Resenha - A bolsa e a vida (Jacques Le Goff)

September 14, 2017 | Autor: Lucas Augusto | Categoria: Medieval History
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
2º PERÍODO NOTURNO

LUCAS AUGUSTO TAVARES DA SILVA












RESENHA DO LIVRO: "A BOLSA E A VIDA: A USURA NA IDADE MÉDIA" DE JACQUES LE GOFF












CURITIBA
2013
LUCAS AUGUSTO TAVARES DA SILVA

















RESENHA DO LIVRO: "A BOLSA E A VIDA: A USURA NA IDADE MÉDIA" DE JACQUES LE GOFF

Trabalho apresentado à disciplina de História da Europa Medieval do curso de Licenciatura em História da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Orientador (a): Profª. Dra. Adriana Mocelim







CURITIBA
2013

"A BOLSA E A VIDA: A USURA NA IDADE MÉDIA"
JACQUES LE GOFF
Jacques Le Goff, nascido em Janeiro de 1924 na cidade de Toulon no sul da França, pertence a 3ª geração de historiadores da Escola dos Annales, uma vertente historiográfica surgida na França na metade do século XX que revolucionou o "fazer história" desatrelando a historiografia da sua dependência com a política. Le Goff principalmente por não cultivar aquela visão iluminista de que a Idade Média seria a "idade das trevas", estudou a fundo manuscritos, pergaminhos e tratados escolásticos antigos para tentar desmistificar esta ideia, e assim se tornou um grande medievalista e escrevendo diversas obras sobre temas do período medieval, como a já citada no título deste trabalho e na qual será baseada esta resenha.
O título da obra: "A Bolsa e a Vida, a Usura na Idade Média", nos revela a tese central que o autor aborda no livro: economia e religião. A "Bolsa" caracterizando a economia representa o dinheiro "sujo" adquirido através da usura (cobrança de juros) pelos usurários que são considerados "ladrões do tempo", sendo que este tempo pertence somente a Deus. E a "Vida" caracterizando a religião, representa a salvação, a redenção que pode ser concedida por Deus no purgatório a estes "ladrões do tempo". O título também nos mostra a intenção do usurário, que era a de manter e "Bolsa" e mesmo assim alcançar a "Vida" eterna, ou seja, não ter de escolher entre uma e outra.
No capítulo I da obra, intitulado "Entre o dinheiro e o inferno: a usura e o usurário", Le Goff expõe que a usura oferece a melhor mistura de economia e religião durante sete séculos do Ocidente (séc. XII ao XIX), dizendo que esta constitui, de certo modo, o "parto" de um novo sistema econômico que está prestes a se formar: o capitalismo, que para se desenvolver precisa utilizar práticas condenadas pela igreja. Com isso, a usura torna- se um dos grandes problemas do século XIII desencadeando uma luta cotidiana, que tem por objetivo distinguir o lucro lícito da usura ilícita. Assim, Le Goff começa a considerar os principais protagonistas desta prática: os usurários, porém para encontrá-los é necessário analisar dois tipos de documentos: as Sumas ou manuais dos confessores, que eram escritos por teólogos e canonistas, destinados aos confessores (quem escuta as confissões) para que possam avaliar a condição dos usurários que vão se confessar. O segundo tipo de documento são os exempla: uma narrativa breve, dada como verídica e que tem por objetivo ser inserida em um discurso, e tem como principal protagonista o usurário, onde este supostamente dialoga com sua alma no leito de morte, pedindo que ela não o faça devolver toda usura que praticou. Esta narrativa termina com a pior conclusão de uma vida: o usurário, recusado à terra cristã, é sepultado e seu espírito é enviando ao inferno. Finalizando o capítulo, Le Goff diz que a usura é um pecado, questionando se para salvar-se, o usurário deverá separar-se da bolsa (lucro ilícito obtido pela usura), ou será encontrado para ele um meio de guardar esta bolsa e ainda assim alcançar o paraíso? Aqui está o grande dilema do usurário: escolher entre o dinheiro e o inferno.
Le Goff inicia o segundo capítulo "A Bolsa: a usura", dizendo que algumas vezes, os documentos e homens da Idade Média utilizam a palavra usura no singular, porém o autor expõe que a usura tem várias faces, é uma multiplicidade de práticas, tornando difícil estabelecer um limite entre o lícito e o lícito em operações com juros. Apesar destas várias faces da usura, Le Goff dá uma definição geral dela como um conjunto de práticas financeiras proibidas, onde o emprestador arrecada juros em operações que não podem o ter. Então o autor começa a fazer um histórico de como usura se tornou uma prática proibida e condenada, dizendo que os homens da Idade Média quando eram confrontados com um fenômeno, procuravam uma resposta na Bíblia, pois a autoridade desta fornecia a explicação e o modo de tratar o fenômeno em questão, assim Le Goff apresenta cinco textos, onde quatro são do Antigo Testamento e um do Novo Testamento, e todos eles condenam a usura tratando-a como um pecado. Depois disso