Requalificação da Capela de Santo Albino, Vila Chã da Braciosa, Mirando do Douro - Relatório final

July 1, 2017 | Autor: Alexandrina Amorim | Categoria: Medieval Archaeology
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Descrição do Produto

Miranda do Douro 2013 ______________________________________________________________________

Requalificação da Capela de Santo Albino, Vila Chã da Braciosa, Mirando do Douro ___________________________ Relatório Final

______________________________________________________________________ Alexandrina Amorim, Sónia Cunha, Tapício Nóbrega

Agradecimentos

Agradece-se a Junta de Freguesia de Vila Chã da Braciosa, na pessoa do Senhor Adérito dos Santos Martins, todo o apoio prestado na realização dos trabalhos de arqueologia que decorreram no sítio. A Câmara Municipal de Miranda do Douro, e em particular a Doutora Mónica Salgado, pelo apoio prestado, e por terem cedido meios topográficos. Ao Doutor Luís Sousa, por gentilmente ter apoiado na interpretação e datação dos lagares rupestres. E por fim, ao Professor Doutor Luís Fontes pelo apoio prestado no que toca a arquitetura do edifício.

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Sumário

Agradecimentos

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Sumário

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Índice de tabelas

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1.Introdução

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1.1. Enquadramento geográfico

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1.2. Enquadramento histórico-arqueológico

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1.2.1. Descrição geral da capela

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1.2.2. Lagares rupestres e lagaretas - conceitos e funcionalidade

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1.3. Objetivos

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1.4. Metodologia

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1.4.1. Escavação

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1.4.2. Edificado

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1.4.3. Lagares rupestres

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1.4.4. Acompanhamento

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1.4.5. Laboratorial

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2. Intervenção Arqueológica

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2.1. Escavação

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2.1.1. Interior

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2.1.2. Vestíbulo

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2.1.3. Espólio

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2.2. Edificado 2.2.1. Interior 2.2.1.1. Espólio 2.2.2. Exterior

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2.2.2.1. Sondagem parietal

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2.2.2.2. Leitura de paramentos

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2.3. Lagares rupestres

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2.3.1. Espólio

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2.4. Acompanhamento

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2.4.1. Espólio

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3. Interpretação

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3.1. Escavação

31

3.1.1. Interior

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3.1.2. Vestíbulo

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3.2. Edificado

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3.3. Lagares

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3.4. Síntese interpretativa

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4. Conclusão

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5. Fontes e Bibliografia

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Anexos Anexo A - Plantas Anexo B - Figuras Anexo C - Desenhos Anexo D - Listagens Anexo E - Matriz Anexo F - Espólio Anexo G - CD - Rom

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Índice de tabelas

Tabela 1 - Medições dos lagares rupestres identificados (comprimento, largura e altura)

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1. Introdução No presente trabalho são apresentados os resultados obtidos na intervenção arqueológica que decorreu na capela de Santo Albino, em Vila Chã da Braciosa. Estes trabalhos enquadram-se no âmbito de um projecto de remodelação e requalificação do edificado, promovido pela Junta de Freguesia de Vila Chã da Braciosa. Os trabalhos arqueológicos foram adjudicados aos arqueólogos Alexandrina Amorim, Sónia Cunha e Tapício Nóbrega. As escavações arqueológicas tiveram início a 12 de Março com conclusão a 6 de Maio de 2013. De 25 de Março a 1 de Abril, os trabalhos foram interrompidos devido as más condições climatéricas. A intervenção pautou-se pela escavação da totalidade do interior do edifício, do vestíbulo, bem como sobre o levantamento do edificado e implantação dos lagares rupestres existentes nas imediações. Seguiu-se um acompanhamento arqueológico, à 15 de Maio, tendo sido necessário apenas um dia para acompanhar o revolvimento dos subsolos envolventes ao edificado. No presente relatório irão ser apresentados os objetivos, as metodologias usadas, no campo, no laboratório, os resultados, tal como as hipóteses interpretativas para o local. Todos estes dados serão complementados com a apresentação de registo gráfico e fotográfico, listagens e sequências estratigráficas a fim de permitir uma interpretação dos dados.

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1.1.

Enquadramento geográfico

A capela de Santo Albino localiza-se nas proximidades do lugar de Barreiros, freguesia de Vila Chã da Braciosa, pertencendo administrativamente ao concelho de Miranda do Douro, distrito de Bragança. Fica confinada no extremo Nordeste da chamada “Terra Fria Transmontana”, no limite oriental do Parque Natural do Douro Internacional. Segundo a folha n.º 95 da Carta Militar de Portugal, na escala de 1:25 000, as suas coordenadas geográficas são as seguintes: Latitude – 41º 24’ 54’’ N Longitude – 6º 20’ 36’’ W Altitude – 678 m

  Figura 1 - Implantação geográfica da Capela de Santo Albino.

O acesso ao sítio pode ser feito, no sentido Vila Chã da Braciosa-Picote, pela Avenida do Imigrante, percorrendo-se aproximadamente 300 metros, cortando-se a esquerda num caminho de terra batida. Neste, segue-se por cerca de 400 metros, até um

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segundo corte, novamente pela esquerda, a partir de onde já é possível vislumbrar a dita capela e chegar até a mesma, a cerca de 50 metros. Geomorfologicamente a região caracteriza-se pelo denominado “Planalto Mirandês”, com altitudes médias entre os 700 e os 800 metros, numa paisagem aberta e plana, e com excelentes condições de visibilidade, prolongando-se para Oriente até a Meseta Ibérica, e confinado a Ocidente, pelas Serra de Mogadouro, Serra de Bornes, Serra da Nogueira e Serra do Montezinho. À escala local, o relevo é essencialmente planáltico, pontuado por pequenas elevações e outeiros, sobretudo a Oeste, onde se encontra o vértice geodésico das Queimadas, a cerca de 1km do sítio; a Este é limitado pelas arribas escarpadas do rio Douro Internacional, também localizado a cerca de 1km do sítio. Hidrograficamente, os solos húmidos criam os tradicionais lameiros, associados a uma série de pequenos regatos e linhas de água, que alimentam o rio Douro. O local onde se insere a capela é de afloramentos graníticos, existindo em toda a sua envolvente, terrenos de cultivo (Figura 2). Do ponto de vista geológico, segundo a folha n.º 2 da Carta Geológica de Portugal, na escala de 1:200 000, as unidades estruturais variam entre a Unidade Autóctone/Sub-Autóctone e as Rochas Granitóides; nas Unidades Metassedimentares Autóctones e Sub-Autóctones (Câmbrico Superior Indeferenciado), verifica-se a formação de filitos laminados, com laminação fina, paralela, de filitos negros e metagrauvaques com níveis de carbonatos. Entre as Rochas Granitóides (Granitóides Hercínicos de Duas Micas), encontram-se granitos de grão fino a médio, de duas micas, localmente com biotite ou moscovite, assim como granito de grão médio, porfiróide, de duas micas. Encaixada na transição destas duas unidades, está uma zona de falhas descontínuas, paralelas ao Rio Douro, orientadas no sentido Sudoeste-Nordeste. Ao nível da cobertura vegetal, a paisagem encontra-se consideravelmente alterada pelo Homem, pelo que a capela está implantada numa zona agrícola, onde se destaca a cultura cerealífera, bem como a cultura da oliveira e da vinha. Em alternância, encontram-se pequenas manchas florestais, com a presença de vegetação arbórea (sobreiros e pinheiros), arbustiva (giesta e estevas) e herbácea (rosmaninho). Subsiste ainda, mas de forma mais escassa, da floresta primitiva de tipo mediterrânico, o sobreiro, a azinheira e o zimbro, bem como o  carvalho. Consequência ainda desta paisagem humanizada estão as pradarias, em terrenos muitas vezes húmidos, esquadradas por 3   

extensos e ramificados muros de pedra solta, bordejados por alinhamentos de freixos e carvalhos, que constituem o tradicional cerrado mirandês e limite de propriedade.

1.2.

Enquadramento histórico-arqueológico

A informação disponível quer sobre a capela de Santo Albino, quer sobre a própria povoação de Vila Chã da Braciosa, é historicamente escassa e imprecisa. Sobre Vila Chã da Braciosa, desconhece-se muito sobre a sua ocupação mais remota, quer ao nível da Pré-História e da Proto-História, quer ao nível da Romanização, bem como da Alta Idade Média, encontrando-se no entanto, vestígios isolados na freguesia e nas suas proximidades, como por exemplo, machados de pedra polida, uma lança de cobre e uma fíbula em bronze, do tipo Meseta, proveniente da vila (ALVES, 1973; LEMOS, 1993). Da Pré-História, poucos são os sítios conhecidos na área, sendo de destacar a Fraga da Pia ou Penha das Casicas, no limite Norte da localidade, onde se encontra escavada no afloramento granítico, uma cavidade do tipo pia, associada a uma série de sulcos e entalhes, e que poderão remeter a uma possível ocupação pré-histórica (BERNARDO, 2000: 188). Destaca-se também em Picote, a Fraga do Puio, um sítio complexo  que pode remeter a um possível marcador simbólico de longa duração: forneceu no início do século XX, uma escultura zoomórfica proto-histórica e posteriormente aí foram também identificadas estelas calcolíticas; mais recentemente revelou uma pintura rupestre única, representando um arqueiro, de provável cronologia pré-histórica (SANCHES & PINTO, 2002). Sítio muito singular é o Abrigo da Solhapa, em Duas Igrejas, um abrigo que apresenta vários painéis gravados, quer no interior, quer no exterior, com motivos esquemáticos, profusamente decorados com covinhas, muitas, unidas por sulcos, e cuja cronologia provavelmente remeterá à Pré-História Recente (MOURINHO, 1972). Da Proto-História destaca-se um possível povoado fortificado denominado Castrilhouço ou Castralheira, a Leste de Vila Chã da Braciosa, com uma delimitação natural sobre as arribas do Douro, e de onde é proveniente um machado de pedra polida em anfibolito (SANCHES, 1992: 55). Este mesmo sítio já fora identificado pelo Abade do Baçal, que refere a tradição popular, ao denominá-lo “Calçada dos Mouros”, devido 4   

a existência de um campo de pedras fincadas; este reconhece esta realidade como um sistema defensivo associado ao povoado fortificado, onde ainda são visíveis vestígios de muros e fossos. O mesmo refere-nos também, uma inscrição encontrada nas proximidades deste sítio, de cronologia indeterminada, cujas “letras parecem ibéricas”. Existe ainda um outro sítio, denominado Ribas, nos limites da freguesia, onde igualmente, segundo a tradição popular, existe uma “calçada feita pelos mouros” (ALVES, 2000). Outro local, denominado Castralheiras, entre Fonte de Aldeia e Vila Chã da Braciosa cujo topónimo poderá referir-se a um povoado fortificado, embora evidências no local não tenham sido detetadas (LEMOS, 1993). Poderá tratar-se do sítio de Ribas, anteriormente referido pelo Abade do Baçal. Destaca-se, por fim, o castro da Cigadonha ou Cigaduenha, em Picote, um grande povoado da Idade do Ferro, que ainda apresenta vestígios de estruturas habitacionais, uma potente muralha, fosso e um campo de pedras fincadas, implantado nas encostas abruptas do Douro, numa posição estratégica de defesa natural (SANCHES, 2003). De facto, a geomorfologia abrupta das arribas do Douro constituíram local de eleição para a implantação preferencial de uma série de povoados fortificados de pequenas dimensões, em detrimento de uma ocupação em planalto, que igualmente não é significativa para cronologias mais antigas. Entre estes, podemos ainda destacar em Picote, o Castro dos Picões do Diabo, possivelmente reocupado durante a Reconquista. Seguindo para montante, surgem os imponentes Castro de Vale de Águia, na aldeia homónima, e o Castro de São João das Arribas, em Aldeia Nova, ambos com uma implantação excepcional sobre as arribas do Douro (VAZ, 2009). Durante a Romanização, pode-se definir o Douro como uma fronteira natural de povos, dividindo os Vetões, a Este, e segundo os autores clássicos, os Zoelae, a Oeste, sendo estes últimos, um dos 22 povos dos Ástures. É numa conjuntura de reordenamento territorial intensivo, com Augusto, que grande parte dos castros ocupados pelos Zoelae são então abandonados. Passa-se, então, a uma ocupação e economia do planalto através da constituição de um sistema de civitates, associadas a centros secundários: vici, aldeias, mansiones, mutationes, povoados mineiros, villae, quintas, casais agrícolas, etc. Neste contexto, é de referir o sítio de Castelhar de Picote, em Picote, enquanto vicus dos Zoelae ou, talvez, sede de civitas, possivelmente fundada no local de um povoado proto-histórico anterior, ou a partir de um santuário protohistórico de considerável importância. Para além de abundante material de cronologia 5   

