Rescisão do contrato de trabalho para proteção da família e do menor

July 6, 2017 | Autor: Edilton Meireles | Categoria: Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Do Menor
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Rescisão do contrato de trabalho para proteção da família e do menor


EDILTON MEIRELES[1]





SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da rescisão contratual. 2.1. Rescisão do
contrato do menor a pedido do responsável. 2.2. Rescisão do contrato a
pedido do cônjuge ou companheiro. 3. Execução do contrato e alteração das
condições de trabalho. 4. Conclusão.




RESUMO. No presente trabalho, procurando suscitar o debate a
respeito do dilema envolvendo a conciliação do trabalho e dos interesses do
menor e da família, o autor trata da possibilidade de se requerer a
rescisão do contrato de emprego firmado pelo incapaz ou pelo cônjuge a
pedido dos responsáveis ou pelo outro cônjuge (ou companheiro), quando o
labor desenvolvido pelo trabalhador seja prejudicial aos interesses do
mesmo ou da família. Procura-se demonstrar que, por razões superiores de
interesse da família, o responsável pelo incapaz ou o consorte pode
interferir na vontade de contratar destes, impedindo que se continue a
execução do contrato quando este posa ser prejudicial ao desenvolvimento do
menor ou aos interesses da família ou do casal.

PALAVRAS-CHAVES: trabalho – menores – rescisão – interesse da
família – poder familiar




ABSTRACT. In this article, the author discusses the dilemma
surrounding the reconciliation of the minor´s work and his and his family
interests; he deals with the possibility of requesting termination of the
employment contract by one´s consort or by the tutor of un unable person,
when the labor done by workers is detrimental to the their own or their
family interests.

KEYWORDS. Labor – minors – rescission - the interest of the family
- family power.





1. Introdução




Pouco tem sido o estudo sobre o reflexo do direito familiar no
direito do trabalho. E é certo que, por diversas razões e motivos, o
direito de família interfere na norma trabalhista. Contudo, apesar de pouco
desenvolvidos no Brasil os estudos pertinentes, ganha campo, cada vez mais,
na doutrina européia o entendimento que os interesses da família devem ser
observados na aplicação da legislação trabalhista. Em suma, deve haver a
conciliação entre os interesses da família e o trabalho, de modo que aquele
não seja sacrificado desmedidamente pelas exigências patronais ou mesmo em
face dos atos praticados pelos próprios trabalhadores.

Tal desiderato, por sua vez, deve ser alcançado, já que, conforme
disposto no art. 226 da CF, "a família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado".

Não fosse isso, prescreve o art. 227 da Carta Magna que "é dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão".

Ora, uma das formas de proteger a família é justamente se tentar
conciliar as obrigações dos seus membros em relação à própria entidade
"base da sociedade" com o eventual trabalho desenvolvido em favor de
terceiros.

Já em relação aos menores de idade tal proteção se torna mais
imperativa, já que a própria Constituição estabelece que é dever de todos
(família, sociedade, inclusive empresas, e Estado), com absoluta
prioridade, assegurar à criança e ao adolescente "o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

E dentre todas essas garantias asseguradas à criança e adolescente,
cabe ressaltar a proteção à convivência familiar e comunitária, "além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão".

É assim que, com o presente trabalho esperamos contribuir para esse
debate. Trataremos, no entanto, apenas sobre um específico tema, qual seja,
da proteção dos valores familiares em face do labor desenvolvido em favor
da empresa. E mais, restringimos o estudo, procuraremos, aqui, abordar,
especificamente, o direito do cônjuge e dos pais interferir na execução e
rescisão do contrato de trabalho firmado pelo outro cônjuge ou pelos seus
filhos.




2. Da rescisão contratual

2.1. Rescisão do contrato do menor a pedido do responsável




O art. 408 da CLT dispõe expressamente que ao responsável legal do
menor (entenda-se: do incapaz) "é facultado pleitear a extinção do contrato
de trabalho, desde que o serviço possa acarretar para ele prejuízos de
ordem física ou moral".

O art. 405 da CLT, por sua vez, dispõe que não é permitido ao menor
o trabalho "nos locais e serviços perigosos ou insalubres" e "em locais ou
serviços prejudiciais à sua moralidade". Já o § 3º desse mesmo dispositivo
estabelece que se considera prejudicial à moralidade do menor o trabalho:
"a) prestado de qualquer modo em teatros de revista, cinemas,
boates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos
análogos;
b) em empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco,
ginasta e outras semelhantes;
c) de produção, composição, entrega ou venda de escritos,
impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas,
imagens e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da
autoridade competente, prejudicar sua formação moral;
d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas".
É certo, porém, que, o Juiz "poderá autorizar ao menor o trabalho a
que se referem as letras a e b do § 3º. do Art. 405":
"I - desde que a representação tenha fim educativo ou a peça
de que participe, não possa ser prejudicial à sua formação
moral;
II - desde que se certifique ser a ocupação do menor
indispensável à própria subsistência ou à de seus pais, avós
ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral".
A Lei n. 8.069/90 (ECA), por sua vez, veda, em relação ao menor, o
trabalho
"I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia
e as cinco horas do dia seguinte;
II - perigoso, insalubre ou penoso;
III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu
desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;
IV - realizado em horários e locais que não permitam a
freqüência à escola".
Antes dessa legislação, porém, cabe lembrar que a Constituição veda
o trabalho noturno, perigoso e insalubre ao menor de 18 anos (inciso XXXIII
do art. 7º).

