Resenha A Bolsa e a Vida de Jacques Le Goff

September 26, 2017 | Autor: Alexanderson Wronski | Categoria: Jacques Le Goff, História da Idade Média, Economia medievale
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

















RESENHA: "A BOLSA E A VIDA"





















CURITIBA

2014

ALEXANDERSON WRONSKI





















RESENHA: "A BOLSA E A VIDA"




Trabalho apresentado ao curso de
Licenciatura em História para
obtenção de nota parcial na
disciplina de História da Europa
Medieval .

Prof. Dr Adriana Mocelim















CURITIBA

2014

Resenha: A Bolsa e a Vida – Jacques Le Goff

Jacques Le Goff (1924-2014), foi historiador especializado em Idade Média e
um dos líderes da terceira geração de historiadores franceses ligados aos
Annales. Ele foi um dos líderes e fundadores da terceira geração dos
Annales com modificações em relação forma da escrita historiográfica. Foi
autor de alguns textos importantes sobre Teoria da História e
Historiografia, dedicou-se principalmente ao estudo da Idade Média
examinando diversificadas temáticas como comércio, a vida urbana, as
universidades, a literatura e o imaginário. Chegou à VI Seção da École des
Hautes Études em 1962, e em 1968 com a ascensão de um novo grupo de
historiadores ao comando da Revista dos Annales e das instituições a ela
ligadas, passou a ocupar um lugar de destaque. Sua importante posição nesta
nova fase dos Annales pode ser evidenciada pelas tarefas que lhes foram
atribuídas como organizador de duas grandes coletâneas de trabalhos dos
historiadores annalistas: Faire de I'histoire(1974) e Nouvelle Historie
(1978). (BARROS,2012)

Nesta nova fase da historiografia francesa tendo como um dos fundadores e
líderes o próprio Le Goff, abre-se um leque de novas possibilidades e
campos de estudo. Ele se refere ao novo movimento bem como a seus colegas
como a "Nova História", buscando ir além do que vinha sendo produzido sem
deixar de estarem ligados a primeira geração dos Annales. Retoma-se o
discurso biográfico e político, desenvolve-se um exame da história a partir
de micro-realidades, - dando atenção a fatos esquecidos ou ignorados pela,
macro-história - os historiadores passam a ter um olhar aprofundado de seu
discurso e do fazer historiográfico. Também com este movimento há um
levante de interesse pela escrita da História Cultural num grande cenário
de modalidades historiográficas (BARROS, 2012)

A sua obra "A Bolsa e a Vida" (1986), está entre os seus principais títulos
de publicações na historiografia medieval. Já no título deixa clara as suas
intenções com o livro: a Bolsa simbolizando o dinheiro ilícito, o dinheiro
que foi adquirido através da usura, e a Vida simbolizando os dogmas
católicos, a redenção e a salvação.

No capítulo "Entre o dinheiro e o Inferno: a usura e o usurário", o autor
demonstra a usura como um dos grandes problemas dos séculos XII e XIII
período de enfoque da obra. Nessa data, a Cristandade, no auge da vigorosa
expansão que empreendia desde o Ano Mil, já se vê em perigo. O impulso e a
difusão da economia monetária ameaçam os velhos valores cristãos sobre tudo
no século XIII. A usura era condenada na Bíblia em vários livros tanto no
Velho Testamento como no novo e a legislação eclesiástica se fundamentava
nestas escrituras.

Os legisladores eclesiásticos davam grande atenção a usura em seus textos,
em dois tipos de documentos originários dos gêneros antigos que, na virada
do século XII para o XIII, sofreram uma modificação essencial. Os primeiros
agrupam as Sumas ou manuais dos confessores. Seguindo o modelo das leis
bárbaras, consideravam os atos, não os atores, ou seja, condena-se a
prática da usura e não o usurário.

O usurário aparece como principal protagonista do segundo tipo de
documentos: os exemplum. O exemplum é uma narrativa breve, considerada
verdadeira utilizada como um sermão. Através deste recurso acreditava-se
que se bem utilizado poderia salvar os pecadores. Com estes documentos, o
autor vai basear as concepções de usura e usurário, com referência a vários
autores destacando-se Jacques de Vitry e Étienne de Bourbon.

