RESENHA DA METAFÍSICA DE ARISTÓTELES - LIVRO A

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RESENHA DA METAFÍSICA DE ARISTÓTELES LIVRO A Por Caius Brandão1

A Metafísica de Aristóteles é uma obra que reúne 14 livros que buscam, em última instância, o conhecimento de uma realidade supra-sensível e transcendente ao mundo material. Aristóteles compreende que tal realidade é ontologicamente anterior e superior à realidade sensível, por isso, o filósofo considera que o conhecimento metafísico será o único capaz de identificar as causas e os princípios primeiros da totalidade dos seres corpóreos. No Livro A (primeiro) da Metafísica, Aristóteles faz uma introdução geral ao conjunto da obra, em primeiro lugar, hierarquizando os diversos tipos de conhecimento e colocando a metafísica no topo desta hierarquia para, em seguida, apresentar e justificar a sua teoria das quatro causas. Logo no início do Livro A, o filósofo estagirita reconhece na natureza do homem a tendência ao saber. Como justificativa, ele afirma que a visão seria entre todas as sensações a mais amada pelos homens, justamente por ser aquela que mais nos mostraria as diferenças entre as coisas. Por outro lado, todos os animais são dotados de capacidade sensitiva, mas nem todos dela desenvolve a memória. Os animais mais inteligentes seriam justamente aqueles capazes de recordar, já que são as diversas recordações de um mesmo objeto que nos levam a constituir uma experiência única acerca do mesmo objeto. Desta forma, Aristóteles conclui que os homens derivam a experiência de sua capacidade de memória. A experiência se refere a objetos particulares, mas o conjunto de recordações das experiências de tais objetos nos viabilizaria formar um juízo geral sobre eles. Assim, o Estagirita propõe que a generalização do conhecimento obtido a partir de experiências particulares nos levaria ao conhecimento dos universais e que, dessa forma, poderíamos distinguir o conhecimento empírico do conhecimento teórico (arte ou ciência), sendo este superior àquele. Logo, fica estabelecida a superioridade do saber teórico, que é aquele que conhece a causa e o porquê de um determinado dado pela generalização do conhecimento meramente empírico. Ademais, para Aristóteles, quem possui o conhecimento teórico é capaz de ensinar, enquanto que quem possui apenas a experiência não tem a mesma capacidade. O Estagisrista reconhece também que, após o desenvolvimento de inúmeras artes voltadas para as necessidades da vida e ao bem-estar, o homem, tendo se libertado das ocupações práticas, pôde então se voltar para a descoberta de uma ciência que não é pautada nem pelo prazer nem pela necessidade prática, ou seja, é o saber pelo saber que concede ao homem o mais alto grau de sabedoria. Em seguida, Aristóteles passa a esclarecer quais são as causas e os princípios dos quais a metafísica deve se ocupar. Para chegar até eles, mais uma vez, o Estagirita lança mão da 1

Mestre e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás.

