Resenha do livro \"Em busca das penas perdidas\", de Eugenio Raúl Zaffaroni.

July 25, 2017 | Autor: R. Ferreira Corrêa | Categoria: Sociology, Criminology, Direito
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Em busca das penas perdidas – Zaffaroni

Eugenio Raúl Zaffaroni, jurista argentino nascido em 7 de Janeiro de 1940, na cidade de Buenos Aires, é considerado atualmente uma das maiores autoridades mundiais em Direito Penal. Graduou-se na Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires em 1962, consagrado Doutor honoris causa por 31 universidades latinas e europeias (dentre as quais a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Universidade Católica de Brasília e a Universidade da Amazônia), sendo atualmente Ministro da Suprema Corte de Justiça da Argentina, cargo que ocupa desde 2003. Seu Curriculum Vitae no sítio da Suprema Corte possui mais de 200 páginas, com referências que vão desde títulos universitários, cursos, cargos e funções acadêmicas e cargos judiciais até cargos de eleição popular (dentre os quais se destaca o de terceiro vice-presidente da Assembleia Nacional Constituinte de Santa Fé e de Buenos Aires e o de Deputado Federal). É autor de 37 livros dentro os quais se destacam "Política Criminal Latinoamericana" (1982), "En busca de las penas perdidas" (1989) e "El enemigo en el Derecho Penal" (2006) e, em português, "Direito penal brasileiro" (co-autoria com Nilo Batista), "Manual de direito penal brasileiro" (em co-autoria com Pierangeli), "Em busca das penas perdidas", "O Poder Judiciário", "Da tentativa (em co-autoria com Pierangeli)" e "O Inimigo no Direito Penal".
Em 'Em busca das penas perdidas' (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. 5.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.) é tratado o tema da perda da legitimidade do sistema penal. No primeiro capítulo o autor trata da situação do penalismo latino-americano e as fontes teóricas da deslegitimação nos países do Primeiro Mundo; no segundo, as teorias e atitudes centrais e marginais como resposta à deslegitimação e à crise e a necessidade e possibilidade de uma resposta latino-americana à crise; no terceiro e último, aponta-se o direito penal humanitário como sendo um modelo construtivo para o discurso penal não legitimante.
Dentre outros autores que se vinculam à orientação teórica de Zaffaroni, que abrange desde o direito penal mínimo até mesmo o abolicionismo penal, cita-se o jurista e filósofo italiano Alessandro Baratta (1933-2002), defensor do minimalismo penal e autor de obras como "Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal" e "Principios del derecho penal mínimo (para una teoría de los derechos humanos como objetos y límite de la ley penal)"; o sociólogo norueguês e abolicionista Thomas Mathiesen (1933), autor das obras "The Politics of Abolition: Essays in Political Action Theory" (1974) e "Abolicionismo penal" (1989); o criminologista e abolicionista norueguês Nils Christie (1928), autor das obras "If School Did Not Exist" (1971), "Limits to pain" (1981), "Crime Control as Industry: Towards GULAGs, Western Style?" (2000) e "A Suitable Amount of Crime" (2004); e o criminólogo holandês e abolicionista Lodewijk Henri Christiaan Hulsman (1923-2009), autor de um livro chamado "Penas Perdidas" (1982). A vinculação entre os livros mencionados e a obra de Zaffaroni se dá em função do caráter crítico ao sistema penal adotado em comum pelos autores citados e da preocupação dos mesmos em formular um novo discurso alternativo àquele que atualmente vigora.
A obra de Zaffaroni é considerada um clássico jurídico. Segundo os critérios de Norberto Bobbio, define-se uma obra clássica como aquela que reúne uma interpretação autêntica e esclarecedora de uma época (no caso de Em busca das penas perdidas, há a retratação da realidade do sistema pena da latino-americana no século XX, e que talvez perdure até os momentos atuais), a uma exposição de ideias, conceitos e pistas que auxiliam o entendimento da realidade da época presente e também a um grande incentivo a releituras sobre sua obra. De forma que a proposta do livro é a de fornecer elementos de críticas e propostas de aprimoramento, superação e substituição do sistema penal, ramo do direito público de extrema relevância para quaisquer das sociedades ocidentais contemporâneas e civilizadas. Pela importância literária e por constituir um novo paradigma para uma construção jurídica da forma de se punir, pode-se seguramente enquadrar o livro de Zaffaroni dentre os chamados clássicos do campo jurídico.
A análise se inicia com a declaração da existência de uma situação crítica para a qual as respostas com as quais o sistema penal reagia há tempos passados sofreram perda de segurança, de modo que tal perda constitui um sintoma da situação crítica, e não a sua causa, como alguns defendem.
À medida que a situação vai se tornando insustentável, surgem mecanismos de negação com o fim de tentar restaurar a segurança da resposta penal, os quais deixam de lado problemas intrínsecos à situação através de um discurso evasivo em relação à crise do sistema. Tais mecanismos não ocultam a situação crítica, cuja manifestação ocorre via perda das penas, ou seja, na situação irracional de utilização das penas como forma de infringir dor sem sentido. O sistema penal em sua praxis semeia a dor e a morte e o discurso teórico penal limita-se a valer-se de descrições de operacionalidade que se desarmam quando da sua comparação com a realidade.
Mesmo para aquelas pessoas que possuem consciência da gravidade da situação acabam a ela dando legitimidade, eis que não propõe alternativa a ele. A seletividade, a reprodução da violência, a criação de condições para outras condutas ilícitas, a corrupção institucional, a concentração de poder são características estruturais, e não meramente conjunturais, de todos os sistemas penais, de forma que não se pode empregar a palavra crise para descrever o descompasso entre teoria penal e praxis. Crise, na obra, refere-se ao extremo desalinhamento entre os postulados do direito penal e a realidade, que se expressa de forma tão notável que faz com que desabe todo o modelo teórico.
Zaffaroni efetua uma descrição que, apesar de ter sido feita em 1989, ainda encontra eco no momento atual, inclusive no sistema penal brasileiro, onde quotidianamente se noticiam ocorrências de violência estatal, desproporcionalidade do exercício judicial e corrupção sistêmica, o que demonstra a atualidade da obra e a validade do raciocínio inicial desenvolvido pelo jurista argentino.
A segunda parte do capítulo um do livro se inicia com a teorização acerca da legitimidade do sistema penal, descrita como utópica pelo autor. Legitimidade é conceituada como um atributo derivado da racionalidade interna de um sistema, e a construção teórica do sistema penal seria legítima caso atuasse em conformidade com a experiência prática. Já a ideia de racionalidade advém da coerência interna do discurso aliada à sua não-contradição e a uma base antropológica, a qual permite estabelecer um nível mínimo de crítica. Não se pode instituir legitimidade através da legalidade, ou seja, apenas por se ter seguido um modelo de criação normativa previamente estabelecido, a observância formal a esse modelo não cria um ordenamento que seja legítimo.
A legalidade penal trabalha o direito penal na ótica da minimização, de forma que a coerção penal formal, revelada pelo processo, condenação e aplicação da pena, esconde um amplo e variado âmbito de controle social que não costuma ser visto como controle penal no sentido estrito, pela diferença legalista de classificação. Portanto, os controles exercidos sobre os indivíduos nas formas de manicômios, de tutela de menores e de assistencialismo sobre idosos ficam eliminadas do discurso formal jurídico-penal, bem como o poder de controle exercido sobre condutas públicas ou privadas realizado pela interiorização do discurso disciplinar pela população, que em tal caso exerce por si própria o controle das condutas sociais.
