo temor desconfortante na entrada e na saída da escola. Muitas vezes, segundo os alunos, adentram a escola e percebem a Polícia Militar ali atendendo alguma ocorrência. Os arredores da escola, bem como a cidade de Carapicuíba, vivenciam de forma latente o tráfico e o consumo de drogas. Todo esse cenário implica negativamente na convivência entre os alunos na escola, muitas vezes refletindo o medo gerado pela violência observada fora dos portões.

39

O DIA, TV CIDADE, PORTAL G1. Diversas notícias veiculadas no ano de 2014 reportando o clima de insegurança que se instalou na cidade de Carapicuíba após o aumento de ataques, chacinas, estupros e roubos em residências na região. Cf. o item “Referências Bibliográficas e Fontes” nesta pesquisa para acesso à íntegra das matérias jornalísticas.

79

Ainda em sessão do Grupo Focal, 60% dos alunos afirmaram que preferem conviver com os amigos fora da escola por conta de confiarem mais em pessoas que estão há mais tempo envolvidas em suas vidas. Assim, as representações sociais dos alunos em relação a convivência se apresentam de forma tímida nas respostas dos alunos. A gratuidade, por sua vez, apareceu com 7,14% das unidades de registro nas respostas dos alunos, mostrando certo descaso com a estrutura geral do Ensino Médio. As respostas que geraram essa categoria mostraram em seus conteúdos frases como: “é ruim, mas pelo menos é de graça”; ou: “ainda bem que não precisa pagar”. Tais expressões refletem representações sociais negativas sobre o Ensino Médio, demostrando descrédito e desprezo.

3.4.4

Ensino Médio: mudanças desejáveis

Na sequência da apresentação dos resultados alusivos às representações sociais dos alunos, a questão de número “11” do questionário desta pesquisa (O que você gostaria que mudasse no Ensino Médio? Justifique sua resposta.) versou a respeito das transformações que os alunos entendem como necessárias para o Ensino Médio. Essa questão compreendeu a unidade de contexto “Ensino Médio: mudanças desejáveis”, sendo atribuídas 10 unidades de registro. Em especial, as categorias que originárias desta unidade de contexto reportaram as representações sociais mais significativas elaboradas pelos alunos, demonstrando o quanto relacionam o Ensino Médio com suas possibilidades futuras, seja na vida acadêmica ou profissional. Na sessão de Grupo Focal, por mais de uma vez, alguns alunos citaram amigos que estudam em escolas particulares e que estão bem mais preparados para os vestibulares. Quando perguntados por que acham que seus amigos das escolas particulares estão mais preparados, os alunos participantes desta pesquisa responderam que nas escolas particulares os professores têm mais respeito com os alunos, são mais preparados e que ganham mais.

80

Além disso, também afirmaram no Grupo Focal que nas escolas particulares existe menos indisciplina, pois os pais pagam as mensalidades e, assim, exigem que os filhos estudem. Determinada aluna, ainda a este respeito, acrescentou que uma de suas amigas da classe veio para a escola pública esse ano por conta de ter se comprometido pouco no ano passado na escola particular. Em suas palavras, “a menina aprontou muito lá na escola ano passado e a mãe dela transferiu para cá esse ano”. Os alunos riram e comentaram: “Aqui é o castigo pra quem não estuda”. Esse último comentário dos alunos no Grupo Focal, denotando um tom de ironia, reporta à representação social elaborada pelos alunos que considera as escolas particulares mais organizadas e mais aparelhadas do que as escolas públicas e que, por essa razão, os professores e alunos têm mais condições de desenvolverem conteúdos pertinentes aos vestibulares. Imaginam que são mais organizadas, que o material didático é melhor e que os professores são mais preparados. Vale considerar que todos os alunos respondentes desta pesquisa nunca estudaram em escolas particulares, tenho vivenciado os níveis de ensino sempre na região de Carapicuíba e em escolas públicas. Assim, representaram socialmente na sessão de Grupo Focal valores que elevam a escola particular, fazendo-a superior em vários sentidos em relação à escola pública. De uma forma geral se faz possível afirmar que as escolas particulares, pelo menos as mais famosas e mais tradicionais, com estruturas e planejamentos bem definidos, funcionam sim melhor que a grande maioria das escolas públicas quando a referência de “melhor” ou “pior” é a preparação para os vestibulares. Neste sentido, os valores e as impressões que os alunos respondentes desta pesquisa representaram socialmente no Grupo Focal fazem sentido e são verossímeis. Observando a Tabela 13 a seguir, foi percebido que o foco das transformações desejadas pelos alunos respondentes desta pesquisa está no compromisso que os professores destinam às aulas e escola no que se diz respeito à organização curricular e controle da indisciplina. Na sessão de Grupo Focal, elogiaram alguns professores, inclusive citando seus nomes e disciplinas, por conta de apresentarem aulas diferentes e empolgantes, afirmando que “sempre trazem algo diferente, que não esperamos”.

81

Da mesma forma, criticaram outros professores que, segundo eles, são muito previsíveis e “sempre fazem as mesmas coisas em sala de aula”. Nas palavras dos alunos, eles “repetem até as piadas”. Foi possível compreender, contudo, que os alunos buscam informações e conhecimentos e que estão ali na sala de aula para aprender. Assim se expressaram e se mostraram, de certa forma, frustrados com situações, principalmente aquelas advindas dos professores, que não contribuem com o aprendizado.