romana, foi aí encontrado um santuário associado a materiais do século IV d.C., bem como identificado um conjunto muito significativo de estelas funerárias, indicadoras de um centro urbano de dimensões consideráveis. Outro sítio em Picote é a Fraga do Puio, um local com ocupação pré-histórica onde também poderá ter existido, tal como em Castelhar, um povoado fortificado, mas cujo local foi também romanizado (LEMOS, 2007). Existem ainda outros achados isolados de época romana neste território: em Duas Igrejas, o padre António Mourinho dá a conhecer um possível depósito de cerca de sete lápides sepulcrais “luso-romanas”, do tipo discóide, decoradas e em mármore, uma das quais, com inscrição (JÚNIOR, 1977: 188). Igualmente, na mesma freguesia, foi identificado um cipo com inscrição funerária romana (ENCARNAÇÃO & SALGADO, 2008: 76). Em Fonte de Aldeia, segundo a tradição, consta que existiria um povoado romano ou castro romanizado no Monte da Trindade, e que também aí próximo passaria uma via romana, não existindo no entanto, vestígios destas referências. Em Vila Chã da Braciosa, no anteriormente referido sítio da Penha das Casicas, terão sido identificados também vestígios de época romana, nomeadamente telha de rebordo e fragmentos de cerâmica comum, embora ausente de estruturas, supondo-se que aí existiria um casal agrícola romano (LEMOS, 1993). O autor insere o sítio das Casicas numa zona cujos terrenos seriam de aptidão cerealífera, eventualmente associados a um modelo de exploração complementar aos habitats romanos baseados numa economia agrícola de cariz mediterrânico. Numa fase mais tardia, a área em estudo terá sido integrada na província romana da Gallaecia, aproximadamente no limite entre conventus bracarensis e asturicensis, tendo o rio Tua a Oeste, e o rio Douro, a Sul, como limites ocidentais do convento jurídico de Asturica Augusta. Durante a Alta Idade Média, no geral muito pouco é conhecido sobre o Nordeste Transmonstano. Em finais do século V d.C., o rio Sabor seria a fronteira territorial entre reinos suevo e visigótico, e posteriormente, segundo o Parochiale Suevorum, esta área pertenceria a diocese de Braga. É provável que com os Suevos, este território tenha ficado administrativamente fora do seu controlo directo, mesmo no século VI d.C., considerando-se a possibilidade de se encontrar sob a tutela de senhores locais independentes (MENÉNDEZ, 2006).

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Com a Reconquista Cristã, na segunda metade do século IX d.C., define-se com Afonso III, o Douro como a fronteira natural dos reinos Cristãos e Muçulmanos, com as tomadas do Porto, em 868 e Zamora, em 893, pelos Asturianos. Nos próximos três séculos, esta zona ficará no “extremo Douro”, ou seja, a fronteira dos reinos, e até a conquista de Toledo, em 1085, o vale do Douro será transformado num espaço despovoado e inseguro, desprovido do povoamento pré-existente de origem romana que resistira às invasões bárbaras. A nível de evidências arqueológicas, refira-se em Fonte de Aldeia a existência de uma lápide funerária eventualmente mudéjar, enquanto que em Vila Chã da Braciosa, encontra-se junto ao muro do cemitério uma sepultura escavada na rocha, cuja cronologia remeterá a fase da Reconquista (VAZ, 2009). Ainda nesta última freguesia, são de destacar neste contexto, dois topónimos sugestivos, relativos a possíveis atalaias: Sentinela e Belage, este último já referido pelo Abade do Baçal, mas que segundo Domingos Marcos, não são em ambos observados vestígios associados (LEMOS, 1993; MARCOS, 1981-82). Na segunda metade do século XI, as terras de Bragança, Lampaças e Miranda vão sendo apropriadas pelos Senhores de Bragança ou Bragançãos, uma linhagem da nobreza senhorial (originariamente ligada ao reino de Leão), à medida que

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conquistam aos Muçulmanos. Posteriormente, através de alianças, casamentos e concessões com os primeiros reis portugueses, seus líderes incorporam seus territórios ao condado portucalense, tornando-se D. Fernando Mendes II, o Braganção, cunhado de Afonso Henriques. Este, em meados do século XII, faz doações de castelos a Ordem do Templo: Penas Róias, Mogadouro e Longroiva, ao que se seguiu uma intensa actividade construtiva por parte dos Templários. As reduzidas dimensões das comunidades locais, inseridas num território muitas vezes subordinado a uma povoação principal que progressivamente assume funções urbanas, facto aliado a uma ampla dispersão territorial, traduzem na prática, um poder fragmentado, o que permitia uma senhorialização mais eficaz. Neste contexto, o rei procura manter a fidelidade dos senhores locais, que expandiam o seu poder a partir de Astorga e Zamora, onde as comunidades eram menos numerosas, simultaneamente, mantém o controlo de uma série de castelos na fronteira com Leão, pontos de expansão da autoridade régia. Por outro lado, o poder das Ordens Militares vinha a tornar-se mais preponderante, pelo que Sancho I, em 1197, consegue assumir o controlo dos castelos de Penas Róias e Mogadouro, anteriormente nas mãos dos Templários (DÓRDIO, 1993). 7   

Com a deslocação da fronteira para Sul do Douro, a Baixa Idade Média correspondeu a um período de repovoamento e reorganização do território, sobretudo pelas mãos de fidalgos leoneses e pelas Ordens Militares, que organizaram as primeiras paróquias, onde os núcleos urbanos detiveram um papel fundamental de ordenador territorial (VAZ, 2009). Ainda é de mencionar o papel fundamental desempenhado no domínio e organização territorial por parte da Ordem do Hospital, tal como das Ordens Religiosas, nomeadamente a de Cister, com os mosteiros leoneses de Moreruela ou  Moreirola, nas proximidades de Zamora (o mosteiro com maior número de povoações mirandesas durante D. Dinis), e de S. Martinho da Castanheira, em Sanábria, e o português de Castro de Avelãs, em Bragança. Também, das Inquirições Afonsinas de 1258, constam testemunhos interessantes sobre o domínio deste território. Nestas, é referido que todas as vilas e povoados da região pertenciam à Coroa, sendo o castelo de Algoso, a sede do poder régio (note-se que este castelo deverá ter sido construído por Sancho I). As mesmas testemunhas referem no entanto, que na época, essas vilas, povoações e casais agrícolas pertenciam às Ordens Militares e Religiosas, e à nobres portugueses e leoneses, não sendo mais o rei detentor de grande poder. É provável que tal situação se tenha verificado sob Sancho II, num período conturbado, do ponto de vista político, marcado pela desorganização da administração pública, pelos abusos da classe clerical, as contendas entre nobres, etc. (ALVES, 1974). Outra situação de conflito territorial já se tinha verificado em 1212, com D. Afonso II, aquando da invasão de Trás-os-Montes por parte do rei leonês Afonso IX, no contexto da oposição do rei português. O rei leonês conquista, então, diversos castelos e um amplo território transmontano, posteriormente restituído em 1213, mas parcialmente reconquistado em 1222 (DÓRDIO, 1993). Assim, é neste contexto que Vila Chã da Braciosa é referida pela primeira vez nas Inquirições Afonsinas como “Parochia Santi Christofoni de Barciosa”, ou seja, Paróquia de São Cristóvão, referindo-se ao seu orago. Outras referências nas Inquirições são “Villa Plana de Barceosa” ou “Villa Chana de Barceosa”. Neste documento consta que “D. Adão, capelão da Igreja de Vila Chã disse sob juramento que sabe que metade da sua igreja é da Ordem do Hospital e a outra metade é do mosteiro de Moreruela ao qual foi doada por D. Fernando Fernandes de Bragança, quando possuía esta terra” (MOURINHO, 1995). De facto, já o Abade de Baçal revela que em Vila Chã da Braciosa “tinham bens no seu termo a ordem do Hospital, os Templários e o mosteiro 8   

de Moreirola” (ALVES, 2000). A origem do topónimo parece remeter a duas características geográficas: por um lado, a povoação ter-se-á situado em terreno plano, chão, liso, no sítio hoje denominado de Casicas; por outro, por existir na zona uma gramínea empregue em uso doméstico e artesanato, o barceu ou barcego (ALVES, 1974). Durante a primeira metade do século XIII, verifica-se uma mudança na administração, em que as cidades e vilas constituem-se como os verdadeiros centros ordenadores do território, indissociáveis do seu termo. Aqui os castelos isolados, centro da autoridade do tenente da terra, perdem importância e são gradualmente abandonados, ainda que, durante o primeiro quartel do século XIII, continuem a concentrar as funções administrativas. Posteriormente D. Dinis, em 1287 extinguirá as tenências, numa clara tentativa de maior controlo do poder nobiliárquico, sobretudo da alta nobreza, abolindo um dos elementos mais importantes no processo de senhorialização do Norte do país (PIZARRO, 2007: 879). Desta forma, nos séculos XIII e XIV, D. Afonso III e D. Dinis são responsáveis por uma nova política administrativa, intervindo directamente na concessão de cartas de foral e de povoamento, tal como na fundação de uma série de novas vilas, cruciais para o reordenamento territorial de Trás-os-Montes. Em 1272 e 1273, D. Afonso III recupera o poder anteriormente perdido com D. Afonso II sobre Mogadouro e Penas Róias, concedendo-lhes carta de foral, e em 1286, D. Dinis funda a vila de Miranda do Douro, cujo território concelhio estava compreendido entre os rios Douro e Sabor. Em 1297, D. Dinis assina em Zamora o Tratado de Alcañices, que define a nova fronteira entre os reinos cristãos de Portugal, Leão e Castela. Com base em intensa documentação, durante a crise dinástica de 1382 e nos reinados subsequentes, sob D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I, resultante de uma tradição mais antiga, surge uma intensificação das relações comerciais, sociais e económicas de Miranda com as terras fronteiriças de Zamora, em Alba, Aliste e Sayago, tanto por circulação terrestre como pela navegação fluvial pelo Douro. Por pedido do rei D. João III, é criada uma diocese no Nordeste Transmontano, cuja sede de bispado seria a vila de Miranda, segundo consta da bula de 23 de Maio de 1545, que a 10 de Julho do mesmo ano, é elevada a cidade, tornando-se assim no maior centro cultural, social e religioso de Trás-os-Montes. No entanto, em 1764, na sequência da invasão de Miranda por parte dos Espanhóis e subsequente destruição do castelo e parte da cidade, o bispo D. Frei Aleixo de Miranda Henriques transfere a sede de diocese para Bragança. 9   

Miranda acaba por perder definitivamente a importância em 1780, com a união das duas dioceses (ABREU E LIMA, 2002: 181-184). Em Época Moderna, segundo consta da Corografia Portugueza, de 1706, é do conhecimento que “Villachaã da Barciosa, abbadia do Padroado Real” tinha anexas Fonte de Aldeia e Freixiosa, organização essa que atualmente ainda se mantém (CARVALHO, 1706). Em 1721, o abade da igreja de Vila Chã da Braciosa, Bernardino de Moraes refere que “não consta da fundação desta igreja, mas mostra ser antiga pello seu edifício”  (MOURINHO, 1995). Especificamente no que diz respeito a capela de Santo Albino, a referência mais antiga existente remonta ao ano de 1721, constando que “tem mais em um campo outra ermida com o nome de Stº Albano administrada e fabricada pelo povo com as suas esmolas as quaes são conforme as despesas são necessárias. Também se ignora o tempo da sua fundação” (MOURINHO, 2009). Das Memórias Paroquiais de 1758, sabe-se que Vila Chã da Braciosa (o nome é referido muitas vezes como Braciosa, Barciosa ou Braceosa) possuía quatro ermidas: a de Santa Cruz, administrada pelo povo; a da Santíssima Trindade, de padroeiro particular; “outra no campo, cuja administração hé do povo, com a invocação de Santo Albino”; e a de São Domingos, também localizada no campo e de padroeiro particular, sendo que em nenhuma destas ermidas eram realizadas romarias (CAPELA et al., 2007). Sobre esta última capela, sabemos ainda que foi fundada em 1657 por Domingos Assensso e sua esposa, Isabel Lopes, naturais de Vila Chã da Braciosa (MOURINHO, 2009). No século XVIII, tanto em Fonte de Aldeia como em Vila Chã da Braciosa, existiam várias confrarias: a confraria das Almas (fundada em 1706), a do Santíssimo Sacramento, a de Santa Bárbara, a de Santa Ana, a de Santa Cruz, a da Santíssima Trindade e de São Cristóvão, o orago da igreja matriz (MOURINHO, 1984). O mesmo autor refere-nos a existência de outras confrarias em Vila Chã da Braciosa, nomeadamente a Confraria de Nossa Senhora do Rosário, de Santo António, do Menino Deus e de São Roque, bem como a Irmandade de Santa Catarina, antiga mas de data de fundação desconhecida (MOURINHO, 2009). Muito pouco se conhece sobre estas confrarias, mas no geral eram economicamente modestas (MOURINHO, 1995).

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Outra fonte de informação são as tradições orais, que mencionam uma celebração festiva em homenagem a Santo Albino, em clara associação às colheitas vinícolas. O ritual envolveria a lavagem dos pés antes da pisa da uva, numa das “pias” existentes nas imediações da capela, pelo que se seguiria a pisa nos lagares que aí se encontram escavados; o sumo obtido seria então colocado numa pipa que se encontrava no vestíbulo da capela e consumido enquanto se dançava e cantava a volta da ermida, sendo entoadas as seguintes quadras: “Santo Albino de Vila Chã, Quem t’há-de beber o vinho?