vem uma longa tradição cristã de condenação à usura, exposta em diversos documentos e relatos eclesiásticos. Contudo, o autor coloca que até o século XII, o problema da usura é secundário, pois até esta época a economia na Europa estava contraída e o uso e circulação da moeda estavam precários. Porém, quando a economia monetária ganha força, a partir do século XII, a usura torna-se uma grande personagem, assim a condenação dela nesta época é explicada pelo temor da igreja ao ver a sociedade abalada pela proliferação das práticas usurárias, pois homens abandonam suas terras e profissões para tornarem-se usurários. Por fim, Le Goff expõe relatos e documentos medievais, onde seus autores dizem que o dinheiro é infecundo, que ele não trabalha, porém a partir do século XIII teólogos e canonistas constatam que o dinheiro usurário de fato trabalha, todos os dias, sem descanso algum este dinheiro sujo continua a gerar mais dinheiro. Assim é concluído o capítulo, onde o autor coloca que este trabalho em cadeia da usura termina nas cadeias eternas do sofrimento, pois a usura só pode ter um destino: o inferno.
Le Goff no terceiro capítulo: O Ladrão do tempo, diz que a usura é um roubo, portanto o usurário é um ladrão. Primeiramente um ladrão de propriedade, pois recebe um bem alheio, neste caso é o dinheiro gerado pela usura, contra a vontade do proprietário. Depois, o usurário é também um "ladrão do tempo" que se passa entre o momento do empréstimo e o do pagamento, sendo que o tempo pertence somente a Deus. Le Goff expõe que apesar do usurário medieval ser o precursor do capitalismo, em seu tempo ele foi um homem desonrado, segundo todos os pontos de vista da época, sendo condenado por uma longa tradição judaico-cristã de respeito e honra ao trabalho, pois segundo a visão da época, o trabalho era o castigo imposto por Deus pelo pecado original, sendo que mais tarde o trabalho foi cada vez sendo mais valorizado como um símbolo de dignidade. Assim, como o usurário lucra cada vez mais sem trabalhar, ele age contra o plano do Criador, nesta construção o usurário é um desertor da ordem divina. Concluindo o capítulo, o autor apresenta uma possibilidade de salvação do usurário, como todo o seu lucro foi mal adquirido, ele deve restituir tudo o que ganhou ilicitamente, pois só assim seria considerado um penitente sincero, sendo que esta restituição estende-se aos herdeiros do usurário e se estes não cumprirem este dever, todos os sofrimentos impostos no inferno àquele "ladrão tempo", serão transferidos no mundo terreno para eles. Assim, o autor expõe que esta restituição é muito penosa ao usurário, citando um trecho de documento expressando a ideia de que até pronunciar a palavra "devolver" machucava a garganta do usurário.
No capítulo seguinte: "O usurário e a morte", são apresentadas algumas profissões desprezadas e condenadas durante a Alta Idade Média, que são assim classificadas por seguirem os sete pecados capitais. Baseado nisso, a "profissão" de usurário é alvo de várias condenações: manuseio de dinheiro alheio, avareza, preguiça, além da condenação por roubo, considerado um pecado contra a justiça e contra a natureza. Neste capítulo também é exposto que essa prática do usurário não é acidental, pois ele não tem necessidade disso, visto que já possui o dinheiro para praticar a usura. De todos os que exercem profissões desprezadas, o usurário é o pior, porque ele peca contra Deus de todas as maneiras, porém ele não escapará ao inferno, mesmo se comprou a salvação da igreja após sua morte. Le Goff também conta que no mundo medieval, o usurário era sempre comparado a um animal, como ao boi (um pesado trabalhador que nunca descansa), ao leão (raptor de presas), à raposa (não divide o que tem) e ao lobo (carrega na pele todas as suas riquezas e tem uma forte ligação com o demônio). O autor também apresenta uma problemática: a profissão do usurário não se confunde com a de mercador? Ele responde que sim e não. Sim, pois o usurário e o mercador são o mesmo homem, e não porque um termo é vergonhoso e o outro honroso, onde o segundo serve para esconder a vergonha do primeiro. No final do capítulo, somos apresentados ao fato de que antes de ser a presa eterna do diabo, o usurário é seu protegido na terra, porém quando a morte se aproxima, esta "amizade" é rompida, sendo que satã toma cuidado para que a alma do usurário não lhe possa escapar, para que isso aconteça, é preciso evitar uma eventual confissão. Para isso, o diabo tem três alternativas de estratégias: primeiro, tornar o usurário moribundo e mudo, segunda solução, a morte súbita ou a terceira, torna-lo louco, assim ele não teria chance de se confessar e ganhar uma possível salvação.