Continuando processo de Análise de Conteúdo, a partir dos dados da tabela acima foi observado que os alunos entendem que a escola pública, especificamente o Ensino Médio, não cumpre a função de prepará-los para os vestibulares, fazendo com que se sintam despreparados e em desigualdade de competição em relação aos alunos que estudam em escolas particulares. Assim, possivelmente os alunos respondentes desta pesquisa representam socialmente o Ensino Médio como fase preparação para o vestibular, já que entendem que as escolas particulares enfatizam os conteúdos mais pertinentes. Com base no fato de que são as escolas particulares e cursinhos prévestibulares os maiores responsáveis pelo ingresso de alunos nos vestibulares mais concorridos, os alunos esperam que essa representação social elaborada sobre o Ensino Médio se concretize na escola pública.

82

O Gráfico a seguir apresenta em números percentuais a quantidade de unidades de registros pertinentes às categoriais elaboradas para o tema “Ensino Médio: mudanças desejáveis”. A partir dele é possível observar as categorias que mais se relacionaram com possibilidades de inferências extraídas das respostas dos alunos. GRÁFICO 4 - ENSINO MÉDIO: MUDANÇAS DESEJÁVEIS

Descompromisso 10,00% 10,00%

Desfocado do vestibular

10,00%

Desinteresse 20,00%

10,00%

Desorganização Desrespeito Cansativo

10,00% 20,00% 10,00%

Indisciplina Insuficiente

Iniciando as análises pelas categorias que concentraram maiores quantidades de unidades de registro neste tema, ou seja, “Desinteresse” e “Desfocado do vestibular”, ambas com 20% de unidades de registro, totalizando, portanto, 40% do tema, é possível argumentar que as representações sociais versam a respeito de um Ensino Médio que deveria ter mais compromisso com o acesso ao Ensino Superior, especialmente mediante a valorização dos conteúdos pertinentes aos concursos vestibulares. Corroborando com o contexto que subsidia a elaboração da ideia de “descompromisso” como representação social do Ensino Médio em relação aos exames de vestibulares, Sparta & Gomes (2005, p. 47) lembram que: De acordo com a atual lei de diretrizes e bases da educação (LDB), o ensino médio permite o ingresso no ensino superior, mas não tem como objetivo a preparação para o concurso vestibular, e sim o desenvolvimento global do educando e a preparação básica para o trabalho e a cidadania.

Diante disso, as escolas públicas se distanciam das dinâmicas e didáticas das escolas particulares no que se diz respeito ao foco nos concursos vestibulares e se concentram no cumprimento da Lei, estabelecendo o foco na formação mais ampla do indivíduo, voltada à cidadania e a preparação para o trabalho.

83

Concomitantemente, o cursinho pré-vestibular se apresenta como a opção ideal

dos

alunos

que

terminam

o

Ensino

Médio.

Porém,

as

questões

socioeconômicas são determinantes para que esses alunos busquem o mercado de trabalho ao término do Ensino Médio e posterguem o ingresso no Ensino Superior. De uma forma geral, essa foi a conclusão dos alunos na sessão do Grupo Focal. Mais da metade dos dez participantes desta pesquisa afirmaram que se pudessem entrariam em um cursinho “de ponta” para ter melhores chances de ingresso em uma faculdade pública, já que as faculdades privadas mantêm mensalidades caras, obrigando-os ao cumprimento de jornadas exaustivas de trabalho. A preocupação dos alunos expressa na categoria “Desfocado do vestibular” é que o Ensino Médio não funciona de forma semelhante às escolas particulares, ou seja, que não garante as mesmas oportunidades de sucesso nos concursos vestibulares. Expressaram, ainda, de acordo com a “Tabela 13” apresentada acima, que o compromisso da escola pública e do Ensino Médio deveria ser o acesso à faculdade. Desta forma foi possível inferir que os alunos respondentes desta pesquisa compreendem que o sucesso profissional se relaciona diretamente com a formação no Ensino Superior em uma instituição tradicional, renomada e que, ao mesmo tempo, não reúnem as mesmas condições de competição que os alunos de escolas particulares. Neste sentido, compreendem também que as possibilidades de acesso ao Ensino Superior, diante das menores chances que possuem, consequência do fato de cursarem o Ensino Médio em escola pública, os obrigam ao acesso em instituições

privadas

de

Ensino

Superior,

demandando

o

pagamento

de

mensalidades caras e o acesso precoce e sem qualidade no mercado de trabalho. Possivelmente, entendem essa situação com injusta. Assim, os interesses dos alunos respondentes desta pesquisa, subsidiados na representação social que aponta o Ensino Médio como fase de preparação para os concursos vestibulares, acabam na contramão dos processos desenvolvidos na escola pública. Seguindo com as inferências mediante a Análise de Conteúdo, apresentamse

mais

seis

categorias

propostas

para

este

tema;

