Resenha de Coronelismo Enxada e Voto

May 27, 2017 | Autor: João Aguiar | Categoria: Ciência Política, Pensamento Político Brasileiro, Coronelismo
Share Embed


Descrição do Produto

resenhas

60 ANOS DE “CORONELISMO, ENXADA E VOTO”: A CONTRIBUIÇÃO DA OBRA E DO AUTOR. João Henrique Catraio Monteiro Aguiar1

Qualquer pessoa que queira entender a formação dos municípios brasileiros e o discutido conceito acadêmico “coronelismo” terá necessariamente de passar pela leitura de Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o sistema representativo no Brasil (1949). A obra foi escrita por Victor Nunes Leal (1914-1985), sendo a publicação de sua tese apresentada em 1948 para concorrer à cátedra de Política (1943-1969) na Universidade do Brasil (que se tornaria posteriormente UFRJ). Pela mesma Universidade foi tornou-se bacharel em Direito - na Faculdade Nacional de Direito – e Doutor em Ciências Sociais – na Faculdade Nacional de Filosofia (1948) –, assumindo, em 1959, a presidência do Instituto de Ciências Sociais. Exercerá atividades didáticas também na ESG, ECEME, DASP, Universidade de Brasília e CEUB. Nascido em Carangolas (MG), tornar-se-á membro da Academia Mineira de Letras em 1976. Antes que seja aprofundada a temática do livro, cabe mencionar a destacada atividade do autor no campo jurídico e político. Exerceu a advocacia de 1937 a 1956 e de 1969 a 1985. Trabalhou com o ministério de Capanema, como Oficial de Gabinete (1939-40) e Diretor do Serviço de Documentação do Ministério de Educação e Saúde (1940-43). Foi Chefe da Casa

1

Bacharel (2008) e licenciado (2008) em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.

415

VoxJuris

|

Ano 2, v. 2, n. 1, pág. 415-418, 2009

Civil da Presidência da República (1956-59). Esteve no cargo de Procurador Geral da Justiça do Distrito Federal (1956), Procurador do Tribunal de Contas do Distrito Federal (1960), Consultor Geral da República (1960), Ministro do Supremo Tribunal Federal (1960-1969), Ministro de Supremo Tribunal Eleitoral (1966-1969). Atuou de forma incisiva na esfera pública, tendo não só seus diferentes livros e ensaios publicados; como também participação em inúmeros congressos e jornais. Destacase também por sua presença em missões no exterior. Representou o Brasil na IV reunião do conselho de juristas do Conselho dos Estados Americanos (Chile, 1959). Participou na Itália de Congresso de Direito Administrativo (1960). Fez parte das missões de observadores das eleições na República Dominicana (1962) e Nicarágua (1963). Foi convidado pela Grã-Bretanha (1966) e pelos EUA (1968) como membro de missão de magistrados. Sofreu o impacto do AI-5, de 1968, e em janeiro do ano seguinte foi afastado de muitas das funções que ocupava. O resto de sua vida será dedicado à advocacia. Leal forjou-se como intelectual e como cidadão atuante em sua sociedade, sendo reconhecido por seus pares. O livro do eminente jurista tem como foco a relação política de compromissos e trocas assimétricas que se estabelece em um regime político de extensas bases representativas, unidas a um poder privado exorbitante. O autor concebe o conceito do “coronelismo” como “(...) resultado da superposição de formas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. (...) É (...) forma peculiar de manifestação do poder privado.”. (Leal; 1976:20)”. O privatismo se conjugaria aqui com o mandonismo, o filhotismo, o paternalismo. O excessivo poder dos chefes locais resultaria na perseguição a opositores, na proteção desmesurada (com nomeações públicas) dos próximos e indiferença à lei quando preciso para promover alguma benesse, geralmente às custas de um prévio acordo. O governo estadual daria “carta-branca” ao poder local dos “coronéis” (conferia “autonomia extralegal”), que promoveriam melhorias nos serviços e utilidades públicas, trazendo também eleitores – estes dependentes do “coronel” devido à estrutura agrária – que legitimassem a eleição dos candidatos estaduais. A forma de voto forçada a que os dependentes do senhor se submetem chama-se voto de cabresto. Esse sistema é chamado de coronelista e será base de entendimento para interpretações posteriores. Existe devido à ascensão do poder público, notadamente o estadual, simultaneamente ao declínio do poder privado, notadamente o dos latifundiários. A falta de autonomia no plano municipal faz com que os chefes políticos locais negociem com a instancia pública. Esse entendimento é peculiar de Leal, que irá contra o senso comum acadêmico de sua época que apontava para a lógica oposta, alegando que o coronelismo era uma tendência típica do fortalecimento do poder privado frente ao enfraquecimento do poder público. O pensador prova que, ao longo dos anos, desde a Colônia até a Constituição de 1946, o poder municipal foi paulatinamente se fortalecendo. E ao mesmo tempo várias se consolidaram condições de extinção do poder dos