hierarquia do conhecimento. Primeiramente, consideramos mais sábio aquele que possui o conhecimento de todas as coisas, na medida em que estão individualmente submetidas a um conhecimento universal. Em segundo lugar, reconhecemos como o mais sábio é aquele que conhece as coisas mais difíceis de serem conhecidas (as sensações, por exemplo, são conhecidas por todos, mas apenas os mais sábios são capazes de conhecer o universal). Em tereiro lugar, é mais sábio quem conhece as causas e os primeiros princípios (de fato, as ciências mais exatas são aquelas que consideram um menor número de causas). O quarto argumento é que aquele que é capaz de ensinar é tido como o mais sábio, logo, a ciência que mais indaga as causas é a mais nobre e mais capaz de transmitir conhecimento. Em quinto lugar, temos que aquele que busca o saber pelo saber, desprovido de motivações práticas, é considerado como mais sábio do que aqueles que se dedicam ao conhecimento pautado pelo prazer ou pelo bem-estar. Logo, a ciência que tem como fim o próprio saber é a ciência do maximamente cognoscível, isto é, as causas e princípios primeiros, a partir dos quais todas as outras coisas podem ser conhecidas. Por fim, os homens devem obedecer aqueles que são os mais sábios e não o contrário. Da mesma forma, a ciência que se encontra no topo da hierarquia é a que tem autoridade sobre aquelas que dela são dependentes. Ora, esta ciência é aquela que conhece o fim para o qual tende todas as coisas, e o fim em todas as coisas da natureza é o sumo bem. Desta forma, Aristóteles conclui que a metafísica é a ciência das causas e princípios primeiros, já que o bem e o fim das coisas é uma causa. Aristóteles argumenta que os homens apenas desenvolveram a filosofia quando praticamente tudo de que necessitavam para a vida, o conforto e o bem-estar já estava garantido. Este tipo de conhecimento, o saber pelo saber, não almeja ou está submetido a nenhuma utilidade prática. Temos, então, que a metafísica é uma ciência livre, na medida em que é fim para si mesma. Ao se levar em consideração que a natureza do homem é, em certa medida, escrava, Aristóteles admite que a metafísica é uma ciência divina. Mais especificamente, o Estagirita reconhece que apenas DEUS alcança o conhecimento desta ciência em sumo grau. Além disso, a metafísica é a única ciência que toma por objeto as coisas divinas. Em suma, ao longo da sua obra, encontraremos quatro definições da metafísica que se relacionam entre si, a saber: a metafísica como ciência das causas e princípios primeiros; a ciência do ser enquanto ser; a ciência como teoria da substância; e a metafísica como ciência teológica. Vale também ressaltar que a metafísica é uma ciência cuja finalidade é o próprio saber, isto é, ela é desprovida de qualquer utilidade prática. Uma vez definida a metafísica como ciência das causas primeiras, Aristóteles apresenta os quatro sentidos atribuídos a tais causas e a investigar como elas foram tratadas pelos filósofos que o antecederam. Vejamos brevemente como se caracteriza cada uma dessas quatro causas:

a) Causa formal – é a forma (substância) e a essência das coisas. No vivente, por exemplo, dizemos que a substância é a alma; nas figuras geométricas são determinadas relações; e nos objetos de arte diríamos que a essência é a estrutura. b) Causa material – é aquilo de que é feita a coisa, ou seja, a matéria e o substrato. Os homens, por exemplo, dizemos que são feitos de carne e osso; uma estátua de bronze, que é feita de bronze; e assim por diante. c) Causa eficiente – é o princípio do movimento, isto é, aquilo de que provêm a geração, a mudança e o movimento das coisas. Por exemplo, dizemos que o pai é causa eficiente do filho; a vontade é causa de várias ações dos homens; e o chute que dou numa bola é a causa do seu movimento. d) Causa final – é o fim a que tende todas as coisas, ou seja, o bem. Isto significa o propósito ou o fim em vista de que cada coisa é, advem ou se faz. Desta forma, podemos constatar que das quatro causas, três (a formal, a material e a final) são intrínsecas e apenas uma (a eficiente) é externa ou diferente da coisa. Com o intuito de corroborar a sua teoria das quatro causas, Aristóteles lança mão da história da filosofia e analisa como tais causas foram abordadas pelos filósofos que o antecederam. Em primeiro lugar, o Estagirita afirma que os primeiros filósofos, hoje conhecidos como filósofos da natureza ou pré-socráticos, pensaram que os princípios de todas as coisas fossem exclusivamente materiais. Entre eles temos Tales de Mileto, para quem o princípio é a água; Anaxímedes, que elege como princípio o ar; Heráclito, que afirma ser o fogo o princípio de todas as coisas da natureza; Empódocles; que toma como princípio os quatro elementos (água, ar, fogo e terra); e finalmente, Anaxágoras, que afirma que os princípios são infinitos, já que as homeomerias seriam eternas. Com base nesses filósofos, teríamos que supor que a causa material seria a única a existir de fato. No entanto, pondera Aristóteles, mesmo admitindo que o processo de geração e corrupção derive de um ou vários elementos materiais, por que ele ocorre e qual seria a sua causa? Para o Estagirita, o substrato de todas as coisas não poderia provocar a mudança em si mesmo. Teria então que existir uma causa que explicasse os processos de mudança, isto é, o princípio do movimento. Aristóteles reconhece que Anaxágoras partiu acertadamente nessa direção ao considerar a Inteligência causa da ordem e da distribuição harmoniosa de todas as coisas. Outros filósofos que consideraram esse tipo de causa foram: Parmênides, que considera o Amor como o princípio que poderia explicar a causa que move e reuni as coisas; Empódocles, por sua vez, considerava que a Amizade seria a causa dos bens e a Discórdia a causa do Males, isto é, que o bem é a causa do próprio bem e o mal seria a causa do próprio mal.

