Representatividade e a Invisibilidade da Mulher na Indústria Cinematográfica: A Imagem no cinema clássico e a busca pelo Contra Cinema

June 6, 2017 | Autor: Patrick Carvalho | Categoria: Cinema, Women in Cinema
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Patrick Martins de Carvalho

Representatividade

e

a

Invisibilidade

da

Mulher

na

Indústria

Cinematográfica: A Imagem e a busca pelo Contra-Cinema

É um fato conhecido que se fizéssemos uma colagem de cineastas renomados na cinematografia mundial levantaríamos com facilidade uma diversidade de nomes, Alfred Hitchcock, Howard Hawks, Billy Wilder, John Ford, Orson Welles, Fritz Lang, Stanley Kubrick, John Cassavetes, Federico Fellini, Ettore Scola, Antonioni, Mario Bava, Akira Kurosawa, Kenji Mizoguchi, Cronenberg e tantos outros, mas a pergunta que resta é: onde estariam as mulheres? Haveriam sido invisibilizadas por um sistema sexista? Haveriam mulheres trabalhando dentro da indústria cinematográfica? O que justifica sua invisibilidade? É justificável? No entanto, outras perguntas essenciais deveriam ser: o que seria de Touro Indomável do Scorsese sem sua editora de longa data Thelma Schoonmaker? O que seria de Quentin Tarantino sem Sally Menke? O que seria da crítica cinematográfica sem uma figura tão fundamental quanto Pauline Kael? Sem Louise Brooks na obra prima A Caixa de Pandora (1929) do Pabst? Sem as performances corajosas e ousadas de Helen Holmes no início do século passado? E dos filmes produzidos por Kathleen Kennedy? e sem o cinema experimental de Maya Deren? E Dorothy Arzner, diretora, escritora e inventora do boom mic? Para onde foram nossas Ava's, Agnès e Ida's? Em um artigo intitulado Women in, behind, and at the movies - Shouldn't there be more of them?, John Fithian, presidente e CEO da National Association of Theatre Owners, aponta para um estudo realizado em 1998 onde foi revelado que somente 9% dos diretores trabalhando em Hollywood são mulheres. E, posteriormente, quando reproduzido o estudo novamente dez anos depois, em 2008, ainda só constavam 9%. A industria estaria de fato mudando e dando mais espaço para mulheres? Estariam sendo mais acolhedores a diversidade ou as mulheres ainda seriam minorias nas premiações? É importante lembrar o perfil dos votantes do Oscar: homens, heteros, brancos, conservadores, na faixa etária entre 60 a 70 anos. No Oscar de 2016 a porcentagem de indicados tiveram apenas 24% de

mulheres, assim como nenhum ator ou atriz negra indicada. Essa ausência de diversidade recebeu a crítica do cineasta Spike Lee, que afirmou que não irá participar de um evento que premia atores, e em dois anos seguidos os 20 candidatos na categoria de melhor ator e atriz são exclusivamente brancos. E o que dizer das outras categorias? onde estariam os filmes com negros, latinos e mulheres? Em outro estudo do Center for the Study of Women in Television and Film em um artigo intitulado "It's a Man's (Celluloid) World: On-Screen Representations of Female Characters in the Top 100 Films of 2014" que investiga as representações femininas na tv e no cinema dos filmes que tiveram as 100 maiores bilheterias de 2014, destes alguns fatores são frequentes, tais como: a prevalência de estereótipos de gênero, a falta de diversidade étnica e a falta de representatividade feminina - frequentemente mulheres ocupam papéis muletas como mero apoio para personagens masculinos ou compõem dramas rasos secundários que reforçam o sexismo das produções. Além disso, o estudo aponta para dados preocupantes como o fato de que menos de 30% das personagens femininas tem falas e que apenas 29% dos personagens principais são mulheres. Dessa forma, é curioso notar premiações como o Oscar que tem mais de oitenta anos de existência e importância histórica inegável, já teve mais de 400 diretores indicados a categoria de Melhor Diretor, porém, somente quatro indicações foram para mulheres e somente uma venceu, Kathryn Bigelow por Guerra ao Terror em 2008. Fora isso, uma mulher jamais foi indicada ao Oscar de Melhor Direção de Fotografia na história da premiação. Um estudo recente criado por Lyle Friedman, Matt Daniels e Ilia Blinderman do Polygraph analisaram os 200 filmes de maior bilheteria do cinema e investigaram quais passariam em três testes: o teste de Bechdel, o de diversidade de gênero e o de time de escritores. Os filmes que tiveram um time com somente escritores homens falhou em 53% dos casos e passou em 47% das vezes. Os filmes com pelo menos uma mulher escritora no time falhou 38% das vezes e passou em 62% das vezes. E os filmes com somente mulheres escritoras passou com 100% no teste, o que comprova que a falta de diversidade e de mulheres em cargos ativos reforçam o machismo e o sexismo predominantes em Hollywood. Portanto, é inegável que o cinema clássico construiu ideologicamente a imagem da