A legalidade penal não só distorce o âmbito de incidência da punição e do controle de condutas, deixando a campos externos ao ramo penal o grosso da coerção e do monitoramento social, mas também é desfigurada dentro do próprio campo penal, pois, pela quantidade e abrangência das tipificações, legisladas sem que exista aparato investigativo suficiente, promove a própria persecução penal uma especialização, onde apenas uma fração dos atos ilícitos serão formalmente punidos pelos mecanismos internos ao direito penal, sobrando várias ocorrências de ações formalmente puníveis mas que não serão submetidas ao âmbito do sistema de punição, que dessa forma poderá escolher arbitrariamente os casos que lhe convêm que sejam punidos.
Zaffaroni procede a uma análise teórica seguida de sua contestação com base prática e por fim de sua deslegitimação teórica e prática, demonstrando a falência intrínseca do discurso legitimante e a necessidade de sua substituição. Aponta o autor, ao longo do capítulo, dados alarmantemente altos sobre violência estatal e arbitrariedades que talvez estejam desatualizados e que possam ter regredidos, se considerado o contexto histórico do país do autor à época da elaboração da obra. Pois, em 1989, data de lançamento do livro, poucos anos haviam decorrido desde o fim do Processo de Reorganização Nacional da Argentina, ou regime militar argentino, que existiu entre 24 de março de 1976 e 10 de dezembro de 1983, e eventualmente, dadas as características de um regime autoritário, tendente a trabalhar com um modelo punitivo e repressivo fortes, o discurso oficial militar ainda pudesse não ter sido modificado à época em que foram coletados os dados que endossam a falta de legitimidade do sistema penal. Com o tempo, e com o nascimento de um regime democrático e constitucional, pode-se ter amainado a violência institucional vigente durante o regime de exceção. Apesar disso, a contestação te rica do autor permanece tendo razão em apontar falhas e distorções no discurso penal oficial, que podem vir a existir mesmo em modelos penais adotados por países de tradição democrática e que observem as garantias individuais e os direitos humanos.
Ao abordar as teorias críticas do direito estudadas na América Latina, para verificar sua aplicabilidade e compatibilidade com o direito penal, Zaffaroni menciona em primeiro lugar a crítica do direito elaborada por Novoa Monreal, que é trabalhada com base no direito privado, e se caracteriza por recusar que o juiz possua a função de tutelar o direito natural, o que seria função da política, sendo seu trabalho a atividade de interpretação, estando o legislador limitado pelos direitos humanos. O ponto central da teoria é a negação do direito como ideologia justificadora de um conceito quiritário de propriedade, retirando dele o caráter de ciência. Considera Zaffaroni que tal teoria não se aplica adequadamente ao direito penal, pois a função dada ao juiz por ela apenas fortaleceria o discurso oficial legitimante do direito penal. Em segundo lugar, menciona a preocupação da filosofia do direito latina com a questão da legitimidade do poder, a qual não advém meramente da legalidade, considerando-se que o exercício do poder não é um mero marco ético mas sim uma realidade moral. Após, cita a corrente jus-humanista preocupada com o sistema penal, cujos estudos endossam a existência do descompasso entre o discurso penal e a realidade. A corrente mais destacada pelo autor é a crítica criminológica e o seu poder de demonstrar a falsidade da teoria legitimante. A essa corrente, costuma-se desqualificá-la por ser baseada no marxismo, o que por si só já a invalidaria, mas tal argumento não anula os méritos da análise criminológica para Zaffaroni.
A listagem apontada por Zaffaroni não tem a pretensão de exaurir todas as leituras não legitimantes do sistema penal existentes. As correntes críticas ainda têm força e alimentam o interesse de estudantes e juristas adeptos de uma perspectiva não legitimante. Além das citadas pelo autor, tivemos ainda a ascensão das escolas do direito alternativo, do uso alternativo do direito e da critical legal studies movement, as quais nutriam do mesmo sentimento alternativo de análise e interpretação do discurso jurídico-formal e de sua fundamentação, embora nenhuma se limitasse a ter influência unicamente na esfera do direito penal. Todas elas tiveram um tempo de crescimento de importância seguido de declínio no âmbito acadêmico, dadas suas limitações e contradições. Com relação às correntes citadas por Zaffaroni, não se pode precisar hoje em dia qual o grau de relevância acadêmica de cada uma delas, mas é possível encontrar-se diversos acadêmicos adeptos da criminologia e alguns do direito alternativo nas principais universidades voltadas à conciliação de um ensino prático aliado ao fomento à pesquisa e à produção teórica.
Ao fim do capítulo um da obra, o autor elenca as causas fáticas de deslegitimação do discurso penal oficial, como o fato de haver altíssimo número de mortes cometidas sobre a tutela do próprio estado, como se este tivesse monopolizado a prática delitiva, além de possuir o monopólio da violência. Após se critica o caráter racista dos discursos oficiais, com citações a autores adeptos de teses que iam desde a defesa de que determinadas raças se encontram impossibilitadas de fugir da prática delitiva por causas de limitações evolutivas a elas intrínsecas, até autores que defendiam a necessidade de existir diferentes legislações penais para cada uma das raças humanas. Nesse último caso, menciona-se o autor brasileiro Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) como sendo o pioneiro da criminologista no país.
No capítulo segundo, expõe-se as fontes antropológicas dos modelos jurídicos elaborados nos países centrais, o primeiro mundo da época de elaboração do livro. Há quatro correntes antropológicas: a positivista de Cesare Lombroso, que possui discurso racista, defende ser o homem um ente determinado por forças externas à sua própria vontade e admite medidas neutralizantes para punir seus desvios delitivos; a kantiana, que considera o homem um ser livre que faz escolhas em conformidade com sua própria consciência, admite puni-lo com penas retributivas (aquelas que visam meramente a aplicação de um castigo ao violador do mandamento legal, sem que haja a preocupação se a pena trará algum benefício ao infrator ou à coletividade); a hegeliana, para qual o homem é livre a não ser que seja ele considerado um diferente, momento em que sua liberdade é meramente potencial, quando se pune, em um sistema vicariante, com medidas neutralizantes em vez de retributivas; e a corrente de Giovanni Gentile (ex ministro de Mussolini, filósofo do fascismo), que se vale da ideia de que o homem é parcialmente livre e parcialmente determinado, e admite a punição de seus delitos com a acumulação de penas retributivas e neutralizantes, no sistema de duplo binário.