“Descompromisso”,

84 “Desorganização”, “Desrespeito”, “Cansativo”, “Indisciplina”, “Insuficiente”, todas compreendendo 10% das unidades de registro cada uma, totalizando 60% do tema. As categorias “Descompromisso” e “Insuficiente”, foram analisas na sequência, já que estas se relacionam diretamente com as categorias anteriores já analisadas, as quais mostraram as representam sociais dos alunos alusivas à incapacidade do Ensino Médio em gerar condições qualitativas de sucesso em concursos vestibulares. De uma forma mais ampla, essas categorias juntas e somadas correspondem a 60% das unidades de registro originárias das respostas dos alunos e expressam o descontentamento dos alunos com o currículo e as propostas do Ensino Médio na escola pública. Dialogando com a unidade de contexto (tema/pergunta) neste item, a qual versa sobre as mudanças que os alunos desejam em relação ao Ensino Médio, é perceptível que grande parte do conteúdo oferecido pela escola pública não corresponde com os anseios dos alunos. Assim, compreende-se que os alunos respondentes desta pesquisa cursam o Ensino Médio esperando obter melhores condições de acesso nos concursos vestibulares e, no entanto, se deparam com dificuldades, propostas e situações que não os atendem em suas expectativas. Representam socialmente, portanto, o Ensino Médio de forma negativa e assim se orientam, interagindo de forma frustrada nesta fase escolar. Em relação à categoria “Descompromisso”, os alunos expressaram seu descontentamento com professores que não se envolvem com suas disciplinas e acabam deixando a desejar em relação aos conteúdos que ensinam. Contrapondo-se à representação social dos alunos desta pesquisa, Bauer (2012, p. 70) argumenta que: Esse discurso da formação docente como propulsora da qualidade de ensino, que encontra ressonância e parece embasar a prática de alguns gestores da educação, tem crescido em importância nos debates sobre fatores que influenciam a qualidade escolar, normalmente traduzida para o público na forma de resultados dos alunos em avaliações padronizadas. Contudo, é importante destacar a necessidade de refletir atentamente sobre os discursos que indicam quase exclusivamente as atividades de formação contínua e de valorização do magistério como solução para a melhoria da aprendizagem dos alunos, como se o problema da qualidade do ensino se resumisse à formação docente e ao desempenho docente.

85

De acordo com as respostas atribuídas ao questionário proposto nesta pesquisa, bem como nos pronunciamentos realizados na sessão de Grupo Focal, os alunos reportaram a falta de compromisso dos professores com as aulas e com as situações de indisciplina, as quais acontecem cotidianamente e que, segundo os alunos, atrapalham demasiadamente a aprendizagem dos conteúdos, tirando a concentração, o foco e o interesse. Denotam, assim, a distância entre a escola pública e as escolas particulares no que se refere à preparação dos alunos para os concursos vestibulares. A categoria “Insuficiente”, faz alusão à representação social dos alunos em relação aos conteúdos do Ensino Médio, entendendo-os como insuficientes diante dos conteúdos previstos nos editais de concursos vestibulares. Na sessão de Grupo Focal, os alunos confirmaram essa representação social ao afirmarem que comparam aquilo que aprendem na escola pública com os conteúdos desenvolvidos por seus amigos em escolas particulares e, em geral, sentem que “os outros aprofundam mais nas matérias e sabem de temas que nunca estudamos”. Mais uma vez, essa categoria também aponta para o entendimento das representações sociais dos alunos em relação à função que atribuem ao Ensino Médio, ou seja, preparação para os vestibulares, Na sequência das análises, observamos a categoria “Indisciplina”, sendo percebida

pelos

alunos

como

inconveniente

para

o

processo

ensino

e

aprendizagem, já que relataram que muitos alunos em sala de aula atrapalham o tempo todo com conversas, brigas, insultos, músicas, inquietações, provocações e descasos. A categoria “Indisciplina”, que compõe 10% das unidades de registro originárias das respostas dos alunos atribuídas ao questionário proposto, nos oferece diversas possibilidades de inferências, iniciando, assim, por aquela que mais se assemelha a ação orientada por representação social. Como visto anteriormente nesta dissertação, as representações sociais orientam ações e possuem, conforme Franco (2004, p. 171) “virtudes preditivas”, ou seja, a partir de suas compreensões é possível deduzir, dentro de um contexto social, os comportamentos individuais e as atitudes individuais. A indisciplina em sala de aula pode, portanto, ser um reflexo das representações sociais elaboradas pelos alunos sobre o Ensino Médio.

86

Se não há reconhecimento por parte dos alunos que são indisciplinados a compreensão do valor social e político do Ensino Médio, ou mesmo, se é uma verdade entre eles a ideia de que não estão sendo preparados adequadamente para os vestibulares e, também, se entendem que o fato de cursarem o Ensino Médio em escola pública os coloca em desigualdade em relação aos alunos de escolas particulares, a ação consequente possível dessas ilações pode ser a indisciplina em sala de aula. Outra possibilidade de inferência é aquela que demonstra o não reconhecimento dos alunos indisciplinados com os conteúdos e com as matérias genéricas que se apresentam no Ensino Médio, que por vezes estão distantes das realidades que vivem e não sugerem ou acrescentam aplicações práticas em seus cotidianos. Muitas vezes os alunos chegam ao Ensino Médio com muita defasagem, sem noção de conteúdos e conceitos básicos para essa etapa escolar. Não é raro alunos com alfabetização e leitura precárias neste nível de ensino. Em artigo publicado no site UOL, do Jornal Folha de São Paulo, em 06/03/2013, Maia (2013) apresenta a consideração da entrevistada Priscila Cruz40, diretora-executiva do Movimento “Todos Pela Educação”, referindo-se aos alunos que, segundo os números apurados, chegam no Ensino Médio sem condições básicas para avançar nos aprofundamentos propostos pelas novas disciplinas e conteúdos. [...] o fracasso do ensino médio é fruto da baixa qualidade do aprendizado acumulado no ensino fundamental e de problemas na estruturação do currículo de aulas. [...]

Muitos alunos que praticam a indisciplina, possivelmente também se orientam pelas representações sociais elaboradas sobre o Ensino Médio e mesmo sobre a própria importância da escola em suas vidas. Abandonam o compromisso com os estudos e frequentam a escola apenas para rever amigos e relacionamentos.

40

Entrevista concedida ao Jornalista Wiliam Maia, do Portal UOL, comentando os dados que fazem parte do relatório anual "De Olho nas Metas" feito pelo Movimento “Todos Pela Educação” que é uma Organização Não Governamental (ONG), que analisa e difunde indicadores de Educação no Brasil. As íntegras dos relatórios e indicadores estão disponíveis em: . Acesso em: 03 nov. 2014.