Santo Albino, Santo Albino e

Quem t’há-de beber o vinho?

-Tartamão e Quaterlaire…

-Marisé e Quartelaire

E também Martinho.

E também Martinho.”

Esta tradição, que certamente ocorreu durante o século XIX, terá eventualmente persistido ainda em inícios do século XX, segundo nos referem fontes orais locais. Do ponto de vista hagiográfico , refira-se que Santo Albino nasceu em Vannes, França, em 469 no seio de uma família nobre estabelecida na Bretanha, pelo que este cedo renunciou ao seu estatuto, dedicando-se à vida religiosa. Aos 20 anos de idade, recolheu-se no mosteiro de Timcillac, perto de Angers, e aos 35 anos, em 504, foi indicado abade do mosteiro, sendo posteriormente eleito bispo de Angers, em 529. Para além de uma vida dedicada ao cuidado das classes socialmente desfavorecidas (pobres, doentes, perseguidos, prisioneiros, etc.), Santo Albino lutou incessantemente contra práticas sociais imorais, nomeadamente o concubinato e os casamentos incestuosos, situação geradora de muitos conflitos com famílias poderosas da época. Neste sentido, participou activamente nos concílios regionais de Orleães, em 538 e 541, onde se pronunciou contra a prática do incesto e outras ofensas morais, sendo apoiado pela Igreja na luta pela moralização dos costumes. Morre com quase 80 anos de idade, antes de poder participar em novo concílio, a 1 de Março de 549. É sepultado na igreja de São Pedro, em Angers, mas com a intensificação do seu culto, já em 556, é-lhe dedicada uma capela, para onde foi trasladado. Em 1126, as suas relíquias são definitivamente transferidas para a catedral de São Germano, em Paris, numa altura em que o seu culto já atingia, para além de França, Itália, Alemanha, Inglaterra, Polónia e outros países orientais. Santo Albino foi considerado um dos santos mais populares da Idade Média, 11   

cujo culto chegou até aos dias de hoje graças a uma grande devoção dos fiéis, que encontram neste um exemplo de moralizador. Encontra-se, na igreja matriz de Vila Chã da Braciosa uma escultura de Santo Albino, que segundo fontes orais, encontrar-se-ia na capela homónima, tendo sido transladada em data incerta (Figura 3).

1.2.1. Descrição geral da capela Apesar de a capela de Santo Albino ser uma edificação de cariz religioso, consiste numa construção incaracterística e modesta, de reduzidas dimensões e de traçado simples. Encontra-se orientada segundo os modelos canónicos (altar voltado para nascente e entrada para poente), apresenta nave única, de planta quadrangular, a cuja entrada foi anexado um vestíbulo de planta rectangular, conferindo ao edifício uma morfologia igualmente rectangular (Planta I). Assentando directamente no substrato granítico desnivelado, a construção é em alvenaria de dupla face, numa técnica mista (sobretudo granito e pontualmente algum xisto), configurando um aparelho irregular. Possui um embasamento em ressalto, com pedras de grandes dimensões, pelo que apresenta um perfil sinuoso, ao longo do comprimento e da altura, cujo remate é linear. No interior, são visíveis quatro aberturas, construídas no muro Este, sensivelmente centrados no alçado e dispostas em “T”; no muro Sul, apresenta também, um nicho, relativamente centrado. Elemento de maior destaque é a entrada, que consiste num emparedamento redutor da abertura, composta por uma porta, delimitada pelos respetivos elementos construídos (soleira, ombreiras e padieira), ladeada a Sul por uma pequena janela, também emoldurada por quatro lajes e a Norte por uma pequena abertura; a encimar a entrada encontram-se duas lajes toscamente talhadas, por forma a configurarem uma espécie de arco em mitra. O vestíbulo apresenta uma ampla abertura, ladeado respetivamente por duas ombreiras, apresentando a do lado Sul, uma abertura circular; o remate dos muros Norte e Sul é em declive, e no muro Oeste é linear, encimado em cada extremidade por uma mísula. Todo o edifício é revestido a reboco de cal, apresentando no exterior, grafitis gravados no mesmo. Ao nível do seu estado de conservação, o imóvel encontra-se em avançado estado de degradação, permanecendo unicamente as paredes, pelo que a cobertura e o 12   

fecho das portas e janelas, são inexistentes. O remate da fachada apresenta uma destruição considerável, até ao nível do arco, no lado Norte, pelo que no interior o remate da porta é inexistente; são ainda visíveis várias violações e/ou destruições nos alçados. Em relação ao reboco, no interior é quase residual, e no exterior, embora ainda presente, encontra-se muito deteriorado (Figura 4).

1.2.2.

Lagares

rupestres

e

lagaretas

-

conceitos

e

funcionalidade É comummente aceite que a tradição vinícola tenha sido introduzida na Península Ibérica pelos romanos. De facto, não obstante a videira existir como planta silvestre desde o Terciário, apenas em achados de cronologia romana foram identificados bagos e grainhas ressequidos, que permitam afiançar uma domesticação da planta (ALMEIDA, 1996; FABIÃO, 1998; MORAIS, 1998). O surgimento da produção vinícola, no mundo romano, está envolto em incertezas, acreditando-se que terá ocorrido aquando dos primeiros contactos com o Oriente, isto é, na segunda metade do século II a.C. (MORAIS, 1998). Sabe-se que a vini-viticultura desempenhou um papel crucial na economia romana através do texto de alguns autores latinos (MORAIS, 1998). Na Hispania, as fontes escasseiam, acreditando-se que o vinho fora introduzido através de contactos com as culturas da metade Oriental da bacia do Mediterrâneo, tendo sido, no entanto, os romanos que disseminaram os vinhedos e a produção vinícola no actual território português (FABIÃO, 1998; MORAIS, 1998). Através de dados arqueológicos pode-se supor que no período tardo-republicano, a exploração vinícola se localizaria nas zonas agrícolas mais desenvolvidas, isto é, na Bética e costa da Tarraconense. Já no Alto Império, algumas fontes escritas testemunham que a vinicultura era a base agrícola de muitas explorações rurais na Península, encontrandose os maiores centros nas áreas da Bética, Este da "Meseta Setentrional" e na actual Estremadura e Sul de Portugal (MORAIS, 1998). No que toca ao Nordeste português, a Vitis vinifera é conhecida desde o Calcolítico, tal como atestam os achados de grainhas no Buraco da Pala (Mirandela),

13   

não implicando uma produção vinícola, mas supondo-se o seu consumo (ALMEIDA, 1996). Em Castelo Velho (Freixo de Numão), foi exumada uma espécie arbustiva que, segundo os estudos antracológicos, pertencerá ao género Vitis, o que indicia "que a videira era já uma das espécies autóctones na flora local" (COIXÃO, 2002: 57). Sande Lemos (1993) que se debruça sobre o estudo do povoamento de Trás-os-Montes, alega que no século I d.C. surgem novas espécies plantadas, no entanto, desconhecem-se testemunhos do plantio generalizado da vinha na Idade do Ferro. Para o período romano, surgem vestígios arqueológicos estruturados que comprovam a domesticação da Vitis vinifera. Esses são materializados através dos lagares que eram construídos no seio das explorações agrícolas. Os lagares, ao longo dos tempos, sofrem uma gradual transferência para os núcleos urbanos, passando a ser incorporados na habitação. Outra realidade arqueológica associada à produção vinícola remete-nos para as estruturas escavadas no substrato rochoso, mas cuja cronologia é de difícil precisão. De facto, a ausência de sedimentos associadas a estes lagares rupestres não permite afinar cronologias quanto à sua utilização, no entanto, as tipologias permitem uma aproximação temporal, que poderá variar entre período romano a moderno (ANTUNES & FARIA, 2002). Geograficamente, estas realidades parecem encontrar-se francamente disseminadas por toda a área mediterrânica, e no caso nacional, predominam no Norte e Centro do país, em zonas graníticas (TENTE, 2007). Do ponto de vista terminológico, não parece haver consenso na aplicação dos conceitos de lagar e lagareta. No entanto, de uma forma generalizada os diversos autores consultados consideram por lagares rupestres as estruturas, geralmente mais complexas, que evidenciam os seguintes elementos escavados: calcatorium, lacus, stipites, recorrendo a um sistema de prensagem mecânica; enquanto as lagaretas serão estruturas de dimensões mais reduzidas, munidas de calcatorium, com bica ou canal de escoamento, mas não recorrendo a prensa (ANTUNES & FARIA, 2004; COIXÃO, 2002; TENTE, 2007). Resumidamente, os elementos distintivos incidem no tamanho da área do calcatorium, e na presença de stipites representativas do sistema de prensa. À luz desta conceptualização, as lagaretas apenas se destinam a pisa da uva, enquanto os lagares obtêm o vinho através de pisa e prensagem, havendo assim um maior aproveitamento (ANTUNES & FARIA, 2004).

14   

No decurso deste trabalho, para a descrição dos vários elementos constituintes dos lagares rupestres, recorrer-se-á a terminologia latina, no entanto tal não significa que se esteja a associar estas estruturas a este período cronológico específico, podendo remetê-los a datações posteriores. Funcionalmente, os lagares eram compostos por vários elementos escavados no substrato rochoso, nomeadamente o calcatorium ou pia, que servia para a pisa e/ou prensagem da uva; canais de escoamento dos líquidos do calcatorium; o lacus ou pio, que se destinava a recolha dos mesmos para posterior armazenagem; as stipites (vulgarmente denominados de “virgens”), buracos de poste para sustentação do mecanismo

de prensagem; e o negativo para assentamento da "pedra de lagar" que seria suportada pelo malus (parafuso). Existem diversos modelos funcionais de lagares, sendo que todos eles têm que possuir uma área de esmagamento (calcatorium), com inclinação para facilitar o escoamento dos líquidos. Nesta área a prensagem podia ser efectuada por pisa ou por um sistema de prensagem: no primeiro caso, mais simples, o líquido escorria por intermédio de canais para um receptáculo escavado (lacus) ou amovível (recipiente em cerâmica ou madeira); no caso dos sistemas mais complexos, pressupõe-se o modelo proposto por Almeida, Antunes e Faria (1999), denominado de prensa por alavanca (torcularium). Assim, no calcatorium seria montado uma estrutura em madeira, composta por postes (arbores) assentes nas stipites, os primeiros dos quais suportariam um barrote (prelum), que com recurso a gravidade exerceria força sobre um peso, comummente denominada de "pedra de lagar" onde se encaixava o malus. Este modelo apresentado pelos autores supracitados pode, eventualmente sofrer variações na dinâmica funcional, e apresentar mudanças na localização, dimensão e morfologia dos vários elementos, por exemplo, no número de stipites presentes em cada lado do calcatorium, a existência de contrapesos para reforçar a solidez dos travejamentos, etc. Outro modelo que já foi identificado por alguns autores, pressupõe a existência de duas áreas de prensagem, sendo a primeira dedicada à pisa e a segunda à prensa por torcularium (ALMEIDA, ANTUNES & FARIA, 1999). As estruturas de madeira usadas neste contexto seriam de fácil remoção, e não tenderiam a ficar no local, mas após cada vindima, a fim de evitar a degradação das mesmas, seriam desmontadas e recolhidas em locais adequados (ALMEIDA, ANTUNES & FARIA, 1999). 15   

1.3. Objectivos Um dos principais objectivos deste trabalho prende-se com o intuito de inferir uma datação para o edifício religioso, socorrendo-se assim da escavação no seu interior e do estudo do espólio arqueológico daí resultante. Um factor relevante, que poderá permitir complementar a aferição de uma cronologia, prende-se com o levantamento arquitectónico do edifício, com vista a percepcionar fases de ocupação e de remodelação do edificado. Outro aspecto consiste no levantamento e implantação dos lagares rupestres existentes na envolvência do edifício, procurando compreender a sua relação com a capela. Para além destes pontos supramencionados, também tentar-se-á enquadrar o sítio num panorama histórico-geográfico mais abrangente.

1.4. Metodologia 1.4.1. Escavação A metodologia para a escavação e registo foi baseada no sistema de Harris, cujo método define-se pela identificação de Unidades Estratigráficas (U.E.), que podem traduzir vários tipos de deposição, naturais ou antrópicas, individualizadas segundo as suas características físicas, materiais inclusos e pela sua relação estratigráfica com as restantes. A cada Unidade Estratigráfica identificada procedeu-se ao preenchimento de uma ficha de caracterização, tal como ao registo tridimensional através do registo planimétrico e altimétrico à escala 1:20. Também foi efectuado o registo fotográfico digital a cores, com indicação do Norte magnético, escala e placa identificadora. O registo altimétrico foi levado a cabo com base num ponto fixo na escavação (neste caso, no centro da soleira da porta), não tendo sido passível de ser convertido à altimetria real, possuindo-se assim, apenas cotas relativas.

