Resenha Ética a Nicômaco

June 2, 2017 | Autor: Gustavo Rigueira | Categoria: Ethics
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Faculdade Dehoniana
FUNDAMENTOS DA ÉTICA
Gustavo Rigueira Silva
08/06/2016

RESENHA: ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Volume II).

Todo o tratado acerca da ética aristotélica é encontrado em sua obra "Ética a Nicômaco", onde o destinatário, filho de Aristóteles, recebe assim todo o pensamento de seu pai acerca das ações humanas. Na obra, percebe-se que Aristóteles propõe uma Ética das Virtudes, onde os bons hábitos, as boas ações, seriam o fio condutor de toda ação ética. A obra é dividida em dez livros, vejamos uma breve explanação de cada um.
No primeiro livro, Aristóteles afirma que cada coisa possui um fim e que "o bem é aquilo a que todas as coisas tendem" (p.9), logo, o fim maior de todas as coisas é o bem. Assim, todo trabalho humano possui como finalidade um bem, o qual é a felicidade, identificada como o bem viver e o bem agir. Com isso, o autor apresenta três tipos de vida: a mais vulgar, a política e a contemplativa. Os primeiros, identificam o bem com o prazer, os segundos, com a honra, e os terceiros, com a virtude em si. Deste modo, fica claro que o bem "não pode ser algo único e universalmente presente, pois se assim fosse não poderia ser predicado em todas as categorias, mas somente numa" (p.13).
Ao falar sobre o fim, o estagirita afirma que nem todos são absolutos, mas o sumo bem o é, e, deste modo, a felicidade também seria, pois esta é a finalidade de toda ação. Deste modo, "o bem do homem nos parece como uma atividade da alma em consonância com a virtude, e, se há mais de uma virtude, com a melhor e mais completa" (p.16), uma vez que "o homem feliz vive bem e age bem; pois definimos praticamente a felicidade como uma espécie de boa vida e boa ação" (p.17). A felicidade, enquanto coisa nobre e boa da vida, seria alcançada pela reta ação, assim, seria uma atividade virtuosa da alma e, por este motivo, é contada entre as coisas mais divinas, mas para alcançá-la, é necessária a constância nas virtudes.
No segundo livro vemos a análise das virtudes aristotélicas, as quais, segundo o autor, não surgem em nós por natureza, ou seja, o homem só se torna justo praticando atos justos, só se torna temperante praticando a temperança, e assim por diante. Além disso, as virtudes estão relacionadas às ações e paixões; por isso, Aristóteles afirma que "a virtude se relacionará com prazeres e dores" (p.29), desenvolvendo-se a partir destas reações: "pelos mesmos atos de que ela (virtude) se origina, tanto é acrescida como, se tais atos são praticados de modo diferente, destruída; e que os atos de onde surgiu a virtude são os mesmos em que ela se atualiza" (p.30). Isto posto, Aristóteles afirma que a virtude não é paixão, pois são modalidades de escolha, ao contrário da paixão, que não envolve escolha entre senti-la ou não. As virtudes também não são faculdades, pois estas nos são dadas por natureza e a virtude, não. Logo, as virtudes são, para Aristóteles, disposições de caráter.
Além disso, a virtude sempre está relacionada a um meio-termo entre dois vícios, como por exemplo: "a coragem é um meio-termo em relação aos sentimentos de medo e confiança" (p.50), a temperança, meio-termo entre os prazeres, tanto os corporais quanto os da alma (cf. p.55), de modo que "os apetites devem ser poucos e moderados, e não se oporem de modo algum ao princípio racional – e isso é o que chamamos obediência e disciplina. [...] No homem temperante o elemento apetitivo deve harmonizar-se com o princípio racional, pois o que ambos têm em mira é o nobre, e o homem temperante apetece as coisas que deve, da maneira e na ocasião devidas; e isso é o que prescreve ao princípio racional" (p.58). A liberalidade é meio-termo em relação às riquezas, tendo em vista o que é nobre, a o que convém, na quantia e ocasião conveniente, sendo um meio-termo entre o dar e o tomar riquezas e o seu contrário, a avareza (cf. p.64), e o que sabe gastar grandes quantias com aquilo que é apropriado, sem deixar de possuir um caráter bom e nobre, é magnificente, sendo a sua carência o humilde indevido e o seu excesso, o vaidoso. A calma é meio-termo com respeito à cólera e à "pacatez" (cf. p.71). E este meio-termo das virtudes é muito difícil de se alcançar; assim, só merece reprovação o homem que se desvia muito deste meio-termo, de tal maneira que não seja possível passar despercebido. "Em todas as coisas o meio-termo é digno de ser louvado, mas que às vezes devemos inclinar-nos para o excesso e outras vezes para a deficiência. Efetivamente, essa é a maneira mais fácil de atingir o meio-termo e o que é certo" (p.38).