Dos modelos antropológicos descritos por Zaffaroni, saliente-se que, no Brasil, vigorou a corrente de Giovanni Gentile à época do Código Penal de 1941, possivelmente pela presença de integrantes do governo de nítida filiação fascista, como Francisco Campos (o qual tivera ativa participação na elaboração dos códigos penal e de processo penal), sendo possível inclusive observar-se em outras leis brasileiras da época do governo de Getúlio Vargas um perfil legislativo simpatizante ao regime de Mussolini, como, por exemplo, na Consolidação das Leis Trabalhista (CLT). Pelo modelo de Gentile, o duplo binário, poderia ser cumulada a pena privativa de liberdade com a medida de segurança, a serem impostas ao semi-imputável. Na reforma da parte geral do Código Penal, efetuada pela Lei nº 7.209 de 11 de julho de 1984, passou o aparato punitivo brasileiro a adotar o sistema vicariante, onde a medida de segurança apenas pode ser aplicada em substituição à pena, mas não de forma cumulativa. Pode-se considerar que tal alteração de paradigma, embora não mude a essência do sistema penal, constitui uma evolução parcial dentro do sistema.
Além das fundamentações antropológicas, trata o autor dos paradigmas essenciais ao discurso penal oficial, que segundo ele, nunca se baseou em dados concretos da realidade, mas somente em ficções e metáforas. O paradigma de maior vigência temporal é o do organicismo, fundamentado na ideia de que a sociedade constitui um organismo (base das teses teocráticas, positivistas, do funcionalismo sistêmico e do Geist hegeliano, que entende a humanidade como organismo), e que padece do vício antidemocrático, eis que o organismo vale mais que as células, e o processo de decisão ficaria a cargo das células preparadas para decidir e não ao conjunto da sociedade.
Após, o paradigma contratualista, concebido, pelos próprios contratualistas, não como verdade histórica, mas como figura imaginária para explicar as relações sociais, do qual deriva a tese de que, sem o modelo penal vigente, voltaríamos ao estado de natureza no conceito Hobbesiano, relacionado a um estado de selvageria em que o homem passa a ser o lobo do próprio homem. O discurso legitimante que parte dessa tese ressalta que o status quo é menos pior que o estado de natureza, portanto, melhor é que o sistema penal formal permaneça subsistindo.
A exposição da deslegitimação do sistema penal de acordo com o marxismo inicia-se após a indicação dos paradigmas legitimantes. Expõem-se inicialmente as diversas perspectivas criadas em derivação ao pensamento de Marx, surgidas após a morte deles e ao seu pensamento vinculadas ou atribuídas. O autor Evgeni Bronislávovich Pachukanis (1891-1937) foi um jurista soviético e militante bolchevique, ainda hoje considerado um proeminente teórico marxista no campo do direito, que promoveu uma leitura deslegitimante de todo o sistema jurídico, até ser perseguido, preso e morto pelo stalinismo, tendo desaparecido pouco antes do início da segunda guerra mundial. Entendia o direito como mero produto da sociedade de mercado, gerado por relações de troca. Com o tempo e a superação do capitalismo, desapareceria a necessidade do direito (o pensamento de Quinney muito se assemelha a essa lógica), passando a tratar-se os delitos que ainda existissem, como homicídios, com medidas de caráter médico e pedagógicas, sem punição. A perseguição a Pachukanis derivou da necessidade que o estado soviético tinha de se valer dos meios coercitivos jurídicos para concentrar e manter seu poder, eliminando seus opositores e aqueles considerados inconvenientes pelo sistema comunista.
Após é analisada, e elogiada, a teoria deslegitimante derivada da escola de Frankfurt, embora se questione se há e em que grau há vinculação entre os estudos críticos de Frankfurt e o marxismo. Além do mérito pioneiro em analisar criticamente o sistema penal, alguns trabalhos de institutos ligados aos críticos de Frankfurt possuem o mérito de mostrar a falsidade da pretendida função da prisão e da pena. O minimalismo penal de Alessandro Baratta é explicado em seguida, com sua defesa da adoção de um ponto de vista vindo das classes subalternas para garantir um modelo alternativo.
Dentre as correntes apresentadas, a que o autor considera ser a mais importante é o interacionismo simbólico que afirma, de modo geral, que cada um de nós torna-se aquilo que os outros veem em nós, de forma que a pessoa estigmatizada como delinquente assuma tal papel e comporta-se de tal forma. Não constitui o interacionismo uma teoria macrossociológica, havendo que ser completada e ter a sua aplicação ampliada.
A desqualificação do discurso penal no trabalho de Michel Foucault presta-se a analisar a história das formas de se buscar, em processo penal, aquilo que passa a ser tido como a verdade processual, vinculada a um âmbito de relações de poder e de saber, a partir da qual se estabelece o conhecimento. A partir de determinado momento de mutação do estado, com tal aparato de poder-saber já estabelecido, criaram-se instituições de controle como prisões e manicômios a fim de condicionar e exercer controle sobre o indivíduo. Com essa vinculação entre saber e poder, as agências de condicionamento social, produtoras do saber, usam-no na forma de poder incidente sobre seus controlados, e, com o poder, surge o sujeito (a subjetividade cognoscível), e seu exercente pode legitimar a si mesmo e realimentar o sistema.
Ao fim da parte um da obra, o autor explica o paradigma de Herbert Spencer, a teoria do desenvolvimento, para o qual os países centrais espalhariam o progresso à periferia, e os problemas desta seriam semelhantes aos dos países centrais à época em que o modelo social destes ainda estava por desenvolver-se, ou seja, no ponto de subdesenvolvimento equivalente ao dos países periféricos ao momento em que tais problemas afloravam. Surgiu nos Estados Unidos uma corrente crítica à teoria do desenvolvimento, chamada teoria da dependência, para a qual os fenômenos da periferia não são análogos aos do centro, mas deles são derivados sem que se possa entendê-los a partir de uma categoria de pensamento criada no centro, pois esta não foi formulada em atenção às características específicas dos países marginais.
Ao fim da exposição sobre as teorias deslegitimantes do sistema penal, o autor efetua um balanço entre elas, a fim de especificar quais considera mais legítimas e aplicáveis, mencionando para tanto as correntes interacionistas, fenomenológicas, marxistas de autores que reconhecem a eficácia deslegitimante das teorias anteriores, as de Foucault e as da economia da dependência.
A parte um da obra cumpre a função de expor por qual razão Zaffaroni considera insustentável o modelo penal vigente nos países marginais, seja pelos seus postulados teóricos, seja pela operatividade quotidiana do sistema, dado o saldo de violência, morte e injustiça perpetrado pelo aparato de poder público. Salientem-se fatores muito presentes atualmente para endossar a visão do escritor, como por exemplo o elevado número de encarceramentos praticados no país (sem que haja vagas nos cárceres), dado que talvez, à época de escrita do livro, ao menos proporcionalmente, não fosse tão elevado. Como o próprio autor diz, a mera crítica coerente a um sistema, se desacompanhada por uma proposta de superação dele, acaba por servir de relegitimação ao discurso penal vigente, de modo que as propostas alternativas, expostas na parte dois, indicam se realmente existe viabilidade ou não em pensar-se em modelos diversos ao nosso.
Na parte dois do livro, diz-se quais foram as formas pelas quais os discursos legitimantes contestaram as críticas feitas ao modelo penal, com a observação de que elas podem vir em forma de teoria, funcionando como um tréplica, ou como uma atitude, portanto, de caráter prático. Na forma teórica pode haver o refúgio ao retributivismo, a fim de se relegitimar um sistema que almeja punir o infrator. Na forma prática, cita-se a ação julgadora do magistrado, que não se vê preocupada com discursos críticos ao sistema já legislativamente posto, e apenas se acha vinculado a cumprir sua função de órgão subsuntor.