416

VoxJuris

|

Ano 2, v. 2, n. 1, pág. 415-418, 2009

chefes locais, tais como a mudança na estrutura familiar, a abolição da escravatura, a decadência do modelo agrário-exportador. O autor sustenta que não havia mais concentração de riqueza ou poder suficiente para os senhores rurais, o que fazia com que eles buscassem amparo dos poderes estaduais. Dá-se então a conservação residual do poder privado frente à crescente ingerência do poder público através do sistema. Não há, portanto, dialética ou dualismo entre público e privado; há nesse caso um entrelaçamento entre ambas as esferas que se nutrem uma da outra. O Estado proveria os cargos públicos, o controle da polícia e o erário ao poder local; o coronel proveria votos para os líderes estaduais e melhorias públicas para o município e seus dependentes. A descentralização e o aumento do poder tributário, legislativo e executivo do âmbito municipal seriam o meio enfraquecedor do sistema coronelista, que tem seu auge na República Velha. Contudo, engana-se quem considera tal questão política como datada, pois o autor assim argumenta: A morte aparente dos “coronéis” no Estado Novo não se deve, pois, aos prefeitos nomeados, mas à abolição do regime representativo em nossa terra. Convocai o povo para as urnas, como sucedeu em 1945, e o “coronelismo” ressurgirá das próprias cinzas, porque a seixa que o alimenta é a estrutura agrária do país . (LEAL; 1976: 134) O termo “coronel” surge quando em 1831 é criada a Guarda Nacional, que terá grande destaque sufocando rebeliões regionais e na Guerra do Paraguai. Para ter o título de coronel era preciso pagar uma soma, com o que muitos não podiam arcar. Com isso, sobrepunha-se muitas vezes o poder econômico do latifundiário ao poder sócio-político, através de um monopólio legítimo da força municipal obtido de forma censitária. O sistema coronelista se erige em um tripé: os acordos entre “coronéis” e lideranças políticas estaduais (coronelismo), a concentração fundiária (enxada) e um déficit de autonomia municipal que permitiria o surgimento do voto de cabresto (voto). Para desenvolver seu ensaio acadêmico, Victor Nunes Leal divide seu livro em sete capítulos. O primeiro define o coronelismo; o segundo, as atribuições do município; o terceiro, a eletividade. O quarto analisa as receitas municipais; o quinto enfoca a organização policial e judiciária; o sexto disserta sobre a legislação eleitoral e o sétimo exibe prospecções e retoma a discussão teórica do primeiro. É um livro bem-estruturado, pois abarca um longo período histórico de forma concisa, tratando desde o Brasil colônia até a redemocratização de 1946. Pode ser considerado um clássico interdisciplinar porque congrega discussões de administração pública, direito, ciência política, história e sociologia. A pesquisa realizada é intensa e extensa: abusa de fontes primárias e usa com sabedoria as fontes secundárias. Utiliza-se de

417

VoxJuris

|

Ano 2, v. 2, n. 1, pág. 415-418, 2009

estatísticas, documentos oficiais, discursos de personagens históricos, pesquisa bibliográfica de aporte teórico e factual. Auxilia sua produção uma visão realista e sociológica do normativo, incomum a muitos juristas, que ficam sufocados num etéreo divagar sobre as leis. Vale lembrar que o final do livro é um libelo à humildade e à sobriedade da análise, que conclama à resolução do problema. Leal finaliza seu trabalho, afirmando: Com esta singela contribuição ao estudo do “coronelismo”, não tivemos o propósito de apresentar soluções; apenas nos esforçamos para compreender uma pequena parte dos nossos males. Outros, mais capacitados, que empreendam a tarefa de indicar o remédio. (LEAL; 1976: 258 )

Bibliografia: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 3ed. São Paulo: Alfa Ômega, 1976.

418

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.