Na primeira parte do terceiro livro da Ética a Nicômaco, Aristóteles analisa, a primeiro modo, as ações ditas forçadas, que ocorrem quando a causa se encontra nas circunstâncias exteriores e o agente em nada contribui, sendo a mesma definição atribuída àquilo que é compulsório. Além disso, o estagirita fala da ignorância, a qual "pode relacionar-se [...] (a) qualquer das circunstâncias do ato; e do homem que ignorava uma delas diz-se que agiu involuntariamente, sobretudo se ignorava os pontos mais importantes, que, na opinião geral, são as circunstâncias e a finalidade do ato" (p.43). Aristóteles ainda afirma que a escolha está mais estritamente ligada à virtude do que as ações, pois escolhe-se errado devido ao prazer, que parece ser bom sem realmente sê-lo. Assim, afirma o filósofo, "escolhemos o agradável como um bem e evitamos a dor como um mal" (p.47). "Logo, [...] depende de nós sermos virtuosos ou viciosos" (p.47), tudo depende da escolha, a qual pode inclusive curar um injusto, se este passar a escolher coisas justas, posto que todos os vícios e virtudes da alma são voluntários, uma vez que o próprio ser humano é responsável, em parte, por sua disposição de caráter.
Na segunda parte do terceiro livro e no quarto livro desta obra, Aristóteles descreve diversas virtudes, que são os meios-termos citados acima. Todavia, no final do quarto livro, ele descreve a vergonha, a qual seria uma espécie de medo da desonra, sendo mais característico de um sentimento do que uma disposição de caráter, tolerável apenas à juventude, sendo, desta forma, impossibilitada de ser inserida como parâmetro ético (cf. p. 76-77).
No quinto livro, o filósofo escreve acerca da justiça, a qual é realizada, segundo o mesmo, pela disposição de caráter, assim como a injustiça. A justiça produz, inclusive à sociedade política, a felicidade, por isso ela "é muitas vezes considerada a maior das virtudes" (p.82). A virtude tem relação com a alteridade: "(virtude) é um 'bem de um outro', visto que se relaciona com o nosso próximo, fazendo o que é vantajoso a um outro, seja um governante, seja um associado" (p.82). Assim, a justiça é a virtude inteira, e a injustiça, o vício inteiro, pois a lei nos manda praticar virtudes e proíbe ao homem os vícios. Isto posto, Aristóteles verifica uma relação entre justiça e lei: "a justiça existe apenas entre homens cujas relações mútuas são governadas pela lei; e a lei existe para os homens entre os quais há injustiça, pois a justiça legal é a discriminação do justo e do injusto" (p.90). Além disso, a justiça e a injustiça são atos sempre voluntários, sendo alguns desculpáveis, como os feitos por ignorância, e outros não, como os que são feitos na ignorância, ou seja, em relação àquelas paixões as quais o gênero humano não está sujeito (cf. 93). Os atos justos se adquirem pelo hábito, por isso, são essencialmente humanos; também é impossível tratar injustamente a si mesmo, a não ser que se cometa injustiça a partes do corpo (cf. p.98), se é injusto com o estado, uma vez que justo e injusto envolvem sempre mais de uma pessoa. Aristóteles conclui este livro afirmando que é pior agir injustamente, por envolver vícios e merecer censura, do que ser injustamente tratado.
No sexto livro, o filósofo escreve que "a virtude de uma coisa é relativa ao seu funcionamento apropriado" (p.102) e que na alma há três fatores controladores da ação e da verdade: sensação, razão e desejo. Além disso, a alma possui a verdade a partir de cinco disposições de virtude: a arte (capacidade produtiva, envolvendo reto raciocínio), o conhecimento científico (dá ao homem a capacidade demonstrativa), a sabedoria prática (capacidade deliberativa entre as coisas boas ou más, sendo virtude formadora de opinião, adquirida pela experiência), a sabedoria filosófica (forma mais perfeita de conhecimento) e a razão intuitiva (apreende os primeiros princípios). Além disso, Aristóteles discute acerca da inteligência, que é diferente de sabedoria prática, por mais que tenham os mesmos objetos. A inteligência julga, a sabedoria prática emite ordens, o que só pode ser feito bem por quem for bom, pois "não é apenas a disposição que concorda com a reta razão, mas a que implica a presença da reta razão, que é virtude: e a sabedoria prática é a reta razão no tocante a tais assuntos" (p.113).
