Resenha do livro \"Igualdade e Liberdade\", de Norberto Bobbio.

July 25, 2017 | Autor: R. Ferreira Corrêa | Categoria: Political Theory, Direito, Ciencia Politica, Filosofía
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Igualdade e Liberdade - Norberto Bobbio

Norberto Bobbio, italiano nascido em 18 de outubro de 1909, na cidade de Turim, foi considerado um dos maiores cientistas políticos italianos do século XX. Graduou-se na Universidade de Turim, tendo ocupado diversos postos na área de docência, a qual era conciliada com a função de escritor, pesquisador e mais tarde como Senador Vitalício da Itália. A contribuição mais importante de Bobbio para a teoria geral do Direito e a Filosofia do Direito consiste na interligação entre os estudos jurídicos e os políticos, isso feito em uma época em que predominava no mundo jurídico um modelo positivista estrito, de matriz kelseniana.
As principais obras do autor foram: L'indirizzo fenomenologico nella filosofia sociale e giuridica (1934); Scienza e tecnica del diritto (1934); L'analogia nella logica del diritto (1938); La consuetudine come fatto normativo (1942); La filosofia del decadentismo (1945); Stati Uniti d'Italia (1945); Teoria della scienza giuridica (1950); Politica e cultura (1955); Studi sulla teoria generale del diritto (1955); Teoria della norma giuridica (1958); Teoria dell'ordinamento giuridico (1960); Il positivismo giuridico (1961); Locke e il diritto naturale (1963); Italia civile (1964); Giusnaturalismo e positivismo giuridico (1965); Da Hobbes a Marx (1965); Profilo ideologico del Novecento italiano (1960); Saggi sulla scienza politica in Italia (1969); Diritto e Stato nel pensiero di E. Kant (1969); Una filosofia militante: studi su Carlo Cattaneo (1971); Quale socialismo (1977); Il problema della guerra e le vie della pace (1979); Studi hegeliani (1981); Ideologie e il potere in crisi (1982); Il futuro della democrazia (1984); Maestri e compagni (1984); Il terzo assente (1988); Thomas Hobbes (1989); L'età dei diritti (1989); Il dubbio e la scelta. Intellettuali e potere nella società contemporanea (1993); Elogio della mitezza e altri scritti morali (1994); Destra e sinistra (1994); Eguaglianza e libertà (1995); De senectute (1996); Né con Marx né contro Marx (1997); Autobiografia (1999); Teoria generale della politica (1999); Trent'anni di storia della cultura a Torino (2001); Il dubbio e la scelta (2001); Dialogo intorno alla repubblica (2001).
Em 'Igualdade e Liberdade' (BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. 5.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002) é tratado o tema da conceituação de dois dos fundamentais conceitos da política, os quais inspiram a criação de partidos, embasam ordenamentos jurídicos e expressam prioridades sociais. No primeiro capítulo o autor trata da discussão teórica em torno da igualdade, como a dificuldade de sua conceituação e os diversos tipos de igualdade que podem ser perseguidos pela sociedade; no segundo, as teorias em torno da liberdade, como evolução histórica do conceito, pleitos políticos geralmente realizados por defensores desse direito e características das sociedades que se constituíram politicamente com a finalidade de garantir a liberdade dos indivíduos.
A obra é considerada um clássico jurídico, pelo fato de tratar de dois dos preceitos que podem servir de base para a edificação de um regime político e social, e que portanto têm intrínseca relação com o ordenamento jurídico de cada país, principalmente nos capítulos constitucionais relativos aos direitos e garantias individuais (comumente considerados os mais importantes de cada constituição, a qual por sua vez é a lei mais importante de cada país, e são elevados inclusive, por algumas, à categoria de cláusulas pétreas). Outras obras que tratam de assuntos correlatos e que portanto relacionam-se com o escrito de Bobbio são os Dois Tratados sobre o Governo, de John Locke (com foco na liberdade negativa); Cours de politique constitutionnelle, de Benjamin Constant (com foco na liberdade negativa); O contrato social, Jean-Jacques Rousseau (com foco na liberdade positiva e na igualdade); La Guerre et la Paix, de Pierre-Joseph Proudhon (com foco na igualdade); e a Crítica ao Programa de Gotha, de Karl Marx (com foco na igualdade).