16   

O espólio recolhido foi guardado em sacos plásticos, devidamente furados, para evitar a concentração de humidade, etiquetado (com referência à U.E. e área de proveniência), tal como inventariado. Posteriormente foram acondicionados em contentores plásticos a fim de permitir o transporte seguro até ao laboratório. A escavação incidiu sobre a totalidade do interior da capela e foi levada a cabo em área aberta, não se tendo procedido à quadriculagem da área. Não obstante, para se proceder a georreferenciação dos achados estabeleceu-se um eixo, com orientação EsteOeste, cruzando a soleira da porta no seu centro. O acrónimo da intervenção e que foi usado nos registos de campo foi CSA.13 (Capela de Santo Albino, 2013). Devido às consideráveis dimensões da área a intervir, no entanto, sob prismas distintos (escavação e levantamento planimétrico de lagares identificados), esta foi subdividida em 4 áreas, sendo a Área 1, a zona onde se insere a capela, e a Área 2, 3 e 4 onde se localizam os lagares (Planta II).

1.4.2. Edificado Aqui foram aplicados os métodos desenvolvidos em Arqueologia da Arquitectura, cujos procedimentos já se encontram estabelecidos. A fim de permitir uma leitura adequada dos paramentos, primeiramente efectuou-se uma limpeza dos mesmos no interior do edifício e do vestíbulo, com a remoção integral dos vestígios de reboco (Figura 5). No exterior, tal procedimento foi somente aplicado à fachada, não sendo justificável para a totalidade do edifício, pelo que se optou pela realização de uma sondagem parietal, de 50 X 50 cm, numa parte representativa do alçado Este. Metodologicamente, no sistema de escavação da sondagem foi aplicado o método de Harris. De seguida, o edifício foi graficamente documentado, quer através da planimetria, quer fotograficamente. Numa fase consequente procedeu-se a uma observação dos paramentos, identificando e descrevendo (em fichas adaptadas para o efeito) as diversas unidades construtivas. Por unidade construtiva entende-se o elemento construtivo ou parte de construção passível de ser individualizada estratigraficamente das restantes. Quando possível foram identificados e definidos interfaces que permitiram estabelecer relações. Com base nos conjuntos de unidades construtivas e interfaces foram consideradas, 17   

numa primeira análise, distintas ações construtivas, cuja relação permitiu a posterior determinação de fases, correspondentes a distintos momentos cronológicos, evidenciados na matriz do sítio.

1.4.3. Lagares rupestres Para se proceder ao levantamento gráfico e topográfico das estruturas identificadas nas Áreas 2, 3 e 4, efectuou-se primeiramente a limpeza dos afloramentos rochosos (Figura 6). No que toca a Estrutura 8, foi necessário recorrer ao desmonte parcial de um muro de divisória de terrenos, já que este se sobrepunha em parte a estrutura. Consequentemente ao trabalho de limpeza, procedeu-se ao registo fotográfico das estruturas e ao levantamento planimétrico à escala 1:20, tal como a sua implantação geográfica. Em seguida, realizou-se à análise dos elementos constituintes dos lagares, aplicando-se os princípios do método de Harris, com recurso as Unidades Estratigráficas, tendo como critério de individualização a funcionalidade dos diversos elementos.

1.4.4. Acompanhamento Aqui, a metodologia pautou-se pelo acompanhamento a tempo integral de todos os trabalhos que envolvessem revolvimento do subsolo na área envolvente a capela. As acções foram registadas fotograficamente, tendo-se procedido a um registo exaustivo e descritivo das mesmas em fichas para o efeito. Quando necessário e relevante, procedeu-se ao registo gráfico à escala 1:20 dos cortes mais significativos.

1.4.5. Laboratorial Nesta fase efectivou-se uma organização e sistematização dos dados provenientes do campo, onde todas as informações respeitantes à caracterização das U.E. foram introduzidas numa base de dados (ver Anexo D). 18   

Os registos gráficos de planos, estruturas, cortes e perfis foram digitalizados e vectorizados em AutoCAD. As fotografias, realizadas em suporte digital, foram organizadas e inventariadas segundo as U.E. atribuídas em campo. As relações estratigráficas serão apresentadas graficamente sob a forma de matriz, possibilitando desta forma, uma leitura integrada da estratigrafia resultante da intervenção (ver Anexo E). No que concerne ao espólio arqueológico, esse foi alvo de limpeza, de marcação (aqui ficaram registados o acrónimo, a área, a U.E. e o número de inventário, por exemplo: CSA.13-Área1-[001]-N.º22) e inventariação. Após o estudo, o material foi novamente acondicionado nos respectivos sacos etiquetados e guardado em contentores plásticos (ver Anexo F). Refira-se que o depósito legal deste material é a Sede da Junta de Freguesia de Vila Chã da Braciosa.

2. Intervenção Arqueológica Tal como já foi referido anteriormente, a intervenção decorreu de 12 de Março a 6 de Maio, perfazendo 36 dias úteis, com uma interrupção de uma semana. Os trabalhos incidiram primeiramente, sobre a totalidade do interior da capela, numa área de cerca de 14 m2 e numa segunda etapa, sobre a totalidade do vestíbulo, em cerca de 6 m2, perfazendo uma área de aproximadamente de 20 m2.

2.1. Escavação 2.1.1. Interior Iniciaram-se os trabalhos com a decapagem do coberto vegetal [001] que se encontrava na totalidade do interior da capela (Figura 7; Desenho 1). De seguida, identificou-se nos cantos Sudoeste e Noroeste, derrubes de reboco de parede do alçado Este [002], cuja camada de reboco recobria o coberto vegetal. Após remoção de ambas as camadas, deparámo-nos com uma camada de derrube de pedras de dimensões 19   

variadas, e maioritariamente de granito, também com a presença de algumas telhas [003]. A cortar esta camada, foram identificados dois interfaces [004] e [006], com os respectivos enchimentos [001] e [005] (Desenho 2). De seguida, foi identificada abaixo do derrube a camada [007], concentrada junto ao alçado Sul, que se apresentava bastante heterogénea, com muitas inclusões de reboco, algumas pedras de pequenas dimensões e alguns fragmentos de telha, que também fora cortada pela vala [006] (Figura 8; Desenho 3). A [008], representava uma camada de terras escuras, heterogénea, que se distinguia pela presença de muitas pedras de médias dimensões, circunscrita apenas a zona da entrada. Aqui destaca-se a presença de um fragmento de cerâmica manual, aparentemente do período Calcolítico (Desenho 4). Após a remoção desta camada, foi identificada a [012], que se concentrava no canto Noroeste, e que se caracterizava por apresentar inclusões de reboco, telhas e algumas pedras de pequeno calibre. Esta camada recobria a [009], sendo também recoberta pela [008]. A primeira traduzia-se em uma camada homogénea, de cor clara, que abarcava a quase a totalidade da área, com inclusões de reboco, algumas telhas e poucas pedras de pequeno calibre, tal como alguns cravos em ferro. À [009] foi atribuída equivalência a [011], uma camada de características idênticas, circunscrita a zona central (Figura 8). Sequencialmente, foi passível de identificar a [013], camada de terras escuras, heterogéneas, que possuía muitas inclusões de telhas e algum reboco (Figura 9; Desenho 5). Refira-se que junto a entrada, dada a total ausência de telhas, já era possível vislumbrar o substrato granítico. Após levantamento da [013], foi identificada uma vala [044], de morfologia subovalada, localizada na parte central da capela, pelo que as suas consideráveis dimensões, provocou o corte das U.E’s [014], [015], [017] e [018] (Figura 10; Desenho 6). A [014] (correspondente a Estrutura 3), representa uma camada de argamassa bastante compacta, com presença elevada de cal, algumas telhas e pedras de pequenas dimensões. Esta é recoberta por um nível de pedras de granito de médio porte, niveladas e concentradas [018] (corresponde a Estrutura 2) junto ao altar. Sobre esta assenta uma nova camada de argamassa [015], bastante compacta, com presença de cal, algumas telhas e pedras de reduzidas dimensões. Sob a [014] encontra-se a [017], composta por terras castanhas, heterogénea, friável e onde se denota a presença de pedras de pequenas e médias dimensões (Figura 11; Desenho 7). 20   

A Estrutura 1 [010] representa uma construção rectangular que encosta ao alçado Oeste, composta por pedras de médio e grande calibre colmatadas por terras castanhas escuras. Esta é recoberta pela [016], traduzindo-se numa camada areno-limosa, de coloração esbranquiçada, com presença elevada de cal, e que apenas se apresenta nos alçados Sul e Oeste (Figura 12; Desenho 8). Sob a [010] e [018], identificou-se a [019], representada por terras escuras, arenosas, e circunscritas a zona do altar. Sobre o substrato granítico e sob as Estruturas 2 e 3, identificou-se a camada [020], de terras escuras, friável, arenosa, de grão médio/ grosso, com a presença de algum material cerâmico; sobre esta camada assenta também o canto Sudeste do muro Sul do edifício. A [021] representava uma mancha de carvões que foi detectada no canto Noroeste da capela, e que assentava directamente sobre o substrato rochoso [022], este que se caracteriza por se tratar de um maciço granítico de grão médio (Desenho 9 e 10, Secção A-B). Refira-se que tendo em conta que parte das Estruturas 2 e 3 se encontravam em muito bom estado de preservação, e que ainda permaneciam vestígios da base do altar (Estrutura 1), optou-se por deixar um testemunho representativo das mesmas. Esta medida, apesar de truncar a leitura de parte do interior do edifício não a inviabilizou, preservando-se assim, um testemunho do tipo de solução construtiva no interior para futura preservação in situ (Figuras 13, 14 e 15; Desenhos 11 e 12).

2.1.2. Vestíbulo O coberto vegetal que se encontrava no interior estendia-se também ao vestíbulo, apresentando as mesmas características. Sob esse prisma optou-se por se recuperar a [001] (Figura 16; Desenho 1). Sob esta camada identificou-se a [023], que era constituída por pedras de pequenas e médias dimensões, algum reboco e fragmentos de telhas (Desenho 13). Após a remoção desta camada, identificou-se um interface vertical [026], sub-ovalado, localizado perto da soleira. Este interface provavelmente cortaria a anterior [023], mas apenas foi passível de ser identificado na [024] (Desenho 14). O enchimento deste interface, [025] caracterizava-se por terras escuras, heterogéneas, areno limosas, com inclusões de pedras de pequeno e médio porte. 21   

A [024] é composta por terras castanhas avermelhadas, com muitas inclusões de telhas, algumas pedras e algum reboco (Figura 17). Identificaram-se algumas manchas pouco significativas de carvões, onde se encontravam alguns termoclastos. Após a remoção desta camada, identificou-se na zona da soleira, uma camada [028] composta por um conjunto de pedras de granito de pequenas dimensões (Figura 18; Desenho 15). Esta assentava sobre a [027], de terras castanhas escuras, exígua aos cantos Nordeste e Sudeste do vestíbulo. Desta camada recolheram-se parcos fragmentos de cerâmica comum e um fragmento de faiança. No canto Nordeste, numa depressão existente no substrato rochoso, identificou-se uma camada de terras escuras, de grão fino/médio, pouco compacta [029] (Figura 19; Desenhos 9, 10, Secção C-D e 16).

