Resenha de Palmares, ontem e hoje - A Fabiani

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Revista Espaço Acadêmico, 68, janeiro de 2007, ano 6, ISSN 1519-6186 http://www.espacoacademico.com.br/068/68res_fiabani.htm Resenha:

FUNARI, Pedro Paulo & CARVALHO, Aline Vieira de. 2005. Palmares, ontem e hoje. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 75 p.

Palmares, ontem e hoje

Os trabalhos assinados por Pedro Paulo Funari são por si só garantia de qualidade e inovação. Acompanhado da doutoranda em história, Aline Viera de Carvalho, Funari contribuiu com a coleção “Descobrindo o Brasil” escrevendo: Palmares, ontem e hoje. A coleção é dirigida por Celso Castro e reúne temas da história e da cultura brasileiras, “escritos por especialistas, em linguagem acessível a todos, [...] que buscam transportar o autor ao palco dos acontecimentos”. (FUNARI e CARVALHO, 2005).

As obras de Pedro Paulo Funari são multifacetadas, reunindo a prática científica do historiador e do arqueólogo. Nunca é tarde lembrar sua valiosa contribuição no livro Liberdade por um fio, onde as descobertas de Funari confirmaram, através de pesquisas arqueológicas, a presença significativa de índios na confederação de Palmares. (REIS e GOMES, 1996). Para Funari e Carvalho, a arqueologia “permite-nos estudar as permanências, as séries, aquilo que se repete, como o uso das cerâmicas ou a localização dos assentamentos quilombolas”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 26).

Pedro Paulo Funari e Aline Vieira de Carvalho ressaltam que, passados quatro séculos, na região de Palmares, “as desigualdades sociais seculares não se atenuaram, as hierarquias não se enfraqueceram, as estruturas patriarcais e oligárquicas tampouco”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 9). Os autores partem do princípio de que a “história é uma construção, um discurso com autoria”. Dessa forma, pretendem mostrar “as muitas maneiras como se interpretou e

interpreta Palmares”, conduzindo o leitor a “elaborar suas próprias idéias a respeito”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 17).

Palmares ontem

Os autores abordam as análises sobre os quilombos das primeiras décadas do século XX. Nina Rodrigues concluiu que o quilombo “seria formado como uma resposta contra-aculturativa dos negros escravos”. Arthur Ramos, que “os escravos do Novo Mundo passaram por um processo de ‘aculturação negra’, formada pelos fenômenos de ‘adaptação’ e ‘reação cultural’”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 36).

Para os autores Funari e Carvalho, “esses conceitos referiam-se aos ‘casos em que as culturas negras reagiam mais ou menos violentamente à aceitação dos traços de outras culturas’, principalmente a cultura dos brancos”. Assim sendo, nesta luta entre “culturas ‘puras’, negras e brancas, Palmares torna-se um caso exemplar de preservação da cultura afro no Brasil”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 36).

Palmares hoje

A partir da instalação do regime ditatorial, em 1964, Palmares teria se tornado “um importante símbolo social do Brasil”. Tomados pelo sentimento de revolta, os autores da época analisaram-no “com particularidades próprias, discutiam o caráter violento da escravidão, a não-passividade do negro frente à autoridade do senhor de escravo e, principalmente, a rebeldia negra numa sociedade opressora como a existente no período colonial”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 40).

Discordamos em parte de Funari e Carvalho quanto à influência do regime ditatorial na opinião dos autores que escreveram sobre Palmares. Clóvis Moura ressaltara o caráter violento da escravidão em 1959. Da mesma forma, Benjamin Péret, anos antes deste último autor. Não foi necessária a instalação de um regime opressor para que a essência do sistema escravista fosse revelada. Provavelmente, uma maior receptividade dessas teses tenha sido motivada pelo acirramento da luta política e social. Efetivamente, um importante grupo armado brasileiro denominou-se de Vanguarda Armada Revolucionária Palmares – VAR Palmares –, precisamente para regatar aquela memória de luta.

Segundo Funari e Carvalho, Palmares foi o “local onde conviviam pessoas de diversas origens étnicas e culturais”. Para os autores, “seus moradores não viveriam apenas em confronto com o restante da colônia, mas necessariamente, em interação”, ou seja, somente o contexto local, “de uma sociedade colonial ibérica patriarcal e aristocrática, explicaria a atração do refúgio não apenas para escravos fugidos, como mouros, judeus, bruxas e outras pessoas que não coubessem no figurino colonial ou não aceitassem os seus ditames”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 48).

Em levantamento arqueológico anterior, Funari constatou sobre Palmares que a “diversidade de tipos cerâmicos atestaria tanto a originalidade da cultura material usada no quilombo como as suas múltiplas origens – africanas, indígenas, ibéricas e coloniais”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 49). Dessa forma, Funari mostra o quanto é importante o papel do arqueólogo no desenvolvimento da compreensão dos fenômenos históricos.

Os autores do livro destacaram, sem se posicionarem sobre as “novas teorias em que ‘o negro’ teria espaço para negociar e reivindicar melhores condições de vida”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 52).

Funari e Carvalho lamentam o relativo isolamento vivido pelas ciências, ou seja, “no Brasil a interação das diferentes disciplinas ainda engatinha”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 53). Lembramos que na década de 1930, Bloch e Fébvre sonhavam com a integração das ciências sociais. Mais tarde, Braudel efetivou a parceria entre a geografia e a história.

Funari e Carvalho entenderam que “as preocupações do presente retomam e reinterpretam Palmares à luz de suas próprias motivações”. Ou seja, “cada autor, inserido em um contexto histórico específico, representa o assentamento como uma resposta às indagações que são próprias do momento em que vive”. Dessa forma, “torna-se imprescindível, assim, um conhecimento sobre os autores e seus contextos para a compreensão de Palmares”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 55).

Concordamos em parte. Partilhamos do pressuposto de “que toda história parte do presente e que não se pode estudar um tema do passado sem a devida atenção à historiografia que se acumula, no decorrer do tempo, sobre a questão histórica em pauta”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 56). No entanto, torna-se perigoso rotular a produção de um autor pelo momento em que vivia, sem enfatizar sua relação no desvelamento de traços essenciais do fenômeno analisado.

Funari e Carvalho entendem que “as sociedades [...] não são homogêneas, mas sempre múltiplas e em constante conflito interno, em perene transformação”. Para os autores, “africanos, indígenas, mouros, judeus, bruxos, gays, e outros mais quantos possamos arrolar, podiam conviver, não sem conflitos, em luta contra um sistema opressor colonial que tampouco deixava de estar eivado de contradições, com pobres e humildes que muito mais podiam identificar-se com os quilombolas do que com a própria elite canavieira”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 57).

Os autores concluíram que a presença da cerâmica, “revela-nos uma vida diária que em tudo contradiz tanto sua barbárie como sua ‘pureza’ étnica”. Os sítios situados em lugares estratégicos, para não serem vistos pelos atacantes, “mostram-nos um planejamento do assentamento que também em tudo se opõe à noção de bárbara desorganização, ainda presente em discursos de historiadores insignes de nossa época”. (FUNARI e CARVALHO, 2005: p. 58).

por ADELMIR FIABANI

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FUNARI, P. P. 1996. A arqueologia de Palmares. In. REIS, J. J. & GOMES, F. S. [org]. Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, p. 26-51.

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