O livro se divide em duas partes. IGUALDADE: 1. Igualdade e liberdade; 2. Igualdade e justiça; 3. As situações de justiça; 4. Os critérios de justiça; 5. A regra de justiça; 6. A igualdade de todos; 7. A igualdade diante da lei; 8. A igualdade jurídica; 9. A igualdade das oportunidades; 10. A igualdade de fato; 11. O igualitarismo; 12. O igualitarismo e seu fundamento; 13. Igualitarismo e liberalismo; 14. O ideal da igualdade; e Bibliografia. LIBERDADE: 1. Liberdade negativa; 2. Liberdade positiva; 3. Liberdade de agir e liberdade de querer; 4. Determinismo e indeterminismo; 5. Liberdade do indivíduo e liberdade da coletividade; 6. Liberdade em face de e liberdade de (ou para); 7. Liberdade dos antigos e liberdade dos modernos; 8. Liberalismo e democracia; 9. Qual é a verdadeira liberdade?; 10. Dois ideais de sociedade livre; 11. A história como história da liberdade; 12. A história da liberdade; 13. Linhas de tendência dessa história; 14. Da liberdade em face do Estado à liberdade na sociedade; 15. Totalitarismo e tecnocracia; 16. As formas atuais da não-liberdade; 17. Os problemas atuais da liberdade; 18. Consideração final; e Bibliografia.
No capítulo 1 do título sobre a igualdade, essa é conceituada como sendo uma aspiração permanente de homens que vivam em sociedade, como sendo um valor de uma convivência ordenada, feliz e civilizada, podendo ser desejada em companhia da liberdade. Para que haja aplicação do termo no âmbito político, deve-se especificar entre quem (entre qual grupo de pessoas) fora definida a relação de igualdade e em quais aspectos tais pessoas serão iguais. Tal expressão não pode ser usada de forma abstrata (da forma com que se poderia utilizar X é livre), pois não haveria sentido na declaração X é igual. A forma mínima de se empregar o conceito igualdade é no sentido de totalidade, como fazem as ideologias igualitárias ao defenderem a igualdade entre a humanidade (entre os homens em si mesmos considerados), diversamente do que ocorre com as ideologias libertárias (de matriz individualista, para as quais a sociedade é meramente um agregado de indivíduos). Conclui-se então que liberdade é predicativo de um ente e igualdade, modo de estabelecer determinado tipo de relação entre componentes de uma totalidade.
Após conceituação inicial de Bobbio, vê-se que os modelos políticos de busca dos valores de liberdade e igualdade irão operar sob diferentes instâncias do corpo social para atingir os fins a que se dispõe. Caso o sistema político, moldado pela ideologia política dominante na população, opte pela valorização da igualdade, as políticas públicas e leis terão de abranger o conjunto da sociedade terão de visar uma parte da sociedade, a menos desfavorecida, para que tal desfavorecimento fosse sanado e que a igualdade fosse restaurada. Como é político o critério para especificar qual seria a parte mais favorecida, tenderia o governo ou o gestor público a focar sua intervenção sobre aquelas parcelas da população que mais lhe poderiam gerar dividendos políticos, para compensar o ônus de romper a igualdade formal em proveito de determinadas camadas. Em ambas as formas de promoção da igualdade, haverá sempre uma intervenção incidente sobre camadas amplas do corpo da sociedade, diferentemente da promoção da liberdade, quando uma mera abstenção em intervir, como uma desregulamentação ou a extinção de uma instituição de controle, executada sem visar camadas populacionais em específico, já pode por si só promover com eficiência a liberdade. Talvez tal diferença relacione-se com a conceituação exposta por Bobbio, em que a liberdade tem abrangência diversa da igualdade.