Já em "A bolsa: a usura" o autor inicia fazendo a desambiguação entre o
juros e a usura: A usura é a arrecadação de juros por um emprestador nas
operações que não devem dar lugar ao juro. Não é portanto a cobrança de
qualquer juro. Ele utiliza versículos bíblicos a fim de explicar o que era
pregado. Os homens da Idade Média procuravam um modelo na Bíblia, porém ao
passo que a Bíblia se contradiz era necessário entrar num consenso do que
se definiria como leis aos fiéis. E na questão da usura propriamente dita,
a Bíblia é clara ao definir a mesma como um pecado, não havendo contradição
tornando-se uma prática amplamente condenável. A usura, nos primeiros
concílios, foi proibida tanto aos clérigos quanto aos laicos.

Ainda no referido capítulo Le Goff utiliza-se das sumas e outros documentos
de Tomás de Aquino, Santo Ambrósio, Thomas de Chobham, Santo Anselmo, entre
outros para reafirmar a condenação da usura.

Em "O Ladrão de Tempo", o historiador expôs a situação crítica em que se
encontravam os judeus agravada pelas Cruzadas, e pela prática da usura ser
concorrente aos cristãos aumentou o antissemitismo na Europa. Os usurários
cristãos estavam sujeitos a tribunais eclesiásticos enquanto os judeus
ficavam a cargo do poder laico com leis e penas por vezes mais duras.

Neste capítulo é trabalhado o conceito de que o usurário é um ladrão,
pensamento já cunhado por Santo Anselmo e compartilhado por Pedro Lombardo.
O usurário seria um ladrão pelo fato de vender algo que não lhe pertence,
ora o tempo pertence a Deus, e o usurário não pode tirar proveito de um bem
que não lhe pertence.

A Tábula exemplorum – manuscrito do séc XIII da Biblioteca Nacional de
Paris- que compara o usurário com um Boi que nunca descansa: "Todo homem
para de trabalhar nos feriados, mas os bois usurários (boves usurarii)
trabalham sem parar e ofendem assim a Deus e a todos os santos. E a usura,
como peca sem fim, sem fim deve também ser punida" (p.27). Nela conta-se
também que o usurário vende o dia (luz, alma) e a noite (repouso,
tranquilidade):




"(...) o dia e a noite são os duplos terrestres dos dois
bens escatológicos, a luz e a paz. Pois ao lado da noite
infernal, há uma noite terrestre em que se pode pressentir
o Paraíso. São estes os dois bens supremos que o usurário
vende "(pp.37-38).




O historiador faz menção ao pensar medieval desta cobrança indevida que
fazia do usurário um ocioso, ganhando em cima do suor dos outros. Assim os
usurários são condenados pelos velhos valores cristãos e pelos novos
valores da sociedade.

No quarto capítulo "O usurário e a morte" o autor explica o desprezo da
Igreja Católica sobre muitas profissões, que eram proibidas e denunciadas
como algo que as levava diretamente ao pecado por estas lidarem com
sujeira, sangue entre outros tabus. Outro aspecto condenável era a
associação de tais profissões com pecados capitais. Ao usurário era
associado como pecado: o manuseio do dinheiro, a avareza e a preguiça.

Le Goff cita Jacques de Vitry para fundamentar os sermões, e comenta sobre
o aparecimento de animais nos exemplorae uma vez que na Idade Média têm-se
muitas associações de homens e animais fala-se de múltiplas associações
entre o usurário e bichos de todo gênero. O autor utiliza-se ainda de
Vitry, para elucidar a relação do mercador e do usurário, sendo um uma
profissão digna e a outra condenável, assim utilizava-se do exercício de
uma para encobrir a vergonha da outra.