2.1.3. Espólio O espólio cerâmico recolhido foi escasso, resumindo-se a uma totalidade de 38 fragmentos, de dimensões reduzidas, não apresentando quaisquer perfis completos. Estas conjunturas não justificam um estudo sobre tipologias formais e de fabrico de produções cerâmicas, inventariando-se apenas o material recolhido, de forma simples e genérica, através das suas principais características. No interior da capela, foram recolhidos 25 fragmentos de cerâmica. Nos níveis superficiais [002] e [003] surgiram 3 fragmentos de cerâmica comum vermelha, com uma cozedura oxidante de muito boa qualidade, de Época Moderna/Contemporânea. Num nível de derrube [008], foi identificado um fragmento de cerâmica pré-histórica (eventualmente do Calcolítico), que apresenta uma pasta grosseira, arenosa, de cozedura redutora (Figura 20). Na camada de nivelamento do piso [017], surgiu um fragmento de cerâmica muito reduzido e com elevado grau de deterioração. Na camada [020], surge um conjunto de 21 fragmentos de cerâmica comum, de tamanho reduzido, provavelmente pertencentes a uma única peça, de cozedura oxidante (tipo “sanduiche”), e de fraca qualidade (Figura 21). Já no vestíbulo, foram apenas recolhidos 12 fragmentos de cerâmica. Do nível [024], surgiram 7 fragmentos de pequenas dimensões de cerâmica comum vermelha, de cozedura oxidante, sendo que algumas apresentam vestígios de fuligem no interior. Na camada de enchimento [025] surgem dois fragmentos de dimensões muito reduzidas, de 22   

cerâmica comum vermelha. Igualmente na camada [027], foram encontrados dois fragmentos reduzidos de cerâmica comum vermelha, tal como um fragmento de faiança (Figura 22). Para além da cerâmica foram recolhidas amostragens de material de construção no interior da capela, nomeadamente telha (45 fragmentos) e reboco (25 fragmentos), sendo que ainda, do nível de derrube do telhado [013], foram contabilizados 255,5 kg de telha (Figura 23). Esta apresenta forma em meia-cana, de cozedura irregular, pasta grosseira e de fraca qualidade, sendo provavelmente de produção local. O reboco, este, apresenta-se a base de cal e areias grosseiras (Figura 24). Tal como no interior, também para o vestíbulo foram recolhidas amostras de material de construção, nomeadamente telha (10 fragmentos), tendo sido no nível de derrube [024] contabilizados 33 kg. As características destas telhas são idênticas as apresentadas no interior do edifício. Ao nível dos metais, estes apresentam uma elevada representatividade no interior, com 47 elementos. Estarão associados a cobertura do edificado, mais especificamente ao sistema de travejamento, pelo que no nível de derrube do telhado [013], surgem 37 peças, essencialmente cravos em ferro (Figuras 25 e 26). No vestíbulo foram recolhidos apenas 3 elementos metálicos, que tal como no interior, se encontram associados ao derrube da cobertura [024]. Também foram recolhidos materiais líticos, sendo que a maioria foi guardada por segurança, para se proceder a uma análise rigorosa em laboratório. Após estudo, destacam-se apenas dois elementos, sendo um deles um seixo em quartzito, truncado longitudinal e transversalmente, talhado unifacialmente, perfazendo um gume convexo, pelo que apresenta preservados apenas 3 levantamentos; estava associado ao derrube de telhado [013], mas é de cronologia incerta (Figura 27). Destaca-se ainda, uma placa de grauvaque de forma ovalada, apresentando-se afeiçoada numa das extremidades e com dois entalhes laterais, que poderá ter servido como tampa e/ou peso (Figura 28). Alguns depósitos no interior, forneceram também material osteológico, representativos de uma micro-fauna mamacológica, e que poderão estar na origem de algumas bioturbações identificadas.

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Nos níveis superficiais [001], [002] e [003], foram também identificados materiais plásticos, provavelmente associados ao abandono e saque contemporâneo do edifício.

2.2. Edificado Primeiramente, é de referir que foi considerada por Estrutura 4 o corpo da capela, e por Estrutura 6 o seu vestíbulo, pelo que a anteriormente considerada Estrutura 5, foi anulada. Assim, neste ponto do trabalho procedeu-se a uma análise descritiva dos paramentos do edificado, distinguindo-se primeiramente os alçados internos do corpo da capela e do vestíbulo; para o exterior do edifício, foi descrito o processo de escavação da sondagem parietal, e seguidamente, foi efectuada a análise descritiva dos alçados externos do corpo da capela e do vestíbulo (Figuras 29 a 39).

2.2.1. Interior

Nos alçados internos do corpo da capela identificou-se o embasamento da estrutura [053] e as respectivas paredes [034]; [035]; [043]; [049]; [050]; [051]; [076]; [077] e [078]. No alçado Este foi identificado o vão de uma porta original [083], colmatado a posteriori pela redução da entrada [040], [072] e [080]. Nesta reformulação foi observado o vão de uma porta [056], sendo esta composta por soleira [059] com um agulheiro para encaixe da porta [058] (Figura 40; Desenho 17) e ombreiras [060], tendo sido identificado, na ombreira Norte, os agulheiros para encaixe das trancas da porta [057] (Figura 41). Esta encontra-se ladeada por uma janela [054], composta por peitoril [062]; ombreiras [064] e verga [063]; e por um vão de janela [055]. No alçado Oeste destacam-se quatro aberturas no paramento [045], [046], [047] e [048], bem como evidências de violações [006] e [036]. No alçado Norte foi identificado um nicho [052], uma violação [037] e uma reconstrução parcial de uma zona destruída [038], [039] e [082]. Estes alçados encontravam-se revestidos a reboco de cal [030] e [031]. No vestíbulo identificou-se o embasamento [073] e respectivas paredes [041], [042], [051], [067], [068], [074], [079] e [081]. No alçado Este, destaca-se o vão da entrada [074], encimado por duas mísulas [069] e ladeado por duas ombreiras [070],

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sendo a ombreira Sul um elemento reaproveitado [071]. Estes alçados encontravam-se revestidos a reboco de cal [032] e [033].

2.2.1.1. Espólio

Aquando dos trabalhos de picagem do reboco junto a ombreira Norte da entrada, foi identificado um conjunto de 22 fragmentos de cerâmica, que poderão na sua maioria, pertencer a uma única peça (Figura 42). Estamos perante cerâmica de boa cozedura, oxidante, e que aparentemente constitui uma peça de média a grande dimensões. Surgem ainda dois fragmentos de bordo, pertencentes a mesma peça, de cozedura oxidante, e de fraca qualidade, onde se evidenciam alguns desengordurantes grosseiros; o seu perfil em "S" leva a crer tratar-se de uma forma bojuda, destacando-se junto ao colo uma decoração plástica, tipo cordão (Figura 43). As características destes materiais parecem remeter para uma cronologia de Época Moderna.

2.2.2. Exterior

2.2.2.1. Sondagem parietal

Esta sondagem foi efectuada com o intuito de permitir uma leitura sobre os vários níveis de rebocagem levados a cabo no edifício, optando-se pelo Alçado Este do Muro Este, onde este apresentava-se melhor preservado. A primeira camada identificada foi a [030] (Figura 44), de coloração acinzentada e composição arenosa, que se traduz na camada de reboco mais recente. Esta recobria a [031], composta a base de cal, e areias de grão fino, aparentando tratarse da preparação de reboco. Sob esta, foi identificada uma película muito fina a base de cal [032] (Figura 45), representando uma camada de reboco mais antiga, que recobria a [033], muito espessa e compacta, a base de cal, areias grosseiras, e com inclusões de carvões, que terá servido de base ao reboco (Desenho 18).

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Destaque-se que a camada de reboco mais antiga, [032] possuía grafitis, tal como pode ser observado na Figura 45, onde se vislumbra parte de uma cruz, aparentemente latina (Figura 45).

2.2.2.2. Leitura de paramentos Nos alçados externos do corpo da capela foram recuperadas as Unidades Estratigráficas do interior, relativamente ao embasamento e respectivas paredes, tal como as da entrada, sendo ainda aqui reconhecível a padieira da porta [061], de morfologia sub-trapezoidal, e ainda a existência de duas cruzes gravadas em cada lado da entrada, na parede [034]. Os elementos da entrada encontram-se encimados por um arco [066], composto por dois blocos graníticos de grandes dimensões [065],  que apresentam na face interna, dois conjuntos de covinhas. Os alçados Norte, Este e Sul encontravam-se revestidos por duas camadas de reboco de cal [030], [031], [032] e [033], e no alçado Oeste, somente pelas camadas [030] e [031]. Já no vestíbulo, também foram recuperadas a totalidade das Unidades Estratigráficas do interior, tendo sido apenas distinguida uma abertura quadrangular [075], no alçado Sul. Estes alçados possuíam apenas uma camada de reboco de cal [030] e [031].

2.3. Lagares rupestres Neste ponto foram descritas as estruturas identificadas na área envolvente a capela, sendo elas compostas por 3 lagares rupestres (Estrutura 7, 8 e 9) e uma possível lagareta (Estrutura 11), escavados no substrato granítico. A Estrutura 10, foi inicialmente denominada por razões de segurança, mas uma análise posterior, levou a sua desconsideração enquanto elemento construído. A Estrutura nº 7 (localizada na Área 2, com orientação Oeste-Este), de uma forma geral apresenta um tamanho relativamente diminuto, e do ponto de vista de preservação, encontra-se bastante degradada, evidenciando marcas de destruição [092] (Figura 46). No entanto, ainda é passível de identificação um calcatorium [088],

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parcialmente truncado, mas onde se observa uma ligeira inclinação, delimitado por um rebaixamento, e comunicando com o lacus [089] por intermédio de um canal; junto a este, encontra-se uma cavidade no limite da parede do calcatorium. O lacus possui uma morfologia sub-quadrangular de cantos arredondados, apresentando no fundo a continuação do canal proveniente do calcatorium, que desembocará numa concavidade de forma ovalada no canto Sudeste. A Sul do lacus, numa zona mais elevada, encontrase uma depressão de morfologia circular [090] com rebaixamento virado para o lacus. Ainda mais a Sul, parecendo formar um alinhamento, encontra-se uma pequena fossete [091] com aproximadamente 8 cm de diâmetro e 3 cm de profundidade. Surge também, ligeiramente afastada do calcatorium, à mesma cota da depressão e da fossete, uma pequena cavidade elíptica (Figura 47; Desenhos 19 e 20). No que concerne a Estrutura 8 (localizada na Área 2, com orientação Norte-Sul), relativamente a anterior estrutura descrita, apresenta dimensões consideravelmente superiores, e encontra-se em bom estado de preservação (Figuras 48 e 49). Esta apresenta um calcatorium [093] de morfologia rectangular, com um considerável grau de inclinação, no qual se destacam dois rebaixamentos; estes apresentam uma forma oblonga e estão posicionados lateralmente na parte inferior. Destaca-se ainda a presença, no limite do calcatorium, de um canal de escoamento que apresenta uma bica a desembocar no lacus [095]. Este último apresenta uma forma quadrangular de cantos arredondados, destacando-se, na base, uma cavidade circular (23 cm de diâmetro), quase centralizada. A Este do calcatorium, em ambas as extremidades, surgem duas stipites [094]. Ambas apresentam uma morfologia rectangular, cujas bocas apresentam um comprimento (64 e 46 cm) superior a base (35 x 15 cm e 32 x 19 cm respectivamente), de fundo inclinado. A Oeste do calcatorium, na zona central, apenas está presente uma stipite [094], de forma irregular (30 x 28 cm), cuja base apresenta, num dos cantos, uma pequena depressão circular. Lateralmente e na parte superior a esta, com orientação Este-Oeste, é passível de identificação uma depressão oblonga. Realça-se ainda a presença de marcas de extracção de pedras [096] a Oeste da estrutura, mas que aparentemente não parecem tê-la danificado (Desenhos 21 e 22).

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Tabela 1 - Medições dos lagares rupestres identificados (comprimento, largura e altura)

Estrutura

Calcatorium

Lacus

Lacus

n.º

medidas (cm)

Medidas (cm)

Capacidade (l)

7

-

84 x 75 x 11

75

8

270 x 175 x 5

141 x 132 x 28

390

9

235 x 135

81 x 59 x 25

100

Respeitante a Estrutura 9 (localizada na Área 3, com orientação SudoesteNordeste), pode-se afirmar que apresenta dimensões consideráveis, e cujo estado de preservação é mediano, visto que o afloramento onde se encontra apresenta-se parcialmente degradado (Figura 50 e 51). No entanto, podem ser identificados os seus diversos elementos, entre os quais o calcatorium [097], de forma rectangular, e plano ligeiramente inclinado. A Este deste existe um rebaixamento lateral, e na parte inferior junto ao lacus [098], surge um outro rebaixamento de forma rectangular (169 x 27 cm), existindo numa das extremidades um canal de escoamento, que indirectamente irá confluir no lacus. Este último apresenta uma forma sub-rectangular de cantos arredondados, e na base uma concavidade circular no canto Nordeste; também a Nordeste do lacus destaca-se o vestígio de um canal de escoamento. Para além destas evidências, no lado Este do calcatorium existem duas stipites [099]: a superior apresenta uma morfologia sub-rectangular e a inferior, uma morfologia trapezoidal. À semelhança da estrutura anterior, as bocas possuem um comprimento (45 e 41 cm) superior a base (33 x 21cm e 38 x 21cm respectivamente), de fundo inclinado. A Oeste do calcatorium, surge apenas uma stipite centralizada [099], de morfologia rectangular, apresentando uma extremidade em aberto, e cujas dimensões da boca são inferiores (38 x 24 cm) às da base (42 x 24 cm). A aproximadamente 2 m do lacus, surge uma depressão circular [100], com cerca de 32 cm de diâmetro. Na parte superior do conjunto das duas stipites, surge um canal semi-circular raso, que apresenta numa das extremidades uma bifurcação, mas terminando em aberto em ambas as extremidades. Com a stipite isolada, ocorre o mesmo, surgindo também um canal raso semi-circular que termina em aberto em ambas as extremidades. A Sudoeste do lagar, surge um conjunto de duas fossetes [101] com diâmetros compreendidos entre os 5 e 9 cm. Destaca-se a Sul do calcatorium a presença de duas concavidades alinhadas

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possivelmente associadas à extracção de pedra, bem como uma outra mais isolada [102], que se localiza a Noroeste do lacus (Desenhos 23 e 24). Num afloramento granítico situado a Nordeste da capela, foram identificados um conjunto de depressões as quais, por segurança atribuiu-se o número de Estrutura 10, localizada na Área 4 (Figura 52). Esta é composta por uma depressão ovalada (150 cm x 56 cm) interligada a uma cavidade de morfologia sub-trapezoidal (160 cm x 150 cm), que é aberta na sua extremidade distal. A Sul da depressão sub-trapezoidal verifica-se uma pequena cavidade sub-circular, e a Norte da primeira, encontra-se outra depressão circular. A cerca de 120 cm a Norte desta última depressão destaca-se uma outra cavidade circular (Desenhos 25 e 26, Secção A-B). Neste mesmo afloramento da Área 4 foi identificada a Estrutura 11 (orientada no sentido Oeste-Este), materializada através de uma simples depressão de forma subcircular (120 cm x 100 cm), que poderá representar um calcatorium [103], apresentando uma base pouco inclinada, aberto numa extremidade, que desemboca numa falha do afloramento granítico (Figura 53). A cerca 2,20 m a Sudeste encontra-se uma possível fossete ovalada [104], com cerca de 17 cm x 11 cm (Desenhos 25 e 26, Secção D-C).