Voltando à obra, no capítulo dois, diz o autor que, apesar da distinção entre igualdade e liberdade, a expressão liberdade e justiça é comumente associada à primeira e utilizada em sua substituição. Nesse sentido a relação de igualdade seria desejável por ser considerada justa e por visar à harmonização das partes integrantes de um todo, para que tal todo adquira durabilidade. Na síntese do autor, seria a liberdade um valor do indivíduo em face do todo (um bem individual) e a justiça um bem do todo enquanto soma das partes (um bem social).
No capítulo três o autor conceitua a justiça retributiva (aplicável a relações de troca, quando surge a ideia de correspondência entre objetos) e justiça atributiva (quando se deve distribuir com igualdade direitos e deveres). No capítulo quatro trabalha-se a distinção entre igualdade justa e injusta, desejável e indesejável, e citam-se critérios de justiça que podem tornar uma distribuição justa ou injusta, como os critérios da necessidade, do mérito, das cotas de propriedade, de força. Parecem ser os critérios da necessidade e do mérito os que melhor podem servir de embasamento político e ideológico do ordenamento de uma sociedade. Há nações onde o critério do mérito recebe maior premência, e elas serão caracterizadas por uma maior competitividade individual e, provavelmente, por maior produtividade material de riqueza, ao mesmo tempo em que tenderão a expor-se a um mais elevado grau de desigualdade social, a qual com o tempo pode vir a tornar-se estrutural, o que dificultará ainda mais a alteração do quadro de desigualdades que o tempo fez surgir, embora o mérito seja um critério de justiça, e portanto se relacione à igualdade, tal padrão de sociedade parece prezar mais pela liberdade do que pela igualdade, em um sentido mais estrito, ficando talvez o conceito de igualdade restrito a um aspecto legal e formal. Já nas sociedades que prezam pela igualdade pode surgir um descontentamento na população preterida pelo critério de justiça e uma improdutividade econômica geral, dada pelo desincentivo à competitividade, e tal situação pode minar a capacidade produtiva do país e assim dificultar o acúmulo de recursos materiais e financeiros que poderiam ser alocados a fim de sanar algumas das carências estruturais da população, de forma que os dois principais modelos de critérios de justiça possuem vantagens e desvantagens e geram correções e assimetrias sociais.
No capítulo cinco é tratada a regra de justiça, para a qual iguais devem ser tratados igualmente e desiguais desigualmente, tal regra deve ser utilizada quando já definidos e aplicados os critérios de aplicação da justiça restaurativa e atributiva, ou seja, primeiro deve-se estabelecer como alguém deve ser tratado para tal tratamento ser considerado justo. Após, àqueles que se encontrem na mesma situação do caso paradigma aplica-se tratamento igual, consideradas as especificidades. A relação entre justiça retributiva ou atributiva com a regra de justiça é que aquelas constituem ou reconstituem a igualdade social e a regra mantém a igualdade estabelecida segundo as formas escolhidas. A regra de justiça, por se limitar a exigir a aplicação de determinado tratamento, sem dizer qual seria o melhor, pode ser denominada justiça formal.
O capítulo seis trata da extensão de um dos principais princípios políticos já estudados e debatidos: o de que todos os homens são (ou nascem) iguais, previsto na filosofia desde os estoicos, passando pelo cristianismo primitivo, pela obra de Rousseau e pelo socialismo, até ser positivada nas declarações de direitos humanos pós-revolucionárias. A extensão do termo, porém, para a quase totalidade das teorias, é quanto ao tratamento que deve o homem receber em atenção a aspectos de sua natureza (essência humana), como o livre uso da razão, a capacidade jurídica, a capacidade de possuir, a dignidade etc., variando ainda em função de ideias morais, sociais e políticas. Quando o autor menciona a possibilidade de variar o conceito e a abrangência do termo igualdade, em função de ideias políticas, refere-se às acepções que cada uma das teorias e ideologias políticas formulam para a referida ideia, como por exemplo o conceito liberal e libertário, que propõem uma concepção limitadamente formal, relativa à igualdade política (pelo direito de votar e ser votado, filiar-se a partido e participar de plebiscitos e referendos), igualdade jurídica (diante da lei), direito de adquirir propriedade, de contratar e de explorar atividade econômica independentemente de autorização estatal. Há também concepções ideológicas que prometem instituir a igualdade em uma acepção material, como as ideologias igualitaristas (marxismo e anarquismo), fundada em intervenções no corpo social que, reconhecendo diferenças existentes entre os indivíduos, visem a saná-las com a intenção de igualar os indivíduos e a sociedade a partir da eliminação de circunstâncias pessoais que fujam à escolha individual.
