Resenha: A sobrevivência da Humanidade de Erich Fromm

June 14, 2017 | Autor: Friedrich Maier | Categoria: International Relations, Social Sciences, Political Science, Cold War, Erich Fromm
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Resenha do livro: A sobrevivência da Humanidade Friedrich Maier1

Prefácio O autor inicia sua obra discorrendo sobre a conjuntura presente em sua época, a Guerra Fria e a consequente expansão do poderio soviético ante os EUA. As armas nucleares são demonstradas como grandes questões, que colocam a continuidade da vida humana em primeiro lugar, bem como, o caráter imperialista das duas potências hegemônicas e o equilíbrio que mantém tudo aparentemente tranquilo.. E evitando um final trágico para a história humana, Fromm julga ser necessário discutir e refletir sobre as premissas do ocidente que sustentam a necessidade de se afastar do inimigo comunista, para enfim demonstrar que essas premissas políticas podem estar equivocadas.

1. Algumas premissas gerais I - Modificação preventiva e modificação catastrófica Fromm inicia seu primeiro capítulo tratando da questão dos padrões de pensamento humano, que arraigados numa concepção de culto às instituições e ideologias criadas pelo modo de vida das sociedades acabam por dificultar modificações nesse próprio modo de vida. Não obstante, existem dois tipos de modificações nas sociedades humanas. A primeira, violenta e catastrófica apresenta-se como uma regra com poucas exceções na história humana, visto o homem - tão apegado às suas instituições - considerar absoluto seu modo de vida, demonizando a mudança e a alternativa. A segunda forma de modificação, mais rara, porém não impossível, ocorre por mudanças preventivas e pacíficas. O problema das modificações consiste, então, do problema da capacidade de aplicar compreensão histórica ao nível político, cumprindo a tarefa de retirar o culto e fidelidade das instituições. Para tal, é necessário um exame crítico, analítico e racional das suposições e premissas que fundam a política humana.

II - Origens históricas da crise atual e perspectivas para o futuro

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Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Campus de Marília

Fromm passa então para uma breve digressão histórica a respeito da formação do Ocidente e sua constituição através de modificações. O primeiro ponto é a criação de um sentimento de perfeição ocidental, que surge desde a filosofia grega, onde o futuro do Ocidente seria o de construir uma boa sociedade. Paralelamente a essa concepção surge o desenvolvimento industrial que culmina num método de produção capitalista caracterizado pela centralização, burocratização e manipulação. Nesse contexto a revolução industrial acontece como uma modificação pacífica no Ocidente, no Oriente, precisamente na Rússia, aconteceu de forma catastrófica. Temos então o painel da Guerra Fria das décadas de 70 e 80, URSS e EUA como polos, o crescimento Chinês e o processo de revolução dos países pobres, almejando o padrão de vida ocidental na Am. Latina, Ásia e África, bem como a preocupação soviética em manter o status quo num entendimento com o EUA frente a uma China cada vez mais imposta. Fromm destaca certa continuidade do sistema capitalista desde o século XIX, mas destaca o caráter de rompimento do socialismo, dividindo-o em três: o kruscheviano, planificação total, centralizada e da propriedade estatal da indústria e agricultura, mantenedor do status quo, conservador e não revolucionário; o comunismo chinês, seu sistema de mobilização total e manipulação dos seus 600 milhões de pessoas, sem qualquer individualismo; e o socialismo humanista, fundindo o mínimo de centralização com o máximo de individualismo. Para Fromm os povos coloniais não seguiriam o capitalismo pois o sistema não lhes é favorável em diversos âmbitos, seriam então direcionados ao socialismo e uma de suas formas. Portanto, para a manutenção da paz e de seus interesses - uma vez que deixou de incentivar os processos revolucionários no Ocidente e que teme países socialistas fortes no Oriente - a URSS deve estabelecer um acerto com os EUA, sem, no entanto, romper com a China. Os EUA por sua vez, deveria aceitar a revolução socialista nos países coloniais, uma vez que esta não seria danosa, visto Fromm sugerir a liderança do socialismo indiano e iugoslavo no caso destes. A paz seria garantida por: desarmamento psicológico ajuda econômica maciça e fortalecimento da ONU; além de um fortalecimento do espírito humanista da cultura ocidental.