mulher, basta reparar nas personagens vividas por Marilyn Monroe, atriz que teve sua imagem excessivamente explorada e virou um dos sex symbols mais marcantes da década de 1950. Assim, foi central pro trabalho investigar o mito da mulher e sua correspondência imagética no cinema. Também, certamente, é importante alcançar uma definição dos conceitos-imagens que povoam o imaginário cinematográfico. Nesse sentido, a figura da mulher, por ter sido fetichizada por décadas e por terem obtidos sempre papéis estereotipados que retroalimentam um desejo voyerista masculino, podem ser analisadas nesse contexto dos filmes clássicos tanto estruturalmente dentro de uma narrativa ou como claras convenções e preconceitos da época. Isto se dá porque dentro de uma indústria de predominância masculina, as personagens femininas no cinema passam a representarem ideologicamente não a realidade e o que 'são', mas o que 'são' as mulheres para os homens. É uma visão unilateralizada que é impressa no imaginário cinematográfico. Dessa forma se estabelece na linguagem cinematográfica os atributos falsos que compõem uma figura feminina. No entanto, essa representação é claramente ilusória (E só se estabelece pelo caráter fantástico do cinema): a mulher é representada como submissa e sexualizada, sem outras características que a torne autêntica como uma mulher real - como se, dentro desse simulacro, as personagens femininas respeitassem somente os critérios de fetiche de um sonho masculino. No cinema do Fellini, por exemplo, a sexualização das mulheres obedece a uma ordem narrativa: obras como Cidade das Mulheres (1980), Casanova de Fellini (1976), Roma (1972), 8 1/2 (1963) e Amarcord (1973) as sua mulheres seguem uma lógica masculina, isso porque servem ao fetiche do homem enquanto personagens bidimensionais por serem flagrantemente fictícias e/ou produtos de sua memória. E isso porque a estrutura desses filmes tratam de sonhos, de lembranças e da psique de um homem e sua perspectiva deturpada das mulheres. Portanto, quando o libertino Casanova ou Snàporaz (o personagem de Marcello Mastroianni em Cidade das Mulheres) observam as mulheres, elas aparecem como se comportam seus desejos, i.e., mulheres de seios fartos e hiper-sexualizadas. Por outro lado, Smelik, ao apontar o artigo 'Visual pleasure and narrative cinema' da autora Laura Mulvey, define que o cinema busca uma fascinação através da noção de scopophilia (o desejo ou prazer sexual de assistir) que, de acordo com Freud, é um conceito fundamental no homem. Smelik dirá ainda que:

O cinema clássico estimula o desejo de ver ao integrar estruturas de voyeurismo e narcisismo em sua história e em sua imagem. O prazer visual voyerista é produzido ao olhar para um outro (personagem, figura, situação) como nosso objeto, enquanto que o prazer narcisista visual pode ser derivado de uma auto-identificação com a (figura) na imagem (SMELIK, 2015, p. 1).