O capítulo sete trata da mais clássica noção de igualdade, a igualdade de todos perante a lei (ou a de que a lei é igual para todos). O capítulo oito diferencia as expressões igualdade de direito (diversa da igualdade de fato, que se relaciona à igualdade formal e material), igualdade em direitos (direitos constitucionalmente assegurados a todos) e igualdade jurídica (torna todos os membros da sociedade sujeitos de direito). O capítulo nove trata do princípio da igualdade que fundamenta o Estado da Democracia Social de oportunidades, de chances ou de pontos de partida (e é tão importante para este Estado quanto a igualdade formal para o Estado Liberal). Sua base é a ideia de que todos devam ter condições de participar da competição pela vida e pela conquista do que seja significativo para a existência, criando uma desigualdade que vise a corrigir uma desigualdade anterior, equiparando relações de desigualdade para criar relações de igualdade. O capítulo dez trata da igualdade de fato, material, ou de oportunidades, presente no Estado Democrático Social (e contraposta à igualdade de direito, formal ou legal, presente no Estado Liberal). Observa-se da classificação de Bobbio que são operadas distinções conceituais entre estados que se valem do conceito de igualdade de direito para aqueles que se fundam na igualdade de fato, pois, quando uma lei concessiva de direitos é promulgada com o fim de atingir a igualdade de fato, virá ela desprovida dos atributos da generalidade, de forma que a própria lei instituirá uma desigualdade formal em benefício daqueles por ela abrangidos, que ficarão com status jurídico mais elevado do que o restante da população, preterida pela norma. É o caso por exemplo das leis que definem cotas no serviço público para negros ou deficientes físicos, tornando tais indivíduos legal e hierarquicamente diferentes, e por isso beneficiados em detrimento dos demais. O mesmo ocorre com as leis de cotas universitárias, com os regimes especiais de aposentadoria (para deficientes físicos, mulheres e alguns tipos de trabalhadores) e com a obrigatoriedade de prestação de serviço militar masculino e obrigatório. Os critérios de igualdade de fato parecem injustos sob o prisma dos princípios de igualdade de direito, enquanto que a aplicação da igualdade formal pode vir a parecer injusta sob a ótica da igualdade material. Como o autor elenca uma série de problemas de classificação decorrentes do modelo de igualdade de fato e traça distorções de aplicação desse princípio (por exemplo, quais bens materiais devem ser distribuídos às pessoa segundo o critério da necessidade, quais necessidades devem ser satisfeitas, qual o vínculo jurídico que deve ligar as pessoas aos bens distribuídos, qual o critério para diferenciarem-se as necessidades merecedoras de suprimento daquelas não merecedoras), parece que a quantidade de distorções potencialmente auferíveis em ordenamentos estritamente vinculados à igualdade formal é menor, razão pela qual deveria ser ela a fundamentação jurídica do parâmetro de igualdade com o qual a lei deve considerar os indivíduos.
O capítulo onze traz a característica principal das doutrinas igualitárias: a busca pela igualdade material e elenca as ideologias que buscam a igualdade pela eliminação da propriedade (socialismo) ou pela eliminação de qualquer poder político (anarquismo), definindo que, conforme as ideologias tratem das questões que surgem a partir da instituição de um regime de igualitarismo, podem as doutrinas ser consideradas igualitárias em maior ou em menor grau.