Usando dos escritos de Étinne de Bourbon, conhecemos o horror e o temor da
morte que pairavam no imaginário feudal, ele demonstra como a morte súbita
poderia ser o pior fim de um usurário uma vez que este encontra-se em
situação de pecado mortal restando-lhe apenas o inferno.

O quinto capítulo "A Bolsa e a Vida: o Purgatório", o autor ressalta o
papel da Igreja junto aos reis e imperadores na organização e estruturação
da sociedade. Aplicava-se aos pecados um código de penitências
preestabelecidas, inspiradas nas penas promulgadas pelas leis bárbaras. A
Igreja repensou a nova sociedade com a grande transformação por volta do
ano mil: o feudalismo. A vida terrestre podia, ser o princípio, a
aprendizagem de uma subida em direção a Deus. E aqui no plano terrestre,
colaborando com sua obra de criação, que a humanidade podia salvar-se. O
Purgatório nasce no final dessa grande transformação imaginada pela Igreja
como uma modificação de toda a sociedade.

Ainda no mesmo capítulo exprime-se que nos textos, a condenação da usura
era total, porém isto não condizia com a realidade. A Igreja nunca condenou
todas as práticas de juros apenas as excessivas. No século XIII, a elevação
dos juros decorrente do empréstimo usurário determinou largamente a atitude
das autoridades e da sociedade em relação aos usurários. Assim, um
crescente número de usurários tem probabilidades de ser salvo do Inferno,
seja pela moderação, seja pelo deslocamento de sua atividade em direção às
novas zonas de empréstimo a juros autorizados.

Para o usurário salvar fasear-se-ia necessário restituir o dinheiro que
fora contraído através de usura, ainda em vida ou deixar a cargo de outrem
de fazê-lo (caso se encontra-se arrependido e enfermo), nos casos da não
restituição segundo as anedotas o morto voltaria para assombrar seus
traidores. Como nos traz Le Goff ao citar Etienne de Bourbon, "O usurário,
se quiser evitar a danação, deve devolver (a palavra é muito forte,
evornat, 'devolver vomitando') o dinheiro mal adquirido e apagar sua culpa
através da confissão."(pp.78-79)

Neste aspecto entra em cena a mulher. Ela deve procurar persuadir o marido
a deixar essa profissão maldita e a restituir o dinheiro que o levará ao
Inferno. Muitas mulheres de usurários o fazem nos exemplorum. A mulher
acaba por receber duas visões por parte da Igreja, ora ela é a culpada do
pecado original, ora é colocado nela a esperança de converter ou corrigir o
marido "diabólico".

No capítulo final "Os corações também têm suas lágrimas", é ressaltado o
papel da mulher mais precisamente o das viúvas na tentativa de salvar seus
maridos e a si mesmas uma vez que à partir do casamento homem e mulher
tornavam-se um a contrição e penitência da mulher acreditava-se poder
diminuir as penas do homem. Porém volta-se o ideal da restituição uma vez
que apenas a contrição é duvidosa.

O Purgatório no século XIII apresenta-se ao usurário como uma esperança de
poder enfim atingir o céu. Esses homens são cristãos, mesmo apesar das
várias condenações sociais, eles continuam a exercer suas funções que serão
cruciais ao desenvolvimento da sociedade e da economia nos séculos
seguintes. O maior obstáculo enfrentado como não poderia deixar de ser foi
religioso. A esperança de escapar ao Inferno, graças ao Purgatório, permite
ao usurário fazer avançar a economia e a sociedade do século XIII em
direção ao capitalismo.

O que o autor procurou mostrar neste livro justamente como um obstáculo
ideológico pode entravar, retardar o desenvolvimento de um novo sistema
econômico. E concernentemente elencando e exemplificando os fatores em
volta do usurário e da usura na Idade média em cada capítulo de sua obra, o
autor cumpre com seu objetivo.




REFERÊNCIAS

BARROS, José D'assunção. Teoria da História – A Escola dos Annales e a Nova
História. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes,2012.

LE GOFF, Jacques. A bolsa e a vida: a usura na Idade Média. tradução
Rogerio Silveira Muoio; São Paulo, Brasiliense, 2004.
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