III - Raciocínio normal e raciocínio patológico na política Nesse capítulo o autor alemão usa da psicologia para enumerar as diversas patologias que compõem o pensamento político moderno, afirmando o caráter de insanidade de milhões

e o consenso do erro como não geradores de verdade. Desse modo um dos componentes do raciocínio patológico seria o pensamento paranoico, que depreende sua realidade da possibilidade lógica, num completo esquecimento da probabilidade, surgem pensamentos do tipo “os russos dominarão os EUA”, “nos iludem com propostas de paz” esquecendo se isso é realmente provável, pouquíssimo possível. A projeção também é apresentada como uma patologia do pensamento político, uma vez que projeta no outro todo o sentimento de mal e angústia. Portanto, o inimigo surge como a personificação odiosa de todo o mal, enquanto eu me torno o bastião do bem, numa autocontemplação narcisista dos ideais que defendo. Além dessas patologias do pensamento, Fromm indica o fanatismo como um fator intensificador da falta de racionalidade, uma vez que o fanático “está desligado do mundo fora de si; não se ocupa de ninguém e de nada” (p. 34). Construindo para si um ídolo, ilude-se e carece de todas as possibilidades de relação verdadeiras. Temos que os pensamentos político paranoico, projetor e fanatista corroboram num pensamento automático, onde há uma implantação dos pensamentos no indivíduo, algo semelhante à lavagem cerebral, que acaba por gerar uma uniformidade completamente alheia à racionalidade. Geram o “duplo pensamento”, a capacidade de manter duas crenças contraditórias no mesmo cérebro, conceito descrito por George Orwell em 1984. Ao final do capítulo há um apelo de Fromm na necessidade da busca da razão e da verdade, por meio da objetividade, da penetração da rede de racionalizações, auto-ilusões e do pensamento duplo, que culminarão na diminuição do abismo entre o homem moderno e sua emocionalidade descrita como arcaica e tribal.

2. A natureza do sistema soviético O autor se propõe nesse capítulo desmistificar a imagem do sistema soviético, a partir de uma compreensão dos processos que culminaram na atual conjuntura da federação de Estados em questão. Desse modo há uma necessidade de distinguir melhor entre fórmulas ideológicas e a realidade, ao distinguir o discurso marxista-leninista de Stálin e Kruschev e a realidade, mostrando o caráter não-revolucionário e não-socialista da União Soviética.

I - A revolução: uma esperança que falhou Há uma breve análise histórica do contexto da revolução russa de 1917 e das ações de

Lenin e Trotsky. A dinâmica da revolução, as expectativas de uma Alemanha altamente industrializada e soviética - logo frustradas -, a derrota do Exército Vermelho na Varsóvia e a falta de industrialização russa são apresentados como fatores que contribuíram com a frustração do plano revolucionário, que para o autor em 1923 não havia dúvidas de seu fracasso.

II - A transformação que Stalin fez da Revolução Comunista numa Revolução de Gerentes Numa aparente e muitas vezes pesada e desnecessária “demonização” de Stálin, o autor procura demonstrar como o líder soviético comandou o período subsequente da Revolução Russa, marcado então pelo sucesso do sistema de planificação total da economia em gerar grande industrialização, arraigamento do controle ideológico e político por parte do governo e, por consequência, do totalitarismo stalinista. A Rússia pós-Stálin possuía então, um sistema econômico e político fortes, onde reside a essência da sociedade soviética de hoje.

