Resenha Douglas Bonfa Arqueologia Classica

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Resenha

GRILLO, José Geraldo Costa; FUNARI, Pedro Paulo A. Arqueologia Clássica: O Quotidiano de Gregos e Romanos. Curitiba: Editora Prismas, 2015.

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A obra Arqueologia Clássica: O Quotidiano de Gregos e Romanos de autoria dos estudiosos José Geraldo Costa Grillo (Unifesp) e Pedro Paulo A. Funari (Unicamp) foi publicada no ano de 2015, e ofereceu ao público nacional a oportunidade de ter contato com os diversos estudos (nacionais e internacionais) a propósito do desenvolvimento da Arqueologia Clássica como disciplina. Conforme apresentado em sua introdução, o livro pretende trazer informações básicas e introdutórias sobre a história e a prática da Arqueologia Clássica, embora seja destinada também a estudiosos da área de História, Arquitetura, Letras, História da Arte, e aos chamados “curiosos” sobre a temática. O livro está dividido em três partes. A primeira delas, compreendendo os capítulos I e II, é destinada à História da Arqueologia, desde a criação até suas perspectivas atuais. A segunda parte é composta pelos capítulos III e Aluno do curso de Especialização em História Social das Faculdades Integradas Maria Imaculada. E-mail: [email protected]

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Douglas Cerdeira Bonfá IV, e fica a cargo da Arqueologia Grega, com destaque para a interpretação iconográfica neste âmbito. A terceira parte, a partir dos capítulos V e VI, trata de explicar a Arqueologia Romana, dando destaque às cidades e suas edificações como objetos de estudo. O capítulo I intitula-se O Percurso Inicial: Uma leitura da disciplina. Nesta introdução, os autores procuram explicar que a Arqueologia Clássica é uma ciência que estuda as relações social e culturais dos antigos gregos e romanos por meio da cultura material. Revelam também duas das principais perspectivas da disciplina: a primeira, chamada de internalista já que busca a valorização dos conceitos, e uma segunda, reconhecida como externalista, e que busca a interação deste mesmo conhecimento com a sociedade. Esta última, aliás, revela-se explicitamente como o posicionamento teórico que agrada aos autores. (p.15). Ao apresentar as escolas tradicionais da Arqueologia Clássica (inglesa, italiana, francesa e alemã), Funari & Grillo argumentam que a arqueologia brasileira, de maneira similar, também teria muito a contribuir, já que nossa realidade social, econômica e cultural, com feito, permite-nos perceber de maneira diferente (sobretudo de um modo não imperialista) a Antiguidade greco-romana. Reconhecendo as premissas racistas e os ideais de superioridade cultural que outrora manifestaram-se a partir da Arqueologia, os autores aludem à necessidade, seja na História ou na Arqueologia, do emprego de conceitos interpretativos que valorizem as trocas culturais, a hibridição e transculturação: sempre em detrimento dos ideais de superioridade e homogeneidade cultural por vezes recorrentes nos discursos científicos (p.19). No segundo capítulo, intitulado História da Arqueologia Clássica institucionalizada, os autores apontam os passos fundamentais da trajetória

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Resenha percorrida pela disciplina, desde o amadorismo do antiquário no final do século XVIII até a substituição pelo ofício do arqueólogo no século seguinte. A atividade arqueológica, segundo os autores, era desenvolvida de maneira individual até o século XIX, quando, paulatinamente, passou a ser operada de maneira coletiva. Deve-se ressaltar, nesse ínterim, a criação de instituições internacionais voltadas a este fim, tanto em território grego quanto italiano. Destacam-se, nesse contexto, a fundação do Instituto de Correspondência Arqueológica em Roma, no ano de 1829, além da publicação de periódicos Londres, Berlin e Bordeaux -, e a criação primeira cátedra na Europa a partir de 1802 na Alemanha (p.25-26). O capítulo III, intitulado Reorientação e novos campos de pesquisa, dá início à segunda parte do livro. Neste capítulo é citado o professor Colin Renfrew a quem é atribuído muitos dos feitos, discussões e reviravoltas intelectuais que viriam mudar a perspectiva da Arqueologia Clássica. Renfrew, com efeito, teria sido o responsável por ampliar o campo da Arqueologia americana para outras épocas e áreas. Ademais, também teria capitaneado a criação de critérios acadêmicos para a disciplina e um fórum de discussão. Na sequência é apresentada a visão de professores que reconhecem a necessidade da interpretação e da aproximação com a História. São, então, apresentados os ingleses Anthony Snodgrass e Ian Morris. O primeiro estudioso, argumentam, teria defendido que o conceito de história seja pensado a partir de dados arqueológicos, pois a única história que a arqueologia se dedica é a da cultura material. Já o segundo, procurou demonstrar que a Arqueologia é cultura, porque se ela estuda cultura material dos povos do passado ela é ao mesmo tempo histórica e cultural. (p.35). Também faz-se menção aos professores franceses Roland Etienne, Christel Müller e Francis Prost, para quem a Arqueologia, imbuída de um

