Resenha - Capítulo III - O Pensamento de Las Casas (Portuguese)

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Graduação: História MBA2
Matéria: História da América Colonial Espanhola
Professor: Fernando Torres-Londoño
Aluno: Pedro Augusto Menna Barreto M. Gomes







RESENHA – BARTOLOMÉ DE LAS CASAS E A SIMULAÇÃO DOS VENCIDOS

BRUIT, Héctor Hernan. Bartolomé de Las Casas e a Simulação dos Vencidos. Editora UNICAMP, 1995. Capítulo III. – pp. 89-139.




Bruit começa o capítulo apresentando os teóricos e suas teorias da baixa idade média tal como, tratando da visão destes, sobre as questões que teriam sido apresentadas a Las Casas que trabalharia em sua própria teoria sob o ponto de vista das consequências da conquista espanhola da América no século XVI. Em outras palavras, quais as ideias e os estudiosos que serviram de base para a formação intelectual de Las Casas sobre o assunto.

O autor cita além dos teóricos e estudiosos já mencionados anteriormente, os pontos chave que teriam servido para a base do pensamento lascasiano provindo da teoria aristotélica que, claramente foi empregada durante o período da conquista espanhola.

Para Las Casas os homens eram iguais, tinham a mesma essência, provindos do mesmo lugar e do mesmo Deus. Os espanhóis não eram superiores aos indígenas, visto que os indígenas, ainda que com seus rituais de sacrifícios humanos, estes não cometiam pecado algum por conta deste fazer parte de sua essência cultural, sua evolução como ser humano ainda que dentro das leis divinas estabelecidas por São Tomás de Aquino.

Bruit também nos apresenta a dois grupos distintos, dando uma ideia clara da separação de poderes. Os teocráticos, aqueles que acreditavam que o poder de todo o mundo pertencia único e exclusivamente ao Papa e os jusnaturalistas, que acreditavam que ao Papa seu poder abrangia apenas às questões eclesiásticas e, aos civis, onde seu poder estava concentrado em assembleias com representantes da comunidade em que vivam.

Ao final do século XV e início do século XVI, grandes discussões e apontamentos tinham como objetivo, colocar o que para este que vos escreve é um "ponto final" nas questões do que chamavam de sociedade, obviamente baseando-se em crenças particulares e denegrindo as crenças alheias.

É interessante notar a parte em que Bruit descreve, como o historiador espanhol Queraltó Moreno sintetiza o pensamento de alguns pensadores espanhóis e os pensamentos da escola de Salamanca. A liberdade política dos povos, seus direitos iguais e a abertura de "fronteiras" para a mobilização destes povos.

Fica claro ao final desta primeira parte do capítulo a posição de Las Casas sobre um processo de evangelização pacífico sem o uso da guerra. Ora, se um povo não que ouvir as pregações de um outro povo, ou é por que este povo não tem interesse, ou ainda, por que este povo já tem sua base do que ele entende como fé pré-estabelecida, portanto, isso deve ser respeitado segundo Las Casas entre outros pensadores que seguiam sua linha de raciocínio.

Logo no começo da segunda parte, Bruit expõe claramente o ponto de vista de Las Casas sobre a questão da evangelização dos indígenas. Como chegar à uma terra desconhecida e simplesmente impor sua fé aos antigos moradoras daquela? Isso para Las Casas era inadmissível, não era a vontade de Deus, tão pouco usar a força para tal, impor sua política e torna-los súditos de seu rei. Diferentemente de uma situação, a qual os indígenas aceitassem a fé dos espanhóis por livre e espontânea vontade, convertendo-se ao cristianismo e aí sim, tornando-se membros, ou ainda, súditos do rei, sem quaisquer tipos de intervenções mais calorosas.

Em suma, Las Casas era contra a colonização, pois, na sua concepção a ideia dos colonizadores espanhóis já estava formada, ou os indígenas aceitavam seus termos e religião a força, ou estes mesmos indígenas teriam de enfrentar a morte.

Las Casas escreve que toda nação ou povo, independente de sua crença, que possua alguma terra ou reino independente e ali vivem são povos livres. O que é lógico uma vez que estes povos criaram sistemas próprios em suas comunidades, seja este religioso, social e até algum tipo de governo. Então fica a pergunta, qual o direito que os reis de Castela tem sobre os índios? Nenhum, estes indígenas eram povos livres, não respondiam aos europeus, só respondiam aos seus soberanos, também índios.

Las Casas morreu defendendo seu ponto de vista e, aqui segue o relato do homem que acreditava que a conquista foi algo imposto pela Espanha em nome de seu Deus.