III - O sistema Kruschevista Fromm elencará, sob suas considerações, as principais mudanças e permanências do sistema kruschevista em relação ao sistema stalinista, conjuntamente a uma análise da sociedade soviética. Como primeiro ponto, o autor destaca o fim do terrorismo de Estado na era Kruschev, visto o operariado usufruir da sua própria produção, o terror na sociedade soviética pós-Stálin não se vê mais efetivo. Temos a caracterização da URSS como um Estado policial, onde há certa liberdade política, apesar de muitas vezes policiada. Atenção é dada também ao caso de governança, baseada anteriormente totalmente na figura de Stálin, o governo de Kruschev parece criar semelhança com os presidentes ocidentais, uma vez que há uma necessidade de convencimento dos dirigentes soviéticos das medidas e opiniões adotadas pelo líder soviético. Passa-se para uma análise sócio-econômica do modelo soviético, atentando ao progresso industrial e uma modificação no plano centralizador de Moscou, que passa a ter caráter um pouco mais regionalizado, dividido por conselhos econômicos regionais. O papel dos administradores de empresas é colocado, onde o autor afirma a criação de uma nova “classe social” na sociedade soviética, a dos administradores com privilégios maiores que os operários. É notável o interesse do autor em reforçar esse argumento, deixando de lado aspectos da sociedade soviética que interessariam a uma análise profunda e um pouco menos enviesada, como por exemplo, as questões de igualdade de gênero, da vida operária, das

condições de trabalho e lazer do operariado soviético. Por fim, Fromm discorre sobre a educação soviética, afirmando seu caráter preparatório para o trabalho. O autor ressalta também a moral soviética como voltada ao trabalho, numa aproximação à ética protestante. As fontes o autor são passíveis de questionamento, uma vez que a maioria das citações diretas e ideias utilizadas descendem de escritos de um único autor, Erich Golghagen, o que demonstra certa insuficiência bibliográfica, comparado o grau das afirmações sobre a sociedade soviética feitas pelo autor. Um exemplo seria a afirmação de um “baixo padrão da literatura, pintura, arquitetura e cinema soviéticos” (p. 66), notavelmente uma valoração pessoal do autor e de baixo teor científico.

3. Domínio mundial: objetivo da União Soviética? I - É a União Soviética um sistema socialista? Fromm passará para uma análise da economia soviética e de uma breve explanação da ideologia marxista, buscando responder a pergunta que dá nome ao capítulo. Em primeiro lugar coloca-se o discurso soviético, que através de seus líderes reitera o caráter socialista de seu regime, baseado no ideal marxista. A ideia de socialismo soviética é apresentada como uma socialização dos meios de produção e da economia planificada. Entretanto, do outro lado é apresentada a concepção de socialismo do próprio Marx, buscando distanciar a concepção soviética da concepção marxiana. Desse modo, na análise do autor de “Das Kapital”, temos uma concepção do socialismo como emancipador do homem. O materialismo, ideia que corrobora com a pretensão da ideologia marxiana relaciona-se não ao estrito desejo material, mas na determinação material da produção humana, numa oposição ao idealismo de Hegel, onde partimos do homem que imagina, concebe ou concebido e imaginado para chegar no homem real; fazemos isso, no materialismo, pela determinação material da produção. O conceito de alienação integra os pressupostos de Marx, uma vez que dificulta o ideal de independência e liberdade humana, ao reduzir todas as relações humanas ao sentido de ter. Nesse sentido, a liberdade e a independência surgem no momento em que o homem rompe com o trabalho que sufoca sua individualidade e sua personalidade. Tais pressupostos foram deformados pela União Soviética que partilha muitas características - nesse sentido - com o capitalismo afirma Fromm.

