República Média Romana - entre oligarquia endogâmica e oligarquia democrática

June 2, 2017 | Autor: Filipe Nunes | Categoria: Republican Rome
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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA







República Média romana: entre oligarquia endogâmica e oligarquia democrática
- Comentário a dois excertos -


Curso de História
Política e Sociedade Romanas (Opcional)
Docente: Profº Rodrigo Furtado

Realizado por:
Filipe Miguel Nunes nº 46378


Lisboa, 06 De Março De 2016
Ano Lectivo 2015/2016
'Se alguém fixar os seus olhos no poder dos cônsules, a constituição parecerá completamente monárquica; se no senado, parecerá por sua vez ser aristocrática; e quando observamos o poder das massas, parecerá claramente ser democrática'.
POLÍBIO 6.11
A problemática sobre a qual Políbio e Andrew Lintott se debruçam refere-se a uma questão historiográfica antiga, mas que nunca foi respondida de forma finalista, este problema relaciona-se com o verdadeiro funcionamento administrativo de Roma.
Antes de mais, há que perceber quem são os "candidatos" a este poder. No período inicial da República quem governava a cem por cento a cidade eram os patricii, membros pertencentes a famílias-cidadãs que, em contraste com a classe plebeia, formavam uma classe privilegiada. Os plebes estavam descontentes tentando sempre reivindicar uma partilha de poder (terras, direitos e cargos administrativos). Este foi um objectivo que acabou por ser cumprido, mas apenas depois de vários séculos, culminando apenas em 287 a. C., com Quintus Hortensius que institui-o a Lex Hortensia onde os plebiscitos passaram a ser válidos para a plebes e para o resto da comunidade. O ponto de viragem pode ser indicado como sendo as Leges Liciniae-Sextiae, onde se institui o cargo de cônsul, um cargo dual, anual, rotativo e aberto. Esta não é a primeira grande vitória, por volta de 494 a. C., a data que se aponta para a primeira reviravolta: a Secessão da Plebe. Destaque também para a Lei Genúcia de 342 a. C., que torna obrigatória a partilha do consulado com um plebeu e o Plebiscito Ovínio de c. 33 a. C., onde se regulamenta o acesso ao Senado.
Assim se percebe o modo como se foi alterando, administrativamente, Roma. Com isto pretendemos que se perceba que o problema em questão se direcciona a um período onde estas leis estão solidamente definidas, ao qual J. M. Roldán chama de "oligarquia plutocrática patrício-plebeia", onde se demarca uma "nova ordem social", com a emergência da nobilitas, a "nova aristocracia patrício-plebeia" .
Neste excerto, Políbio começa por referir a magistratura de consul, que diz assimilar-se, a um cargo de carácter monárquico. De facto, este posto oferecia uma autoridade absoluta que era exprimida com o imperium, onde podemos observar alguma soberania. O possuidor de imperium tem o direito de receber e interpretar os auspicia, pelo que se converte, num intérprete legítimo das vontades divinas, sendo o único a poder exercer determinados comandos na esfera militar.
Na sua frase seguinte, Políbio aponta qual a característica predominante do Senado, que desta feita, se assemelha a uma aristocracia. Ou seja, a um governo guiado por uma pequena classe privilegiada, minoria constituída pelos "poucos melhores", os superiores, moral e intelectualmente. O poder final que Políbio foca é do populus romanus, ele relembra a ideia de que a "res publica é a res populi", ou seja, o direito de voto.
Assim se percebe que Políbio defende um governo que mantém estes três tipos de poder em equilíbrio, de forma a preservar um governo estável e não precário, como poderia suceder num sistema de governação "puro". Portanto, o modelo ideal é uma constituição tripartida que garante a Roma, uma das justificações da sua grandeza (Plb. 6.11.11). A nova realidade política de Roma é mais complexa do que a anterior, já não estão em causa apenas dois grandes blocos sociais, mas sim factores como a condição sócio e político-jurídica, o nível económico, o nascimento, e as redes familiares e clientelares.