"Nenhum rei, senhor, povo ou pessoa privada ou particular de todo aquele mundo das Índias, desde o primeiro dia de sua descoberta até o dia de hoje, 30 de agosto de 1562, reconheceu nem aceitou de maneira verdadeira, livre e jurídica a nossos ínclitos reis da Espanha como senhores e superiores, nem aos delegados, caudilhos ou capitães enviados em nome do rei, e a obediência que até hoje lhes têm prestado e agora prestam, é e sempre foi involuntária e coagida." (BRUIT, p.104)

Bruit no começo dessa terceira parte apresenta a visão de Las Casas sob a questão da lei. Para Las Casas, nenhum rei por mais soberano que fosse, não tinha direito nenhum na qualidade de homem de mandar em seus súditos mas sim, cuidar para que as leis daquele reino fossem seguidas. Leis estas criadas de acordo com o senso comum, tendo em vista que estas eram para o povo e para o bem do povo. Até mesmo o soberano, fosse este o rei ou príncipe, como todos também não estavam acima da lei e deveriam respeitar estas.

"Conclui-se que os reis e governantes não são, propriamente dito, senhores dos reinos, senão presidentes, gerentes e administradores dos interesses públicos." (BRUIT, p.107)

Las Casas ainda tinha argumentos para contrariar pensadores de sua época que justamente pensavam o contrário, vide o caso de São Tomás e Francisco de Vitória que pensavam que o rei não era obrigado a seguir às leis. Las Casas não via isso como uma ideia do bem comum, nesse caso, como uma sociedade pode viver em harmonia se um dos seus pode violar todas as regras? Basicamente o que uma sociedade espera de seu governante é que este governe pelo bem de todos, a favor dos interesses desta sociedade.

É essencial o desfecho desta terceira parte para entendermos Bartolomé de Las Casas, não apenas como um defensor dos índios, mas um defensor dos desfavorecidos. Que ele tenha sido contra a conquista, isso é fato, que ele tenha visto uma série de crimes contra os indígenas por conta dos atos dos conquistadores espanhóis, também está aparente, mas e os indígenas? Aqui aprendemos que Las Casas viu ou soube de índios que se aproveitavam de outros indígenas menos favorecidos. Nesse caso, como a descoberta da América pode ter contribuído para a sociedade em geral?

Aparentemente, ao meu entender, os espanhóis aproveitaram-se de técnicas militares, tecnologia avançada, trouxeram doenças, tendo seus olhos vendados por conta de sua religião fervorosa e obviamente por conta de sua ganância ao se depararem com metais preciosos por todos os cantos. Pensando nisso, o que os indígenas poderiam ter aprendido com os conquistadores? Apenas foram introduzidos ao cristianismo e a uma nova língua, ou aprenderam técnicas de opressão e extorsão com os estrangeiros? Obviamente que aprenderam de tudo, aqueles que não tinham condições de lutar contra eles mas tentaram morreram de alguma forma, trabalhos forçados, extração de minérios, doenças trazidas por estes, alguns indígenas aprenderam a tirar vantagem da situação aproveitando-se de outras tribos e é claro que, aqueles que presavam por suas vidas ainda que de forma forçada converteram-se ao cristianismo e aceitaram sua nova condição de súditos da coroa espanhola.

Observo o que Las Casas poderia ter observado em seu tempo que, a descoberta da América foi um tremendo desastre para os povos que aqui viviam, mas uma imensurável terra repleta de oportunidades para os conquistadores.

Bruit explica no começo da quarta parte a importância que o estudo tinha para Las Casas. Dar a condição ao ouvinte, fosse este um aluno ou não o livre arbítrio de decidir se é isso mesmo o que ele quer, não força-lo a aceitar o estudo, ou ainda impor este. Las Casas é categórico ao afirmar que o aluno depois de ter decidido por si só que quer seguir com o estudo, seja este qual for, deve crer em seu mestre, tal qual o religioso crê em Deus.

O método utilizado pelos conquistadores ia contra o que Las Casas tinha em mente sobre ensinar alguém completamente leigo sobre um assunto. Não bastava ensinar o básico, alguns costumes e batizar o individuo para que este se torna-se cristão, qualquer tipo de estudo leva tempo, como moldar um vaso em argila ou lapidar uma pedra. Las Casas mais uma vez menciona a importância da pessoa ou do grupo de pessoas estarem dispostos a aprender sobre a religião, mencionada aqui por Bruit, do que simplesmente impor isto à elas.