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Douglas Cerdeira Bonfá marxismo gramsciano, passaria a analisar a arquitetura, as esculturas e a iconografia grega pelo viés da Antropologia francesa e na reconciliação com a História, resultando numa História da Grécia a partir da cultura material (p.37). O capítulo IV, intitulado Arqueologia, Arte e Identidade, comenta a obra de Johann Joachim Winckelmann e sua contribuição para o estudo da arte da Antiguidade. É destacado, com efeito, que a Arqueologia Grega não pode ser mais vista somente como uma divisão menor da História da Arte. Ao contrário, compete à Arqueologia a função de abordar, a partir de uma perspectiva histórica, a cultura material para além de sua natureza artística. Na página, especificamente, 42 é explicada a diferença entre a História da Arte e a Arqueologia Grega. De acordo com Funari & Grillo, ambas as disciplinas teriam o mesmo objeto de estudo, porém, possuiriam focos diferenciados: estética x contexto. Por fim, o uso do termo “irmãs gêmeas” alude à necessidade de as disciplinas não criarem barreiras e tampouco imporem limites uma à outra, mas contribuírem entre si. Ainda no quarto capítulo são apresentadas as contribuições teóricas e epistemológicas propostas pelos professores Haiganuch Sarian e Jean-Pierre Vernant, sobretudo as suas respectivas considerações sobre a importância da iconografia no estudo das civilizações antigas. Assim como a mitologia e a religião, as imagens (retratadas em diversos suportes), segundo Vernant, retratariam a cultura e o imaginário dos antigos. Em Imagem e História: um estudo de caso, aliás, é apresentada, na prática, a interpretação iconográfica da Arqueologia Grega Antiga a partir das imagens pintadas em vasos áticos. O capítulo V - A constituição do campo de pesquisa - inaugura a terceira e última parte da obra. Neste capítulo, os autores escrevem sobre o interesse dos europeus dos séculos XVII e XVIII pelos vestígios gregos, egípcios e

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Resenha romanos, já que estes últimos eram resquícios de impérios, e os europeus os viam como semelhantes. A

Arqueologia Romana, especificamente, teve início nas cidades

de Herculano e Pompéia. Roma, do mesmo modo, tornou-se o centro das atenções. Inspirou a Revolução Francesa de 1879, e o próprio Napoleão Bonaparte teria alinhado suas pretensões imperiais àquelas de Júlio César e Otaviano Augusto. Roma, com efeito, ganharia uma comissão de embelezamento, verbas para sítios arqueológicos e leis para a prática da Arqueologia: mesmo a exportação de Antiguidades teria sua proibição decretada neste período (p.59). A industrialização também teria influenciado sobre a prática arqueológica: a construção das estradas de ferro, por exemplo, teria aprimorado os transportes e os avanços nas técnicas utilizadas no processo arqueológico. O Capítulo VI, intitulado Cidade e Campo, explica que a finalidade inicial da Arqueologia Romana era estudar as cidades romanas, e não os romanos. Essa postura, segundo os autores do livro, teria ocorrido devido ao fato de que a Arqueologia Romana surgiu em um contexto de urbanização do mundo. Assim, a Roma Antiga teria servido como inspiração para cidades europeias como Paris, Roma, Berlim e Londres. O que mais teria chamado a atenção dos modernos, com efeito, teria sido precisamente a formação das cidades. Essas eram construídas com quarteirões planejados em forma octogonal, com avenidas que as cortavam de norte a sul e de leste a oeste, facilitando na distribuição de água e vazão de esgoto. Porém também carregavam consigo uma função simbólica, ao passo que estas determinações espaciais representavam os eixos cardeais e o domínio do homem sobre a natureza (p.70). As cidades antigas compreendiam: casas, templos, fóruns, basílicas, termas,