No capítulo doze o autor expõe a diferença de interpretação que surge da proposição descritiva de que os homens são iguais. Para as teorias igualitárias, tal proposição deve constituir-se em uma ordem normativa que busque tal igualdade, mas, do contrário, para as teorias não igualitárias, embora possam vir a reconhecer certa igualdade natural entre as pessoas (nos aspectos químico e biológicos por exemplo), tal igualdade não deve constituir-se em uma ordem social, pois da desigualdade de fato são gerados benefícios sociais que não devem, não podem ou não precisam ser eliminados, sendo tal o raciocínio, por exemplo, das teorias liberais, que veem na desigualdade fática entre os homens um fomento à competição e ao desenvolvimento pelo mérito que proporcionam benefícios à sociedade. Bobbio cita também o autor Hobbes, para quem a desigualdade natural é maléfica, causa o estado de guerra de todos contra todos e deve ser eliminada por um regime jurídico que crie as classes do mandante e daqueles que meramente obedecem.
O capítulo treze traça um paralelo entre igualitarismo e liberalismo, sendo a última teoria não igualitária no sentido material do termo, embora admita a igualdade das pessoas quanto à posse de direitos humanos fundamentais. Das críticas das teorias igualitárias quanto à desigualdade promovida pela ordem liberal, surgiram os direitos sociais. Os conflitos teóricos entre liberalismo e igualitarismo apontam ser o primeiro caracterizado pelo individualismo, conflito e pluralismo social, para que o corpo social sirva de instrumento para desenvolver o indivíduo, sendo a função do estado limitada e garantista, enquanto a teoria igualitária preza pelo aspecto totalizante, harmônico e monista da sociedade, pelo desenvolvimento da comunidade em vez dos indivíduos e por um estado intervencionista e dirigista. Hoje em dia, em função de boa parte dos estados terem sido erigidos sobre bases democráticas, com a elaboração de constituições elaboradas por representantes das mais diversas tendências ideológicas, veem-se com frequência vários princípios de base igualitarista e individualista em cada carta constitucional. O capítulo quatorze inicia-se com a citação a uma teoria de Tocqueville de que a ânsia pela igualdade seria cada vez mais buscada pelas sociedades, declarando Bobbio que cada mudança histórica que elimine uma desigualdade social é vista como progresso civilizatório.
No capítulo um do título que versa sobre a liberdade, procede o autor a conceituação de liberdade negativa, relativa aquela que permite ao sujeito a possibilidade de agir sem ser impedido ou de abster-se sem ser obrigado. Dessa forma, há certa margem de liberdade ao sujeito que atue sem que nenhuma lei a isso o obrigue ou o proíba, o que coincide com o conceito de legalidade previsto no direito pátrio, em sua modalidade aplicável a particulares (art. 37 da Constituição) no mesmo sentido que expõe Bobbio. No capítulo dois trata-se a liberdade positiva, que se reflete no conceito de autonomia, ou a situação na qual o sujeito orienta seu querer visando uma finalidade. O capítulo três faz um aprofundamento sobre liberdades positivas e negativas, sendo a primeira uma qualificação da vontade e a última uma qualificação da ação. O capítulo quatro expõe os conceitos de liberdade negativa e positiva sobre a perspectiva das teorias deterministas e individualistas. Os primeiros negam a liberdade de querer, mas reconhecem a de agir; os segundos reconhecem a de querer, a qual pode ou não vir a ser traduzida em liberdade de agir.