87

Assim, segundo afirmaram os alunos respondentes desta pesquisa na sessão de Grupo Focal, muitos desses alunos chegam na sala de aula apenas para “tumultuar o ambiente”, “falando alto”, e “desrespeitando os professores”. Foi comprovado com o diretor da escola e, também, mediante os diálogos na sessão de Grupo Focal, que os alunos respondentes desta pesquisa não compõem o grupo que gera indisciplina na sala de aula. Ao contrário, o próprio diretor da escola afirmou na entrevista que os alunos participantes são exemplos na escola e que levam muito a sério os estudos. No entanto, são esses alunos que mais sofrem com a indisciplina em sala de aula, pois gostariam de aproveitar mais as aulas e as explicações dos conteúdos, os quais se comprometem diante do clima negativo ao processo ensino e aprendizagem que é constantemente gerado em sala de aula. Tais situações são desfavoráveis ao aprendizado e geram condições para a elaboração de representações sociais negativas a respeito do Ensino Médio e da escola pública. Neste sentido, a indisciplina aparece entre as categorias que revelam as representações sociais dos alunos no que diz respeito às mudanças desejáveis para o Ensino Médio na escola pública. Em relação à categoria “Desrespeito”, composta por 10% das unidades de registro dispostas a partir do questionário respondido, foi percebido nas respostas dos alunos que se origina das relações que os funcionários da escola estabelecem com os alunos. Vários fatores podem explicar o mal tratamento, ou o tratamento desrespeitoso, indicado pelos alunos. Tais fatores vão desde à violência que ocorre fora da escola e que, por vezes, refletem “portão a dentro”, até ao tratamento genérico dos funcionários que não distinguem os alunos comportados e ordeiros daqueles outros que propagam a indisciplina na escola. Assim, qualquer situação é mediada por gritos, insultos e ofensas. Desta forma, os alunos representam socialmente o atendimento dos funcionários de forma negativa, considerando a ausência de respeito e, assim, esperam mudanças no comportamento e nas atitudes. Finalizando o tema “Ensino Médio: mudanças desejáveis” apresenta-se, com também 10% das unidades de registro, a categoria “Cansativo”, a qual se refere ao Ensino Médio considerando-o estressante, repetitivo e desmotivador.

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Em geral, essa categoria aponta para os problemas já demonstrados pelos alunos respondentes em temas e contextos anteriores nesta pesquisa, ou seja, a ausência de foco nos concursos vestibulares, a falta de compromisso dos professores, didáticas ineficientes, despreparo e indisciplina. O fato da modalidade Ensino Médio ser oferecida na escola somente no período noturno colabora com essa representação social. Esses problemas apresentados e, principalmente, vivenciados pelos alunos norteiam a elaboração da representação social, a qual coloca o Ensino Médio como uma fase escolar cansativa e estressante, que desgasta os alunos. Assim, embora com apenas 10% das unidades de registro neste tema, essa categoria pode apontar também para a falta de identificação dos alunos com a fase escolar, bem como, como as práticas oferecidas pelos professores e pela escola.

3.4.5

Ensino Médio: contribuição na formação A unidade de contexto (tema) denominada “Ensino Médio: contribuição na

formação”, se originou da pergunta de número “12”, última do questionário proposto aos alunos respondentes desta pesquisa. A proposta da pergunta se expressou na seguinte redação: “Em que o Ensino Médio contribuiu em sua formação?”. Os alunos em suas respostas fizeram alusões às suas personalidades e suas expectativas, atribuindo importâncias positivas ao Ensino Médio como fase escolar. No

entanto,

como

modalidade

de

ensino,

demonstraram

em

suas

representações sociais que esperavam mais do Ensino Médio, ou seja, que estivesse mais próximo dos concursos vestibulares. Ao contrário das unidades de contexto anteriores, os alunos se mostraram mais à vontade para responder positivamente sobre o Ensino Médio, não sentido necessidades de apontar erros ou frustrações. Versaram sobre a experiência que vivenciaram (e vivenciam) e demonstraram suas esperanças em relação ao futuro. Ao se referirem à formação, os alunos não se apegaram apenas ao entendimento de formação como conclusão do nível escolar, ou mesmo, como processo de escolarização.

89

Observando as respostas obtidas, bem como as unidades de registro originadas, foi percebido que os alunos compreenderam a palavra formação em um contexto mais amplo, englobando suas vidas, suas percepções e personalidades. Vê-los comentando acerca da importância do Ensino Médio em suas vidas (formações) nos remete, ainda, ao entendimento de que, embora existam tantos problemas a serem resolvidos, especialmente de ordem estrutural, pedagógica, política e social, a fase escolar do Ensino Médio ainda se mostra capaz de gerar valores, emoções, expectativas e esperanças nos alunos. É sem dúvida – o Ensino Médio – um momento significativo e singular, marcando a vida dos alunos e, de uma maneira ou de outra, influenciando decisões, posturas e destinos. Adiante a Tabela 14 que mostra as categorias elaboradas a partir das respostas dos alunos sobre a contribuição do Ensino Médio em suas respectivas formações. Tais

categorias

foram

nomeadas

como

“Acesso

à

faculdade”,

“Amadurecimento”, “Cidadania”, “Conhecimento”, “Futuro”, “Interação social”, “Personalidade”, “Profissão” e “Responsabilidade”.