'Apesar da importância aparente do elemento popular na constituição, alguns investigadores recentes têm tendido a acreditar que as aparências podem ser muito ilusórias'.
A. LINTOTT (1999), The constitution of the Roman Republic, Oxford, 202.
Nas ideias que serão expressas em seguida temos de notar que os romanos não tinham uma Constituição escrita, mas sim uma tradição definidora da natureza do governo romano.
Andrew Lintott denota, nesta obra, que apesar de várias regras com o intuito de impedir qualquer tipo de corrompimento, este não deixava de existir. O balanço entre uma ordem austera e as muitas variações que se podiam encontrar nos diferentes procedimentos, mostram o carácter duplo do senado. Na discussão sobre este problema existem duas teses.
A primeira tese vê a constituição romana como sendo uma oligarquia controlada por um grupo privilegiado, que estabelece ligações matrimoniais entre si de modo a formar uma espécie de assembleia hereditária, manipuladora das decisões políticas. Num segundo ponto realça-se também o papel determinante, tanto para as eleições, como para as votações, das relações de clientela impostas, sistemática e intrinsecamente nesta sociedade. Por fim, afirmam que o processo eleitoral é meramente formal, visto que todo ele segue um comportamento pré-determinado pela tradição romana.
Todos estes são fortes argumentos para a ideia de que o elemento popular pouco valor tem. Estará tudo pré-determinado, ou não?
Uma teoria contraditória vem-nos dizer que não.
Esta pretende dar-nos a conhecer o lado mais democrático da constituição romana. Não se nega o facto de este ser um sistema oligárquico, contudo é aberto à entrada de indivíduos de outras classes e categorias. Há um grupo que de facto consegue fazer eleger os seus descendentes, mas a maior parte não consegue. As relações clientelares também não são tão lineares, acreditando-se, pela praticabilidade característica de um romano, que estas redes eram mais negociações que associações de fidelidade perpétua. E por fim, referem que as votações não eram pré-determinadas, visto terem um elevado nível de imprevisibilidade. Não se nega a importância da tradição, mas sim a personalidade antidemocrática que ela teria nas eleições para as magistraturas.
Depois de apresentadas estas duas grandes posições, podemos afirmar que realmente existe um grupo pequeno que se encontra limitado por esta constituição, mas permanece uma questão: não será possível que apesar de pequeno, que o grupo tenha tal influência que consegue por si só determinar, nos seus melhores interesses, quem é eleito?
Para responder a esta questão temos, de dar importância ao espaço temporal a que nos referimos pois, tal como se comprovou, ao longo dos tempos, a questão endogâmica foi sendo menos relevante, perdendo cada vez mais o carácter hereditário que tinham. O foco deve também ir para a importância da apresentação de teses que se reflictam umas às outras. Tal se afirma, pois a verdade pode muitas vezes ser encontrada entre teses, isto é, talvez tudo o que acima se referenciou pode ser tomado em consideração para comprovar que a sociedade romana tinha um sistema governativo composto por uma classe privilegiada, pelo seu nascimento, mas também pelo seu elevado grau de influência, muito devido à tradição que os acompanha. Temos também um senado, que na sua maioria é preenchido por plebeus. Num sistema democrático onde a maioria prevalece, isto é de premente importância.
O verdadeiro factor que governa nas políticas romanas não tem a ver com classes, mas sim com indivíduos e o patrocínio que estes conseguem adquirir. Tem a ver com quem é o líder na tabela de influências que neste conflito pacificado necessita de existir. O conflito é ganho pelo modo como o líder desta tabela consegue convencer os outros a ter e manter uma certa opinião em relação a si. Em suma, podemos afirmar, tal como o fez Oscar Wilde, que a verdade raramente é pura e nunca é simples, comparando-a com o espírito singular desta grande discussão.

















Bibliografia
GAUDEMET, J.; Les institutions de l'Antiquité; Ed. Montchrestien; Paris; 2002.

GELZER, M.; Die Nobilität der römischen Republik; [s.n.]; Berlim, 1912.

HOPKINS, K., BURTON, G; Death and Renewal. Sociological studies in Roman history, Cambridge; 1983.

LAVANDERO, Eduardo Reigadas; Censura y «Res Publica» - portación constitucional y protagonismo político; Universidad Pontifica Comillas; Madrid; 2000.