O capítulo cinco trata de outras diferenças entre liberdade do indivíduo, ou do burguês (conceito de liberdade negativa), e liberdade coletiva, ou do cidadão (conceito de liberdade positiva). O capítulo seis diferencia liberdade de (por exemplo, liberdade de expressão) e liberdade em face de (por exemplo, em face de uma lei que imponha censura), referindo-se a primeira ao direito de praticar ação e a segunda à necessidade de ver-se livre de algo. O capítulo sete demonstra uma vinculação, teorizada por Benjamin Constant, entre liberdade negativa (que seria a das sociedades modernas), que garante segurança nos gozos privados, e liberdade positiva (a dos antigos), referente à distribuição do poder social entre todos os cidadãos da pátria. Bobbio refuta tal classificação, pois, na formação do Estado Constitucional moderno, a demanda por liberdade política processava-se simultaneamente à demanda por liberdade civil, sendo a participação maior dos cidadãos no processo político uma necessidade não só antiga, mas manifestamente moderna. O capítulo oito demonstra a divergência anteriormente existente entre liberais (defensores das liberdades negativas) e democratas (defensores das liberdades positivas, como os direitos políticos e o controle popular sobre o poder) e fala da superação dessa divergência pelo reconhecimento de que uma liberdade embase e fomente a existência e a preservação da outra. Após, promove o autor a declaração de que regimes que deixam subsistir em algum grau as liberdades civis e não destroem totalmente (apenas as enfraquecem) as liberdades políticas não são verdadeiramente ditaduras, mas apenas regimes mais ou menos autoritários. Tal posição do autor pode potencialmente causar controversas, tendo em vista o fato de que, ao observarmos mais detidamente regimes considerados ditatoriais (como Venezuela, Cuba ou Irã), tais países não cerceiam por completo o exercício de direitos civis e políticos (liberdades negativa e positiva), pois, por exemplo, mantêm eles eleições regulares para o legislativo (no caso de Irã e Venezuela, para o executivo também), embora a representatividade e o pleno exercício dos direitos políticos passivos sejam cerceados. Quanto ao exercício de direitos civis, em outra ótica, tanto Irã como Venezuela concedem certo nível de tolerância à liberdade de expressão, e, no caso de Venezuela e Cuba, há certo nível de tolerância religiosa, existindo também (no Irã, Venezuela e, mais recentemente, Cuba) certo grau de liberdade de contratar e determinada permissividade à exploração de ramos da economia pelos indivíduos, de forma que, pelos critérios de Bobbio, tais países seriam meramente regimes autoritários e não ditaduras completas. Tal critério causa polêmica pela aceitabilidade às mais variadas formas de despotismo, exigindo-se apenas que o soberano deixasse migalhas de liberdade aos cidadãos, devidamente controladas e monitoradas, para dar legitimidade ao regime e fazê-lo escapar da censura e da pressão internacional pela aplicação de mudanças democratizantes.
Os capítulos nove e dez tratam de diferenciações complementares entre liberdade positiva e negativa, sendo o último capítulo responsável por distinguir as sociedades fundadas em liberdades civis (relativas ao Estado Liberal, caracterizado pelo individualismo e pela redução do poder coletivo personificado no Estado) das sociedades de perfil mais coletivizado (que buscam o máximo desenvolvimento do poder social, de modo que todos dele participem em igual medida). A sociedade ideal dentro do primeiro modelo é uma comunidade de indivíduos livres, e dentro do segundo modelo é uma comunidade de indivíduos associados.
O capítulo onze trata da tentativa de explicar a força que move a história a partir da busca da liberdade, em contraposição à visão teológica que justificava a história pela busca da salvação. O capítulo doze é consequência do onze, pois se a força que move a história é a busca pela liberdade, deve-se saber em face de que tal liberdade é buscada, declara Bobbio que inexiste liberdade perdida para sempre assim como inexiste liberdade conquistada para sempre, sendo a história uma trama de liberdade e de opressão. O capítulo treze mostra o processo de conquista da liberdade pelo qual passou o continente europeu, libertando-se a sociedade civil do domínio político e cultural religioso, dos vínculos econômicos vindos de época anterior à revolução industrial e da estrutura política do antigo regime e traçam os teóricos das mais diversas matizes políticas a viabilidade da extinção do estado. No capítulo quatorze reitera-se a visão dos autores liberais (Adam Smith até Herbert Spencer) e anticapitalistas (Karl Marx até Pierre-Joseph Proudhon) com relação à possibilidade de extinguir o estado durante a passagem da sociedade arcaica para a sociedade civil.