O discurso relegitimante sistêmico transfere o foco do pensamento do indivíduo para o sistema e seu funcionamento. Tal raciocínio remonta ao trabalho de autores como Emile Durkheim, Talcott Parsons (principalmente), e Niklas Luhmann nos dias de hoje. Para Parsons o controle social é necessário apenas quando não tenha sido eficiente o processo de socialização do indivíduo, como se esta merecesse tratamento diferente por não ter se adequado aos padrões sociais de conduta. Seu pensamento vê o modelo punitivo como residual e entende o estado como um tutor do indivíduo em um modelo paternalista. Tais teses assemelham-se às do organicismo, não existindo distinção muito clara entre os dois raciocínios, e para elas a necessidade de um sistema penal justifica-se para que algum órgão seja responsável pelo exercício do controle e da punição aos desvios praticados pelos indivíduos. Para Luhmann, diferentemente, o sistema não é integrado às pessoas da sociedade, opondo-se sistema social a indivíduos, os quais são considerados subsistema. O sistema é equilibrado pela sua capacidade de normalização, controlando a pluralidade de expectativas e interesses dos subsistemas, ainda que para isso deva se valer da alienação e da apatia, meios que facilitam a normalização por evitar conflitos. Nesse ponto se vislumbra qual seria a função da pena e do sistema penal: o objetivo de garantir o consenso e contribuir para que o sistema social permaneça em equilíbrio. Ademais, sendo um homem um subsistema e tendo o discurso penal a função de manter o sistema, se poderiam abolir garantias liberais individuais ou outras que atuem como limitadoras do poder estatal e da arbitrariedade caso isso mantivesse em funcionamento o sistema. Tal teoria encontrou sustento em regimes dos países centrais com um complexo estabelecido de prestação de serviço segundo o modelo do bem estar social (que tem semelhanças com a tutela dos indivíduos), de forma que se legitimava a punição a agentes de fora do sistema (como imigrantes e minorias nacionais) para não prejudicar a operatividade deste.
Ademais, há também propostas que sustentam a deslegitimação do sistema penal acompanhadas do oferecimento de um modelo substituto ao atual discurso vigente ou mesmo a qualquer teoria penal já elaborada. Tais propostas são o abolicionismo penal e o reducionismo penal. O abolicionismo atua na realidade social contemporânea e deslegitima o sistema vigente ou qualquer outro regime de aplicação penal, postulando a abolição dos sistemas penais e a resolução das lides via mecanismos informais. O direito penal mínimo deslegitima o modelo vigente mas propõe outro que reduza profundamente o âmbito de incidência da matéria penal. A crítica do autor a ambos os modelos consiste na falta de indicação de um mecanismo de resposta racional que substitua o discurso atual. E a própria impossibilidade se estende na inviabilidade de se preencher a distância atualmente existente entre ciência social e discurso jurídico.
O programa de intervenção penal sob a justificativa minimalista propõe uma considerável descriminalização de condutas, com redução do número de ações tipificadas e de aplicação de penas de prisão. O fundamento que legitimaria tal sistema, para Luigi Ferrajoli (Florença, agosto de 1940), seria o utilitarismo, a fim de prevenir a reação violenta de alguém que, tendo tido algum bem jurídico de sua posse ofendido, não pudesse se valer de um regime penal para tutelar seu prejuízo, e se voltaria contra o ofensor praticando uma lesão de maior gravidade para sanar seu desfalque. Devido a isso, o direito penal mínimo teria uma função de substituição da vontade do ofendido, que se tornaria um potencial ofensor, pela aplicação de uma pena ao ofensor, potencial ofendido em uma segunda relação em que este acabaria por se tornar a parte mais fraca, ou seja, o direito penal mínimo seria uma forma de tutela dos interesses dos mais fracos, potenciais vítimas de uma vingança desproporcional do ofensor (que assim se tornara após ser ofendido em um primeiro momento). A função da pena em tal modelo seria a de constituir um mal menor contra o custo de um modelo anárquico de punições privadas, vingativas e desproporcionais.
Com relação à teoria do abolicionismo, pode ela se desmembrar e estabelecer-se em diversas tendências possíveis. O autor cita a tendência estrutural historicista de Michel Foucault, a variante Marxista de Thomas Mathiesen, a concepção Fenomenológico-historicista de Nils Christie e a perspectiva Fenomenológica de Louk Hulsman. Hulsman conclui pela inutilidade do sistema penal como um todo e pugna por sua total abolição, principalmente pelo sofrimento causado por ele aqueles lhe submetidos, pela dificuldade de o controlar e pelos efeitos negativos produzidos sobre as pessoas expostas a seus métodos, devendo todo o sistema ser substituído por outro que atenda às necessidades reais das pessoas envolvidas, como a compensação, a educação ou a assistência. Mathiesen vincula a existência do sistema penal às relações de produção econômicas, e seu abolicionismo defende uma permanente relação de oposição e de competição dos excluídos do sistema para com ele. Nils Christie nega que a modernização faça a sociedade progredir e destaca que o sistema penal destrói as relações de comunitárias de simpatia existentes na sociedade, sendo que sua abolição as poderia manter e fomentar. Em Foucault, embora não haja considerações táticas para o abolicionismo, existe a referência à técnica do judoca, relativa ao processo de debilidade sofrido pelo agente de poder que, com violência, ataca seu alvo ficando apoiado em um só pé.
Analisando os contrastes das teorias do abolicionismo e do minimalismo penal, parece mais razoável a adoção, parcial, do raciocínio minimalista na ótica de
Luigi Ferrajoli, pois este previu a hipótese de que a retirada da possibilidade de um indivíduo lesado recorrer ao sistema penal para buscar a punição ao ofensor poderia potencialmente o motivar a fazer por si mesmo justiça com as próprias mãos, o que se sucederia de forma desproporcional, pois o campo emocional do indivíduo lesado não estaria, em decorrência da raiva do desfalque sofrido, equilibrado o suficiente para dar a ele a noção de proporcionalidade que deveria guiar sua ação contra o ofensor, portanto o justiçamento promovido por ele poderia ser pior do que a resposta penal proveniente do estado. O minimalismo, todavia, deveria ser limitado a retirar do ordenamento delitos específicos, como aqueles de rara ocorrência, os que geram lesão de baixa repercussão patrimonial e os contravencionais. A abolitio criminis seria a exceção, a não a regra.
Quanto a palavra abolicionismo penal, Zaffaroni diz que essa pode ser utilizada para designar muitas coisas. Parece que a eventual aplicabilidade desse termo caberia apenas para retirar do sistema penal alguns de seus dogmas, por exemplo, poderia ser abolido o princípio da indisponibilidade da ação penal para dar às partes, em delitos que não envolvam a ofensa a direitos indisponíveis, a opção de transacionarem entre si as formas de restauração do status quo prévio à lesão, ou seja, tal abolição permitiria no país a adoção de preceitos de justiça restaurativa. Não soa razoável abolir todo o sistema penal. Os proponentes de tal medida, ainda que providos de farta argumentação deslegitimadora do sistema vigente, não podem ter, como nenhum ser humano tem, capacidade de prever como a sociedade reagiria a tal medida, e quais as consequências negativas da abolição, de forma que se parece mais razoável e prudente efetuar intervenções no modelo vigente, a fim de adequá-lo à realidade, do que proceder a revoluções jurídicas de consequência imprevisíveis.