No início do quinto capítulo: "A bolsa e a vida: o purgatório", o autor expõe que a igreja pedia ao usurário que escolhesse: ou a bolsa ou a vida, porém ele queria os dois, pois era descrente e não acreditava que iria para o inferno. Le Goff continua dizendo que antes do século XIII a cristianização da sociedade medieval era apenas superficial, porém após as transformações causadas pelo feudalismo, a igreja vai se esforçar para cristianizar verdadeiramente a sociedade, para isso vai se utilizar de dois artifícios: a racionalização e institucionalização do diabo que puniria aqueles que não vivessem segundo os preceitos de Deus. O segundo artifício foi a pregação de que a vida terrena seria o princípio, a aprendizagem de uma subida em direção à Deus, assim foi sendo criada a ideia de um terceiro lugar para onde a alma seria levada após a morte, além do Paraíso e do Inferno, e onde o saldo de pecados podiam ser purgados, com isso nasceu o Purgatório. As almas ficariam neste terceiro plano sofrendo as dores do inferno, até que seus pecados fossem apagados pela penitência, depois disso a alma seria encaminhada ao Paraíso. Voltando agora a usurário, este ficava no purgatório até que o seu pecado da usura fosse apagado através da restituição, que se tornava tarefa de seus descendentes na terra, porém o autor coloca que esta restituição era muito difícil, pois muitas vezes a pessoa de quem o usurário tinha cobrado juros pelo tempo havia morrido e seus herdeiros não conseguiam ser encontrados, assim o usurário permanecia um longo tempo no Purgatório, até mesmo para sempre se tudo que ganhou através da usura não fosse restituído, recebendo os castigos do inferno. O autor também coloca que, segundo os escritos, o fantasma do usurário aparecia para seus descendentes na terra, com uma roupa preta dizendo que ficaria no purgatório sofrendo castigos, até que tudo que ganhou pela usura fosse restituído, assim quando seus herdeiros conseguiram restituir tudo, o fantasma aparecia novamente, só que desta vez vestido de branco e dizendo que foi retirado do purgatório e estava a caminho do Paraíso.
No último capítulo: "O coração também tem suas lágrimas", o autor coloca que o usurário podia salvar-se do inferno se fizesse uma contrição (arrependimento) sincera, que viesse do coração, porém o autor também diz que seria muito difícil o usurário alcançar o paraíso apenas com esta contrição, ele deveria também realizar a restituição. Concluindo o capítulo, e também o livro, Le Goff expõe que o Purgatório é a esperança do usurário, a esperança que conduz ao Paraíso, a esperança de poder obter, ao mesmo tempo, a bolsa e a vida, assim o autor termina o livro dizendo que esta esperança de escapar do inferno, graças ao purgatório, permitiu ao usurário fazer com que a economia e sociedade do século XIII, avançassem em direção ao Capitalismo.
A partir de agora, farei breves comentário sobre as fontes autores utilizados por Le Goff em seu livro. Com relação às fontes, ao longo do livro pude perceber que sempre em passagens onde o autor explicava como a usura era condenada durante a Idade Média, ele cita passagens da Bíblia (antigo e novo testamento), pois a Igreja medieval justificava seus atos de condenação à usura baseada na Sagrada Escritura. Outra fonte muito utilizada pelo autor durante o livro foi o exempla, que era uma narrativa breve de certas situações ocorridas com alguns usurários, geralmente feitas por membros do corpo eclesiástico. Os manuais dos confessores também foram muito utilizados por Le Goff, estes serviam de guia para que os confessores pudessem aplicar a penitência adequada a cada pecado. Já com relação aos autores, Jacques Vitry, Étienne de Bourbon e Cesário de Heisterbach foram muito citados por terem escrito vários exemplas, que como já disse, foram muito usados no livro, assim como Thomas de Chobhan e Jean de Friboug, autores de alguns manuais dos confessores.
Concluindo esta resenha, comentarei sobre a temporalidade que o autor segue. Pude perceber que Le Goff trabalha muito com os séculos XII e XIII, porém durante o livro ele faz alguns saltos temporais para outras épocas, com o intuito de relacionar o assunto tratado, ou buscar algum conceito de outro período, porém sem cometer anacronismos, pois sempre quando dá um salto temporal, o autor demarca para qual época está indo e frisa as diferenças entre esta época e o período medieval de que está tratando.
Finalizando, posso dizer que este livro possui uma linguagem agradável, o que facilita muito a compreensão, com isso não temo em dizer que mesmo uma pessoa que não tem tanto contato com conhecimentos de História, pode compreendê-lo sem maiores dificuldades, com certeza é uma leitura que recomendo.


























REFERÊNCIAS

LE GOFF, Jacques. A Bolsa e a Vida: economia e religião na idade média. São Paulo: Brasilense, 2004.

TERRA, Jacques Le Goff, a paixão pelo medieval. Disponível em: acessado em 01/08/2013 às 12h07min.






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