Resenha A Filosofia Contemporanea do Direito

June 3, 2017 | Autor: Arthur Fialho | Categoria: Resenha
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOC IAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS -GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO DISC IPLINA: LINEAMENTOS JUSFILOSÓFICOS AO EXERCÍCIO DO DIREITO, DA DEMOCRAC IA E DA JURISDIÇÃO . Aluno: Arthur Monteiro Lins Fialho

RESENHA DO LIVRO A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA DO DIREITO: Temas e desafios.1

Na obra em análise a professora italiana Carla Faralli, dando continuidade aos trabalhos do seu mestre Guido Fasso, traz para o leitor um excelente panorama da evolução filosófica do direito nas últimas décadas. Apresentando, de forma concatenada e didática, as mais relevantes correntes filosófico-jurídicas a partir da segunda metade do século XX, enfatizando, sempre que possível, os argumentos centrais dos seus principais expoentes. Trata-se de um trabalho minucioso, com uma pesquisa que vai além dos pensadores europeus. Tendo em vista a fragmentação das correntes de pensamento tradicionais e ampliação dos temas debatidos pela filosofia do direito, a autora procurou reunir os principais movimentos contemporâneos, não se limitando apenas em dividir os pensadores em naturalistas, positivistas ou pós-positivistas, propiciando, assim, uma ampla visão da filosofia jurídica. Em sede de introdução é abordada a crise do positivismo, com o declínio da filosofia analítica, e o surgimento da necessidade de abrir o direito para os valores ético-políticos e para o mundo dos fatos. Considera-se que o modelo normativista, com exclusão dos valores, não satisfazia mais os anseios da sociedade moderna, tendo o póspositivismo sido inicialmente impulsionado pelas críticas de Dworkin ao pensamento de Hart, refutando a tese hartiana da separação entre direito e moral. 1

FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do Direito: temas e desafios; tradução Candice Premaor Gullo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2006.

Para a autora, também merece destaque o pensamento de MacCormick e Weinberger, para os quais o direito se situa no plano dos “fatos institucionais”, rompendo com o pensamento positivista que criava “ideais” apartados do mundo do “ser”, e desconsiderava o fato do direito estar efetivamente inserido dentro da realidade. Superando a dicotomia entre moral e direito, e aceitando-se a conexão deste com o mundo dos fatos, surgem nomes como o de Jonh Rawls, e os horizontes da filosofia jurídica vão se ampliando, ganhando relevo a preocupação com questões políticas e morais, ressurgindo no cenário internacional a preocupação com temas como a justiça em si, direitos fundamentais, neutralidade do Estado, direito ao meio ambiente saudável, dentre outros assuntos que são abordados ao longo do livro. Assim, preocupada com uma devida apresentação das correntes e pensamentos filosófico-jurídicos desde a década de 60, a professora de Bolonha inicia sua obra tratando do gradativo desgaste do positivismo, da abertura do direito aos valores ético-políticos e da abertura da filosofia do direito aos fatos, passando pela evolução do raciocínio jurídico e pelos estudos da lógica jurídica, encerrando o livro com a apresentação de novas fronteiras para a filosofia do direito. No CAPÍTULO I, que trata da abertura da filosofia do direito aos valores ético-políticos, temos uma maior ênfase em relação à teoria constitucionalista ou neoconstitucionalismo, sendo também abordada a teoria do direito natural. Começando pela teoria constitucionalista, aponta-se que sua principal característica reside no reconhecimento do aumento da complexidade dos sistemas constitucionais e da necessidade de se introduzir os princípios dentro do ordenamento jurídico, lhes atribuindo força normativa, e fazendo a distinção entre regras e princípios. Apregoando o pensamento de Alexy e Dreier, afirma-se que os princípios significam a abertura do direito para a moral e os valores, gerando, consequentemente, novas formas de decidir. Não podendo mais o julgador ficar limitado à mera subsunção do fato à norma! Para a autora, Alexy conseguiu desenvolver e aprimorar o trabalho de Dworkin, pois, indo além da divisão entre regras e princípios, definindo estes como verdadeiros preceitos de otimização, teria conseguido estabelecer critérios para técnica da ponderação, onde os princípios devem se caracterizar mais pela dimensão do “peso” do que pela dimensão da validade.