90 A respeito da Tabela 14 notou-se que a categoria “Cidadania” e a categoria “Profissão”, perspectivas prioritárias expressas em documentos oficiais41, não acumularam quantidades de unidades de registro tão significativas quando comparadas com outras categorias nesta unidade de contexto (tema). Sendo assim, por elas foram iniciadas as inferências para que o contexto do Ensino Médio, bem como, as relações estabelecidas pelos alunos com essa fase escolar fossem evidenciadas. O Gráfico 5, a seguir, apresenta em números percentuais as quantidades de unidades de registro que compuseram todas as categorias nesta unidade de contexto (tema). GRÁFICO 5 - ENSINO MÉDIO: CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO 6,67% 6,67% 6,67% 6,67% 6,67%

Acesso à faculdade Amadurecimento Cidadania Conhecimento

20,00%

Futuro Interação social 6,67% 6,67%

33,33%

Personalidade Profissão

Com 6,67% das unidades de registros, as categorias “Cidadania” e “Profissão” mostram que os alunos não representam socialmente o Ensino Médio como um espaço de construção de valores políticos e econômicos, ou seja, é possível inferir que o Ensino Médio, pelo menos em relação aos alunos respondentes desta pesquisa, não foi significativo na construção de suas cidadanias e nem, tão pouco, foi determinante para que os alunos, no momento da conclusão desta fase escolar, se sentissem preparados para o mercado de trabalho. Corroborando com as percepções dos alunos em relação à ineficácia do Ensino Médio público em relação ao atendimento daqueles que vivem do trabalho, Neto et al (2011, p. 4) considera que:

41

Legislações, Parâmetros e Diretrizes pertinentes ao Ensino Médio já apresentadas e debatidas no decorrer desta dissertação.

91

Do ponto de vista das políticas públicas para o Ensino Médio, esta é a questão crucial a ser enfrentada: a mera ampliação do acesso em propostas que não atendem às necessidades de participação social e produtiva dos que vivem do trabalho não é suficiente, embora se tenha claro que esta ampliação é urgente e necessária, com a qualidade possível.

Com base no contexto em que se inserem e nos dados informados no questionário que os caracterizam, compreendemos que os alunos respondentes desta pesquisa são de origem proletária e que, por essa classe social, adentrarão o mercado de trabalho. No entanto, diante das poucas referências que os alunos demonstraram em relação à representação social do Ensino Médio como fase de formação da cidadania e de preparação para o mercado de trabalho, entende-se que a transição entre a conclusão do Ensino Médio e o acesso ao mercado de trabalho é, de certa maneira, arbitrária e desfavorável para os jovens, uma vez que acabam tendo que ocupar postos de trabalho que não necessariamente condizem com seus interesses, habilidades ou mesmo necessidades. De posse da percepção orientada pelas representações sociais já elaboradas, os

alunos compreendem

que

o

Ensino

Médio

público não

os prepara

adequadamente para o exercício da cidadania e nem para o acesso qualitativo e democrático ao mercado de trabalho. Assim,

concentram

suas

representações

sociais

em

outros

valores

relacionados à fase escolar do Ensino Médio, deixando clara a distância entre aquilo que o Poder Público define como objetivo do Ensino Médio nas documentações oficiais e aquilo que de fato é oferecido para os alunos em sala de aula. Diante da necessidade de um Ensino Médio mais adequado à classe trabalhadora, especialmente aquela inserida nas periferias, que cumpra ao mesmo tempo a formação da cidadania e a inserção qualitativa no mercado de trabalho, sem que os interesses das empresas se percebam mais relevantes do que os interesses democráticos e sociais, Neto et al (2011, p.5) comenta que: Enfrentar esta relação supõe a construção de um Ensino Médio com outra qualidade para a classe trabalhadora: não a qualidade requerida pelo mercado, mas a qualidade demandada pela inclusão na vida social e produtiva, em respeito aos direitos de cidadania.

Da mesma forma que não representam socialmente de forma positiva o potencial do Ensino Médio em relação ao desenvolvimento da cidadania e a preparação para o mercado de trabalho, os alunos também entendem que o Ensino

92

Médio contribui pouco para o futuro. Apenas 6,67% das unidades de registro originárias das respostas dos alunos compuseram a categoria “Futuro” em relação ao tema proposto. Diante dos dados observados na Tabela 14 e no Gráfico 5 é possível afirmar que os alunos, com base naquilo que observam acerca das escolas particulares e dos cursinhos pré-vestibulares, já representam socialmente o Ensino Médio como fonte de informações e conhecimentos úteis para os concursos vestibulares e, logo, para o acesso ao Ensino Superior. Desta forma, orientados por essa representação social esperam que o Ensino Médio público, ao qual se vinculam, funcione como espaço em que novos conhecimentos são apresentados, colaborando, assim, com suas expectativas e interpretações do meio. No entanto, não encontram na estrutura pública aquilo que imaginam e, assim, depreciam o Ensino Médio e esperam pouco em relação ao futuro. Possivelmente essas representações sociais advém daquilo que conhecem e observam sobre as escolas particulares, da mídia em torno dos cursinhos “prévestibulares” e, também, dos números que apresentam as escolas públicas na contramão do acesso aos cursos superiores de ponta. Tais considerações podem justificar a razão pela

qual os alunos

representarem socialmente, de forma tímida, a importância do Ensino Médio público em relação ao futuro. A categoria “Acesso à faculdade”, reportando a representação social do Ensino Médio pertinente à importância em suas vidas, obteve apenas 6,67% das unidades de registro, mostrando que o Ensino Médio contribui pouco para a sequência de seus estudos em nível superior. Tal representação social tímida corrobora com outros temas, inferências e percepções já desenvolvidas nesta pesquisa. Assim, para os alunos, ficou claro nesta pesquisa que o Ensino Médio público é pouco se apresenta de forma pouco relevante em relação à preparação para os concursos vestibulares. Essa impressão, por se repetir inúmeras vezes neste processo de Análise de Conteúdo, possibilita a conclusão de que os alunos cursam o Ensino Médio em escola pública esperando performances que não são prioridades da escola. Por sua vez, a escola pública tem por obrigação cumprir as determinações dos documentos