O autor discorre sobre a economia e o modo de produção do Estado dito socialista, afirmando que o nivelamento de todos os homens, a partir da propriedade comum não integra o cerne da teoria de Marx. O perigo da dupla face da administração estatal é demonstrado, uma vez que na ideia do autor o sistema não passa de um nível avançado de monopolismo, centralização e intervenção estatal, onde da mesma forma que no sistema capitalista, os administradores “administram coisas e pessoas”, estabelecendo a relação entre pessoas como se fossem coisas (p. 80). No sistema capitalista, há um controle não apenas na produção bem como no caráter do consumo, uma vez que as técnicas do capitalismo avançam a cada vez mais na direção da orientação e incentivo do consumo de mais mercadorias melhores. Portanto, o sistema soviético é apresentado como etapa avançada do capitalismo, uma vez que há elevação dos dispositivos econômicos presentes no capitalismo. Como argumentação de apoio a essa ideia, Fromm usa da semelhança do sistema de incentivo monetário e da educação soviética, direcionados à elevação da produção e não da emancipação humana. Temos ao final, uma caracterização síntese do discorrido no capítulo, o sistema soviético marcado pela subserviência do indivíduo ao Estado, pelo administrativismo estatal (monopolização total, centralização e manipulação das massas) e pelo sucesso econômico e de bem-estar social, apesar da quase completa, ausência de liberdade. II - É a União Soviética um sistema revolucionário-imperialista? Nesse capítulo há uma desconstrução dos vícios de avaliação feitos pelo ocidente e referentes ao regime soviético. O primeiro deles seria a visão da URSS como uma potência revolucionária, tendo Kruschev como descendente direto de Lênin e comunista, agindo em consonância com a Comintern. Para a análise desse vício de interpretação, Fromm afirma a notável mudança do caráter revolucionário russo ao longo do desenvolvimento da União Soviética, numa breve avaliação dos fatos históricos, das ações russas e dos discursos de seus dirigentes. O período revolucionário, subsequente à Revolução Russa, é caracterizado pelas tentativas de revolução internacional, principalmente na Alemanha. Sob a liderança de Lenin, há a conformação da derrota revolucionária em âmbito internacional, visto a derrota comunista na Alemanha e demais países europeus. Com a morte de Lênin e o afastamento de Trotsky, o autor vê em Stálin um regime que passa a adotar a sobrevivência da Rússia e seu sistema como um objetivo em si, subordinando os partidos comunistas aos interesses e conveniências políticas soviéticas. O

novo dirigente preocupava-se com a estabilização do sistema, bem como a coexistência com os regimes ocidentais. Quando as relações econômicas com o Ocidente começam a ruir, Stálin se fecha num quase isolacionismo para defender dois projetos soviéticos, a rápida industrialização e o controle da agricultura. E é durante esse período que há a completa subordinação dos partidos comunistas aos interesses soviéticos, que acarretaram no desenvolvimento do nazismo e na derrota Republicana na Espanha, bem como a revolução em outros países capitalistas. O último pronto demonstra o receio de Stálin em incentivar regimes revolucionários que poderiam desestabilizar seu próprio regime, isso justifica a ação da Comintern não como um órgão de incentivo à revolução ao redor do mundo, mas como completamente subordinada ao interesse soviético. Concluímos nesse ponto, de acordo com o autor, que apesar da revolução se manter como parte ritual do comunismo, ou seja, no discurso, essa se revela completamente descolada da realidade de ação soviética, numa busca pela estabilidade do modelo industrialista estatal e administrativo, em desejo constante de paz com o Ocidente. O autor apenas faz uma ressalva do caráter de ação internacional da Comintern, uma vez que a China passara a influir no campo internacional com seu modo comunista diverso. A segunda parte da discussão volta-se para o entendimento - errôneo, para o autor - de que a União Soviética possui aspirações imperialistas de conquista mundial. Para rebater essa concepção, são elencados motivos diversos do imperialismo para explicar atitudes russas. Sobre os Estado satélites, Fromm afirma a necessidade soviética de proteção contra a Alemanha, reparação econômica da guerra, subtração dos territórios do mundo capitalista e, sobretudo, da defesa do seu território por meio do domínio e da influência da parte oriental da Europa. Sem dúvida alguma, afirma o autor, a URSS é sim herdeira do czarismo da Rússia Imperial, entretanto, é necessário compreender que imperialismo jamais pretendeu o domínio mundial, sendo a necessidade de expansão do comunismo um ritual, puramente ideológico e que não possui lastro na política soviética de defesa. Por fim, os casos de Cuba, Congo, Laos e Berlim, representam muito mais uma tentativa de manutenção do status quo, enquanto a política externa atenta ao caso chinês e sua expansão ideológica mundial.