Quanto a Habermas e sua crítica à teoria de Alexy, Faralli afirma que aquele refutava o pensamento deste em razão da indevida subordinação do direito à moral, a qual é tendenciosa e possui resquícios do jusnaturalismo. Fala-se também na teoria dos sistemas autopoiéticos de Nikas Luhmann, onde a sociedade é entendida como um grande sistema social, composta por outros sistemas menores (subsistemas), que possibilitam diminuir a complexidade do sistema maior. Segundo o pensamento de Luhmann, afirmar que os sistemas sociais são autopoiéticos significa que estes produzem seus próprios elementos, possibilitando a identificação do próprio sistema como unidade! Encerrando a abordagem sobre o neoconstitucionalismo, a obra cita ainda alguns outros autores de relevo, dos quais chamamos a atenção para o argentino Carlos Santiago Nino, que desenvolveu uma concepção filosófica-jurídica próxima das teorias de Dworkin e Alexy, reconhecendo a conexão entre direito e moral especialmente nos âmbitos da justificação e da interpretação do direito, ficando evidente a amplitude da abordagem filosófica do livro aqui analisado. No segundo item do primeiro capítulo, também como consequência da abertura do direito aos valores, é suscitada a nova teoria do direito natural, apontando-se tal teoria como uma nova etapa dentro da história do jusnaturalismo. Dentro do neojusnaturalismo a autora cita Gustav Radbruch, como também aborda o debate entre Herbert Hart e Lord Devlin acerca da repressão do homossexualismo e da prostituição na Inglaterra, onde houve verdadeiro embate entre o liberalismo e o moralismo jurídico. De uma forma geral, conforme o texto, temos que o liberalismo defendia a liberdade de cada indivíduo, sendo cada um livre para escolher os seus valores, desde que respeitasse os demais, não devendo a imoralidade privada ser regulada pelo direito. Enquanto o moralismo jurídico defendia “a conservação da moralidade da sociedade um valor digno de ser defendido pelo instrumento coercitivo do direito”. Encerrando o primeiro capitulo, apresenta-se como destaque contemporâneo do liberalismo John Finnis, que tratou do conceito de uma moral pública, assegurada pela ordem política. Para tal autor existem “absolutos morais”, que não admitem exceções e possuem como bases a fé e a razão. Já com relação ao moralismo jurídico, citam-se nomes como os de Michael Sandel e Michael Walzer, que seguem o entendimento de que é a opinião predominante que determina a moralidade ou imoralidade de algumas condutas, tendo em vista questões de cunho histórico e cultural.

Partindo para a abertura da filosofia do direito aos fatos, no CAPITULO II, aponta-se que tal

fenômeno se manifestou

especialmente

nas

teorias

neoinstitucionalistas e em alguns pontos do realismo! Sobre o neoinstitucionalismo a autora traz o pensamento de McCormick e Weinberger, que o definem como “um desenvolvimento do normativismo em sentido realista”. Segundo o texto, o antigo e o novo institucionalismo são reações ao positivismo jurídico, rejeitando o positivismo da “jurisprudência dos conceitos”, como também a tradição kelseniana-hartiana. Questionando

o

jusnaturalismo

e

juspositivimo

kelseniano,

os

neoinstitucionalismo reconhecem que não se pode diferenciar a realidade ontológica das realidades empíricas. Assim, McCormick e Weinberger afirmam que o direito certamente é um fato, mas não um fato de psicologia social, e sim um “fato institucional”. No item dois do segundo capítulo é abordado o realismo americano, com destaque para movimentos como o Critical Legal Studies (CLS), a análise econômica do direito e a teoria do direito feminista. Sobre o CLS se coloca que tal movimento se desenvolveu nos anos de 1970/80, especialmente na faculdade de direito de Harvard, tendo como marco inicial o livro de Roberto Unger intitulado Knowlwdge and Politics. Ainda em relação ao Critical Legal Studies, afirma-se que seus principais expoentes defendem que o direito, longe de ser racional, coerente e justo, como defendem os liberais, é na verdade arbitrário, incoerente e profundamente injusto. E consideram que os direitos e as liberdades supostamente essenciais ao indivíduo e à sociedade, são na verdade meros meios para se atingir os fins políticos e econômicos do liberalismo. Como um dos expoentes do CLS a autora aponta Ducan Kennedy, para quem o elemento prioritário do direito não é a norma ou regra, e sim o padrão, a decisão concretamente condicionada! Seguindo a linha de raciocínio do CLS, alguns estudiosos chegam a propor “alternativas” ao sistema capitalista, a exemplo de Unger que defende uma revolução cultural do eu, do sujeito individual concreto. Quanto ao movimento da análise econômica do direito, afirma-se que seu ponto inicial é a pressuposição de que todos os atos dos juízes são realizados visando elaborar normas que gerem mais riqueza! Podendo tais condutas ser realizadas até de forma inconsciente pelo julgador.