93

oficiais que norteiam o Ensino Médio, comtemplando a formação da cidadania e a preparação para o trabalho. Ainda assim, por razões diversas já comentadas nesta pesquisa, a estrutura da rede pública também não cumpre plenamente tais determinações oficiais, fazendo com que os alunos passem à margem de seus interesses representados socialmente e, também, à margem das prerrogativas institucionais. O Ensino Médio público, sem foco nos concursos vestibulares, sem formar qualitativamente a cidadania e, também, sem preparar os alunos para o mercado de trabalho, carece de identidade. Seguindo nos aprofundamentos do tema, também com 6,67% das unidades de registro observadas nas respostas, as categorias “Responsabilidade” e “Amadurecimento” se apresentaram entre as representações sociais dos alunos em relação à importância do Ensino Médio em suas formações individuais. Os alunos representam socialmente o Ensino Médio também como fase da vida que separa a adolescência da entrada na idade adulta. Deste modo, a conclusão do Ensino Médio os remetem à observância de novos desafios, obrigações e responsabilidades, muito mais significativas do que aquelas que estão vivenciando ainda na fase escolar. Ao tomarem consciências dessas novas realidades que deverão vivenciar, acabam por se considerarem responsáveis e amadurecidos. Os alunos representam socialmente, também, a ideia de que conclusão do Ensino Médio como dever cumprido, o que os leva – de forma orientada por essas representações sociais – a aceitarem o mercado de trabalho como sequência de suas responsabilidades, naturalizando as etapas de suas vidas. Com 20% das unidades de registro, a categoria “Personalidade” se apresentou como representação social dos alunos em relação à importância do Ensino Médio em suas formações. Consideraram que, em relação ao Ensino Médio, o convívio diário com as dificuldades e frustrações contribuiu para a formação de uma personalidade mais crítica, já que precisam, frequentemente, apontar problemas e exigir soluções da escola. O contato com professores mais críticos, ou mesmo o empate com outros menos críticos, fizeram com que os alunos pudessem observar valores positivos e

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negativos, acolhendo, assim, aqueles que julgaram mais pertinentes às suas realidades. A escola é, sem dúvida, grande difusora de valores, já que se realiza a partir dos posicionamentos de seus profissionais. Os alunos, por sua vez, convivem com professores, gestores e funcionários talvez na mesma medida que convivem com seus familiares. Bons exemplos, senso de justiça, alinhamentos políticos e afinidades em geral passam a formar a personalidade dos alunos, os quais, muitas vezes, estão presentes na mesma escola desde a primeira infância. Neste contexto, se faz coerente que os alunos representem socialmente a personalidade como importância do Ensino Médio em suas formações (vidas). A categoria “Interação social”, representada pelos alunos em relação à importância do Ensino Médio, também figurou de forma tímida entre as unidades de registro, obtendo apenas 6,67%. A oportunidade de conhecer pessoas não ficou entre as representações sociais mais significativas dos alunos sobre o Ensino Médio. É valido considerar que os alunos, sejam eles os respondentes desta pesquisa ou mesmo os demais que também estudam na escola, estabelecem relações de amizade, afeto e confiança nas redes sociais. Embora pareça para muitos uma prática “estranha”, as novas gerações, especialmente aquelas que já nasceram no “universo digital”, lidam e interagem de forma muito mais natural com as possibilidades disponíveis na esfera virtual da comunicação. Embora já existam pesquisa neste sentido, é certo que essas relações que se ampliam e se fortalecem a cada dia, apontam para a necessidade de pesquisas específicas, as quais podem contribuir em muito na compreensão das dinâmicas e das motivações que levam as gerações mais jovens a preferirem modalidades virtuais ao invés de possibilidades reais de relacionamentos e amizades. A questão da violência dos centros urbanos e das periferias, por exemplo, certamente faz parte dessas motivações. Por fim, a categoria “Conhecimento”, representada socialmente pelos alunos do Ensino Médio como importância em suas formações, atingiu 33,33% das unidades de registro presentes nas respostas que os alunos atribuíram ao questionário proposto.

95

Considera-se significativo e relevante esse dado, já que os alunos, por muitas vezes nesta pesquisa, se mostraram frustrados com as didáticas, estruturas e funcionamento do Ensino Médio da rede pública. No entanto, ao observar que no Município de Carapicuíba, conforme dados já apresentados nesta pesquisa, as possibilidades culturais são reduzidas 42, se faz verossímil que os alunos representem o conhecimento advindo do Ensino Médio como atributo positivo em suas formações. Ao acessarem o Ensino Médio, encontram novas disciplinas, temas e professores, colocando-os diante de diversas possibilidades de interpretação do meio em que se inserem. De certa maneira, no Ensino Médio, os alunos contam com mais autonomia em relação ao Ensino Fundamental. Assim, mais amadurecidos, passam a compreender as relações existem no meio com elementos que o Ensino Médio apresenta, ampliando suas possibilidades de conhecer e reconhecer a realidade. Mesmo diante de muitos percalços, o Ensino Médio público ainda consegue oferecer novidades, o que é positivo no sentido de fomentar nos alunos interesses em aprofundamentos que podem contribuir, inclusive, com a tomada de decisões dos alunos em relação aos encaminhamentos que darão após a conclusão desta fase escolar.

42

Cf. notações “59’ e “61’.

