Resenha de Judaísmo, de Moacir Scliar

September 14, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: Judaism, Moacyr Scliar, Judaismo, História das religiões e religiosidades
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Publicado em: Pedro Paulo A Funari, Resenha de Judaísmo, de Moacir Scliar, Revista de Estudos Judaicos, Belo Horizonte, 5,5, 2003/4, pp. 166-167, ISSN 1517-7904.

Resenha SCLIAR, Moacyr. Judaísmo. São Paulo: Editora Abril, 2003. Pedro Paulo A Funari1

Quem não conhece e admira o médico e escritor gaúcho Moacyr Scliar? Membro da Academia Brasileira de Letras, Scliar é autor de livros ficcionais, assina colunas semanais nos principais órgãos da imprensa e seu Centauro no Jardim foi eleito pelo National Yidish Book Center dos Estados Unidos como um dos cem livros mais importantes da moderna literatura judaica. Em Judaísmo, Scliar despe-se da veste de ficcionista e apresenta ao leitor leigo ou iniciado uma breve introdução, pessoal e subjetiva, a um vasto, complexo e rico tema. Começa por esclarecer que os judeus não são uma raça, conceito superado, e lembra que a heterogeneidade judaica manifesta-se não apenas na diversidade da aparência física, mas também nos costumes e na língua. A diversidade aparece como fio condutor da narrativa, como característica onipresente na trajetória histórica dos judeus.

Scliar inicia pela redação da Bíblia e pelo papel do monoteísmo surgido da monótona e severa visão do deserto, seguindo com Moisés e a inovação revolucionária do 1

Universidade Estadual de Campinas.

2 repouso semanal, o Shabat. A passagem para a monarquia não foi tranqüila. Saul enfrentou os filisteus e, tomado de pavor, invocou o espírito do falecido Samuel, consultou uma necromante, mas perdeu os três filhos e se suicidou. Davi e Salomão, embora exitosos em sua opulência, acabam resultando em ônus para a população, que era obrigada a pagar pesados impostos. Sente-se uma crítica à divisão social e à alienação econômica e cultural das maiorias. O exílio babilônico resultaria na transformação de todos os hebreus em iehudim, ou judeus. A Palestina, incorporada ao mundo helenístico no século III a.C., levou à dispersão dos judeus e à imposição da cultura grega. A cultura helênica foi, em todas as regiões, adotada pelas classes abastadas, acentuando a cisão destas com o povo. Interpreta a luta dos macabeus como um conflito de pobres contra os ricos, de dominados contra dominadores. Formaram-se dois partidos: o primeiro era baseado no clero, aristocracia, senhores de terra – os saduceus; o segundo, na classe média e baixa, descontentes com a concentração de poder – os fariseus (perushim, dissidentes). Menciona o caráter judaico de Jesus, que falava em aramaico, por meio da parábola (mashal) e que se inseria na tradição popular judaica. Destaca o papel da diáspora (galut). Mostra como nem todos aceitavam as prescrições do Talmude.

Ao tratar do período medieval, Scliar relata como algumas interdições aos judeus levaram alguns deles ao empréstimo, tendo sido perseguidos por autoridades endividadas. As expulsões da Inglaterra (1290) e posteriores são entendidas neste contexto. A cabala (‘tradição’) demonstra a variedade religiosa entre os hebreus, assim como os falsos messias que se anunciam no período moderno.A expansão européia pelo continente americano contou com participação judaica. A modernidade aprofundou divisões entre os

3 hebreus, pois o judaísmo não é um todo homogêneo, como sugere uma visão simplista. Alguns aferravam-se ao passado, outros resolviam arriscar no futuro. Na Europa Oriental, aprofundou-se a divisão entre religião de ricos e pobres, mas surgia o típico humor judeu que tanto êxito teria, em nossa época, nos Estados Unidos. Em sua variedade, os judeus foram propensos a questionar, a brigar entre si. Finaliza o volume com um capítulo dedicado aos judeus no Brasil. Lembra da contribuição de cristãos-novos e das recentes ondas migratórias de sefaradim e ashkenazim. De Moisés, chega a Macunaíma.

Do belo livro de Moacyr Scliar surgem muitas imagens, contrastantes, variadas. Talvez a mais persistente e recorrente seja a heterogeneidade do judaísmo. Na teoria social dos últimos trinta anos, tem-se destacado o caráter fluido e mutável das identidades, como construções sociais e individuais em constante mutação. Scliar mostra como o antijudaísmo sempre dependeu de uma imagem dos judeus como grupo homogêneo, uma homogeneidade que nunca correspondeu à realidade. Ao contrário, Scliar, na esteira das pesquisas antropológicas contemporâneas, demonstra o caráter híbrido, multifacetado do judaísmo e associa essa variedade à vitalidade tanto do pensamento, como dos empreendimentos hebraicos. Não por acaso, conclui seu livro com uma referência a Macunaíma, símbolo da mescla cultural brasileira, pois radica na pluralidade a riqueza e fertilidade humana.

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