Como destaque de tal corrente de pensamento é apontado Richard Posner, para quem o direito não pode ser considerado como um conjunto de soluções já prontas, sendo verdadeiramente constituído pelos atos dos juízes e advogados praticados nos casos reais, buscando soluções efetivas para a sociedade. Ficando evidente em suas palavras a essência do pragmatismo americano. No último ponto do capítulo segundo, finalizando a exposição sobre o realismo americano, Faralli lança seu olhar sobre as temáticas feministas dentro da discussão filosófico-jurídica. No plano histórico e jurídico a autora acredita que o movimento feminista pode ser dividido em duas fases: a primeira seria a fase da igualdade, que é pautada por discussões acerca do fim das discriminações entre homens e mulheres; posteriormente surge a fase da diferença, onde se pretende adequar os moldes sociais às mulheres, não devendo estas competir dentro de valores arraigados masculinos, buscando-se uma igualdade substancial. Porém, no campo da teoria do direito, fala-se que as perspectivas para reflexão feminista são muitas. Como destaque, a autora chama atenção para o pensamento da socióloga Carol Smart, para quem o direito é sexista, masculino e sexuado. O que deu origem a três fases do feminismo: liberal, cultural e radical! Já no CAPÍTULO III são abordados estudos sobre o raciocínio jurídico, onde se menciona que na década de 50 surgiram inúmeras críticas ao modelo lógico do raciocínio jurídico decorrente do positivismo. Para a autora, tais críticas foram muito importantes para demonstrar a inadequação e a insuficiência da metodologia lógicoformalista e apontaram para a necessidade de elaboração de novos instrumentos de pesquisa da argumentação, especialmente a pesquisa jurídica. Segundo o livro, os principais nomes sobre o tema foram Stephen Toulmin, Theodor Viehweg e Chaim Perelman, os quais possibilitaram a formulação de propostas teóricas como a lógica formal, a tópica jurídica e a nova retórica. Destaca-se também a importância da teoria da argumentação jurídica de Alexy, que muito influenciou nas teorizações dos autores escandinavos Aulis Asrnio e Aleksander Peczenik. De acordo com o presente capítulo, a principal ideia dos citados autores é a de que as escolhas jurídicas devem ser justificadas, ganhando ainda mais força o pensamento de Alexy de que uma argumentação só estará correta se respeitar regras racionalmente justificadas.

Aarnio

entende

que

basta

justificar

racionalmente

as

decisões

interpretativas, não havendo a necessidade se demonstrar a existência de uma única resposta correta! Complementando o raciocínio, Peczenik leciona que é através da atividade da argumentação que os elementos jurídicos podem ser identificados e combinados entre si, sempre observando o caso concreto. Fala-se em enunciação de juízos de validade e enunciação de juízos interpretativos. Faralli ainda destaca a doutrina de Wróblewsky, que faz a distinção entre uma justificação interna e externa das decisões judiciais. Onde a interna exige coerência entre premissas da decisão e a própria decisão, a externa trabalha apenas com a racionalidade das próprias premissas. Assim, observando as teorias relativas à interpretação jurídica apresentadas pela professora italiana, temos que “o direito não é uma entidade já dada e disponível, que o operador do direito encontra „pré-fabricada‟, pronta para o uso. Ele é antes uma construção do operador, que deve encontrar, em relação ao caso concreto, a combinação correta entre fatores diversos”. Logo, o raciocínio jurídico dos julgadores deve ser coerente, congruente e capaz de produzir consequências aceitáveis no ponto de vista interpretativo. Nesse sentir, finalizando o terceiro capítulo, ainda é apresentado o pensamento de Riccardo Guastini, para quem a interpretação consiste na atividade de extrair normas a partir de disposições do legislador ou de outra atividade normativa. Dando uma continuidade didática ao que já foi abordado, o CAPÍTULO IV desenvolve uma narrativa sobre os estudos da lógica jurídica. Aqui a autora afirma que o declínio do positivismo nas últimas décadas não atingiu sua abordagem analítica, tendo a referida crise contribuído para o aprimoramento dos instrumentos lógicos e metodológicos da lógica jurídica, que, segundo o texto, ajudaram na criação da disciplina informática jurídica. Neste capítulo são citados vários estudiosos da lógica jurídica, como Eugênio Bulygin, Genaro Carrió, Carlos Alchourrón, dentre outros. Dando-se maior enfoque no trabalho de Alchourrón, o qual afirma que se pode empregar a lógica para avaliar a coerência e a completude de um sistema, mas que a mesma não possui nenhuma serventia para corrigir lacuna e incoerências. Pois para tais questões as soluções devem ser de cunho jurídico.

