Resenha de *Entrevistas com Robert Hullot-Kentor*, por Márcio Pinheiro

August 25, 2017 | Autor: Fabio Durao | Categoria: Teoría Crítica
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Entrevistas com Robert Hullot Kentor. DURÃO, Fabio Akcelrud (Org.). Trad. Edmir Missio; Fabio Akcelrud Durão; Tauan Fernandes Tinti. São Paulo: Nankim, 2012. 96 p. Marcio Renato Pinheiro da Silva

Robert Hullot-Kentor é um dos principais estudiosos norteamericanos de Theodor W. Adorno, tendo escrito diversos ensaios a respeito (ver, por exemplo, “Things Beyond Resemblance”, Columbia U. P., 2006), bem como traduzido diversas obras do filósofo alemão para o inglês. Seu pensamento, extremamente original e necessário no que diz respeito ao papel que, hoje, pode ter a Teoria Crítica, permanecia muito pouco publicado no Brasil (de fato, apenas dois de seus ensaios eram encontráveis por aqui). Daí que o “Entrevistas com Robert Hullot-Kentor”, organizado por Fabio Akcelrud Durão (Nankim, 2012) vem, justamente, suprir essa lacuna. O volume, composto por conversas entre Hullot-Kentor e quatro entrevistadores (Paul Chan, Chris Mansour, Breixo Viejo e o próprio organizador) e encerrado por um ensaio de Hullot-Kentor, até então, inédito no Brasil (“Céu de Brigadeiro”), é uma boa oportunidade para travar contato com sua reflexão. De fato, a maneira como Hullot-Kentor se vale da Teoria Crítica é extremamente sofisticada, à medida que lhe interessa integrar o tempo à própria estrutura dos conceitos, algo absolutamente avesso à “aplicação” pura e simples destes a quaisquer objetos ou fenômenos. De um lado, porque o esquecimento desempenha, aí, papel fundamental: é ele o que permite o ingresso do tempo no corpo mesmo dos conceitos. De outro, porque o “tempo” aí em questão não é * Professor Adjunto de Teoria Literária da UFRN e, atualmente, Pós-Doutorando em Teoria & História Literárias pela Unicamp. caderno cemarx, nº 7 – 2014

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uma categoria abstrata, mas, em larga medida, a própria história. Não por acaso, ao ser indagado, por Paul Chan, sobre a singular variação de andamento (na acepção musical do termo) em seus escritos, diz HullotKentor: “Se escrever não fosse um tipo de catapulta, um instrumento do nãointencional, ninguém jamais teria se interessado por isso. Se não fossemos capazes, pela escrita, de fazer algo mais do que podemos fazer, há muito tempo teríamos deixado isso de lado.” (HULLOT-KENTOR apud DURÃO, 2012, p. 12).

De certo modo, Hullot-Kentor se relaciona com a história e com a Teoria Crítica (em especial, com Adorno) visando catapultar, por assim dizer, seu próprio pensamento. Daí que suas intervenções sejam extremamente ricas em insghts de toda ordem, relativos à história e ao cotidiano norte-americanos, à filosofia, à academia etc., cuja devida exposição, infelizmente, transcendem os limites de uma resenha. Mas vejamos, ao menos, dois destes insghts. O primeiro diz respeito a uma associação, surpreendente em princípio, entre Adorno e Charles Darwin. Para Hullot-Kentor, uma das grandes preocupações de Adorno consiste em como poderia ser uma vida que não se resumisse à sua auto-preservação. Isso o leva, por exemplo, a atentar ao fator primitivo existente na sociedade como um todo. E é aí que a teoria de Darwin sobre a seleção natural pode ser transposta à história humana, evidenciando este elemento primitivo. O fato de Adorno ampliar isso por meio do estudo de sua variada incidência na sociedade visa, precisamente, projetar uma superação parcial deste caráter primitivo, naquilo que, nele, é mera auto-preservação. Ao mesmo tempo, para Hullot-Kentor (via Adorno), as próprias sociedades modernas, a despeito de seu suposto grau de sofisticação ou “evolução”, tratam de sabotar essa possibilidade ao

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fazer convergir suas potencialidades tão-somente à auto-preservação. O mundo contemporâneo é só mais um capítulo na história de uma promessa sistematicamente não cumprida, como evidenciam várias das falas de Hullot-Kentor, e nos mais variados âmbitos. O segundo insight diz respeito a uma complexa argumentação, encontrável tanto nas entrevistas quanto no ensaio que encerra o volume, sobre a incapacidade crônica dos norte-americanos em representar o bem comum. Isto vai desde simples atitudes, tais como ajudar um desconhecido na rua quando este perde o equilíbrio e precisa de braço amigo para não cair, até a maneira como o legislativo e o executivo norte-americanos se comportam. Para Hullot-Kentor, tais traços se coadunam ao próprio Capitalismo em sua feição norteamericana, naquilo que, nele, há de desconsideração pelo cidadão comum, bem como em seu suporte a corporações cuja atividade transcende, em muito, o mercado de bens, chegando, inclusive, a prescrever o espaço público das cidades. Tanto que, no ensaio de encerramento do volume, “Céu de Brigadeiro”, Hullot-Kentor vincula tais traços à própria relação dos norte-americanos com a história. Para o autor, “ao contrário dos romanos, que marcavam suas vitórias sobre as cidades com monumentos históricos, os Estados Unidos, em sua história expansionista, marcam suas vitórias […] como um triunfo sobre a própria história. É uma questão de princípio: ‘Onde estivemos, não deverá haver história.’” (HULLOT-KENTOR apud DURÃO, 2012, p. 78). Como 11 de Setembro marca um evento, por assim dizer, incortonável, diante do qual não há como a sociedade norte-americana se silenciar, isso é resolvido de duas maneiras. A primeira delas diz respeito à mercantilização da data, abrangendo de “promoções” de grandes varejistas até a dos próprios memoriais que, desde a data citada, disseminaram-se. Acompanhando este fenômeno tanto per se quanto comparando-o à maneira como os norte-americanos se reportam a outros eventos traumáticos afins (por muitos dos quais foram responsáveis diretos), Hullot-Kentor prevê a possibilidade de

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todo esse processo se converter “na lembrança da própria vida como sendo a memória de um sacrifício que não deu em nada” (HULLOTKENTOR apud DURÃO, 2012, p. 94). Tanto que, ao concluir sua reflexão sobre todo o processo envolvendo a construção do principal memorial à 11 de Setembro no local onde, antes, encontravam-se as torres abatidas, Hullot-Kentor escreve: “é um monumento à transformação de cada capacidade e recurso da humanidade rumo ao que poderia ser naquilo que, em seu lugar, tem a história sempre sido.” (HULLOTKENTOR apud DURÃO, 2012, p. 95). De certo modo, as duas maneiras que Hullot-Kentor prevê para que seja quebrado este círculo vicioso é, de um lado, a própria reflexão, e, de outro, a arte, pois “a arte, quando é arte, está em oposição à cultura.” (HULLOT-KENTOR apud DURÃO, 2012, p. 57). Trata-se, portanto, de uma conjunção entre ética e estética e entre crítica e vida. E é, precisamente, esta conjunção, absolutamente necessária, aquilo que o leitor poderá encontrar no volume, podendo servir, inclusive, de fomento a reflexões afins sobre a sociedade brasileira hoje.

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