Aristóteles, no seu sétimo livro, aponta três disposições morais a serem evitadas: "o vício, a incontinência e a bruteza" (p.117), sendo o oposto disto a virtude, a continência e a fortaleza. O estado da incontinência é semelhante ao do homem adormecido, louco ou embriagado; ela, juntamente com a continência, relaciona-se com os mesmos objetos da temperança e intemperança. Além disso, "a incontinência relativa à cólera é menos vergonhosa do que aquela que diz respeito aos apetites [...], (porque) a cólera obedece em certo sentido ao raciocínio, mas o apetite não. Por isso ele é mais censurável" (p.125). Já a intemperança está relacionada com a busca excessiva de coisas agradáveis, tendo elas como um fim; ao buscar somente a diversão, que é um relaxamento da alma, o homem, assim, torna-se mole; tal atitude, segundo o filósofo, é incurável, ao contrário do incontinente, o qual seria como aquela cidade que contém ótimas leis, mas não as põem em prática. Aristóteles conclui este livro escrevendo sobre o prazer, o qual seria, uma vez que buscado por todos os tipos de pessoa, o sumo bem, de certo modo (cf. p.134).
O oitavo livro é dedicado à amizade. Aristóteles afirma que ela "é uma virtude ou implica uma virtude, sendo, além disso, sumamente necessária à vida. Porque sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens" (p.139). Duas pessoas amigas, ao estarem juntas, são mais capazes tanto de agir quanto de pensar. Porém, existem vários tipos de amizade, como a daqueles que se amam por utilidade, não com fim em si mesmo, mas no que o outro pode oferecer, já a amizade perfeita "é a dos homens que são bons e afins na virtude, pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons, e são bons em si mesmos" (p.141), ou seja, quanto mais virtude há no homem, mais perfeitas serão suas relações, mas tais amizades são raras e absolutas, etimologicamente, enquanto a amizade dos maus é acidental. Os amigos buscam sempre o convívio, e isso não é apenas por sentimento, como é o caso do amor, é por disposição de caráter, por virtude, onde o homem bom passa a ser um bem ao seu amigo. Deste modo, não é possível ser amigo, verdadeiramente, de muitas pessoas, uma vez que amizade envolve mais amar do que ser amado, o amar é característica dos amigos, e isso os permite ter uma amizade longa e duradoura.
No mesmo livro Aristóteles analisa ainda três espécies de governo: a monarquia, que seria a melhor, a aristocracia e a timocracia, ou governo do povo, que seria a pior, pois degenera a democracia. O filósofo compara a família com estes tipos de governo, pois onde há associação de irmãos há timocracia, porquanto eles são iguais, a não ser que difiram muito em idade; já a democracia é mais encontrada em famílias acéfalas, onde todos são iguais e agem como bem entendem. Na democracia há amizade, porque os cidadãos possuem muito em comum. Ainda é apresentado pelo autor um outro tipo de amizade: a baseada na superioridade. Nestas amizades "surgem dissenções, pois cada qual espera obter mais proveito delas, mas, quando isso acontece, a amizade se dissolve" (p.154).
O penúltimo livro ainda contém a análise aristotélica da amizade, como por exemplo se é conveniente ou não romper a amizade quando a outra parte muda seu jeito de ser. Se a amizade é baseada no útil ou no prazer, não há problema algum, mas caso contrário, deve-se tentar ajudar a outra parte a melhorar, mas se não for possível, então deve-se romper a amizade, porque não é possível amar aquilo que não é bom. Portanto, a melhor amizade está naquele homem que é bom, que é amigo de si mesmo, lucrando com seus atos nobres, fazendo sempre o que deve, obedecendo à razão, e pratica muitos atos no interesse de seus amigos. O homem bom é feliz, e o feliz necessita de amigos, pois "estranho seria fazer do homem sumamente feliz um solitário, pois ninguém escolheria a posse do mundo inteiro sob a condição de viver só, já que o homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade" (p.170). Além disso, a companhia de amigos faz o homem crescer na virtude, logo, "para ser feliz o homem necessita [...] de amigos virtuosos" (p.172). O filósofo ainda comenta que não é bom ao homem ter muitas amizades que visam o prazer ou o útil, pois são supérfluas, mas em relação aos bons amigos, estes o homem deve ter o tanto quanto for possível, mas ser um grande amigo de muitas pessoas é algo impossível, pois só se tem uma grande amizade, um grande amor, por poucas pessoas. Por fim, Aristóteles afirma que é desejável ter amigos em todas as circunstâncias, porém na adversidade elas são mais úteis e na prosperidade, mais nobres.