O que nos interessa, no entanto, é destacar que, como não poderia
deixar de ser, ao responsável legal do incapaz "é facultado pleitear a
extinção do contrato de trabalho, desde que o serviço possa acarretar para
ele prejuízos de ordem física ou moral".

Tal regra, por sua vez, é nada mais, nada menos, do que norma que
regulamenta uma das facetas do poder familiar, pois aos pais compete criar
e educar seus filhos. E, por óbvio, não cumprirá bem esse direito-dever se
deixar seus filhos trabalharem em serviço que "possa acarretar para ele
prejuízos de ordem física ou moral".

Assim, sempre que diante dessa hipótese, verificando o responsável
pelo menor que este realiza serviço subordinado em prejuízo ao seu
desenvolvimento físico ou moral, ele poderá, no uso de seu poder familiar,
romper o contrato de emprego, manifestando sua vontade. Essa vontade do
responsável, por sua vez, irá prevalecer sobre ao do menor, já que este ou
não tem capacidade civil para prática dos atos da vida civil (menor
absolutamente incapaz, com idade inferior a 16 anos) ou é relativamente
incapaz (menor de 18 anos e maior de 16 anos), hipótese esta em que a
vontade do assistido deve ser suprida pelo responsável (inciso V do art.
1.634 do CC).

O rompimento contratual, por sua vez, tanto pode se dar diretamente
com a comunicação da vontade do responsável ao empregador, como através de
ação judicial, na qual o responsável demanda contra a empresa, pedindo a
declaração da rescisão do contrato prejudicial ao menor.

É certo, ainda, que caso haja resistência do menor púbere pode
surgir a necessidade do responsável também demandar contra o próprio filho,
hipótese na qual ao juiz caberá nomear curador especial (parágrafo único do
art. 142 da Lei n. 8.069/90), ouvindo, ainda, o Ministério Público em
qualquer hipótese.

Entendemos, ainda, que, neste caso, caso sacramentada a rescisão,
ao menor será devido todos os direitos rescisórias como se estivesse sido
despedido. Isso porque, em verdade, neste caso, restará configurado, por
parte do empregador, a violação da legislação protetiva do menor, em
especial a que veda o trabalho prejudicial à sua formação moral e física.
Logo, estaremos diante de uma hipótese motivadora da despedida indireta.




2.2. Rescisão do contrato a pedido do cônjuge ou companheiro




A CLT, originariamente, continha uma regra, no parágrafo único do
art. 446, que dispunha que "ao marido ou pai é facultado pleitear a
rescisão do contrato de trabalho, quando a sua continuação for suscetível
de acarretar ameaça aos vínculos da família, perigo manifesto às condições
peculiares da mulher ou prejuízo de ordem física ou moral para o menor".

Tal regra foi editada em época na qual a mulher, mesmo casada, era
considerada incapaz relativamente, ficando sujeita aos ditames do marido.
Essa norma, porém, acabou por ser revogada pela Lei n. 7.855/89, ao
pretexto de que ela feria o princípio da igualdade.

No que se refere ao menor, a revogação da norma em nada alterou o
panorama jurídico, já que ainda vigente o art. 408 da CLT. Já quanto a
mulher, sim, acabou por se retirar da legislação expressa possibilidade de
rescisão do contrato por vontade do cônjuge varão.

É certo, porém, que não nos parecia de toda inconstitucional essa
regra, pois bastava dar-lhe uma interpretação conforme a Constituição para
se lhe aproveitá-la. Bastava, assim, interpretar essa regra no sentido de
permitir "ao cônjuge ou companheiro pleitear a rescisão do contrato de
trabalho quando a sua continuação for suscetível de acarretar ameaça aos
vínculos da família".

Ora, sabemos que a família é a base da sociedade, cabendo ao Estado
protegê-la (art. 226 da CF). Daí se extrai a regra de que devemos procurar,
ao máximo possível, realizar esse mandamento constitucional de modo a
sempre tentar, em todas as situações, preservar o casamento (ou na união
estável) já que neste se formam os laços familiares.