4. Sentido e função da Ideologia Comunista

Nesse capítulo, Formm parte para uma análise da doutrina comunista na sociedade russa, bem como a sua representação pelo dirigente soviético Kruschev. Antes da análise do comunismo propriamente dito, vê-se como necessário uma conceituação melhor de ideologia. De acordo com isso, o autor parte para uma explicação psicológica do fenômeno ideológico, que surge num conceito dinâmico, onde a ideologia representa um ideal essencial humano (amor, igualdade, liberdade, felicidade), sendo um substituto enganoso desse ideal, garantindo, porém a sua representação e preservação. Utilizando das ideias de Freud e seu conceito de racionalização, o autor demonstra a incongruência entre a ideologia e a prática, uma vez que o homem possui um subconsciente e nem sempre sua tradução numa racionalidade é real; é possível, portanto, afirmar algo ideologicamente, sem necessariamente agir de acordo com essa ideologia. Com esse sentido de ideologia temos a URSS, onde o marxismo-leninismo apresentase como um ritual, uma concepção socio-econômica da história em plena consonância com o afirmado por Marx e Lênin, sem, entretanto, representar as atitudes reais de Kruschev como dirigente soviético, que é apresentado, mais uma vez, com um político que visa manter seu regime, numa postura defensiva, administrativista e reacionária, distante do ideal revolucionário de Marx ou Lênin.

5. O problema chinês O tipo específico do comunismo chinês e suas peculiaridades econômicas são colocados em evidência nesse capítulo, especificando atitudes desse regime e possíveis ocorrências futuras. Em primeiro lugar, coube ao autor uma especificação do comunismo pregado na China. A China surge como um marco na história do século XX: a revolução colonial, onde as ex-colônias ocidentais almejam um nacionalismo e uma industrialização (às vezes de cunho psicológico). No caso chinês essa revolução se deu com a ideologia marxista numa aglutinação de massas e homogeinização da população, em detrimento ao individualismo e humanismo. O totalitarismo chinês se arma com a persuasão e não com força propriamente dita. Seus líderes criaram uma religião real, que se arraigou na mentalidade chinesa, o culto à personalidade Mao como o maior pensador do comunismo é considerável.

Os fatos peculiares da revolução chinesa são evidenciados. Em primeiro lugar tratouse de uma revolução camponesa e não industrial, precisamente pelo ponto de sufocamento da agricultura chinesa e sua incapacidade de suprir a população com alimentos. A China almeja então desenvolvimento da técnica de agricultura permeado por uma crescente industrialização e crescimento da força militar. Disso depreendemos que os líderes chineses utilizaram sua grandiosa massa de população, buscando inteira-la numa completa coletividade, sem qualquer distinção. Com isso o comunismo chinês surge como ameaça maior ou igual a dos EUA para a URSS. Os conflitos resumem-se basicamente a quatro pontos. A coexistência pacífica com o Ocidente posição soviética - não é aceita pela China, mais agressiva com o Ocidente. O segundo ponto, os métodos pacíficos de atingir o comunismo é altamente aprovado pela Rússia, não representa o intento chinês, muito mais afeito ao processo revolucionário e violento. A questão nuclear também representa grande ponto do conflito sino-russo, manifestado pela necessidade soviética de não fornecer armas nucleares ao vizinho. Depreende-se, por fim, das análises de Fromm que o conflito em ultima análise surge da busca pela liderança do comunismo no mundo, da liderança das revoluções nos países subdesenvolvidos da Ásia, África e América Latina. O autor conclui com a afirmação da necessidade da integração chinesa à economia mundial, pois a tendência do regime chinês é arrefecer de acordo com a atenção de suas necessidades econômicas.

6. O problema alemão O autor tece breves comentários e assertivas a respeito do caso alemão, afirmando-o como um dos principais motivos da obstrução do entendimento russo-americano. Nesse sentido, Fromm questiona se estaria ou não a Alemanha irrompendo novamente numa onde de militarização, e se sim, de que modo o Ocidente observa esse rearmamento e qual as considerações russas. Num primeiro momento, o autor demonstra a influência poderosa da aliança entre indústria pesada alemã e forças armadas, no desenrolar da 1ª e 2ª Guerras Mundiais. Numa análise conjuntural, Fromm observa o interesse ocidental em possuir uma Alemanha Ocidental forte e militarizada, como protetora do Ocidente, mas há advertência: EUA e GrãBretanha deixaram os soviéticos afastarem o medo de uma nova Alemanha militarizada e a cada dia mais nacionalista.