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Douglas Cerdeira Bonfá latrinas, apartamentos, padarias, lavanderias, açougues, armazéns, teatros, anfiteatros, circos de corrida de cavalos e lixões, com destaque para o Monte Testaccio. Também são mencionadas as casas, dizendo que não há plantas ensinando como seriam construídas as moradias romanas, mas que a maioria possuía cômodos como: sala, jardins, capitação de água e local de refeição para convidados. Ainda sobre o tema da moradia, a obra destaca os diversos tipos de pinturas encontradas no interior das mesmas. Por fim, no sexto (e último) capítulo, os autores mencionam que, apesar de a maioria da população viver no campo, a Arqueologia Romana só se debruçará para este âmbito na década de 70. Nesse contexto, serão estudadas também as diversas formas de assentamentos situados nos arredores das cidades. Por meio destes estudos, pôde-se evidenciar a existência de indígenas que viviam à margem das cidades, à sua própria maneira. A conclusão do livro soa sob tom esperançoso e otimista quanto ao desenvolvimento da disciplina e às perspectivas que esperam para os próximos anos, sobretudo pelo fato de ter ocorrido um aumento considerável no número de escavações e consequente publicação de trabalhos em diversos meios de comunicação. Destaca-se a existência, na sociedade contemporânea, de legislações e incentivos específicos voltados à prática arqueológica. O progressivo interesse do público leigo em relação aos temas que fazem referência à Antiguidade Clássica (como filmes, livros, revistas, documentários etc.) também é visto de maneira bastante positiva por Funari & Grillo. Ao comentar as contribuições brasileiras sobre a disciplina, os autores revelam que, ao menos desde a década de 80, tem sido cada vez mais comum a vinda de especialistas estrangeiros ao país para lecionar,

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Resenha proferir palestras e conferências em inúmeros congressos que tratam desta temática. De maneira similar, deve-se destacar que, desde os anos 1990, muitos brasileiros têm saído para os grandes centros para estudar sobre o tema, além de publicarem livros e artigos sobre Arqueologia de reconhecida proficuidade, tanto no Brasil, quanto no exterior. De um modo geral, a publicação do livro de Funari & Grillo (2015) - uma obra sobre Arqueologia Clássica, produzida por profissionais brasileiros e publicada no Brasil – nos permite observar o quão fértil e promissor é o terreno da disciplina em nosso país. Também é possível observar a ampla presença de uma cultura oriunda da Antiguidade Clássica nos dias atuais. Destacamse, nesse sentido: a urbanização, a política, a religião, os esportes, a cultura e educação. Tratam-se, em última instância, de referenciais que contribuem para a nossa formação como indivíduos sociais. É possível, e inclusive já tem sido feito no Brasil, estudar e até mesmo ensinar sobre a Antiguidade. Diversos conceitos relacionados a questões de primeira importância para os nossos dias (como, por exemplo, gênero, raça e sexualidade) também corroboram para a compreensão de um estudo sobre Gregos e Romanos à luz das discussões sociais e políticas hodiernas. A importância da cultura material para a compreensão das sociedades antigas (mas também contemporânea) é latente ao longo de todo o livro: se, por um lado, a escrita esteve historicamente associada às chamadas camadas sociais dominantes e dizem respeito a um grupo social específico e restrito, por outro lado, em contrapartida, a cultura material é passível de ser produzida por qualquer ser humano, e, por este motivo, seria mais democrática. Imprescindível, portanto, para o estudo do passado e do presente.

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