Resenha do livro “Guerra e Política nas Relações Internacionais”, de Thiago Rodrigues, por Emerson Maione de Souza

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Publicado em Boletim Mundorama em 15/01/2011: http://mundorama.net/2011/01/15/resenha-do-livro-%E2%80%9Cguerra-e-politica-nasrelacoes-internacionais%E2%80%9D-de-thiago-rodrigues-por-emerson-maione-desouza/

Resenha do livro “Guerra e Política nas Relações Internacionais”, de Thiago Rodrigues, por Emerson Maione de Souza Em tempos atuais com fluxos transnacionais e uma série de assuntos em diversas áreas como direitos humanos, meio-ambiente, guerra, paz, Estados falidos, intervenção humanitária, globalização financeira, movimentos por uma outra globalização, feminismo, guerra ao terrorismo, narcotráfico, império e etc, os analistas internacionais se perguntam como entender todas essas questões. Na maioria desses assuntos, fica claro que as tradicionais teorias como o realismo e o liberalismo encontram limites que suas perspectivas focadas no Estado não conseguem romper redundando em análises que buscam enquadrar questões que fogem aos Estados em um viés estadocêntrico. O resultado disso não é nada positivo, tanto para o estudo das relações internacionais como para a política internacional de modo geral. Para nos restringirmos a um exemplo básico e atual, basta ver as análises de realistas e liberais da chamada “guerra ao terror” e ver o modo como os Estados Unidos lutam tal guerra procurando pressionar os Estados que supostamente dão guarita aos terroristas. Ou seja, buscam enfrentar uma ameaça não-estatal, que são as células terroristas, de uma forma estadocêntrica. Thiago Rodrigues problematiza tais teorias mostrando seus limites e ensaia outra perspectiva que não se prende às vertentes jurídico-política da filosofia política contratualista. Em um primeiro movimento Rodrigues faz uma genealogia do realismo e do liberalismo e dos filósofos em que os autores de Relações Internacionais dizem se basear, Hobbes e Kant. Tal genealogia busca problematizar tais escolas, expondo suas estruturas, intencionalidades políticas e lógicas internas. Busca mostrar a luta entre as teorias que visam afirmar uma verdade sobre a política internacional monopolizando, dessa forma, o saber sobre esse campo. Dessa genealogia Rodrigues descortina mais do que um antagonismo, mas antes uma cumplicidade aparentemente insuspeita entre essas duas escolas. Tal aproximação vai além da filiação comum à tradição contratualista. Ela repousa em que para ambos o

Estado institui a política como espaço de paz e as relações internacionais como guerra. A guerra é um fato exterior à política. Apenas na anarquia, no lado de fora, a guerra se realiza. A guerra seria apenas um instrumento de política externa. Assim o autor afirma que as teorias realista e liberal são ao mesmo tempo convergentes e adversárias, transitando no campo do discurso jurídico-político preocupado com a defesa do Estado, sua justificativa e legitimidade. Assim “esse movimento dedica-se à lógica do soberano, do território, do posicionamento: ao pensamento fixado em fronteiras e na utopia da paz” (p. 29). Essas escolas fazem uma distinção rígida entre política doméstica e política internacional. Insatisfeito com esse posicionamento das teorias tradicionais sobre a política global e com seu domínio no estudo das relações internacionais, Rodrigues propõe outro movimento. No lugar da “política como paz”, propõe a “política como guerra”. Para tanto, vai buscar outras interpretações dos conceitos de guerra, política e poder no teórico anarquista do século XIX Pierre-Joseph Proudhon e no filósofo Michel Foucault. Ao contrário de realistas e liberais estes dois autores não veem a “guerra” e a “política” como antagônicos, mas como indissociáveis. Para Proudhon, não é possível traçar uma nítida distinção entre os dois conceitos já que a guerra é o acontecimento elementar da vida humana e das sociedades. A guerra, portanto, instituiria os direitos, os governos e as resistências. A guerra não se limitaria às batalhas entre exércitos, mas, ao contrário, seria cotidiana, fazendo da política uma pequena guerra. A perspectiva genealógica de Foucault quer trazer à tona discursos histórico-político dos combates passados para ativar a memória da guerra que a política vitoriosa pretendeu varrer para debaixo do tapete da história. Quer reativar os discursos e saberes que foram sujeitados para mostrar justamente que a política nada mais seria do que “a guerra continuada por outros meios”. Dessa forma inverte a lógica clausewitziana e a lógica contratualista de elogio e legitimação do soberano como pacificador. Foucault, portanto, estudou as relações de poder a partir da perspectiva do combate (do agonismo), da guerra. A política não fez cessar a guerra, mas cristalizou-a em suas instituições e no direito perpetuando-a cotidianamente. Rodrigues vê na perspectiva da “política como guerra” de Proudhon e Foucault um potencial para se desenvolver o que ele chama de uma “analítica das relações internacionais”. O autor vê como essencial que em uma época como a atual, ou seja,

época de uma política, economia e guerras em fluxo; de desterritorializações; e resistências à sociedade de controle, enfim, que o analista de relações internacionais não se prenda a verdades estanques, a perspectivas que visem enquadrar ao algo muda e se transforma a todo instante. Por isso, suas críticas às principais teorias de relações internacionais. Como continuar mantendo nossas análises fixas, presas e limitadas aos territórios, fronteiras e soberanos se as novas territorializações vão para além e aquém do Estado? Rodrigues, parafraseando Foucault, diz que ao se prenderem ao soberano como ponto de partida e de chegada as teorias de Relações Internacionais ainda não cortaram a cabeça do rei. Para os que compartilham dessas insatisfações com as principais teorias, o livro de Rodrigues – originalmente sua tese de doutorado – oferece bons argumentos; para os que não compartilham dessas insatisfações fica o convite feito por Rodrigues no livro para o debate aberto de ideias. A “analítica das relações internacionais”, ensaiada por Rodrigues, quer cortar a cabeça do rei no campo das relações internacionais. Como tal ele diz que o analista que pretende isso não pode esperar complacência das teorias palacianas. Ele afirma que devemos cortá-la, mas não para repô-la com outra verdade de pretensão universal, mas para caminhar mais baixo, perto dos combates, num mergulho que leve ao furor da batalha (p. 288). Essa analítica se pretende local, parcial e perspectiva: interesse e intencionalidade no lugar de neutralidade e universalidade. Ao modo de Foucault, essa analítica desafia a soberania da teoria lançando-se nos combates como algo que Rodrigues chama de um analista em combate (p. 419) para explicitar as múltiplas guerras que há na política e na produção teórica internacionalista. Esse analista em combate estaria envolvido com as lutas fragmentárias, pontuais e descentralizadas. “As lutas sem centro e de resistência frontal aos poderes nos lugares mesmos onde são exercidos fariam das insurreições caras a Foucault modos de combate afeitos também à prática libertária” (p. 420). Ao destacar a perspectiva estratégica de estudar como indissociáveis política e guerra o livro de Rodrigues procura possibilitar a eclosão de imprevisíveis combates, potentes o suficientes para encorajar liberações analíticas para ensaiar estudos incomodados, inconformados e atentos à história política – efetiva e presente – das relações internacionais (p. 454). Rodrigues produziu uma contribuição original e que pela força de suas idéias e de suas propostas merece ser lido e debatido.

RODRIGUES, Thiago. Guerra e Política nas Relações Internacionais. São Paulo: EDUC, 476pp. ISBN 978-85-283-0412-1 Emerson Maione de Souza é doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ([email protected]).

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