7. Sugestões para a Paz Nesse capítulo, temos uma análise bastante rigorosa de Fromm a respeito das condições de possibilidade de paz discorridas nos âmbitos políticos e econômicos.

I - A paz pela Inibição: armamentos e alianças O autor começará então a discutir a função da corrida armamentista como uma possibilidade de manutenção da paz no sistema bipolar em que vivia. O preceito básico da paz por meio das armas é o da inibição, onde o inimigo possui uma capacidade de retaliação deveras poderosa que acabe por inibir o adversário com a possibilidade de ataque. Daí depreendeu-se um programa de inibição mútua onde as seguintes variáveis são destacadas: projéteis de longo alcance e invulneráveis; forças móveis adequadas para enfrentamento de uma guerra ilimitada; sistema de alianças eficiente; e por fim, melhor utilização dos recursos no esforço de guerra. Dentro dos partidários da inibição, destacam-se duas correntes segundo o autor: os que defendem a possiblidade de ganhar uma guerra nuclear e os que acreditam que a inibição não impedirá a guerra. A primeira corrente é evidenciada por Fromm, onde seu representante maior é Herman Kahn. Kahn é apontado como expoente de uma série de ideias a cerca da guerra termonuclear, sua argumentação parte de destruir a teoria da inibição, demonstrando que a guerra pode acontecer por diversos pontos: a guerra acidental, advinda de erros técnicos; a racionalidade do irracional, onde os inimigos entram em guerra por receio de que ambos não recuariam sob pressão (dois carros em sentidos contrários acelerando de modo a fazer uma colisão, até que um deles desiste); a guerra de cálculo, onde uma nação vê a guerra como a menos indesejável das escolhas; a evolução, inobservância dos limites de guerra; e a guerra catalítica, onde uma nação ambiciosa instiga a guerra entre duas nações adversárias (China instiga guerra entre EUA e URSS). Dadas essas possibilidades há a idealização de um sistema de arma que eliminasse ou reduzisse a um mínimo os acidentes e erros apresentados por Kahn, trata-se do sistema de arma invulnerável. Tal sistema prega a possibilidade de estocar armas nucleares em locais remotos (submarinos Polaris, por exemplo) onde não podem ser destruídas, podendo criar a retaliação mesmo depois de um ataque inicial destrutivo, acabando com a possibilidade de neutralização total do inimigo após um ataque repentino. Fromm destaca que há certos

pressuposto para o funcionamento do dispositivo: implementação crível do sistema; previsibilidade dos interesses inimigos; racionalidade; e funcionamento da inibição (a retaliação deve ser pior do que os benefícios conseguidos pelo ataque). Fromm segue sua análise do disposto por Kahn, criticando a tese central do autor, da possibilidade de sobrevivência e felicidade de parte da população americana. Kahn sustenta sua afirmação em cálculos pouco realistas, na esperança da construção de abrigos e em prazos de detonação muito maiores para possibilitar a evacuação, de 30 a 60 minutos, fora da realidade, de 15 minutos de disparo terra-terra e de disparos instantâneos mar-terra ou ar-terra. Os abrigos não resistiriam com a capacidade cada vez maior das bombas e a evacuação é completamente inviável. Kahn deixa de lado diversos fatores. O primeiro é psicológico, onde Kahn afirma ser bom receber um grande choque de uma vez, Fromm por sua vez, demonstra com base na psicologia e psicopatologia que grandes choques acabam por gerar situações de psicose de massas. O outro fator seria o político, a parcela sobrevivente da população se organizaria, segundo Fromm em torno de ditaduras, a liberdade seria perdida totalmente no caso do cataclismo nuclear. Passa-se para outras asserções. A imoralidade de conduzir ao extermínio milhões de pessoas é apontada como contra-argumento do sofisma do martírio de muitos por alguns líderes cumprindo tarefas “morais”. Tudo corrobora para afirmar como impossível o estabelecimento de uma nova sociedade humana dotada de sentido. Desse modo, surgem alternativas aos dispositivos inibitórios, como o “controle de armas”, uma espécie de substituto do desarmamento, parte de uma teoria do armamento, plenamente desacreditada por Fromm, uma vez que possui pressupostos falsos, de uma superracionalidade dos inimigos e de um falso sentimento de segurança. Nesse ponto, temos um painel desolador da sociedade humana, refém de uma constante corrida armamentista, onde o sentimento de viver em constante estado de alerta passa a desumanizar o homem, que bárbaro torna-se refém de suas armas cada vez mais sofisticadas, numa “perfeição tecnocrática geral do mecanismo do holocausto” (p. 186). A corrida armamentista é demonstrada como irracional e insustentável.