Daí surge a pergunta: trabalhando o cônjuge em serviço "suscetível
de acarretar ameaça aos vínculos da família" é preferível deixar o
casamento se romper ou permitir que o cônjuge possa pleitear a rescisão do
contrato de emprego em prol dos vínculos de família?

É certo que, nos tempos modernos, parece surreal imaginar que um
cônjuge[2] vá à Justiça pleitear a rescisão do contrato firmado pelo seu
consorte. Tudo bem. Mas também não é surreal ir à Justiça pleitear o
desfazimento do casamento e se obter a reconciliação conjugal? Lembre-se,
inclusive, que é dever do juiz de família tentar a reconciliação (§ 2º do
art. 3º da Lei n. 6.515/77).

Ora, no mínimo, a demanda trabalhista para rompimento do contrato
firmado pelo cônjuge poderá servir para uma tentativa de conciliação dos
interesses conflitantes do casal, ainda que o magistrado apenas venha a
agir como verdadeiro juiz de paz. Mas tudo em nome da família.

Tal entendido, aliás, está coerente com o disposto no parágrafo
único do art. 1.567 do CC, que estabelece que, em havendo divergência na
direção da sociedade conjugal, "no interesse do casal e dos filhos" (caput
do art. 1.567), "qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que
decidirá tendo em consideração aqueles interesses". E me parece que
trabalhar em serviço que possa acarretar ameaça ao vínculo matrimonial é
atentar contra a própria sociedade conjugal, quanto mais em relação à sua
direção.

Assim, concluímos que ao cônjuge ou companheiro cabe pleitear a
rescisão do contrato de trabalho firmado pelo consorte quando a sua
continuação for suscetível de acarretar ameaça aos vínculos da família ou
perigo manifesto às condições peculiares do outro cônjuge ou companheiro.

Nesta hipótese, no entanto, rompido o contrato no interesse da
família, em face do serviço prestado pelo cônjuge ou companheiro, a de se
admitir que estaremos de diante de uma hipótese de rompimento contratual
por vontade do empregado (por vontade da família, diria).

Única exceção que podemos admitir é aquela em que o trabalhador
presta serviço vedado em lei ou sob condições reprimidas pela lei. Neste
caso, ainda que rompido o contrato a pedido do cônjuge, como o labor
exigido está em desacordo com a legislação, estaremos também diante de uma
hipótese de despedida indireta. É a hipótese, por exemplo, do labor da
mulher com violação das medidas de proteção respectivas. Ou ainda, da
exigência do labor em condições insalubres sem o fornecimento dos
equipamentos de proteção (art. 166 da CLT).




3. Execução do contrato e alteração das condições de trabalho




Firmado o entendimento de que o responsável pelo menor e o cônjuge
ou companheiro pode pleitear a rescisão do contrato do filho, tutelado ou
curatelado ou do consorte, por muito mais razões se pode admitir o direito
daqueles interferir na execução dos serviços contratados.

Ora, se podem pedir a extinção do contrato, por certo eles podem
requerer o afastamento do menor das atividades que possam acarretar danos
ao seu desenvolvimento físico ou moral ou o do cônjuge dos serviços que
possa acarretar ameaça aos vínculos da família ou perigo manifesto às suas
condições peculiares.

No caso do menor, a empresa ficará obrigada a assim proceder,
alterando as condições do trabalho, caso configurado o labor prejudicial,
sob pena de incorrer em violação as leis protetivas do menor.

Já quanto ao cônjuge, o afastamento ou mudança das atividades
poderá ser imposta nas hipóteses em que não é observada a legislação
protetiva pertinente. No mais, a questão familiar não interfere no âmbito
da empresa.




5. Conclusão




Assim, podemos concluir que, por razões de família, o responsável
(pais ou tutor) pelo menor pode pedir a rescisão do contrato firmado com
este sempre que verificar que o serviço prestado possa acarretar para ele
prejuízos de ordem física ou moral.

Da mesma forma, ainda que inexistente regra expressa, é admissível
ao cônjuge ou companheiro pedir a rescisão do contrato firmado pelo
consorte quando do serviço possa decorrer ameaça aos vínculos da família.

Óbvio, ainda, que aos mesmos cabe reclamar as alterações das
condições de trabalho sempre que delas decorram prejuízos de ordem física
ou moral ao menor ou ameaça aos vínculos da família.

Por fim, é de se ressaltar que os interesses da família devem se
conciliar com as obrigações contratadas numa relação de emprego, até por
ser dever de todos zelar pela manutenção da entidade "base da sociedade" e
proteger, com absoluta prioridade, as crianças e adolescentes.




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[1] Desembargador do Trabalho. Doutor em Direito (PUC/SP). Professor na
graduação, mestrado e doutorado na UFBa e na UCSal.

[2] Compreenda-se que, sempre que me referir ao cônjuge ou consorte, marido
e esposa ou mulher, também estou tratando do(a) companheiro(a) na união
estável.
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