Na conclusão do autor, declara ele considerar a viabilidade instrumental do minimalismo penal, ou seja, seria este necessário e aplicável, a curto prazo, mas não seria um fim em si mesmo, constituindo um meio para o alcance programático do abolicionismo penal em nossos sistemas marginais.
No capítulo quarto se declara que os países marginais possuem a necessidade de dar uma resposta à crise de legitimidade do sistema penal. O autor demonstra novamente o descompasso entre a realidade e o discurso penal, dessa vez com foco no caráter essencialmente corrupto e genocida das agências executivas (entendidas como os segmentos institucionais não judiciais que fazem parte do Estado, como a polícia e o aparato carcerário), mencionando que a violência policial recai sobre setores mais vulneráveis da população e que o sistema penal contribui para o genocídio étnico de índios e de negros, pois são estes quem predominantemente são presos e submetidos à morte por grupos policiais, torturas, motins carcerários, doenças prisionais e suicídios.
Em seguida, expõe as bases que sustentam o sistema penal, como os meios de comunicação. A função destes é criar ilusões legitimantes do discurso penal, introjetando no telespectador a ideia de que constitui este um eficiente modelo de solução de conflitos. Os seriados televisivos glorificam o violento e aquele que aniquila o mau, ficando o conflito resolvido quando se lhe extirpa. A mídia ademais induz campanhas de lei e ordem a fim de que se acredite ser necessário o arcabouço punitivo penal e que o sistema deve tornar-se mais forte e implacável contra "a impunidade absoluta" e "os menores que podem fazer o que quiserem". Da mesma forma são massificados e sensacionalizados os casos de delitos violentos, para que o senso comum aceite com maior facilidade que as agências devam concentrar mais poder e que o sistema penal deva aproximar-se de um modelo total. Outra função dos meios de comunicação é a de fabricar estereótipo de criminosos típicos, criando um papel a ser exercido por aqueles que se enquadrem no padrão fabricado, os quais, pela teoria do interacionismo, acabam exercendo aqueles papeis e comportando-se conforme o padrão incutido pela mídia nos telespectadores.
A criação de padrões pelos meios de comunicação também é operada sobre policiais, que devem ser intrépidos, implacáveis, frios e com a função de extinguir o mau custe o que custar, e sobre os juízes, que devem se abster de adotar uma postura crítica em relação às agências e ao restante do sistema penal para que isso não retire a aceitabilidade que tal estrutura precisa para se manter.
Quando o sistema divide a sociedade entre bons e maus, justos e injustos, delinquentes e corretos, força-se a destruição de vínculos sociais e comunitários de aproximação entre indivíduos, ficando a sociedade mais frágil e dilapidando-se a coesão social, o que gera uma base conflituosa propícia ao fortalecimento do sistema e à consequente retroalimentação de todo o processo totalizante de concentração de poder punitivo. Conclui o autor pela ideia de que o sistema é o maior obstáculo à paz social e à formação de coalizão civil para combater o uso arbitrário do poder.
A necessidade de uma resposta marginal não decorre apenas da prática genocida das agências, mas também porque as características estruturais do sistema penal são incompatíveis com a defesa dos direitos humanos. A dificuldade inicial dessa resposta decorre da ausência de elites de pensamento na região, as quais em outro local, o centro, seriam responsáveis para formular respostas e propostas teóricas aplicáveis à realidade para resolução de problemas sociais. Essa dependência condiciona os países marginais a propor uma resolução à deslegitimação do discurso penal que leve em conta elementos oriundos das referências teóricas do centro, o que o autor define por realismo marginal.
A definição de realismo é eclética, aceitando em primeiro lugar a ideia de que o mundo material existe independente e externamente em relação a nós, de forma que para seu conhecimento não há nenhuma função de criação, mas somente de dação de sentido; em segundo lugar, entende-se o mal como uma realidade e não uma simples falta do bem ou imperfeição, no que seria um modelo ideal absoluto; em terceiro lugar, realismo pode ser utilizado para a aproximação dos fenômenos do sistema penal, evitando categorias generalizantes que criam obstáculos à realidade, bem como metáforas e ficções como o contratualismo e o organicismo, pois, se o discurso apresenta lacunas, provavelmente não se adapta à realidade e, portanto, deva ser descartado; em quarto lugar, decide-se renunciar a qualquer modelo ideal prévio devido à urgência de se criar uma praxis redutora da violência. O método sincrético proposto pelo autor também admite a perspectiva holística, não em suas versões que se aproximam do organicismo, mas apenas no ponto em que esta impõe uma dose de modéstia ao saber humano. Ademais, pelo caráter de contradição da realidade, deve-se admitir que tal contradição relativiza a percepção do real, que passa por mudanças constantes, e que portanto relativiza a verdade que se extrai do objeto cognoscido.
A resposta proposta pelo autor, denominada realismo marginal, abrange tanto a dimensão criminológica (diminuindo a violência do sistema, imediatamente, e suprimindo o próprio sistema, mediatamente), quando a dimensão jurídico-penal (que visa a pautar as decisões das agências executivas por princípios redutores de violência, levando-se em conta a informação criminológica sobre a operacionalidade real do sistema penal), e, embora elaborada com foco na realidade dos países marginais, considera-se que ela também possa ser aplicável aos países centrais, pois o sistema penal tem características que lhe são intrínsecas independentemente do país onde ele é adotado (a exemplo da seletividade, da compartimentalização das agências e dos estereótipos de criminosos). A tática para a aplicação prática da resposta à deslegitimação dentro da dimensão criminológica envolve a introdução de um discurso diferente e não violento nas universidades e centros de terceiro grau, bem como com a neutralização das propagandas pró-sistema existentes nos meios de comunicação (o que poderia ser feito com o fomento à produção local de conteúdo midiático que não crie papéis estigmatizados para os diversos atores do sistema penal e para a classe desfavorecida da população).