II - Aliança Russo-Americana contra a China e os povos coloniais O autor questiona a possibilidade de uma aliança entre os Estados Unidos e a União Soviética contra a China e os povos coloniais em recente revolução, afirmando que tal aliança seria a maior ditadura mundial e extremamente conservadora, não evitando a guerra final, que surgiria tão logo a confiança entre os aliados se debilitasse. Não seria possível também pela

necessidade da URSS se manter aliada à China, uma vez que do contrário, padeceria dos ataques da mesma aliada aos povos coloniais.

III - Uma proposta de paz O autor faz considerações a cerca do desarmamento mundial num primeiro momento. Ao afirmar que a corrida armamentista resultaria em sociedades militarizadas, ditatoriais e temerosas, propõe que a única garantia de paz mundial seria o desarmamento global controlado. Nesse aspecto a discussão sobre as armas nucleares volta a tona, uma vez que sua difusão acarretaria em maiores riscos para o sistema internacional. Desse modo, caberia aos Estados Unidos e à União Soviética liderar o desarmamento global e geral ao redor do mundo, para tal, Fromm acredita na necessidade de se desmitificar o Estado soviético creditando medidas unilaterais que estimulem negociações; o autor destaca também pontos que impedem o desarmamento, sendo o mais importante o da indústria bélica e as consequências econômicas que os desarmamentos terão para o nosso sistema. Após discutir o desarmamento o autor fará uma atenta análise ao contexto de sua obra, apontando para os países subdesenvolvidos como grandes peças no jogo mundial do poder. O primeiro ponto a ser discutido refere-se ao reconhecimento do status quo mundial, Fromm defende a necessidade de um modus vivendi russo-americano baseado no status quo de possessões americanas e russas. A base desse pensamento é não modificar o equilíbrio atual do poder, tendo como perigos a essa manutenção a corrida armamentista e as dissensões ideológicas. Daí, temos que o reconhecer o sistema soviético como não revolucionário (como já demonstrado pelo autor anteriormente) e suas atuais possessões é essencial. Um pivô para que isso não aconteça é apresentado: a Alemanha ocidental. Fromm afirma que a política de Adenauer e da Alemanha Ocidental equipara-se ao expansionismo hitlerista, sendo que seu rearmamento acelerado e postura externa atual implicam em perigos tanto para os Estados Unidos como para a União Soviética. Portanto, demonstra a importância de reconhecer a situação da separação alemã como irremediável. Outro ponto é então abordado, a questão dos países subdesenvolvidos e a manutenção do status quo internacional. Fromm demonstra que as regiões da Ásia, África e América Latina estão reverberação, insatisfeitas com a enorme desigualdade social e atraso industrial; portanto, é necessário compreender que os processos revolucionários buscarão um fim a esses problemas, consistindo este numa alternativa ao capitalismo. Essa alternativa não representa para Fromm um posicionamento sino-russo dos países