O capítulo quinze trata do erro de previsão das teorias sobre o fim do estado com base no contexto do século XX, que demonstra que na expansão capitalista houve a ampliação do poder político, além do novo Leviatã formado nos países comunistas. Surgiu nesse século o totalitarismo, caracterizado pela máxima concentração e unificação dos âmbitos de poder político, econômico e ideológico. O monopólio ideológico fez o estado total reintroduzir a distinção entre ortodoxos e heréticos (da mesma forma que havia nos estados confessionais da idade média), o que permite considerar como desvio ou traição toda divergência em face da doutrina oficial, e sendo ele controlador dos demais monopólios, cancela-se a distinção entre estado e sociedade civil e toda a sociedade se dissolve no estado e se torna estatizada. Após, traça o autor a teorização acerca do conceito de liberdade (liberdade na sociedade global) imperativo nas sociedades industrialmente avançadas. Tal problema de liberdade não nasce no interior do sistema político, mas sim no interior do sistema social, ou seja, a falta ao homem de liberdade para desenvolver os recursos de sua própria natureza, pois tal homem fica reduzido a uma engrenagem de uma máquina da qual não conhece o funcionamento ou a finalidade (processo de desumanização). No estado tecnocrático é a potência científica (universal e despersonalizada) impõe a falta de liberdade no nível ideológico, embora o faça pelo conformismo, com a mercantilização das formas de trabalho e a exclusão das formas de participação ativa na direção social.
O capítulo dezesseis aprofunda o estudo das novas formas de não-liberdade nas sociedades industriais contemporâneas, cuja análise pode ser centrada em três teorias: o estudo da alienação no nível econômico (referente à perda da personalidade, ao tornar-se o indivíduo outro que não a si mesmo), de base marxista; o estudo da burocracia, ou racionalização do poder, na ótica weberiana; e o tema da manipulação da opinião pela mídia, na análise da escola de Frankfurt. Tais análises podem ser aplicadas também ao socialismo e têm em comum com as análises liberais do despotismo o fato de que tomam a situação da não-liberdade como produto de forças objetivas e não de forças históricas. A análise de Marx centra-se na alienação do empregado assalariado de sua posição no setor produtivo e da perda de controle sobre o seu trabalho. A análise weberiana baseia-se no caráter racional do estado moderno, que deve agir com base em normas previamente estabelecidas (diferentemente do estado antigo), pois a empresa capitalista só se pode desenvolver sobre uma análise de benefícios e riscos e, dessa forma, precisa de uma estrutura de poder que a permita a previsibilidade das ações com o mínimo de espaço para o arbítrio. O estado dessa forma cria um imenso aparelho burocrático que fixa a atividade e a hierarquia dos funcionários, forçando os homens a ficar a seu serviço. Na teoria de Adorno sobre indústria cultural, a arte e os meios de comunicação tornam-se mercadorias, a qual o consumidor adquire já pronta para uso, não precisando pensar, mas sim distrair-se e amansar-se, o que nele produz um entorpecimento e uma despersonalização.
O capítulo dezessete trata das novas demandas da liberdade negativa (liberdade em face do trabalho) e da liberdade positiva (a contestação a sistemas fechados à ingerência social – como exércitos, manicômios ou igrejas). Por fim, no capítulo dezoito fala-se da impossibilidade de prever-se o que ocorrerá com as liberdades humanas no futuro e da tendência ao erro de quem tenta fazê-lo.
Terminada a obra, a análise de Bobbio revela-se um útil instrumento de entendimento de dois dos principais critérios legislativos que embasam o ordenamento jurídico de vários dos países do mundo. O aprofundamento conceitual que o autor elabora sobre a igualdade e a liberdade contribui com conhecimento do leitor e se revela de grande importância para acadêmicos do direito, o que faz com que o escrito, além de constituir-se em um grande clássico jurídico, revele-se como uma importante obra da ciência política e das ciências sociais, indispensável, portanto, para o acadêmico interessado em especializar-se em alguma dessa áreas de conhecimento.

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