Segundo o texto, o postulado da completude defendido por alguns adeptos da lógica jurídica traz o conceito de que o conteúdo de uma decisão judicial deve ser uma consequência lógica das premissas que a fundamentam. Fazendo um apanhado da teoria expostas, a própria autora afirma que “a lógica não pode encarregar-se do conteúdo de cada decisão jurídica, mas ainda assim deve ser considerada um instrumento indispensável e necessário, embora não suficiente, para o controle e a justificação de tais decisões”. Encerrando, Faralli ainda aduz que aquilo que não for abarcado pela lógica deve ser alvo de outras formas de raciocínio. Por fim, no CAPÍTULO V, são abordadas novas fronteiras para a filosofia do direito. Aqui são levadas em consideração as profundas e rápidas transformações ocorridas na sociedade mundial nas ultimas décadas, decorrentes principalmente da evolução da informática, do avanço científico e surgimento da bioética, como também da maior facilidade para intercâmbios culturais. Com relação à informática, inicialmente se aponta que a mesma foi essencial ao direito no que diz respeito as formas de documentação jurídica, facilitando as atividades jurídicas de uma forma geral, aumentando o acesso à informação e a interação entre os operadores do direito. Contudo, tais facilidades, segundo a autora, não seriam suficientes para justificar maiores reflexões filosófico-jurídicas. Mas com o surgimento da disciplina da inteligência artificial esse cenário mudou, e se iniciaram estudos teóricos sobre a informática jurídica. Nasceu o campo interdisciplinar da inteligência artificial e o direito, abordando-se questões sobre procedimentos cognitivos, estrutura de conhecimento, linguística, dentre outras. Para a professora Carla Farrali, precipuamente os estudos informáticojurídicos deram lugar a uma revolução dentro dos estudos de lógica jurídica. Contudo, posteriormente, foi reconhecido que nem a informática poderia oferecer um modelo adequado de raciocínio jurídico, pois este é uma técnica para solucionar problemas jurídicos, e necessita de processos interativos regidos por regras, dos quais participam os sujeitos interessados. Não podendo o raciocínio jurídico se limitar a um procedimento monológico! Adentrando na questão da Bioética, a autora afirma que não se trata de uma nova disciplina ou de uma nova ética, sendo a bioética na verdade “um conjunto de pesquisas, de discursos e de práticas, geralmente pluridisciplinares, cujo objetivo é o esclarecimento ou a solução de questões de caráter ético, suscitadas pelas inovações

científicas e tecnológicas que tornaram possível agir sobre fenômenos vitais de maneiras há algumas décadas consideradas impensáveis”. O texto aponta várias questões que são necessariamente alvo da reflexão bioética, como por exemplo: quando começa a vida?; o indivíduo pode dispor do próprio corpo?; quais os limites dos tratamentos e pesquisas?. Sendo tal debate muitas vezes influenciado por questões religiosas. Revela-se que a bioética vai muito além da questão médica, existindo também a bioética animal, a bioética ambiental. As quais, segundo D‟Agostinho, devem ser acompanhadas por um estudo biojurídico, como forma de colocar limites nas intervenções humanas sobre natureza. Como terceira fronteira da filosofia do direito contemporâneo é apontada a teorização do multiculturalismo. Com a globalização o multiculturalismo passou a ser algo cada vez mais comum, devendo o Estado colaborar com tal ideal através de instrumentos como o direito e a educação. Conforme o texto, o multiculturalismo em sentido normativo surge da contraposição dialética entre pensamento liberal e pensamento comunitário. E agora, com a observância das novas realidades sociais, onde existem países com composição cultural mista, não cabe ao Estado apenas garantir as liberdades individuais, devendo zelar também pelas tradições culturais, pois todos os indivíduos possuem interesse no reconhecimento público da sua cultura. Para Faralli o ideal multicultural visa proteger e reconhecer as tradições culturais dos grupos presentes nas modernas sociedades pluralistas, devendo o multiculturalismo também ser visto como uma política do reconhecimento. E finaliza afirmando que o multiculturalismo deve ser encarado como um desafio comum a todos, ultrapassando as barreiras da filosofia do direito. Assim, perante tudo que foi analisado no livro A filosofia contemporânea do direito: temas e desafios, pode-se concluir que a obra faz com que o leitor tenha uma melhor compreensão da nossa realidade filosófica-jurídica, uma vez que a professora Carla Faralli conseguiu apresentar as principais correntes jus filosóficas das últimas décadas, sempre as associando aos respectivos temas de relevância social. Com certeza se trata de uma leitura altamente recomendada aos estudiosos do direito, servindo, ainda, como meio para se desmistificar o estudo da filosofia dentro do ambiente universitário, demonstrando a importância da filosofia jurídica!

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