No último livro da Ética a Nicômaco, Aristóteles discute acerca do prazer, o qual está intimamente relacionado com a natureza humana, mas que não é uma qualidade, e por isto não é em si o bem, uma vez que qualidades são atividades virtuosas, as quais são próprias da felicidade, contudo, o prazer é um movimento e uma geração, "podemos passar depressa ou lentamente a um estado de prazer, porém não mostrar rapidamente a atividade do prazer, isto é, sentir prazer" (p.181). Os prazeres diferem de espécie, nem todos são desejáveis, mas alguns o são por si mesmos; por isso, quando se tem duas atividades, sempre se escolhe aquela que é mais aprazível em si, assim, diz-se que os prazeres supõem a atividade para acontecerem: "sem atividade não surge o prazer, e cada atividade é completada pelo prazer que a acompanha" (p.184).
No final da obra Aristóteles apresenta a natureza da felicidade. Ela é desejável em si mesma, pois a ela nada falta, é autossuficiente. A felicidade não é mera recreação, muito menos relaxação. Ela está em concordância com a mais alta virtude, a qual está relacionada com a sabedoria filosófica, pois "julga-se que o seu cultivo (da sabedoria filosófica) oferece prazeres maravilhosos pela pureza e durabilidade, e é de supor que os que sabem passem o seu tempo de maneira mais aprazível do que os que indagam" (p.188), uma vez que nesta sabedoria está a atividade contemplativa, a qual pode ser feita mesmo quando se está só. Todavia, uma vida assim é difícil de se alcançar, pois o homem só será assim na medida em que for, de certo modo, divino, algo superior tanto à natureza humana quanto em relação ao exercício de sua atividade, mas é possível, porque "para o homem a vida conforme à razão é a melhor e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer outra coisa, é o homem" (p.190).
Enfim, a felicidade perfeita, para o filósofo, é a atividade contemplativa, uma vez que isto é o que Deus faz, e que só se alcança se vida e virtude forem pura harmonia, mas é muito difícil ao homem ter, desde a juventude, um bom adestramento à virtude, por isso, a educação e a atividade humana à virtude deveriam ser asseguradas por lei, até que se tornassem um hábito, e as leis, conclui Aristóteles, são "as 'obras' da arte política" (p.195), a qual só é possível ser alcançada se fundamentada na experiência humana, que garante ao homem o reto discernimento das ações.
Após ter lido este clássico da filosofia e da ética, percebi que as virtudes não são elementos meramente morais, ditames religiosos ou reguladoras da conduta humana para que a sociedade "sobreviva" de forma mais pacífica. As virtudes vão muito mais além de suas manifestações práticas, elas asseguram ao homem a felicidade. Assim, penso que se todo homem tem em comum a felicidade como fim, então a virtude, caminho e condição para atingir tal meta, deve compor a essência da humanidade, ou seja, ser algo tão bem esclarecido na vida humana que, por natureza, nos sintamos no dever de conquistá-la.
Muitas muralhas ergueram-se contra tal proposta. O utilitarismo e o hedonismo - que foram citados na obra, principalmente nos livros VIII e IX – podem ser citados com um dos principais adversários da vida virtuosa, uma vez que não pode ser declarado virtuoso o homem que vê seu semelhante como uma fonte de benefício próprio, seja como alguém que seja útil ou prazeroso ao sujeito. Contudo, tais atitudes permanecem na sociedade, estando na consciência coletiva mais firmemente do que as noções de vida virtuosa, a qual se vê como esquecida, justamente pelo fato de ser mal interpretada.
Aristóteles permanece num certo comodismo quando aborda as amizades utilitaristas e hedonistas, ele as apresenta como coisas a serem aceitas, mesmo não sendo os melhores tipos de amizade; assim, penso que se não são boas, devem ser tratadas como algo a ser superado, e não como algo a ser "tolerado". Obviamente, é praticamente impossível ao homem ter amizades plenamente virtuosas, mas lutar por elas é possível.
Enfim, vejo a teleologia aristotélica como um grande caminho a se seguir. Ter a felicidade como fim, sendo ela concebida não como uma mera recreação ou relaxamento, mas como algo que seja fruto da atividade racional, da atividade contemplativa, tendo as virtudes como meio, como uma deontologia da teleologia, é uma resposta tanto aos questionamentos referentes à natureza humana, às dúvidas existenciais, como também à sociedade, uma vez que seria impossível haver um grupo de pessoas infelizes se seus membros fossem virtuosos, se de fato deixassem-se guiar por atitudes nobres, pela reta razão.




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