LINTOTT, Andrew; The Constitution of the Roman Republic; Oxford University Press; Oxford; 1999.

MÜNZER, F.; Römische Adelsparteien und Adelsfamilien, [s.n.]; Stuttgart, 1920.

OLIVEIRA, Francisco (coord.); BRANDÃO, José Luís (coord.); História de Roma Antiga, vol. I: Das origens à morte de César; Imprensa da Universidade de Coimbra; Coimbra; 2015.

PEREIRA; Mª Helena da Rocha; Obras completas de Maria Helena da Rocha Pereira. Vol. V - Estudos sobre Roma Antiga, a Europa e o Legado Clássico; Imprensa da Universidade de Coimbra/Fundação Calouste Gulbenkian; Coimbra; 2015.

ROLDÁN, J. M.; Historia de Roma, tomo I – La Republica Romana; Cátedra; Madrid; 1981.



Cf. "Plebeus" in Encyclopaedia Britannica; http://www.britannica.com/topic/plebeian; retirado a 04/03/16.
OLIVEIRA, Francisco (coord.); BRANDÃO, José Luís (coord.); História de Roma Antiga, vol. I: Das origens à morte de César; Imprensa da Universidade de Coimbra; Coimbra; 2015, p. 91.
RODRIGUES, Nuno Simões, Dos "conflitos de ordens" ao Estado patrício-plebeu; in OLIVEIRA; Op. Cit.; p. 90. ROLDÁN, J. M.; Historia de Roma, tomo I – La Republica Romana; Cátedra; Madrid; 1981; p. 129. GAUDEMET, J.; Les institutions de l'Antiquité; Ed. Montchrestien; Paris; 2002; pp. 154-155, 170, e 316-317.
Cf. "Cônsul" in Encyclopaedia Britannica; http://www.britannica.com/topic/consul-ancient-Roman-official; retirado a 04/03/16.
Cf. "Monarquia" in Encyclopaedia Britannica; http://www.britannica.com/topic/monarchy; retirado a 04/03/16.
Poder executivo que envolvia a autoridade militar e judicial e que podia estar presente noutras magistraturas, como é o caso dos pretores, é a autoridade concreta, "os direitos e prerrogativas que correspondem ao magistrado que o possui", em contraponto com a autoridade abstracta que recebe o nome de potestas.
RODRIGUES; Op. Cit.; p. 95.
LAVANDERO, Eduardo Reigadas; Censura y «Res Publica» - portación constitucional y protagonismo político; Universidad Pontifica Comillas; Madrid; 2000;, p. 33.
Cf. "Aristocracia" in Encyclopaedia Britannica; http://www.britannica.com/topic/aristocracy retirado a 04/03/16.
CÍCERO; De Republica 1.25.39.
A democracia em Roma foi ganhando forma sobre o sistema republicano - res publica significa assunto do que é público.
PEREIRA; Mª Helena da Rocha; Obras completas de Maria Helena da Rocha Pereira. Vol. V - Estudos sobre Roma Antiga, a Europa e o Legado Clássico; Imprensa da Universidade de Coimbra/Fundação Calouste Gulbenkian; Coimbra; 2015; p. 212. Cf. POLÍBIO; 6.11.12.
RODRIGUES; Op. Cit.; p. 92.
LINTOTT, Andrew; The Constitution of the Roman Republic; Oxford University Press; Oxford; 1999; pp. 77 e 78.
De origem alemã, denominada de The Frozen Waste Theory, foi preconizada por GELZER, M.; Die Nobilität der römischen Republik; [s.n.]; Berlim, 1912; e MÜNZER, F.; Römische Adelsparteien und Adelsfamilien, [s.n.]; Stuttgart, 1920.
Cf. o principal defensor de que a República romana era de facto uma democracia: MILLAR, F.; The political character of the classical Roman Republic; JRS 74, 1 -19.
Sobre as quais retiramos informações de: NORTH, J.; 'Politics and aristocracy in the Roman Republic' in Classical Philology; 85, 277-287; e PEREIRA; Op. Cit.; p. 113.
Cf. HOPKINS, K., BURTON, G; Death and Renewal. Sociological studies in Roman history, Cambridge; 1983.

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