O que a autora aponta da tese de Mulvey sobre a scopophilia é que sua estrutura obedece funções binárias, de ativo e passivo. E essa noção binária é determinada essencialmente por gênero. Ou seja, o homem é sempre retratado como o sujeito ativo, onde a história gira ao seu redor e se integra à ele porque o homem é divinizado como o personagem que detém poder: a ele obedece o princípio de movimento da ação e do miolo dramático. Enquanto a personagem feminina é retratada sempre indefesa, passiva, e sua função dramática é estar como que em uma vitrine exposta a serviço dos desejos masculinos. Para fortalecer essa imagem, basta ter em mente as personagens protagonizados por Marilyn Monroe, que representa, simbolicamente, o desejo personificado masculino da estética clássica, como se encontra em filmes como Os Homens Preferem as Loiras (1953) e Como Agarrar um Milionário (1953), similarmente, se encontra o mesmo nas construções fetichizadas da Marlene Dietrich nos filmes do Josef von Sternberg. E isso serve para agradar a dominação masculina em duas dimensões, uma de ordem fictícia, em que a ação ocorre no interior da obra. E uma de ordem realista, onde, exteriormente ao filme, o expectador espera por se identificar com o personagem masculino-alfa que flerta com as mulheres e lhes salva o dia. Em ambos os casos, essa lógica narrativa falha em criar uma representação real feminina que fuja dos padrões normativos patriarcais. Se a noção de scopophilia evidencia que há uma relação interativa entre o espectador e a imagem-cinema, resta se perguntar o que caracteriza essa dimensão de verdade que o cinema carrega e o porquê da representatividade ser importante no interior dessas narrativas. Ora, Cabrera, em seu livro O Cinema Pensa, questiona até que ponto uma ficção particular pode ter algum compromisso com uma verdade universal: A verdade do cinema? O que é isso? Fellini se autodenominou várias vezes "um grande mentiroso" e o cinema é, cada vez mais, uma autêntica fábrica de ilusões, de malabarismos, de engenhocas, efeitos visuais, inverossimilhanças de todo

calibre e cortes absolutamente artificiais. Como esta linguagem malabar poderia ter alguma coisa a ver com a verdade e a universalidade? (CABRERA, 2006, p. 36).

Assim, o cinema carrega erm sua constituição algo próprio da construção dos mitos gregos: ele não é "meramente fictício" porque tem no intestino da obra algo de essencialmente real, ou, em certa medida, traz ao espectador uma impressão de realidade. Não é incomum, por exemplo, na filosofia, encontrar filósofos que partem de uma suposição fantástica (Como no caso do Mito da Caverna de Platão e do Gênio Maligno de Descartes) onde eles aceitam o domínio da imaginação como parte do processo de conhecimento, porque reconhecem que, através da ilusão, também se alcança alguma verdade. A respeito disso Cabrera dirá que: O cinema parece se caracterizar pela constituição de uma "impressão de realidade" e pela perturbadora capacidade de apresentar qualquer coisa (até a mais fantástica e inverossímil) com a aparência de realidade, de maneira retórica e impositiva, enfeitizante, fetichizante, assumida e descaradamente mentirosa (CABRERA, 2006, p. 37).

Não é por acaso que, com frequência, ao entrar em uma sala de cinema, somos como que arrebatados à uma realidade que não a nossa, como que enfeitiçados por uma serpente. Dito isto, o processo de ir ao cinema ocorre de maneira ritualística, habita-se uma sala escura, silenciosa, imersos no vazio, até que o projetor preenche a tela e, a menos que a própria narrativa te alerte do caráter fictício e te empurre para fora do filme, em nenhum outro momento você estará racionalizando a verdade simulada apresentada dentro daquele universo lógico. O cinema trabalha diferente de um texto formal, pois opera através do impacto emocional que este proporciona. Portanto, o que é valioso nessa relação para o tema tratado é que se assumirmos que o cinema tem em si mesmo uma atitude revolucionária e traz um impacto emocional para aquele que o assiste - porque é uma experiência reveladora, e que proporciona um impacto sensível - se torna indispensável a existência de um contra-cinema. Um contra-cinema que visibilize as mulheres e que tenham narrativas que proporcionem uma resposta emocional sem diminuí-las. Assim, um filme como Rashomon (1950) de Akira Kurosawa pode nos informar das múltiplas perspectivas de uma mesma

história e, ao fim da sessão, passamos a nos questionar o valor da verdade do que nos cerca. Analogamente, um filme pode nos educar a respeito de um tema qualquer, por ser, ele mesmo, uma experiência estética. Cabrera ainda dirá a respeito disso que: Não é a mesma coisa dizer que a guerra é absurda e ver Johnny vai à guerra, de Dalton Trumbo, ou Nascido em 4 de Julho, de Oliver Stone. [...] Exercendo este efeito de choque, de violência sensível, de franca agressividade demonstrativa, é possível que o espectador tome uma aguda consciência do problema (ou, como dizem, "se sensibilize"), como talvez não aconteça a ele lendo um frio tratado sobre o tema (CABRERA, 2006, p. 38).

