Resenha do livro: Pele negra, máscaras brancas

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FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas; tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

Maynara Costa de Oliveira Silva1

“Pois apesar de ser negro Não sou escravo.” (Juan de Mérida – Pele negra, Máscaras brancas)

Frantz Fanon nasceu em 20 de julho de 1925 na ilha da Martinica, antiga colônia francesa, foi médico psiquiatra, escritor e intelectual negro. Fanon atuou na segunda guerra mundial, combatendo ao lado dos franceses, durante este período foi condecorado duas vezes por bravura. Após isso formou-se em medicina na cidade de Lyon, França, onde se especializou em psiquiatria, para além disso observa-se também que Fanon estudou filosofia e literatura. Durante seu período na Argélia foium dos membros da Frente de Libertação Nacional (FLN),e também diretor do Departamento de Psiquiatria do Hospital Blida-Joinville (hoje Hospital Frantz Fanon), durante seu tempo na FLN buscou empenhar esforços na luta pela autonomia deste país, bem como lutar contra o colonialismo e o racismo da modernidade.Faleceu em Maryland, Estados Unidos, no ápice dos seus 36 anos de idade, na data de 6 de dezembro em 1961, em decorrência da leucemia. Suas obras dialogam com os estudos culturais, retratando o mundo colonial do século XX, a partir de um olhar literário busca elaborar reflexões sobre as possibilidades de descolonização dos povos. O autor acreditava que a revolução não acontece através da cultura, mas sim a partir das mudanças das condições de vida dos indivíduos (o que remete a corrente do materialismo histórico), ou seja, para lutar contra a opressão devese elaborar também uma mudança na estrutura social, que ocasione transformações na politica e na economia. A luta contra a opressão do negro na sociedade colonial é retratada na sua obra. O modo como à sociedade europeia – branca – colonizadora

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Mestranda do Programa de Pós Graduação em Antropologia Social – PPGAS/UFRN – e-mail: maycosta [email protected]

tratava o negro – africano – colonizado é o plano de fundo principal da obra Pele negra, máscaras brancas. O próprio Fanon, conforme descreve no livro, também passou pelas agruras de nascer com a pele com excesso de melanina. Ora, um negro, imigrante de uma colônia francesa – mesmo que letrado, não teria igual valor a um europeu colonizador. Mas, Fanon astutamente conseguiu ruminar suas experiências pessoais e análises da sociedade no livro. Uma sociedade que elabora um complexo de inferioridade e dependência para o sujeito negro, e que para se romper essa viciosidade o negro tem que se tornar o mais branco possível. Pele Negra, Máscaras brancas foi elaborado com a proposta de ser a tese de doutorado em psiquiatria, por esse motivo busca retratar o individuo como um ser social, ao qual estar integrado na sociedade e de forma compulsória foi retirado de sua gênese cultural. Todavia, este mesmo individuo pode intervir no seu contexto social de acordo com a sua possibilidade de conseguir recursos matérias. Fanon nos traz a tona também como os brancos aglutinaram na cabeça dos negros o sentimento de inferioridade, que a estética, preceitos morais e religiosos corretos era o padrão europeu. “Usar roupas europeias ou trapos da última moda, adotar coisas usadas pelos europeus, suas formas exteriores de civilidade,florear a linguagem nativa com expressões europeia, tudo calculado para obter um sentimento deigualdade com o europeu e seu modo de existência” (FANON, 2008). Para Fanon o homem enquanto homem negro foi levado a seguir uma lógica de aberrações no que concerne as relações afetivo-sexuais, o negro diante da sociedade assume um posto de passividade em suas atividades, e para existir nessa sociedade o negro tende a ratificar esta ideia de superioridade branca em detrimento da inferioridade negra. “O negro quer ser branco o branco incita-se a assumir a condição de ser humano” (FANON, 2008, p. 27). Ou seja, dentro da sociedade o negro sofre um processo de alienação da sua própria existência, sua personalidade é escondida atrás das cortinas do racismo e do colonialismo, que acaba por construir sujeitos subordinados. Fanon tenta veementemente no texto lardear a ideia de liberdade do negro, e para tanto esses indivíduos devem tomar consciência da sua existência, e tomar as rédeas da sua própria existência. O autor elabora sua tese em cima de uma discursiva da (des)construção do negro na sociedade de classes. O negro sobre a ótica de Fanon tivera que se adaptar a