Interessante observar que o quadro exposto pelo autor à época em que o livro fora escrito já passou por determinadas alterações nos dias de hoje. Por exemplo, nas faculdades e universidades voltadas à pesquisa, e não meramente direcionadas à formação de técnicos e juristas subsuntores, são criadas correntes de estudos e grupos de pesquisas destinados a propor formas de redução da violência atinente às agências executivas – como é o caso da proposta de retirada de balas de borracha do arsenal disponibilizado à polícia militar dos estados, bem como às diversas propostas de desmilitarização da PM ou até mesmo de extinção dessa com a fusão de seu quadro funcional à base da polícia civil. Quanto à proposta de intervenção no conteúdo veiculado pela mídia, embora programas de produção nacional já estejam mais presentes na programação dos canais abertos nos dias de hoje, a polêmica das propostas de regulação – que para o autor passam por controle técnico que evite a difusão de conteúdos que estimulem a reprodução pública de cenas de violência, de delito, de uso de armas, de suicídios ou de consumo de drogas – há sempre o risco de infração à liberdade de imprensa (o que o próprio Zaffaroni admite, embora considere legítimo a regulação para evitar a propagação de mensagens irresponsáveis como a exposição de cadáveres decapitados, a violação da intimidade das vítimas e a incitação de brigas de vizinhos). A maior razoabilidade estaria, quanto a esse assunto, na liberdade midiática para se autorregular, sem que se proceda a intervenções estatais que objetivem dizer quais padrões de produção de conteúdo devam ser observados pelos setores de entretenimento (que normalmente detêm a maior fatia dos orçamentos das empresas de telecomunicações) e pelos noticiários das emissoras (foco constante de polêmica, dada a oposição geral de vários catedráticos e pensadores das correntes alternativas ao sistema penal oficial, dada à existência de programas sensacionalistas e apologéticos à violência e à brutalidade policial), pois, se caso algumas delas expusessem sistematicamente pelíticas cujo grau de violência afrontasse à moral da coletividade ou à do telespectador ou o insuflasse à agressividade contra os infratores da lei penal, melhor é que tais pessoas pudessem ter a liberdade de deixar de assistir a tal emissora (com as consequentes quedas de audiência e de patrocínios que se seguiriam à exploração inconsequente de violência gratuita), em vez de intervir um novo órgão da burocracia estatal, com os sempre presentes funcionários autodenominados técnicos especialistas e com os fiscais mal-intencionados (os quais, sabendo-se detentores de poder o suficiente para regular a emissão de notícias, pouco ou nada se controlariam para valerem-se de tais prerrogativas em distorção à finalidade para a qual foram contratados), para influir na liberdade econômica do veículo transmissor e no direito de escolha do espectador.
O autor não aceita o argumento de que deva prevalecer a liberdade de expressão pois, segundo ele, não é possível tolerar o televisionamento de todas as matérias que aumentem a audiência (como por exemplo a noite de núpcias de uma personalidade famosa, que faria a audiência bater recordes e impulsionaria às redes concorrentes a valerem-se dos mesmos expedientes para poderem competir), de forma que, enquanto não se elabore uma política para o aparelho de propaganda do sistema penal, não haverá maneira de se diminuir a violência e de se economizar vidas humanas.
Entretanto, a questão da relevância da livre circulação de informações não deve ser subestimada. Caso houvesse a ocorrência de adoção, por parte das outras emissoras, de programas apologéticos à violência em razão da utilização bem-sucedida desses por um desses meios de comunicação (o maior deles, provavelmente), a elevação da audiência decorrente do novo programa sensacionalista não seria ampla a ponto de tornar toda a opinião pública dele entusiasta, ainda mais em regimes democráticos, onde é virtualmente impossível conseguir a unanimidade e a convergência de opiniões em um mesmo assunto, seja ele qual for. De forma que, àqueles que se sentissem incomodados com a prejudicialidade do conteúdo veiculado (a exemplo de cadáveres expostos ou cenas de justiçamento integralmente transmitidas a cidadãos que viessem a se ofender, como pais ou tutores de menores, religiosos, moralistas e mesmo catedráticos ou militantes de direitos humanos), caberia a ação conjunta de crítica e pressão privada à companhia veiculadora, com a formação de grupos sociais de reclamação e pressão, tanto contra as emissoras como contra os patrocinadores, com o fito de retirar o conteúdo do ar ou alterar o padrão de elaboração da matéria veiculada. A outra medida cabível, caso o descontentamento fosse elevado a ponto de causar danos morais ao indivíduo submetido à violência explícita, seria o ingresso de ação judicial reparatória de danos comprovados em juízo. O modelo privado de pressão pública e de regulação da difusão de informações é, portanto, muito mais legítimo e defensável do ponto de vista de uma sociedade que almeje resolver os seus problemas valendo-se de meios democráticos e participativos do que a forma pública, estatal e impositiva de censura prévia efetuada por burocratas a partir de seus preconceitos pessoais. Do contrário, em vez da censura prévia com justificativas humanistas e com intenção de deslegitimar o sistema penal em sua operatividade, passaria a existir uma igualmente ilegítima intervenção do estado no mercado de transmissão de imagens, na liberdade do indivíduo de escolher o que quer assistir e no interesse do transmissor de decidir por qual forma de expressão pretende chegar ao telespectador que a ele escolher voluntariamente.
Ao fim da parte dois do livro, são apontados caminhos para a diminuição da intervenção penal, como a descriminalização e o princípio da oportunidade da ação penal. Mas o autor se preocupa que tais medidas não venham acompanhadas de outras que criem outro recurso formal para transferir poder das agências judiciais para as demais agências executivas do estado. O que deveria haver seria a real renúncia ao modelo punitivo e a transferência da resolução do conflito para outras instâncias, como por exemplo, a reparação, a conciliação ou mesmo a transferência da matéria para meios informais de resolução. Esses caminhos não são admissíveis caso meramente se suprima do sistema penal as garantias penais e se continue a aplicação da punição por via de outro procedimento, como acontece com as contravenções, os delitos de menores e a curatela estatal de doentes mentais, o que não constitui intervenção mínima, mas um recurso para alterar a fonte e a forma de exercício do poder penal. Nos últimos parágrafos, o autor conceitua a si mesmo como um radical, ou seja, aquele que propõe a transformação total da sociedade com base em modelos diferentes de resolução de conflitos, admitindo a deslegitimação do exercício de poder penal, a incompatibilidade do discurso oficial com os direitos humanos e a caracterização do modelo penal como instrumento de dissolução dos vínculos comunitários. Tal caráter de radical, portanto, serve para afastar o autor da impotência crítica daqueles que são chamados de moderados (que propõem meras intervenções pontuais e que são chamados pelo autor de autores de propostas para mudar tudo para que não mude nada).
Não é prudente considerar ser a mudança radical da sociedade uma forma viável de resolver problemas estruturais dos países marginais. Onde quer que houve uma revolução nesses termos, ou seja, com propostas de mudanças profundas das bases sociais, tal impulso extremista resultou meramente em um saldo maior de injustiça, violência e violação de direitos humanos do que na situação anterior ao início do processo revolucionário. Exemplos históricos de tal fato podem ser encontrados na Revolução Francesa que, em sua fase do terror, cerca de 17.000 pessoas foram guilhotinadas em meio a um ambiente político em que as garantias individuais foras suspensas e o poder fora concentrado em mãos estatais; isso sem contar as experiências revolucionárias do século XX, e seu saldo de mortes, miséria, destruição e instituição de estados totalitários na Ásia, África, oeste europeu e América Central. O maior problema inerente às ideias de revolução talvez seja a imprevisibilidade das propostas de mudanças profundas no corpo social, e seu reflexo na forma de regulação moral e nos limites ao exercício do poder. Nos dias de hoje, ainda mais quando se observa o resultado dos países que se aventuraram em medidas radicais de alteração em estruturas já assentadas, maior possibilidade de êxito na resolução de problemas complexos é a intervenção parcial na realidade, seguida, após um período de assimilação e colheita de resultados, por outra intervenção igualmente parcial, até que, gradualmente, se possa empreender alterações mais profundas, desde que tenha transcorrido uma considerável quantidade de tempo para que haja a assimilação social das intervenções e o levantamento empírico amplo de suas consequências. Portanto, no ramo penal, a melhor das propostas é a flexibilização das leis penais, com medidas que aumentem o poder das partes contratarem por si mesmas a restauração dos danos causados pelo delito, a descriminalização de algumas condutas de pouca necessidade de penalização e a despenalização de condutas de pouca ofensividade, e os limites de tais propostas seria a descriminalização parcialmente operadas de condutas até que se chegue ao ponto final admissível pela prudência: o minimalismo penal. Ademais, pela inexistência de sociedades que tenham procedido a medidas radicais na esfera penal, como o abolicionismo, não se pode fazer uma leitura da aplicabilidade e dos efeitos de uma política de tal tipo, o que reforça o caráter de imprevisibilidade das consequências de tais intervenções e o potencial de injustiçamento que podem advir de radicalismos e experimentações sociais pioneiras desprovidas de formas de previsão a priori e de controle a posteriori.