2.3.1. Espólio No decurso da limpeza dos lagares, foi recolhido um total de 40 fragmentos de cerâmica. Na Estrutura 7, superficialmente foi recolhido um fragmento de cerâmica comum vermelha, um fragmento de cerâmica vidrada de chumbo e uma faiança, que cronologicamente se inserem em Época Contemporânea (Figura 54). Já na Estrutura 8, nas suas imediações foram recolhidos 37 fragmentos de cerâmica, sendo a grande maioria cerâmica comum vermelha, que apresenta uma cozedura oxidante, ostentando algumas, um acabamento irregular (Figura 55). Destacam-se, deste conjunto, alguns fragmentos com uma cozedura de menor qualidade, de pasta micácea. Do conjunto refira-se um bojo que apresenta o arranque de uma asa; também um fragmento de bordo de cerâmica comum cinzenta, que aparenta apresentar algum tipo de polimento no interior, mas cujas dimensões reduzidas não permitem aferir qualquer tipologia; um outro bordo em aba, de cerâmica comum cinzenta; e um terceiro bordo, que apresenta decoração estriada no exterior, surgindo ainda um fragmento de 29   

bojo com o mesmo tipo de decoração. Foram também identificados dois fragmentos, de uma mesma asa de cerâmica comum vermelha, que parece corresponder a uma peça de grandes dimensões, e que apresenta uma decoração plástica do tipo cordão, aplicada longitudinalmente na parte central, ladeada por perfurações (Figura 56).

2.4. Acompanhamento Neste ponto, procedeu-se ao acompanhamento sistemático dos revolvimentos do subsolo na parte exterior adjacente a capela, decorrentes dos trabalhos de remodelação da mesma. Para o efeito, foi aberta uma vala em todo o perímetro da capela, com cerca de 1,70 m de largura e cuja cota de afectação atingiu o substrato granítico (Figura 57). As terras foram maioritariamente removidas através de meios mecânicos, tendo-se procedido manualmente a decapagem do nível sobre o substrato granítico, a fim de evitar comprometer quaisquer evidências em negativo. No que se refere a estratigrafia, esta revelou-se bastante simplificada, sendo a potência sedimentar muito reduzida. Identificou-se a [084], referente ao coberto vegetal, que se sobrepunha a [085], correspondente a uma camada de terras castanhas claras, que se estendiam por toda a área envolvente. Pontualmente, no lado Este do edifício, foi identificada a [086], que correspondia a manchas de terras escuras associadas a bioturbações, enquanto a Oeste, junto ao vestíbulo, foi individualizada a [087], de coloração clara e com algumas inclusões de fragmentos de telha (Figura 58).

2.4.1. Espólio No decurso do acompanhamento foram recolhidos quatro fragmentos de cerâmica de dimensões reduzidas, sem perfis completos (Figura 59): um bordo de cerâmica comum vermelha, de boa cozedura, um primeiro bojo, de cerâmica comum cinzenta, que também apresenta uma cozedura de boa qualidade, e um segundo bojo, com uma pasta acinzentada; estes três fragmentos apresentam uma pasta micácea. Existe ainda um outro fragmento de bojo, de cerâmica comum vermelha. Destaca-se também, ao nível dos materiais metálicos, um gancho em ferro.

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3. Interpretação 3.1. Escavação 3.1.1. Interior A camada inicial com que nos deparámos representava o coberto vegetal [001]. A unidade que sequencialmente foi identificada, mas que, no entanto, recobria o coberto vegetal foi a [002], que representava derrubes recentes do revestimento interior das paredes. Em seguida surgiu um derrube de pedras [003], que pela disposição heterogénea das mesmas, aparentava ter ocorrido faseadamente, sendo representativo da fase de abandono do edifício. Nesta camada foram identificadas duas valas, sendo a [004] e a [006]: a primeira vala, encontrava-se aberta em redor de uma pedra de granito de grandes dimensões e preenchida pela [001], o que leva-nos a crer que representaria uma tentativa de saque dessa mesma pedra. Já a outra vala [006], encontrava-se preenchida pela [005], e localizava-se junto ao alçado Oeste. Este alçado, junto a vala, apresenta uma zona saqueada, o que poderá significar que a vala tenha sido aberta com o intuito de remover pedras do alçado. Junto ao alçado Sul, foi identificada a [007], que pelas suas características e pelo facto de se encontrar concentrada, poder-se-á dizer que se está perante um derrube de reboco de parede. A [008], dada a sua natureza e localização, parece traduzir o derrube parcial das pedras do alçado interno da fachada. Destaca-se aqui, a presença de um fragmento de cerâmica pré-histórico, de fabrico manual, cujas características parecem inseri-lo no período Calcolítico. No entanto, este fragmento, pelo facto de se tratar de um achado isolado e único, apesar de não se apresentar rolado, poderá não pertencer ao local. Aquando da remoção deste derrube, surgiu circunscrito ao canto Noroeste, um outro derrube [012], de reboco. Isto vem demonstrar que a degradação do edifício foi gradual, havendo sobreposições de vários níveis de derrubes. Assim, sob esta camada, identificou-se mais um nível de derrube de reboco de parede [009], que abarcava a quase totalidade do interior do edificado. Numa fase seguinte, identificou-se o derrube de telhado [013], da fase mais recente do edificado. Realça-se que aqui foi recolhida uma elevada quantidade de 31   

elementos metálicos (cravos em ferro), que provavelmente estariam associados ao travejamento de madeira que susteria a cobertura. Após levantamento do derrube de telhas, foi identificada uma vala [044], bastante abrangente e que cortava as U.E’s [014], [015], [017] e [018]. Nesta medida, foi identificado um piso [014], constituído por argamassa, tal como um degrau [018], que parecia dar acesso ao altar [010]. O nível de circulação foi posteriormente cortado por uma vala [044], que estaria relacionada com a fase de abandono do edifício. O intuito desta vala poderá remeter ao saque de pedras, visto que as preparações, quer do piso, quer do degrau, apresentavam pedras de granito de médias dimensões e relativamente bem talhadas. A [014] representa o piso (Estrutura 3), composto por argamassa arenosa, compacta, que recobre uma camada de nivelamento [017]. Sobre a [014], assenta na metade Oriental, uma camada de pedras [018] e respectivo nivelamento em argamassa [015], que perfazem um degrau (Estrutura 2) de acesso ao altar [010], e que provavelmente se estenderia em direcção ao muro Sul. Parece-nos plausível afirmar que o altar (Estrutura 1) seja contemporâneo às restantes estruturas, visto que este assenta sobre o nível de circulação, e também tendo em conta que os revestimentos são de características idênticas. Este apresentava-se recoberto por uma camada de reboco [016], mas que apenas estava presente nos alçados Sul e Oeste, sendo inexistente no alçado Norte, visto este já se encontrava parcialmente destruído, e provavelmente nunca tendo existido no alçado Este, visto que essa face encosta-se ao edificado. De seguida foi identificada uma camada de terras escuras [019], sobre a qual assenta o altar e o degrau. Esta poderia corresponder a uma camada de nivelamento para assentamento destas estruturas, visto que recobria a [017]. A [020], pelas características que apresentava, e por se encontrar sob o piso, e directamente sobre o substrato granítico, poderia representar algum sistema de impermeabilização do piso, a fim de permitir uma drenagem das águas e evitar a sua acumulação no interior da capela. Note-se que nesta camada foi identificado um conjunto de 21 fragmentos de cerâmica comum, cuja cronologia é pouco clara. Ainda, no canto Noroeste da capela foi passível de se identificar uma mancha de carvões [021], que parecia estar associada a presença de algumas raízes, sendo assim resultante de bioturbações. 32   

3.1.2. Vestíbulo Após a limpeza do coberto vegetal foi identificado um derrube [023], que não se estendia pela totalidade do átrio, mas que se concentrava junto da fachada e dos muros Norte e Sul do vestíbulo. Sob esta camada, encontrou-se um interface [026], cujo enchimento [025], se caracterizava por terras escuras. Esta vala situava-se junto da soleira da porta, e poderia representar algum processo de bioturbação. Esta cortava a [024], que representa provavelmente, o derrube de telhado do vestíbulo. A camada de pedras de granito [028] situava-se em frente a soleira da porta e parecia perfazer um degrau para facilitar o acesso ao interior da capela. As camadas [027] e [029] serviriam para colmatar as depressões existentes no substrato granítico, junto ao alicerce da fachada, permitindo uma maior sustentabilidade da mesma.

3.2. Edificado Na

análise

dos

paramentos

foram

individualizadas

várias

Unidades

Estratigráficas que nos permitiram primeiramente, estabelecer diversas ações construtivas no edificado (Desenhos 27 a 37). Desta forma, foram identificadas 13 ações construtivas (A): A1 - construção do embasamento [053] A2 - construção dos muros [034] - [045] - [046] - [047] - [048] - [052] - [076] - [083] A3 - construção do embasamento [072] da remodelação da porta A4 - remodelação do vão da porta [040] - [054] - [055] - [056] - [059] - [060] - [061] [062] - [063] - [064] - [065] - [066] - [080] A5 - reconstrução dos muros [043] - [077] A6 - construção do piso, degrau e altar [010] - [014] - [015] - [016] - [017] - [018] A7 - construção do embasamento do vestíbulo [073] A8 - construção do vestíbulo [041] - [068] - [069] - [070] - [071] - [074] - [079] A9 - rebocagem das paredes internas e externas do edifício [032] - [033] 33   

A10 - ocupação materializada pelos agulheiros [057] - [058] A11 - alteamento dos muros para remodelação da cobertura [035] - [042] - [050] - [067] - [078] - [081] A12 - segunda rebocagem das paredes exteriores [030] - [031] A13 - reparação circunscrita de muro [038] - [039] - [082]

A análise das acções construtivas em correlação com a leitura da sequência estratigráfica permitiu identificar 5 fases de ocupação para a capela de Santo Albino. Neste sentido, foram consideradas: Fase 1: corresponde a construção e ocupação primária do edifício. As características que este apresenta são bastante modestas, de planta quadrangular, com cerca de 5 m de lado. O remate da fachada original do monumento apresenta-se envolto em dúvidas, visto apenas restar parte da entrada, com cerca de 2,5 m de largura. No que concerne a cobertura, esta, através da leitura dos paramentos, aparenta ter sido de duas águas. A técnica construtiva perceptível é bastante rudimentar, apresentando um aparelho irregular, em alvenaria de dupla face. Arquitectonicamente apenas podemos considerar que se está perante uma construção rural, sem quaisquer elementos característicos que permitam associá-la a um período. A função do espaço estará associada ao culto religioso, visto que no interior, o alçado Norte apresenta um nicho, e na fachada destaca-se a presença de duas cruzes a ladearem a entrada. Fase 2: corresponde ao provável colapso do remate da fachada que terá condicionado e provocado a queda da cobertura do edifício. Refira-se que tanto no muro Norte, como no Sul parece ter também ocorrido a derrocada, sobretudo da zona central, do remate dos mesmos. Crê-se que o edifício não terá sido abandonado, e que terá sido sujeito as reformulações. Fase 3: equivale a primeira remodelação do edifício, onde se tentam colmatar falhas estruturais, tais como: reestruturação da entrada, onde é procedida uma diminuição da abertura da entrada (aqui denote-se que a espessura do acrescento é menor relativamente ao edificado original); reconstrução do seu remate e do restante alçado em duas águas; e reconstrução parcial dos muros Norte e Sul. Em seguida, é efectuado no interior, o 34   

assentamento do piso e do degrau e a construção do altar. Na parte externa, é construído anexado a fachada, um vestíbulo de planta rectangular, com aparelho irregular, em alvenaria de dupla face. As paredes internas e externas são, nesta fase, revestidas com reboco de cal, ocultando, assim ambas as cruzes acima referidas. No que toca a cobertura do corpo principal do edifício, esta ter-se-á mantido com um telhado em duas águas; já a cobertura do vestíbulo seria apenas de uma água, encostando-se a fachada, mas deixando-a parcialmente visível. A funcionalidade do edifício mantém-se ligada ao culto religioso tal como pode atestar a presença do altar, associado ao piso e degrau, que promovem o acesso ao primeiro. Fase 4: corresponde a uma segunda remodelação da capela. Aqui procede-se ao alteamento e nivelamento dos muros do corpo da capela, havendo uma eventual redução da altura das empenas, reaproveitando-se assim os seus elementos pétreos no nivelamento. Estas alterações pressupõem uma modificação no tipo de cobertura, que passará a ser de quatro águas. No que respeita ao vestíbulo, os muros são alteados mas é mantida a pendente original para o exterior. Nesta fase, as paredes exteriores do corpo da capela são novamente revestidas com uma camada de reboco a base de cal. Fase 5: corresponde ao abandono recente e continuado da capela. O abandono é perceptível através da inexistência de cobertura, do colapso de parte da fachada, tal como através de várias violações materializadas na estratigrafia parietal e sedimentar.