subdesenvolvidos, mas numa neutralidade, em favor de uma democracia socialista, visto a formação das classes médias dos países subdesenvolvidos, pouco favoráveis a regimes totalitaristas. Um entrave para a participação do Ocidente é a sensibilidade desses países, muitas vezes anti-ocidentais, visto a arrogância com que são tratados e desprezados. Para isso, a ajuda do Ocidente constitui papel fundamental para a escolha humanista do desenvolvimento social, uma vez que o projeto chinês pode se revelar tentador. Outro ponto fundamental é a da garantia da democracia nesses países, mas não uma democracia procedimental, uma democracia multidimensional, por meio de liberdade política, liberdade pessoal, democracia econômica e democracia social. Para isso, um governo não corrupto, planificação econômica, conhecimento técnico e capital são essenciais. Os dois últimos configuram justamente possibilidades para as potências. Fromm crê na importância da reorganização econômica e social dos países subdesenvolvidos numa democracia socialista, constituindo um terceiro grande bloco, neutro à bipolaridade EUA e Europa Ocidental x URSS e China, culminando numa verdadeira comunidade mundial; para tal, o Ocidente deve se atinar ao contexto, deixando de lado muitos sofismas políticos e ideológicos. O autor comenta brevemente sobre os aliados europeus dos Estados Unidos, afirmando que o mesmo deve se comportar ante estes de uma forma clara e inequívoca de anticolonialismo, contrastando muitas vezes com esses governos. Passa-se então para a discussão da América Latina, onde um grande questionamento é colocado, estariam os interesses privados das empresas norte-americanas acima do interesse em longo prazo dos Estados Unidos? Os casos da Guatemala e Cuba dizem que sim. No primeiro, o governo norteamericano destitui um governo reformador legítimo para apoiar uma ditadura em nome de uma companhia americana, a United Fruit Company. O caso cubano é analisado mais detalhadamente, onde muitas considerações são feitas. Em primeiro lugar, a revolução cubana tratava-se de uma revolução política e não comunista, mas passou a se posicionar pró-russa após a política de estrangulamento econômico desempenhada pelos Estados Unidos. A partir do colocado, Fromm afirma que a política dos Estados Unidos na América Latina, segue em direção à catástrofe, de modo que os interesses privados norte-americanos não se sobressaiam sob os interesses em longo prazo do Estado norte-americano, que deve corroborar com as evoluções sócio-econômicas na América Latina.

Conclusões Fromm conclui seu livro numa exortação da responsabilidade do Ocidente ante a uma eminente catástrofe nuclear. Nesse sentido, afirma a incapacidade da política inibitória de manter a paz, e mesmo que a mantenha, seria com pesadas ditaduras e com um medo de massas doentio. A paz só pode ser garantida por um desarmamento universal e pelo modus vivendi em acordo com a União soviética. A questão central para o futuro da humanidade é o futuro das nações subdesenvolvidas, que precisam de apoio e não retaliação no seu desenvolvimento econômico e social. Fromm acredita na necessidade de um renascimento do espírito do humanismo, do individualismo e da tradição anticolonialista, de modo a aliar o progresso econômico dessas nações com a individualidade, a planificação econômica e social com a democracia. Enfim, o autor crê que não podemos deixar que as instituições e as armas criadas pelos homens assumam controle da história.

Conclusão do aluno A obra de Fromm data do meio da Guerra Fria e em seu auge de conflitos, a exortação do autor pela paz é pertinente diante da ameaça de hecatombe nuclear vivenciada na época. Muitas de suas considerações sobre o desarmamento são ainda atuais e podem claramente ser transferidas para um contexto de armamentismo nas Américas e na militarização do continente africano. Guardadas as especificidades históricas, muito do observado por Fromm não condisse com os desdobramentos da Guerra Fria, muito menos com o colapso do administrativismo industrial soviético, entretanto, muitas questões levantadas pelo autor são ainda pertinentes, como o protagonismo das nações subdesenvolvidas, evidenciado pela conjuntura atual dos países emergentes, que romperam com o estigma do subdesenvolvimento e hoje participam na política internacional com grandes economias, como é o caso do Brasil, Índia, China e África do Sul. Por fim, a atenção aos países subdesenvolvidos e a exortação de Fromm ao renascimento dos valores ocidentais são pontos a serem continuamente avaliados pelos políticos do então Ocidente, em relação a uma China a cada vez mais poderosa.

BIBLIOGRAFIA FROMM, Erich. A sobrevivência da Humanidade. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1962. 222 p.

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