96

4

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Ao desenvolver as considerações gerais, algumas observações a respeito do Ensino Médio são relevantes à compreensão do contexto em que são elaboradas as representações sociais dos alunos, bem como, às análises e inferências realizadas nesta pesquisa. Conforme apresentado anteriormente, as representações sociais são entendidas como uma forma de conhecimento que se origina mediante a relação dos indivíduos com o meio em que se inserem. Desta relação os indivíduos formam concepções, definições e opiniões que refletem o seu cotidiano social. Assim, a escola por ser um espaço de convívio social proporciona a interação de pessoas com similaridades em relação às necessidades socioeconômicas, aos valores adquiridos, às ambições profissionais e pessoais, às faixas etárias (em especial no caso do Ensino Médio) e à proximidade em relação ao espaço de convívio social. Em suma, é possível afirmar que a escola abriga grupos que vivenciam o mesmo cotidiano e carecem do Poder Público, muitas vezes, dos mesmos cuidados enquanto grupo social e que se afetam, alguns mais e outros menos, mediante as mesmas pressões econômicas, políticas e culturais. Na escola também ocorrem relações entre os professores e alunos, entre o conhecimento formal e o conhecimento advindo do senso comum, ou das representações sociais já elaboradas e presentes naquele grupo social. Desses encontros, outros saberes são formuladores e outras representações elaboradas, gerando novas formas de pensar, compreender, nomear e interpretar a realidade e tudo aquilo que é apresentado no tempo presente. Como vimos em Moscovici (2013) as representações sociais têm o compromisso de tornar “familiar” aquilo que “não é familiar”, de trazer compreensões comuns e convencionadas a determinado grupo sobre os objetos, situações, imagens, opiniões, dentre outros, que se apresentam. Na escola, o trânsito de informações e as possibilidades do encontro com “o novo” favorecem, cotidianamente, a elaboração de representações sociais e, também, a afirmação de outras representações já elaboradas. Desta forma, todos os indivíduos que estão na escola, além de potenciais elaboradores de representações sociais, trazem consigo as representações,

97

nomenclaturas, imagens já adquiridas cognitivamente e, assim, classificam, nomeiam e julgam as instituições, a modalidade escolar, o próprio futuro e as oportunidades. O senso comum, por sua vez, corrobora no sentido de se incumbir da produção do conhecimento de determinado grupo social. Assim, a escola é, de fato, o lugar em que se encontram o conhecimento formal, o conhecimento informal e o senso comum. Esse encontro deve ser pensado e

mediado

pedagogicamente,

especialmente

no

sentido

de

propor

as

transformações necessárias que valorizem as demandas pertinentes ao contexto social. Aquelas representações sociais que são trazidas pelos indivíduos e que já estão cristalizadas no senso comum, também podem ser mediadas, pensadas e repensadas na escola mediante o desenvolvimento dos conteúdos necessários para transformar o senso comum no bom senso. Diante desse raciocínio, a escola, em linhas gerais, deve valorizar o desenvolvimento da consciência nos alunos para que eles possam conhecer de fato a realidade em que se inserem e, assim, terem oportunidades para interagir e transformar seu contexto sócio-histórico. Essas colocações não são exatamente uma conclusão nesta pesquisa, mas sim a percepção social da Educação e de suas finalidades. Tais percepções subsidiam-se em instrumentos legais, os quais procuram tornar juridicamente legal aquilo que é natural, ou seja, fazer com que a escola seja um apoio para que novas gerações possam interagir de forma segura dentro de um contexto já em movimento social e histórico. Corroborando com o objetivo da escola comentado acima, a Lei Federal nº 9.394 de 1996, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no Título II “Dos Princípios e Fins da Educação Nacional”, Art. 2º, traz: A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Na mesma Lei, na Seção IV, no Art. 35º, Item III, encontra-se como finalidade do Ensino Médio: O aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

98

Antes, porém, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Constituição Federal43 de 1988 no Art. 205º já positivava o compromisso do Estado e da Família com a Educação, bem como seus objetivos mais amplos, especialmente lidados ao compromisso da efetivação da cidadania e da qualificação para o trabalho: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Assim, mediante as documentações oficiais, a Educação é um direito conquistado e estabelecido constitucionalmente e deve ter como finalidades o pleno desenvolvimento do ser humano, o estabelecimento de condições adequadas para o exercício da cidadania e o devido preparo democrático para o mercado de trabalho. No entanto, os alunos estão excluídos da escola quando essas finalidades oficiais não são efetivadas. A simples permanência dos alunos nos ambientes escolares não pode ser entendida com inclusão na escola ou mesmo como compromisso com a Educação. Tal permanência somente socializa os alunos e cumpre, assim, apenas uma parte daquilo que deveria ser oferecido legalmente. Nesta pesquisa, a partir da interpretação dos dados obtidos foi possível observar que os alunos representam socialmente a escola como o ambiente que deve ensinar, promover a cidadania, colaborar com o futuro e com o amadurecimento. Tais representações sociais mostram aquilo que os alunos esperam da escola, porém, outras representações sociais elaboradas pelos alunos mostram que suas expectativas não são efetivadas. A respeito do Ensino Médio público, os alunos representaram socialmente a importância desta fase escolar em suas vidas como sendo importante para o futuro, para o conhecimento, para o acesso à faculdade e para a formação pessoal. Além disso, mostraram em suas representações a respeito da importância do Ensino Médio, que a conclusão desta fase é uma conquista. Elaboram essas representações a partir de representações sociais já existentes no meio em que vivem e, também, daquilo que percebem a respeito das escolas particulares, dos cursinhos pré-vestibulares e das notícias sobre o acesso

43

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Íntegra da Constituição Federal de 1988 (CF). Disponível em: . Acesso em: 28 jul 2014.