Na parte três é discutida a construção de um novo discurso penal a partir da proposta do realismo marginal. As bases para estruturação de um novo discurso legitimante devem começar por atribuir uma função racional e legal à pena, de forma que cada teoria da pena constituiria uma teoria do direito penal para submeter a totalidade do sistema penal dela derivado. Deve ser juntado à tal teoria da pena um limitador ao âmbito penal, ou um horizonte de projeção, já que todo saber se expressa de acordo com um discurso que defina seus limites de compreensão, para que haja contenção de eventuais abusos de poder pela miscelânea de atribuições entre as agências penais e as demais agências executivas. Esses elementos limitadores, ou elementos negativos, têm por função legitimar o sistema penal reduzindo o exercício de poder das agências judiciais e legitimar o das demais agências mantendo estagnado o saber penal. O âmbito do saber penal deve-se basear em dados não limitados ao exercício de poder das agências legislativas, sustentando-se sobre a realidade e observando a constituição, os tratados internacionais e a lei.
O diferencial entre lei penal e outra lei do ordenamento é o caráter punitivo daquela e a previsão de uma pena. Atualmente retira-se das teorias legitimantes fragmentos de conceito de pena para utilizá-la em forma de amálgama no sistema penal. Um novo discurso penal precisa reconstruir a teoria da pena, não a deixando para ser elaborada por uma teoria legitimante ou pelo legislador (para este caberia meramente estabelecer quais fatos devam ser apenados e trazidos à esfera penal, sem fixação em abstrato de alguma pena ou forma de punição). A pena não pode ser explicada a partir de alguma construção racional (para Tobias Barreto, a pena é uma construção política e não jurídica), pois o sistema penal é um mero fato de poder, e sua falta de racionalidade decorre de ela não ser meio idôneo para a resolução de conflitos, pois, no modelo de resolução advindo da modernidade, uma das partes originais (a vítima) é substituída na relação jurídica pelo estado. O conceito de pena adotado corresponde a uma consequência jurídica que implique privação de direitos ou sofrimento e que não pertença, enquanto modelo de solução, a outros ramos jurídicos. Já o conceito de direito penal refere-se a uma reconstrução discursiva que interpreta leis punitivas para dotar a jurisdição dos limites para o exercício de seu poder decisório, envolvendo a decisão de conflitos a partir da forma socialmente menos violenta.
O autor traça a elaboração de um novo discurso penal que observe preceitos de ordem ética e após efetua comparação entre o discurso oficial e o estado de guerra, como se o inimigo externo, nos conflitos bélicos declarados, fossem equiparados aos infratores e aos estigmatizados pelo sistema penal, sendo estes transformados em inimigos internos que devessem que ser combatidos de forma semelhante. Ao fim do capítulo quinto, enumera uma série de princípios para a limitação da violência atualmente existente. Os primeiros deles referem-se à carência de elementos fundamentais, ou seja, no sistema proposto a ausência de tais princípios exclui a incidência de qualquer penalização, sendo citados: a reserva legal, para exigir a obediência à legalidade para a fixação da pena e de seus pressupostos, tomando a pena como um conceito obtido a partir de dados ônticos, abrangendo cominações penais em sentido amplo, as quais igualmente devem obedecer aos ditames da legalidade; a taxatividade, que exclui tipificações sem limite certo e aquelas entregues à construção judicial, e principalmente proíbe integrações analógicas de leis penais; a irretroatividade, para que se abra a possibilidade abstrata de conhecimento prévio da conduta proibida; a máxima subordinação à lei substantiva, que implica a não aplicação de disposições de legislações infralegais (regulamentos, decretos, jurisprudência) que cerceiem direitos e que não sejam consequência necessária da efetivação do que dispõe a lei penal; a representação popular, que implica a impossibilidade de inovação em sede penal efetuada por agência estatal não constituída por representação popular.
Os princípios enumerados por Zaffaroni hoje em dia já são mais exigidos em sede de processo penal, podendo-se falar em nulidades por inobservância da irretroatividade (art. 5º, XXXIX da Constituição: não há crime sem lei anterior que o defina), de taxatividade ou da reserva legal (art. 5º, XXXIX da Constituição: não há pena sem prévia cominação legal), princípios estes, já consagrados no texto do Código Penal e no da Constituição, que constituem uma garantia liberal de limitação do poder estatal contra direitos individuais. Quanto ao princípio da representação popular, não costuma ser este suscitado pela doutrina pátria, arguindo-se se for o caso, em um caso concreto, a inconstitucionalidade incidental do dispositivo. Talvez tenha o autor sentido a necessidade de elencá-lo em decorrência do contexto em que o livro fora escrito, pois, em 1989, pouco tempo havia transcorrido desde o fim do Processo de Reorganização Nacional da Argentina (também chamado de regime militar, o qual terminou em dezembro de 1983) e talvez as instituições democráticas do país não estivessem sólidas o suficiente para que no próprio processo penal fosse afastada, seja por petição das partes ou de ofício, a incidência de legislação promulgada sem observância às formas legais e à legitimidade democrática. O que pode ser potencialmente problemático com a aplicação concreta do referido princípio são os casos em que a lei penal delega a resolução ou ato normativo infralegal a regulamentação de um dispositivo de uma lei penal, quando a agência editora do ato não tenha sido formada segundo critérios democráticos de voto popular direto, mas meramente técnicos ou políticos. Por exemplo, no Brasil, o órgão responsável pela indicação das substâncias consideradas tóxicas para fins de aplicação da lei de drogas é uma mera agência reguladora, cuja diretoria usualmente é composta seguindo-se parâmetros políticos, ou eventualmente técnicos, de forma que tal princípio poderia suscitar dúvidas em um caso concreto, já que seria levantada a discussão se a nomeação do diretor da agência pelo Presidente da República, após a aprovação, por parte do Senado Federal, do nome escolhido para o órgão, confere legitimidade democrática o suficiente (o que parece razoável) ou se a interpretação do princípio seria dogmática a ponto de se exigir do Congresso a edição de nova lei penal sempre que novas substâncias entorpecentes passem a ser consumidas e comercializadas no país (o que ocorre diariamente) para que se possa instaurar processo criminal com base no tóxico apreendido.