3.3. Lagares Propõe-se neste ponto, lançar alguns esclarecimentos e hipóteses sobre o modo de funcionamento dos lagares existentes em Santo Albino. Anteriormente, estes foram descritos em pormenor, interessando agora explicar os modelos interpretativos sobre o funcionamento dos mesmos. A Estrutura 7, encontra-se num afloramento sensivelmente regular, denotando-se zonas de destruição; não obstante, permite inferir que existia um calcatorium, quer através da presença do lacus, quer através do vestígio de um dos limites do calcatorium, que mantém na base marcas do canal de escoamento. Tal como já foi referido 35   

anteriormente, o calcatorium apresenta-se delimitado por um rebaixamento junto ao lacus, existindo, a formar um alinhamento, uma cavidade escavada na parede do calcatorium. Estes dois elementos podem representar os encaixes para assentamento de um madeiramento que visaria confinar as uvas à zona da pisa, evitando que essas deslizassem até ao lacus. No interior deste, encontra-se uma cavidade numa das extremidades, que visaria facilitar a recolecção do mosto. A depressão circular que se encontra a Sudoeste do lacus, embora de complexa interpretação, poderá estar associada a colocação de algum tipo de recipiente para a armazenagem do mosto. No que toca a fossete que foi identificada junto à essa depressão circular, a sua função permanece indeterminada, bem como a depressão elíptica, esta que poderá resultar de acções naturais. Estamos perante um lagar que funcionaria somente através da pisa da uva, não possuindo qualquer tipo de estrutura de prensagem, já que, apesar da parte envolvente estar destruída, não são visíveis stipites ou encaixe para a pedra de lagar. A Estrutura 8, denota do ponto de vista funcional, uma maior complexidade que a anterior, localizando-se num afloramento regular e de plano inclinado. Destacam-se no calcatorium a presença de dois rebaixamentos laterais e de um canal de escoamento, que poderão estar associados a necessidade de encaixar uma estrutura em madeira a fim de confinar as uvas para virem a serem prensadas. No lacus surge uma cavidade circular, quase centralizada, que serviria para facilitar a recolha do líquido. O conjunto dos elementos constituintes leva a supor que o sistema de prensagem seria efectuado por alavanca (torcularium), à semelhança dos modelos propostos por Almeida, Antunes e Faria (1999). Refira-se no entanto que este caso em específico apresenta uma variação em relação ao modelo proposto, em que num dos lados do calcatorium surgem duas stipites, enquanto no lado oposto apenas surge uma centrada em relação as opostas, mas cuja variante já é ponderada no modelo interpretativo dos mesmos autores. Ainda, os autores levantam uma questão acerca da fixação das arbores, nomeadamente sobre a melhor forma de suportar a força exercida durante a prensagem sem serem arrancadas, propondo a existência de contrapesos para equilibrar a estrutura. No caso da Estrutura 8, a solução eventualmente não passaria pela presença de contrapesos, mas poderia ser justificada através da morfologia das stipites, cujos perfis não se apresentam rectilíneos, mas sim reentrantes, o que poderá pressupor a existência de um sistema de cunhagem, permitindo assim uma melhor fixação das arbores.

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A Estrutura 9 é a que apresenta maior complexidade. Ao contrário das outras estruturas aqui apresentadas, esta localiza-se num afloramento mais irregular, num granito de menor qualidade e com numerosas linhas de fractura. O calcatorium foi construído numa depressão profunda do afloramento, configurando-lhe assim, três paredes. A delimitar o calcatorium do lacus, surge um rebaixamento, provavelmente associado a outro lateral, que serviria para a colocação de uma estrutura em madeira para confinar as uvas. Nesse rebaixamento encontra-se escavado um canal de escoamento, que facilitaria o escorrimento do líquido para o lacus. Este último, na sua base, apresenta tal como os das estruturas anteriores, uma depressão circular situada num dos cantos a fim de facilitar a recolha do líquido. Também a semelhança da Estrutura 8, este apresenta três stipites, encontrando-se a isolada centrada em relação as outras duas, e cujo perfis também se apresentam reentrantes. No que toca ao sistema de prensagem, e pela semelhança tipológica, poder-se-á inferir que também aqui seria aplicado o modelo de torcularium. Junto das duas stipites mais a Sul, surgem sulcos escavados, de morfologia semi-circular, cuja funcionalidade não é passível de interpretação. Perto do lacus, também surge um sulco escavado que acompanha o declive do afloramento, e que desemboca num patamar inferior do terreno, tornando-o de difícil leitura. Numa posição mais afastada da estrutura, surge uma depressão circular, que poderá ter servido para assentamento da pedra de lagar para sustentação do malus. Em posição periférica à estrutura, surgem duas fossetes, cuja função permanece indistinta. No que toca a Estrutura 10, após uma análise mais aprofundada, percebeu-se que não se trata de qualquer evidência construída, mas estar-se-á perante elementos naturais, tendo-se apenas atribuído um número de estrutura por questões de segurança. Situada num afloramento regular, a Estrutura 11 representará uma lagareta, que funcionaria de forma bastante simples, sem recurso a qualquer sistema de prensa mecânica, mas sim unicamente por pisa, que seria efetuada no calcatorium. Este apresenta dimensões reduzidas e um formato subcircular, com uma abertura ampla na extremidade, a qual seria encostado algum tipo de recipiente para se proceder a recolha do líquido. Aparentemente, este parece tratar-se do reaproveitamento de uma cavidade natural pré-existente, já que a sua metade Norte não parece ter sido escavada, mas sim ser resultante de fenómenos naturais, ao contrário da metade Sul, que apresenta algum tipo de talhe e acabamento mais cuidado. Respeitante a possível fossete que foi 37   

identificada nas imediações desta lagareta, a sua funcionalidade permanece uma incógnita.

3.4. Síntese interpretativa O espaço onde se insere a capela de Santo Albino e os lagares rupestres, por nós aqui apresentados, foi alvo de uma interpretação levada a cabo por Bernardo (BERNARDO, 2000; REY et al., 2003). Este defende que se está perante um “lugar sagrado”, de origem pré-histórica, inscrevendo os principais elementos escavados no substrato granítico no “espaço multi-funcional da idade do ferro” (BERNARDO, 2000: 192). Admite também que poderão ter sido reutilizadas para actividade vinícola ou outra, no entanto, à semelhança do santuário de Panóias, a atribuição de uma função de carácter agrícola as estruturas, é uma hipótese rebatível. Na opinião deste autor, a capela terá tido uma origem “pré-cristã”, representada através de um sacellum romano, posteriormente cristianizado durante o período visigótico e aí dedicada a Santo Albino. Este santo foi devoto na erradicação de “cultos pagãos, como as orgias e cultos báquicos ou dionisíacos, nos quais um elemento essencial seria o vinho”, o que estará na origem da sua escolha por forma a erradicar quaisquer cultos pagãos aí existentes, através da celebração de uma festa cristã no tempo da vindima (BERNARDO, 2000; REY et al., 2003). Considerando todas as evidências identificadas no sítio, trazidas à luz do dia, quer através da escavação, quer do estudo do edificado e de toda a área envolvente, foi equacionada a seguinte hipótese interpretativa: Estabeleceu-se uma Fase I de ocupação, onde se tem em conta a construção dos lagares e uma primeira utilização dos mesmos. A presença destes três lagares e da lagareta, e atendendo a capacidade dos respectivos laci, leva a crer que terá existido uma produção vinícola considerável na área envolvente. A fim de se intentar afinar uma periodização cronológica, consultou-se o arqueólogo Luís Sousa1. Este sugere-nos que as Estruturas 8 e 9 enquadrar-se-ão entre o período tardo-romano e altimedieval, com base na presença das stipites e arbore, baseando-se na existência de um sistema de                                                              1

 Assistente  de  arqueólogo  do  Gabinete  de  Arqueologia  da  Câmara  Municipal  da  Lousada,  que  se  encontra presentemente a desenvolver um estudo sobre lagares e lagaretas rupestres. 

38   

prensagem. No que se refere a Estrutura 7, devido a ausência de elementos característicos, o seu enquadramento cronológico torna-se difícil, enquanto para a Estrutura 11, a tratar-se de uma lagareta, este aponta uma cronologia medieval. No entanto, tendo em conta a tipologia e morfologia dos lagares, bem como a divergência opinativa dos diversos autores (ALMEIDA et al., 1999; ANTUNES & FARIA, 2002; BROCHADO, 2004; SOUSA et al., 2006; TENTE, 2007) sobre a sua amplitude cronológica, considera-se que esta tecnologia pode datar quer de Época Romana, quer Medieval ou Moderna. O material recolhido no decurso das limpezas dos lagares podem apontar para um espectro cronológico que pode ir desde a Idade Média até a Época Contemporânea. Estes podem evidenciar uma reutilização dos lagares, já que através da tradição oral, sabe-se que foram reutilizados nos finais do século XIX/ início do século XX, associados as festas de Santo Albino, não existindo memórias do início desta tradição. Torna-se, assim, complexo associar os lagares aqui existentes a qualquer periodização visto que existe uma total ausência de evidências arqueológicas no local. Nas proximidades apenas surgem escassas referências à ocupação romana no local, através da menção a um eventual casal romano no sítio da Penha das Casicas (Vila Chã da Braciosa), a uma ocupação romana no Monte da Trindade em Fonte de Aldeia, e a uma vicus ou sede de civitas denominada Castelhar do Picote, em Picote (LEMOS, 2007). Estará a produção vinícola da área de Santo Albino relacionada com alguma destas ocupações? Ou serão os lagares cronologicamente posteriores? Segundo alguns autores, a justificação para a ausência de evidências associadas a este tipo de estrutura estará relacionada com o facto de os lagares servirem unicamente para pisa ou prensa da uva, sendo o mosto transportado, a posteriori, para locais de armazenamento, onde se processaria a fermentação, que poderiam distanciar do local de produção (TENTE, 2007). Hipotisa Almeida et al. (1999), que justificar-se-ia apenas a construção de uma estrutura rudimentar de apoio, que serviria para armazenamento do aparelho da prensa, a fim de evitar o seu deterioramento, até ao ciclo seguinte. A Fase II de ocupação da área está relacionada com a edificação da capela de Santo Albino. Esta assenta directamente sobre o afloramento granítico, no entanto, esse apresenta um desnível abrupto, de cerca de 50 cm, na zona central da capela. Na metade Oriental do edifício a rocha apresenta-se aplanada com algumas linhas de fracturas 39   

exacerbadas, não tendo sido possível perceber se essa horizontalidade é natural ou intencional. No caso de este tratamento ser intencional, será ele pré-existente ou concomitante a construção? Poderá estar associado a extracção de pedra, visto que, em toda a área envolvente a capela, foram identificadas diversas marcas e zonas pontuais de extracção de pedra. Relacionando a leitura dos paramentos com a sequência estratigráfica, apenas podemos afirmar que a [020] pertencerá a esta fase, visto que se prolonga sob parte do muro Sul. Tendo em conta as características da camada, esta parece ter servido para a impermeabilização do edifício. Os fragmentos cerâmicos que nela foram recolhidos, apresentam dimensões muito reduzidas, tal como um estado de preservação parco, tornando o balizamento cronológico muito complicado. Do ponto de vista arquitectónico, os elementos disponíveis não nos permitem, afinar uma cronologia concreta para o edifício. Apenas se pode destacar que esta possuía uma entrada estranhamente larga, cujo remate permanece dúbio, visto apenas serem visíveis as pedras do arranque do fecho da fachada no alçado interno. No que toca a solução de fecho desta entrada, permanece também envolta em dúvida, existindo certamente uma porta em madeira. Estruturalmente, o tamanho anormal da entrada, associado a uma solução de fecho eventualmente pouco consistente, terá levado a uma sobrecarga da mesma que terá originado o colapso da fachada e respectiva cobertura. No interior, no muro Este, são ainda visíveis quatro aberturas, distribuídas em forma de “T”, que poderiam ter servido para sustentar algum tipo de elemento decorativo. Aparta-se a hipótese de agulheiros para encaixe de andaimes, visto estarem representados unicamente nesse alçado. É provável que estes elementos possam estar relacionados com algum tipo de elemento de culto, visto se encontrarem sobre o altar. Na fachada externa, ainda se pode realçar a presença de duas cruzes gravadas a ladearem a entrada. No lado direito, na parte central de um bloco granítico de grandes dimensões, surge uma cruz latina, denotando-se de lado a presença de um sulco na vertical (Figura 60; Desenho 38). Já no lado esquerdo, também centralizada num bloco granítico de médias dimensões, surge uma cruz atípica, que apresenta dois braços, sendo o superior menor, e o inferior com as duas extremidades laterais barradas. Não foram encontrados paralelos para esta tipologia de cruz, no entanto, a representação assemelha-se a uma cruz potentada, apesar de o pé ser mais comprido (Figura 61 e 62; 40   