"... a arte oratória ensina que o orador deve manifestar benevolência e atrair seus ouvintes; deve ensinar, deleitar e afeiçoar com a delicadeza da voz, com mansidão e a suavidade aprazível das palavras." (BRUIT p.115)

Finalmente para Las Casas, a ideia do ensino está na forma como este é ensinado. Bruit coloca a visão de Bartolomé que confronta a visão de outros que para estes, os índios deveriam ser evangelizados a qualquer custo. Como então ter prazer em aprender algo se para isso os conquistadores não tiveram e nem se preocuparam em ter o menor "tato" para tal? Como dizer que a fé cristã poderia ser boa para o indivíduo se os métodos de ensino desta vão contra todos os seus princípios?

Obviamente que Las Casas acreditava que para ter sucesso na evangelização dos indígenas, seria muito melhor por parte dos evangelizadores se o método de ensino utilizado fosse mais simpático, mais amoroso, em outras palavras, mais gentil. Do contrário, os evangelizadores encontrariam tal qual encontraram grande resistência por parte dos índios por conta de seus métodos.

A última parte deste texto, traz para nós o que Bruit chama de grande debate. Valladolid é o palco de um debate entre Bartolomé de Las Casas e João Guinés de Sepúlveda, tratando-se da questão da racionalidade dos índios. Basicamente, o rei iria ouvir os pontos negativos e positivos dos indígenas divididos em o que chamarei de tópicos, tais quais sua organização política e social, sua vida religiosa, seus hábitos e costumes, leis, entre outros.

A julgar pela continuação do texto, podemos perceber que Las Casas poderia começar perdendo este debate uma vez que além de Sepúlveda, Pedro Martir de Anglería e Gonzalo Fernández de Oviedo já haviam escrito de forma desfavorável aos indígenas.

Logicamente que os espanhóis dentro do seu conceito de civilidade já tinham um perfil traçado de quem eram os indígenas da América. O frei Tomás Ortiz os descreve de forma avassaladora em sua carta de 1525. Vadios, avessos ao trabalho, preguiçosos, nojentos, de costumes horríveis, sem pudor, desrespeitosos, criaturas bestiais, intocadas pelas mãos de Deus, dentre outros.

Bruit descreve o ambiente de Valladolid em 1550 como agitado. Claro, uma vez que muita coisa estava envolvida neste debate, muita gente poderia perder muita coisa dependendo de um resultado favorável aos índios. Mas é claro que devemos imaginar a situação do momento com mais cuidado, a imagem dos indígenas já não era das melhores, havia muita gente influente que faria o impossível para salvar seus negócios na América, suas posses e o controle sobre seus índios. Em outras palavras, até onde estes influenciariam uma decisão por parte da coroa?

Infelizmente segundo Bruit, não temos como saber quem foi o grande vencedor deste debate com duas sessões em 1550 e uma em 1551. Las Casas estava mais preparado e mais do que isso, queria destruir os argumentos de Sepúlveda. Por outro lado, este segundo era um homem muito influente e estava dentro da realidade do mundo em que vivia. Las Casas era um homem de visão, tanto que seus argumentos poderiam até ser descritos por este que vos escreve como "além do seu tempo". O ponto chave aqui, é que sabemos quem foi que acabou perdendo com tudo isso e estes foram os índios das Américas. Estamos falando de um debate que começou meio século depois da chegada não só dos espanhóis como também dos portugueses ao novo continente. Mas o importante, é imaginar segundo Bruit que o trabalho de Las Casas a favor de uma conquista mais "humana", se é que posso usar esta palavra, trouxe resultados positivos como é bem explicado em 1570 quando as Filipinas são colonizadas.

Tanto Sepúlveda quanto Las Casas cometeram erros durante as suas argumentações. Porém, Las Casas tinha a vantagem de ter lido o trabalho de Sepúlveda conhecido como Apologia, enquanto Sepúlveda não teve acesso a nenhum trabalho de Las Casas. Las Casas viu no debate algo mais do que a defesa de seu ponto de vista e dos indígenas como homens, aproveitou a situação para ironizar, provocar, em outras palavras, derrubar Sepúlveda, como se estivesse em um combate corpo-a-corpo.

Para Bruit, fica claro que Las Casas estava levando este debate para o lado pessoal, imagino até onde mais estas provocações poderiam levar estes dois homens se não estivessem na frente de tanta gente importante.

Temos a seguir parte do depoimento de Sepúlveda, onde este justifica a invasão e a guerra como algo justo, baseado em argumentos cristãos, provérbios bíblicos, soberania espanhola sobre outros povos, grau de intelecto, menosprezando a cultura e a religião dos povos indígenas. Para mim, Sepúlveda definitivamente é um homem como dito anteriormente, que vive em seu próprio tempo, mas carrega consigo um espírito "salvador" do homem cristão que deve evangelizar os mais ineptos, ou ainda, bárbaros.