sociedade colonial, para ser colonial, atribuindo-se diversas novas categorias, desde mudanças linguísticas, aos relacionamentos afetivos interraciais (relacionamento homem negro e mulher branca, e mulher negra e homem branca), as experiências do negro, suas psicopatologias e por fim o reconhecimento. O negro passar-se a se ver na figura do outro, ele não é o Negro, ele é o pardo, moreno, moreno jambo, café com leite,quase branco, mas o negro, negro é o outro, ele não. Ao menos quando está entre pessoas da sua mesma cor. A linguagem é a ferramenta que impulsiona a construção dessa identidade nos indivíduos, haja vista ser ela o que unifica, de certo modo, e identifica uma cultura ou mesmo uma nação. Desta feita, quanto mais francês for o antilhano, quanto mais domínio tiver sobre esta língua, mas homem verdadeiro se tornará. Isso significa dizer que o rito de passagem que acarreta o falecimento da cultura negra em detrimento da cultura branca, acarretará numa reafirmação da inferioridade negra, ou seja, o negro que queria ser tal qual o branco acaba por assumir um lugar de submissão. Na busca pela eliminação da condição de selvagem, o negro não consegue refletir que estar cada vez mais se aprisionando aos ditames colônias, conforme ressalta o autor. Já nas relações interraciais o autor destaca uma relação obsessiva do negrx em casar-se com umx brancx. Pois, este casamento atribuiria para um si uma “brancura”, havia o desejo de ser “amado como um branco” (FANON, 2008). Havia nesta tentativa de casamentos entre negras e brancos e entre brancas e negros a tentativa de “Embranquecer a raça, salvar a raça, mas não no sentido que poderíamos supor: não para preservar ‘a originalidade da porção do mundo onde elas cresceram’, mas para assegurar sua brancura.”. Mesmo sabendo do perigo, e do destino de não casar-se com um negro que é atribuído a mulher negra, ela ainda se reluta a tentar a qualquer custo e a sonhar em ter um homem branco em seus braços, não só como amante, mas como marido, “porque precisam da brancura a qualquer preço” (FANON. 2008). Ou seja, o negro mais uma vez se coloca na posição de inferioridade trazendo como salvação para mudança desse status social o casa-se e misturar-se aos brancos. O autor ainda informa que essa vontade de branquiar-se estar associada à manutenção deste complexo de inferioridade que a sociedade colonial designa. Ou até mesmo a sociedade pós-colonial, que mesmo sendo um texto do século XX não deixa-se de ser atual, Fanon escreveu sobre um tempo que ainda vivemos. Para haver a diminuição da opressão de uma cor sobre outra deverá haver mudanças nos eixos estruturais da

sociedade, desde criação que visem dirimir essas diferenças, sejano âmbito social, econômico ou politico. Aproximando o livro a nossa realidade brasileira, podemos enxergar o quanto o marketing “Brasil um pais de todos”, que existe democracia racial, ou mesmo que todos são iguais perante a lei, é diluído, e as condições de acesso a oportunidades são diferentes tanto aqui no Brasil, quanto na Antilha, para alguém que nasce negro. Ainda existe um cheiro de complexo de inferioridade no ar. “Somos brancos a partir de alguns milhões” (FANON. 2008) sim, ninguém é mais negro depois de alguns milhões, passase a ser pardo ou moreno. Mas, não negro. Negro é o pobre. Tal qual recobra Florestam Fernandes2 (1964) no seu clássico A integração do negro à sociedade e classesé inegávelverificar que libertaram os escravos, todavia não deram meios de subsistência a estes, os escravos tornaram-se senhores da sua própria sorte, responsável pela manutenção da sua família, sem, todavia “dispusesse dos meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva” (FERNANDES, 1964, p. 3). Sendo assim, torna-se possível enxergar que o negro em tempo algum foi inserido na sociedade de forma equivalente ao branco, o que traria como consequência distinções sociais, econômicas e politicas. Daí pode-se associar a entrada do negro ao mundo do crime a falta de direitos fundamentais, tal qual a educação de qualidade. Ir para o crime pode-se pensar se tratar de uma ultima razão, de um ultima oportunidade. Podemos nos ater as palavras de Oracy Nogueira3 que diz que no Brasil existe um preconceito racial de marca, ou seja, a probabilidade de ascensão social é inversamente proporcional à intensidade das características físicas do indivíduo negro o que disfarça o preconceito de raça pelo preconceito de classe social. Todavia, é importante destacar as novas politicas publicas que buscam pigmentar os bancos tantos escolares, quanto universitários de pessoas de pele negra, tal qual a politica de cotas das universidades federais. Como bem explana José Jorge de

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FERNANDES, Florestan. A integração do negro à sociedade de classes. Tese apresentada a concurso da Cadeira de Sociologia I da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1964. 3

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem.Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 19, n.

Carvalho as cotas provocam reposicionamento das relações sociais, ou seja, o negro passa a ser visto em pé de igualdade com o branco. Finalmente, ainda se faz necessário informar ao leitor, visto que é notória a importância em tempos de clamores pela redução da maioridade penal, que para o pobre a maioridade já começa ao nascer, a sentença desse processo de desumanidade estabelecido na nossa sociedade para este sujeito é a de morte. Como recurso pede-se a efetivação dos direitos básicos, apela, afirma e reafirma que todos são merecedores da dignidade da pessoa humana. Mas fica a reflexão: quantos Joãos, filhos de dona Maria, que não tiveram acesso aos direitos fundamentais básicos e as garantias constitucionais, que foram postos à margem da sociedade de maneira arbitrária e sentenciado e executado desde o nascimento pela nossa meritocracia, vão ter que morrer em postes até que tudo mude, até que tudo cesse, e os muros de cor e de classe se dilua entre nós?

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