Desenho 38). Segundo o Professor Doutor Luís Fontes2 as cruzes potentadas começam a ter uma maior difusão a partir do século XIV. Neste caso, ambas as cruzes podem eventualmente estar correlacionadas com o momento de sagração do edifício religioso. A Fase III engloba dois momentos distintos, sendo o primeiro a derrocada da fachada e da respectiva cobertura, e o segundo, a remodelação da entrada e cobertura, visando colmatar falhas estruturais do edifício. Estes dois momentos foram englobados numa mesma fase, visto os dados existentes nos paramentos indiciarem que a recuperação tenha ocorrido pouco tempo após o colapso. De facto, caso a capela tivesse sido abandonada à ruína, seria de esperar uma remodelação e requalificação mais abrangente do que a observada, tal como estaria representado na estratigrafia, um nível de abandono. A remodelação incidiu então sobre a entrada, em que, tal como já foi referido, é reduzida a abertura, reconstruindo-se parte dos muros laterais. A reestruturação da entrada serve para colmatar falhas estruturais que estão relacionadas com a distribuição do peso de uma parte significativa do muro Oeste. Para tal, a solução arquitectónica usada é a criação de um arco em mitra, sendo que provavelmente ter-se-á desmontado algumas pedras da anterior fachada para o seu encaixe. Este arco é composto por dois blocos graníticos de grandes dimensões, sendo que um deles apresenta uma curvatura, enquanto o segundo apresenta-se mais rectilíneo, o que lhe configura um aspecto peculiar. No entanto, a função do arco não estaria tanto relacionada com a descarga do peso do muro, servindo mais para esse efeito a porta, mas provavelmente estaria associada a questões estéticas da fachada, no sentido de atribuir uma maior grandiosidade a entrada. Já no paramento interno, desconhece-se qual seria a solução de remate sobre a porta, mas provavelmente não se terá optado pelo arco, mas sim por um aparelho irregular assente sobre a padieira, já que no espaço existente não seria possível encaixar um arco. Estamos perante uma solução pouco comum, rústica e rural, que remete possivelmente para uma cronologia de Época Moderna, semelhante aos arcos de enxalço que sobrepõem as padieiras, uma solução comum em construções a partir do século XVI/XVII, segundo considera Luís Fontes. Os materiais cerâmicos reutilizados no reboco para o preenchimento da ombreira Norte da entrada, parecem remeter para uma cronologia de Época Moderna, o que é concordante com as datações apontadas                                                              2

 Arqueólogo da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho. 

41   

para a remodelação da entrada. Ainda nesta, junto a soleira da porta, no lado exterior, destaca-se a presença de um conjunto de pedras niveladas, que aparentam perfazer um degrau com vista a facilitar a passagem para o interior do edifício. Foi anexado nesta fase o vestíbulo, cuja entrada mantém sensivelmente o tamanho da entrada original do corpo da capela, tal como pretende recuperar o arranque do remate em arco. Este poderá ter sido criado com vista a proteger a entrada das intempéries, e conferir uma maior amplitude ao espaço sagrado. No entanto, não se deverá descartar o facto de este vestíbulo também poder estar relacionado com um aumento no número de fiéis na capela de Santo Albino. Nesta invulgar fachada, nas pedras usadas para o arco, realça-se a presença de arte rupestre, nomeadamente covinhas, localizadas no paramento interno, ficando originalmente ocultas (Figura 63; Desenho 39). Na extremidade Sul do arco, foram identificadas 11 covinhas pequenas, todas interligadas por canais, uma das quais parcialmente ocultada pelas pedras e argamassa do alçado interno (Figura 64 e 65; Desenho 39); na extremidade Norte do arco, apenas foi considerada uma covinha grande e profunda, destacando-se a presença de fracturas na pedra, que podem ter comprometido outras eventuais covinhas existentes (Figura 66; Desenho 39). Embora este tipo de representação possa ter um enquadramento cronológico bastante lato, apresenta semelhanças com os motivos presentes do abrigo da Solhapa em Duas Igrejas, que cronologicamente se insere na Pré-História Recente (MOURINHO, 1972), e que geograficamente insere-se no mesmo espaço, dada a relativa proximidade do sítio. Procedendo-se a comparação das características do granito das pedras do arco (de grão fino), com as do granito presente nos afloramentos na área envolvente (de grão médio/grosso), poderá se concluir que estas não serão originárias desta zona, mas sim provenientes de outro sítio, ainda relativamente afastado. A arte rupestre presente nestes dois elementos pétreos não se encontrava visível, estando esses elementos voltados para o paramento interno. Terão essas pedras originalmente sido escolhidas para usar a arte rupestre como elemento decorativo, e por algum motivo terem sido ocultadas? Outro elemento que parece remeter a um reaproveitamento foi usado na entrada do vestíbulo, na metade Sul. Parece tratar-se de uma prisão de gado, laje de granito de grandes dimensões vazada por um orifício circular, com datação indeterminada. Não é 42   

possível encontrar uma explicação para a elaboração intencional desta cavidade, tal como a atribuição de uma funcionalidade clara para a mesma, pelo que o reaproveitamento de pedra parece ser a hipótese mais válida. Outro aspecto prende-se com o reboco, pelo que todo o edifício encontrava-se rebocado, quer nos paramentos internos, como nos externos, destacando-se assim nas faces externas, a presença de grafitis representando cruzes (Figura 45; Desenho 18). No que diz respeito ao interior, associado a esta fase foram identificados um altar (Estrutura 1), encostado ao muro Este, ao qual se acedia através de um degrau (Estrutura 2) que percorria transversalmente todo o interior da capela, sendo o restante interior revestido de um piso argamassado (Estrutura 3). A Fase IV corresponde a uma segunda remodelação da capela, ficando demarcada por um alteamento da totalidade dos muros (corpo da capela e vestíbulo), bem como o nivelamento dos mesmos (somente no corpo da capela), para assentamento de nova cobertura, que altera a sua tipologia, deixando de ser de duas águas e passando a possuir quatro águas. Uma possível evidência das quatro águas tem representação ao longo da coroa dos muros do corpo da capela, onde é possível observar um rebaixamento no alçado interno para o encaixe dos travejamentos de madeira que sustentavam a cobertura. Quais os motivos que terão levado a remodelação do tipo de cobertura? Desconhece-se, de facto, as razões que terão levado a alterar a cobertura de duas para quatro águas. Para o vestíbulo, apesar do alteamento dos seus muros, estes mantêm a pendente original, pelo que se pressupõe que se terá mantido o mesmo tipo de cobertura, numa única água voltada para a entrada que deixava visível parte da fachada. Ainda, as paredes exteriores acabam por ser rebocadas novamente, enquanto no interior existe uma ausência de materialidades que possam indicar que tal tenha ocorrido. Do ponto de vista estratigráfico, parece existir uma continuação do uso do piso, do degrau e do altar. A última fase corresponde a Fase V, que representa o abandono continuado do edifício. Não é certo quando terá ocorrido, mas mantém-se na tradição oral a memória da capela ainda em uso, supondo-se que terá ocorrido entre os finais do século XIX e os inícios do século XX. Neste ponto, a estratigrafia comprova uma degradação continuada, em que é possível identificar o derrube do telhado, quer do corpo, quer do vestíbulo, 43   

sobre o nível de circulação, ao qual seguem-se vários derrubes localizados de pedras e reboco, estando um deles associado a nova derrocada da parte interna da fachada. De difícil enquadramento, é a presença do fragmento de cerâmica pré-histórica, recolhido no sedimento associado ao derrube da fachada, que aparentemente parece ser proveniente de um outro local, já que surge isolado e descontextualizado. Também são visíveis diversas acções de violação, representadas tanto nos paramentos como na estratigrafia, que poderão estar associadas ao saque de pedras, visto nunca terem sido identificados alguns elementos arquitectónicos, tal como a padieira no paramento interno. Na parte exterior, são visíveis diversos grafitis no alçado Este, representando algumas datas recentes do século XX (Figura 67), e uma representação antropomórfica no alçado Sul. Numa leitura abrangente do local, importa referir que não se dispõe de elementos quer construídos, quer arqueológicos característicos que permitam aferir uma datação segura para diacronia do local. Não obstante, e com base nas aferições acima efectuadas, poderemos pressupor que a construção dos lagares rupestres será anterior a edificação da capela. Não se sabe, porém, se existe alguma relação entre a utilização/reutilização dos lagares rupestres com a ocupação da capela. Pese embora, os lagares serem anteriores a construção da capela, não é possível perceber se esses terão sido reutilizados aquando do funcionamento da capela. Caso tenha havido reutilização dos lagares considerados de cronologia mais recuada (tardo-romanos/altomedievais), qual o motivo para a elaboração de uma lagareta na Baixa Idade Média? Este factor poderá eventualmente estar relacionado com um decréscimo da produção vinícola que não justificasse a utilização de um sistema de prensagem na produção de vinho. No que toca a capela, e com base nos elementos identificados, tais como o arco em mitra, que relembra os arcos de enxalço característicos nas construções mais rurais a partir do século XVI/XVII; a cruz de tipo potentada que se generaliza a partir do século XIV; e a referência documental da existência da capela no ano de 1721, poder-se-á apontar

uma

cronologia

pós-medieval/pré-moderna

para

a

sua

construção,

provavelmente balizando-se entre o século XVI e XVII. Concordante com esta hipótese está a ausência de vestígios arqueológicos anteriores a esta cronologia. Envolto em incertezas, permanece o motivo da construção da capela naquele local. Terá a sua edificação servido para sacralizar um local, que devido a existência de 44   

lagares rupestres anteriores, poderá ter sido considerado como pagão, ignorando-se a sua funcionalidade original? Esta hipótese parece pouco provável, visto que estamos perante uma construção de iniciativa e administração popular. Terá sido ela erigida para abençoar os terrenos agrícolas a fim de permitir boas colheitas? Existem registos em Miranda do Douro, datados dos séculos XVI e XVII, da realização de procissões invocando a melhora do tempo para permitir “boa colheita”. Tendo em conta a proximidade geográfica, poderemos pressupor que Vila Chã da Braciosa também tenha sido afectada em alguma época, por condições meteorológicas pouco benéficas para as produções agrícolas, e que por iniciativa popular, se tenha decidido erigir uma capela, dedicada a Santo Albino. A escolha do orago da capela também se encontra envolta em incertezas e será de complexa justificação. Este santo atinge o auge da sua popularidade na Idade Média, encontrando-se associado a luta pela moralização dos costumes e defesa das classes sociais mais empobrecidas, sendo encarado pelos devotos como um exemplo moralizador e de virtude. Desconhecem-se outras referências no espaço nacional, a capelas dedicadas a este santo, tornando assim, este edifício único no panorama iconográfico português.

45   

4. Conclusões

Os objectivos propostos foram grandemente cumpridos. Através da escavação foi possível identificar elementos construídos cuja memória se tinha já perdido. O espólio recolhido foi bastante reduzido e muito pouco conclusivo no que toca a balizamentos cronológicos. A leitura dos paramentos permitiu aferir várias acções construtivas que possibilitaram estabelecer fases de construção e ocupação da capela. Foi, ainda, possível interligar integralmente os dados obtidos da escavação com as respectivas fases construtivas do edificado. No que toca aos lagares rupestres, os objectivos foram parcialmente cumpridos, tendo-se efectuado o levantamento dos mesmos, tal como foi avançada uma hipótese interpretativa sobre o funcionamento dos mesmos. Não foi, no entanto, possível de aferir com exactidão qual a relação existente entre estes elementos e a capela. Tendo em vista estar-se presente um projecto de remodelação e valorização do edifício, recomendou-se a preservação e valorização do testemunho arqueológico no interior da capela.

Ponte de Lima, 02 de Setembro de 2013

______________________________ (Alexandrina Amorim)

_____________________________ (Tapício Nóbrega)

______________________________ (Sónia Cunha)

46   

5. Fontes e Bibliografia

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Cartografia:

Carta Geológica de Portugal, na escala de 1:200 000, folha n.º 2. Instituto Geológico e Mineiro/Ministério da Economia, 2000.

Carta Militar de Portugal, na escala de 1:25 000, série M888, folha n.º 95. Instituto Geográfico do Exército.

Google Earth

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Anexos ______________________________

Anexo A ______________________________ Plantas

Anexo B ______________________________ Figuras

Anexo C ______________________________ Desenhos (planos, cortes, secções, alçados)

Anexo D ______________________________ Listagens

Anexo E ______________________________ Matriz

Anexo F ______________________________ Espólio

Anexo G ______________________________ CD-Rom

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