Contudo, o cinema já incorporou e aperfeiçoou tanto esses mecanismos geradores desses estereótipos de desejo masculino que até mesmo se solidificou e tornou parte canônica da tradição do western e de sua estética. O homem do Western é facilmente representado pela figura do Gary Cooper de Matar ou Morrer (1952), como o cowboy destemido, corajoso, e com um sentido de justiça e moral elevados. Por outro lado, raros serão os casos em que uma mulher participa ativamente da ação como no clássico do Howard Hawks Jejum de Amor (1940), em que a personagem da Rosalind Russell domina a presença em tela de maneira semelhante a seu parceiro homem, Cary Grant, assim como os arquétipos das femmes fatales trabalhadas com frequência nas narrativas noir's dos anos 40 e 50, que não raramente tem o efeito contrário, de acabar por demonizar a figura feminina por apontá-las como culpadas, dissimuladas e de pouco valor. De acordo com Mulvey "[...] em termos psicoanalíticos, a imagem da 'mulher' é fundamentalmente ambígua porque combina atração e sedução com uma evocação do medo da castração. Porque sua aparição lembra o sujeito masculino da falta de pênis" assim, para Smelik, o cinema clássico resolve essa ameaça ao gênero masculino com duas estratégias de dominação. Uma através da estrutura narrativa ou através do fetichismo. Dessa forma, para resolver a ameaça da castração na narrativa, o cinema clássico impõe a personagem feminina punições, onde, com frequência, as personagens femininas são em algum momento consideradas culpadas. Smelik aponta como um bom exemplo os filmes do Hitchcock, onde é comum esse tipo de narrativa onde o destino da mulher é sofrer uma punição ou uma salvação de acordo com o fetichismo imposto pela história, ou a mulher morre (como em Psicose, 1960) ou se casa (como em Marnie, 1964) (SMELIK, 2015,

p.492). Ao fim, Smelik ainda aponta para uma possível saída dessa lógica do patriarcado na indústria cinematográfica: Esse conceito (fetichismo da figura feminina) ajuda a iluminar como o cinema de Hollywood é feito sob medida para os desejos masculinos. Porque a estrutura do cinema de Hollywood são analisadas como fundamentalmente patriarcais, algumas primeiras feministas declararam que um filme para mulheres deveria se esquivar da narrativa tradicional e técnicas cinematográficas e se engajar em práticas experimentais: assim, o cinema para mulheres deveria ser um contra-cinema (SMELIK, 2015, p.492).

Bibliografia CABRERA, Julio, O Cinema Pensa - Uma Introdução à filosofia através dos filmes, Editora Rocco, 2006. SMELIK, Anneke, The Cinema Book - Feminist Film Theory, 2015. Último acesso em 29/01/2016 FITHIAN, John, Women in, behind, and at the movies - Shoundn't there be more of them?, The Vault, 2012. Último acesso em 29/01/2016. http://pro.boxoffice.com/the_vault/issue_page?issue_id=2012-1-1&page_no=10#page_start LAUZEN, Martha M. It's a Man's (Celluloid) World: On-Screen Representations of Female Characters in the Top 100 films of 2014. Último acesso em 29/01/2016. http://womenintvfilm.sdsu.edu/files/2014_Its_a_Mans_World_Report.pdf FRIEDMAN, Lyle, DANIELS, Matt, BLINDERMAN, Ilia. Hollywood's Geder Divide and It's Effect on Films - Examining the gender of writers, producers, and directors who make films

that

fail

the

bechdel

http://poly-graph.co/bechdel/

test,

Polygraph.

Último

acesso

em

29/01/2016:

Filmes citados no corpo do trabalho: Touro Indomável (1980) Caixa de Pandora (1929) Guerra ao Terror (2008) Cidade das Mulheres (1980) Casanova de Fellini (1976) Roma (1972) 8 1/2 (1963) Amarcord (1973) Os Homens Preferem as Loiras (1953) Como Agarrar um Milionário (1953) Rashomon (1950) Johnny vai à guerra (1939) Nascido em 4 de Julho (1989) Matar ou Morrer (1952) Jejum de Amor (1940) Psicose (1960) Marnie (1964) Pequena lista de recomendações de cineastas e mulheres notórias do cinema: Agnès Varda Ana Carolina Anita Loos Ana Muylert Claire Denis Deniz Gamze Ergüven Ellen Lewis Frances Marion Helen Holmes Ida Lupino June Mathis Julia Phillips Kathryn Bigelow Kathleen Kennedy Leni Riefenstahl Lynne Ramsay Maya Deren Nora Ephron

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