99

às faculdades e cursos mais disputados que, em geral, são desfavoráveis aos alunos de escolas públicas. Os alunos expressam que a possibilidade de obterem novos conhecimentos, a sensação de conquista em concluir uma fase escolar e, com isso, o direito de poderem acessar o Ensino Superior, palco de novas experiências e desafios, bem como, a convivência e a gratuidade são aspectos positivos do Ensino Médio. Tais aspectos positivos representados pelos alunos não se aproximam das prerrogativas legais, ou seja, da efetivação da cidadania e da preparação para o trabalho. Contudo, quando questionados a respeito das mudanças que desejam para o Ensino Médio, os sentimentos e as representações sociais apontam para as mazelas e os percalços que se fazem presentes na estrutura e no funcionamento do Ensino Médio na rede pública de ensino. Entendem que o Ensino Médio público deveria se aproximar mais das escolas particulares em relação ao foco nos concursos vestibulares, que os professores deveriam ter mais interesse nas aulas e nos alunos, tanto na elaboração de didáticas mais envolventes, quanto na organização e manutenção da disciplina. Ainda

em

relação

às

mudanças

desejáveis,

os

alunos

expressam

o

descontentamento entre aquilo que representam socialmente sobre o Ensino Médio e aquilo que de fato lhes é oferecido, ou seja, uma fase escolar que não cumpre as prerrogativas oficiais – cidadania e trabalho – e que também não atende as demandas de seu público. Em outras palavras, as mudanças que os alunos expressam e representam socialmente sobre o Ensino Médio demonstram a ausência de uma identidade desta fase escolar, a qual se cristaliza cada vez mais apenas como “médio”, ou “meio”, entre o Ensino Fundamental que, conforme Kuenzer (2000, p. 23), é o foco das políticas públicas, e o Ensino Superior que, no século XXI, passou a ser requisito altamente valorizado em situações de concorrência e em processos de seleção para o mercado. (FRANCO & NOVAES, 2001, p. 182). Como observado, as representações sociais elaboradas pelos alunos de escola pública sobre o Ensino Médio subsidiam-se em outras representações sociais já elaboradas pela sociedade e, assim, orientam sensações de inferioridade, contribuindo negativamente em seus cotidianos escolares e nos processos de ensino e aprendizagem.

100

A escola, representada nos professores, gestores e funcionários, deve ter a preocupação de “recuperar” essas representações sociais, contribuindo para um melhor relacionamento entre alunos e o Ensino Médio, especificamente. Neste sentido, Franco (2014, p. 185) conclui: E isso nos leva a afirmar a indispensável necessidade de recuperar o concreto, de ultrapassar dialeticamente o caráter ideológico das ideias, dos conceitos e das representações, trabalhando com os conceitos de “totalidade”, “alienação” e “contradição”, com vistas a uma possibilidade de “reconstrução” das representações sociais.

Ainda no sentido de repensar a escola pública, Franco & Novaes (2001, p. 182) alertam para os compromissos que a escola deve assumir diante das dinâmicas político-econômicas que se apresentam no século XXI. [...] deve ficar claro que enquanto a escola não assumir para si a formação de jovens competentes, informados e conscientes, pouco estará colaborando para superar a alienação e a incorporação acrítica de modelos criados em outras instâncias, inadequados à nossa realidade.

Contudo, os alunos representam socialmente também fatores positivos em relação ao Ensino Médio em suas vidas. A obtenção de novos saberes, as possibilidades de, nesta fase escolar, se depararem com situações e relações pessoais que contribuem na formação de suas personalidades, em especial ao amadurecimento, já que percebem o fim de um ciclo e o início de outro muito mais desafiador, que é o acesso ao mercado de trabalho e ao Ensino Superior. Assim, mesmo diante de tantas imperfeições, o Ensino Médio público ainda consegue ser uma fase escolar significativa para os alunos. Deveria ser bem aproveitada por professores, gestores e Poder Público, pois se incumbe de formar as futuras gerações que, no limite, terão que dar conta de destinar o país. Especialmente por ser tão significativa, Silva (2009, p. 31-32) alerta sobre a necessidade da sociedade como um todo repensar a Educação pública: Nossa época vem se transformando aceleradamente numa mercadoria e a escola passa a se constituir num dos promissores negócios de nosso tempo. Face a este cenário, não deixa de ser um momento oportuno de retomarmos as bandeiras de defesa de uma educação pública, gratuita, laica, obrigatória, de qualidade e universal.

Faz-se necessário que todos os envolvidos na Educação pública, que atendem as maiores demandas, procurem se aproximar cada vez mais das reais necessidades dos adolescentes.

101

Neste sentido, as representações sociais se constituem e se apresentam como aliadas importantes aos que se propõem pensar e repensar a Educação, já que possibilitam conhecimentos amplos das necessidades e expectativas dos alunos. Portanto, enquanto existirem distanciamentos entre a escola, a sociedade e os alunos, a Educação em todas as suas modalidades, estará sujeita à contramão das necessidades que a democracia e o sistema produtivo demandam, promovendo e perpetuando a desigualdade social, evidente, representada socialmente e, acima de tudo, vivenciada cotidianamente entre os alunos do Ensino Médio da rede pública.

102

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Representações Sociais: Aspectos Teóricos e Aplicações à Educação. Em Aberto. Brasília: ano 14, nº 61, jan./mar. 1994. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: Geral e Brasil. São Paulo: Editora Moderna, 2009. APEOESP. História. Disponível sindicato/historia/>. Acesso em 02 jul 2014.

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