Após, citam-se os princípios para a limitação da violência por exclusão de pressupostos de disfuncionalidade grosseira para os direitos humanos: a limitação máxima da resposta contingente, pugna que sempre que nova lei penal for elaborada e promulgada sem suficiente debate público e participativo, apenas para satisfazer a grupos de interesse, cabe aos órgãos judiciais a análise crítica do texto e a declaração de inconstitucionalidade do mesmo, pois o órgão judicial deve velar pela supremacia da constituição; a lesividade, que propõe a não penalização de condutas que não lesem bens jurídicos de alguma das partes em um conflito; a mínima proporcionalidade, para que haja penalização apenas de lesões minimamente consideráveis, havendo também grau de razoabilidade entre a pena aplicada e a lesão praticada; o respeito mínimo à humanidade, para se afastar a penalização ou aplicá-la no grau mínimo ao agente que venha a sofrer através dela grave lesão, em vista de sua circunstância particular, ou lhe incorpore um sofrimento que o sujeito já sentiu em razão do fato; a idoneidade relativa, para impedir a participação da agência judicial na busca de uma punição abstrata à conduta tipificada; a limitação da lesividade à vítima, para impedir que a agência judicial imponha a vítima maior grau de sofrimento além daquele pelo qual ela já passou pelo mero fato de ter sido alvo do delito (por exemplo, em audiências em crimes de estupro, onde perguntas grosseiras podem causar abalo psicológico e degradação à vítima da conduta lesiva); a transcendência mínima da intervenção punitiva, busca evitar que os efeitos da criminalização ultrapassem àquele que fora agente da conduta tipificada.
Por último, vêm os princípios para a limitação da violência por exclusão de qualquer pretensão de imputação pessoal, os quais se vinculam à ideia de que a agência judicial deve comprovar a não violação de um conjunto de limites principiológicos para que possa interromper o exercício de poder dos demais órgãos do sistema penal no caso concreto, o que constitui um arcabouço para a elaboração de uma pauta decisória não legitimante. Tal pauta limita a irracionalidade da violência penal, e deve se basear em requisitos objetivos selecionados em conformidade com alguma característica antropológica, ou no mínimo sem que negue fundamentação antropológica. Quanto à pessoa selecionada, deve ter ela iniciado uma ação conflituosa por sua lesividade real ou potencial, não se podendo criminalizar com base na capacidade de realização.
A culpabilidade recebe tratamento analítico pelo autor no capítulo sexto, dentro da elaboração da denominada teoria do delito, que corresponde a um esboço teórico para um novo discurso penal baseado em aspectos de eticidade da atividade judicial, observância de preceitos antropológicos na criação legislativa e na aplicação de penalidades. O conceito de culpabilidade normativa, que supunha vinculação entre reprovação da conduta e culpabilidade, perdeu legitimidade a partir da operatividade real do sistema penal, já que a seletividade e a estigmatização do modelo relativiza o caráter reprovável das condutas que não são abarcadas pelo aparato judicial. Devido às contradições que o conceito gerava, foi ele substituído pela ideia de culpabilidade funcional (que reduz o homem a um simples meio a serviço do sistema), que também padecia dos mesmos vícios causados pela seletividade penal. A expressão culpa tem o sentido de dívida (schuld em alemão), de forma que o termo culpabilidade carrega o sentido de que alguém deve algo a alguém, embora, no sistema penal, por haver a exclusão da relação jurídica processual daquele que seria o credor da coisa (titular do bem jurídico afetado pela ação tipificada), tem-se ilegítimo o sistema penal como meio eficaz de resolução de conflitos. Por consequência, não pode a agência judicial apurar a culpabilidade pelo injusto, devendo esta encontrar um critério racional de orientação das suas decisões.
O critério proposto pelo autor, denominado culpabilidade por vulnerabilidade, corresponde à proporção de risco de seleção a que o agente se submeteu. A vulnerabilidade é dividida em graus, correspondentes à possibilidade de seleção (risco que a pessoa corre de ser selecionado pelo sistema), conforme a situação em que se tenha colocado o agente (a classe a que ele pertença, estrato social, grupo minoritário ou estereótipo), aliado ao esforço para a vulnerabilidade – pessoal, autônomo e voluntário – à qual o agente se colocou em decorrência de uma conduta particular (previamente tipificada). Havendo a necessidade de uma agência judicial responder a uma conduta, o limite de violência a que ela poderá valer-se estará determinado pelo grau de vulnerabilidade do agente. Dessa maneira, quanto mais limitada estiver a pessoa por sua posição de vulnerabilidade, e principalmente pela sua condição de selecionável, menor será sua autonomia para praticar o injusto, de forma que o estado de maior vulnerabilidade dará origem a uma baixa culpabilidade, pois o esforço pessoal de tal pessoa para a vulnerabilidade não é muito elevado. Da mesma forma, quanto maior for a culpabilidade pela vulnerabilidade, menor será o espaço decisório da agência judicial, pois as demais agências (valendo-se da estigmatização que elas mesmos produzem) e o aparato de propagando do sistema (com as publicações sensacionalistas e revanchistas) se ocupariam de punir o agente, o que limita a razoabilidade de uma punição gravosa por parte da agência judicial, o que confere eticidade e proporcionalidade ao grau de violência com que se responderia ao ilícito praticado.
A culpabilidade para a vulnerabilidade teria a sua aplicação limitada pela quantidade de pena aplicável segundo a culpabilidade pelo injusto, a qual se relaciona à culpabilidade de ato (contraposta culpabilidade de autor) e ao direito penal do fato (contraposto ao direito penal do autor). Há sistemas penais que punem o delito praticado pelo agente, independentemente do histórico de delitos que tal agente tenha praticado (tal modelo, mais humanitário, chama-se direito penal do fato), enquanto outros modelos penais punem o agente pelo que ele é (direito penal do autor) e não pelo que ele fez. Como consequência do modelo adotado, por exemplo, se pode punir ou não o chamado crime impossível, ou seja, se uma agente toma substância médica inofensiva pensando tratar-se de uma pílula abortiva do feto que ela está esperando, no direito penal do fato, tal exemplo constitui crime impossível por ineficácia absoluta do meio, porém, se tal agente, em um modelo de direito penal do autor, possui um histórico criminal repleto de condenações por aborto, mesmo ela não tendo consumado o delito nesse caso, poderia vir a ser punida, pois nesse modelo a punição incide sobre o agente pelo que ele é, e não pelo que ele fez. No Brasil, o modelo vigente é o direito penal do fato, porém, para aferição das circunstâncias judiciais, do art. 59. do Código Penal, na primeira fase da dosimetria da pena, incide a lógica típica do direito penal do autor, já que são aferidos subjetivamente os aspectos de culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, além do comportamento da vítima para valoração da pena base e também para o estabelecimento das penas aplicáveis dentre as cominadas; da quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; e da substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
Finda assim a contribuição de Raúl Zaffaroni a uma nova teoria de direito penal, sendo a obra relevante do ponto de vista jurídico, político e sociológico, por denunciar as distorções e os erros intrínsecos ao modelo penal atual, propor um substitutivo e de forma geral efetuar uma crítica social a um dos pilares dos regimes jurídicos de cada país existente, razão que dá à obra uma dose de profundidade, subversividade e relevância, pois em todos esses países, na era moderna e contemporânea, fora adotado um sistema estatal de punição a condutas realizadas em discordância com o ordenamento vigente, de forma que constitui a adoção da punição penal uma das mais duradouras características das nações civilizadas, mesmo as mais pacíficas, e a proposta de Zaffaroni é superar tal modelo para, no entendimento dele, erigir uma civilização mais evoluída e um mundo melhor.

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