Quanto à causa formal das coisas, Aristóteles afirma que os pitagóricos abordaram a questão da essência e ofereceram algumas definições, mas na avaliação do Estagirita, eles o fizeram de forma extremamente simplista e superficial. Para os pitagóricos, já que os números teriam primazia na totalidade da realidade, eles elegeram os elementos constitutivos dos números como elementos de todas as coisas. Os elementos constitutivos dos números são o par (ilimitado) e o ímpar (limitado). Por ser par e ímpar ao mesmo tempo, o Um deriva tanto do ilimitado quanto do limitado. Do Um derivam os números que constituem a totalidade do Universo. O problema identificado por Aristóteles nessa teoria é que aquilo a que primeiramente se atribuía determinada definição era a substância das coisas. Consequentemente, o duplo e o número dois seriam a mesma coisa, já que o número dois é aquilo do qual em primeiro lugar se predica o duplo. No entanto, para Aristóteles, isso seria absurdo, pois, de acordo com essa tese, o um seria ao mesmo tempo muitas coisas. Em seguida, Aristóteles passar a analisar a filosofia de Platão, quem teria sido influenciado pelos pitagóricos, como também, por Heráclito e Sócrates. Em função do devir das coisas sensíveis, Platão procura estabelecer definições universais acerca de outras realidades, a quem ele chamou de Ideias. Para Platão, a pluralidade dos objetos sensíveis existe por participação nas Formas. Aristóteles, no entanto, critica Platão por simplesmente dar um nome diferente ao que os pitagóricos haviam chamado de ‘imitação’. Ademais, ele critica tanto os pitagóricos quanto Platão por não terem explicitado o que eles queriam dizer com ‘imitação’ e ‘participação’ das Formas. Intermediários aos seres sensíveis e às Formas, Platão teria afirmado a existência de entes matemáticos. Tais Entes se diferem dos seres sensíveis, posto que são imóveis e eternos, e das Formas, já que cada Forma é única e individual. Platão considera as Formas como causas das outras coisas. Logo, os elementos que as constituem são também elementos de todos os seres. Para ele, as causas materiais das Formas eram o grande e o pequeno, enquanto que a causa formal seria o Um. Assim, Platão tomava as Formas e os números como derivados, por participação, do grande e do pequeno no Um. Em suma, a partir das análises de Aristóteles, conclui-se que Platão havia considerado apenas as causas formal e material. As Ideias seriam as causas formais dos seres sensíveis, e o Um seria a causa formal das Ideias. Quanto à causa material, temos o grande e o pequeno como substratos dos quais se predicam as Ideias, no âmbito dos sensíveis, e dos quais se predicam o Um, no âmbito das Ideias. Além disso, Platão também teria considerado o primeiro de seus elementos como causa do bem. Em suma, todos os filósofos mencionados por Aristóteles consideraram pelo menos uma das quatro causas, a saber, a causa material. Alguns atribuíram como causa material um ou mais de um ser corpóreo (água, ar, fogo, terra, etc.). Outros consideraram como causa material um ou mais seres incorpóreos (Infinito, Ilimitado, Grande/Pequeno, etc.). Em seguida, Aristóteles identificou na história da filosofia alguns pensadores que

entreviram a causa motora (eficiente, que explica o movimento, além dos processos de geração e corrupção), colocando como princípio a Amizade/Discórdia, o Amor, a Inteligência, etc. Nenhum deles, na avaliação do Estagirita, teria considerado de forma adequada a causa formal, isto é, a substância ou a essência das coisas. No entanto, os platônicos que afirmam a existência de Formas, enquanto essência ou substância, foram os que melhor abordaram esse tipo de causa. Já a causa final não teria sido afirmada de forma absoluta por nenhum dos pensadores, mas apenas acidentalmente. Alguns chegam a afirmar que o Um e o Ser são ‘bem’ por sua natureza, mas deixam de considerar que o ‘bem’ seria o fim pelo qual algo é ou se gera. De qualquer forma, todos os pensadores citados por Aristóteles não consideram nenhum outro tipo de causa, o que corrobora o número e a natureza das causas que compõem a sua teoria.

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