Vale notar que o cristianismo cega tanto Sepúlveda em sua defesa, que este é incapaz de enxergar a magnitude da arquitetura indígena, tal como sua complexa forma de registros, sejam em glifos na América do Norte e os quipos na América do Sul, sua religião e sua sociedade muito bem desenvolvida.

Por outro lado, Las Casas argumenta sobre a questão do que é ser bárbaro, afinal para ele, os espanhóis agiram como estes. Ferozes e bestiais, pessoas que não conseguem comunicar-se com os demais. Ora, basta pensarmos que os indígenas viviam em paz em suas terras, em suas grandiosas cidades, praticando sua religião e seus costumes quando os espanhóis chegaram. Las Casas parece ter sido beneficiado com o argumento de Sepúlveda quando este chama os índios de bárbaros e, o dominicano não perde a oportunidade de acabar com os argumentos do doutor, explicando exatamente o que realmente é ser bárbaro, obviamente dentro da visão dos espanhóis.

Há uma grande diferença entre o cristão Las Casas e o cristão Sepúlveda. Las Casas é tolerante, entende sim que os índios são seres inferiores mas não animais, apenas não foram instruídos o suficiente para serem considerados homens de acordo com a moral e os costumes cristãos.

Mesmo com o forte argumento de Las Casas sobre a questão do que é barbárie e onde os índios da América se encaixam neste termo, Sepúlveda insiste nisso quando diz que os índios tinham rituais profanos como sacrifícios humanos, comiam a carne de outros, praticavam crimes sexuais, dentre tantos outros. Para Sepúlveda, o fato de serem conquistados, terem seus bens levados e sofrido de alguma forma com a guerra recorrente da conquista, era um castigo divino por seus atos.

Sepúlveda durante o debate procurou meios de justificar seus argumentos sobre os índios tentando influenciar os espectadores sobre sua animalidade, em certo ponto, disse que os índios chegavam a matar vinte mil pessoas por ano em sacrifícios, contestando que a guerra contra os espanhóis tivesse matado mais indígenas. Las Casas, afirmou que se os índios realmente tivessem sacrificado tanta gente assim por ano, provavelmente os espanhóis encontrariam a América praticamente sem nenhuma população, o que não condizia com o que foi encontrado.

Para Sepúlveda a forma mais simples de evangelização está no brandir de armas, ao passo que ele mesmo entra em contradição ao afirmar que é possível evangelizar os índios através de um meio pacífico, mas o ponto de Sepúlveda é direto, se os índios não entendem o que dizem os espanhóis, para que perder tempo com eles tentando ensiná-los se os espanhóis podem usar de meios mais rápidos para acelerar o processo de evangelização?

Ao passo que Las Casas, é sucinto ao dizer que com um processo violento como o empregado durante a conquista, obviamente a chance de índios que em sua opinião eram dóceis, seguirem a coroa espanhola seria nula, afinal, que tipo de governo é esse que obriga outros a fazerem o que não querem se não uma tirania?

Las Casas ainda vai mais além e cobra de Sepúlveda provas documentadas de uma bula do Papa Alexandre, o testamento da Rainha Isabel e as capitulações dadas a Colombo dizendo de forma categórica, que os espanhóis deveriam entrar em guerra com os índios da América. Para Las Casas, os espanhóis mataram os índios sem quaisquer ordens reais.

"E digo mais: se os reis, como o doutor afirma (o qual não é coisa que pudesse caber nem deva pensar-se das confidências e reais ânimos dos católicos reis, nem de sua majestade, nem de seu cristão e diligente Conselho de Índias), deram tais instruções e provisões para que de per si [...] se fizeram essas guerras e conquistas, e que hoje se fizessem, só pelo título que o doutor Sepúlveda finge, sem nova causa justa, que nem os fatos passados se justificam, nem os de hoje seriam justificados nem desculpados, e os reis católicos passados teriam pecado mortalmente, e sua majestade, hoje, de tal pecado não teria desculpa [...] São estes os serviços que o reverendo doutor proporciona a sua majestade e aos senhores de seu Real Conselho das Índias, tão pestilentemente lisonjeados e cegados." (BRUIT, p.138)

Bruit finaliza o texto com uma reflexão do que foi a conquista para Sepúlveda e Las Casas. Para Sepúlveda a conquista foi necessária e a guerra foi justa, não havia outro meio se não aquele muito bem empregado pelos espanhóis. Ao passo que para Las Casas, o que a América precisava era de espanhóis que quisessem trabalhar, afinal, era uma terra de oportunidades e não havia a necessidade de uma guerra e escravizações.











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