Resenha - IANNI, Octávio. Tendências do Pensamento Social Brasileiro

June 7, 2017 | Autor: C. Marcusso Berna... | Categoria: Pensamento Social Brasileiro
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Universidade Estadual de Maringá Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Disciplina: Pensamento Social Brasileiro

IANNI, Octavio. Tendências do Pensamento Social Brasileiro. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, 12(2): 55-74, novembro de 2000.

RESENHA Cássius M. T. M. B. de Brito Neste artigo, Octavio Ianni pretende apresentar, de forma panorâmica, as tendências teóricas que constituem o campo científico do Pensamento Social Brasileiro. Mais do que paradas em um itinerário interpretativo sobre a realidade social brasileira, estas tendências são, cada qual, itinerários de pesquisas próprios, com seus pressupostos teórico-metodológicos e perspectivas de intervenção social diferentes. O que as unifica em um campo científico unitário é a referência a um amplo objeto de estudo – a formação social brasileira, seu processo de constituição, suas transformações históricas, nas suas dimensões econômicas, políticas e socioculturais – e a disputa interna pela hegemonia teórico-política na orientação do campo. Uma sociedade que constantemente se pensa a si mesma é uma sociedade que se apresenta como um grande enigma. O fato de nunca ter sido plenamente decifrado indica que do esforço para seu entendimento emerge um campo multifacetado de temas e perspectivas de abordagem. Ianni sintetiza este esforço em nove vertentes teórico-metodológicas predominantes: 1) Estado como demiurgo da sociedade; 2) a sociedade patriarcal; 3) uma história de tipos ideais; 4) um país católico; 5) a formação do capitalismo nacional; 6) a formação do capitalismo transnacional; 7) a ideia de socialismo; 8) o Brasil brasilianista e; 9) precursores, clássicos e novos. Passemos a uma apresentação resumida destas vertentes indicadas pelo autor. 1) Estado como demiurgo da sociedade e da história: nesta vertente, encontram-se desde autores declaradamente autoritários como aqueles que abrem espaço para a discussão dos direitos políticos, da relação capital e trabalho, o processo de assalariamento e a criação de instrumentos de participação política como entidades civis, sindicatos, associações, etc. Nesta perspectiva, a sociedade civil é sempre débil, gelatinosa (Gramsci), uma combinação irracional de vários elementos, cujas características concretas variam com o tempo (senhores e escravos, pretos, brancos e índios, aristocratas, burgueses e assalariados, imigrantes e nacionais, do litoral ou do interior, etc.), mas que tem um fundamento comum: suas relações são explosivas e o Estado precisa vir, de cima para baixo, para dotar este conflito de racionalidade, previsibilidade e tutela. Nessa linha de pensamento encontram-se “Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Francisco Campos, Hélio Jaguaribe, Oliveiros Ferreira, Bolivar Lamounier e alguns outros” (p. 57).

2) A sociedade patriarcal: deixando implícitas as referências à economia e à política, esta vertente destaca os aspectos das transformações nas formas culturais de dominação da sociedade e o modo como as oligarquias foram se adequando à mudança dos tempos. Sobressai a tematização do patriarcalismo, da casa-grande, da fazenda, as heranças culturais ibéricas, notadamente a lusitana. O patriarcalismo é um símbolo de um tipo de mando, que parametriza com outros tipos de dominação: racional/legal, tradicional, carismática, etc. Não tendo uma estrutura fixa, o patriarcalismo se adapta aos tempos, mantendo, contudo, firmes suas raízes, de modo que os antigos oligarcas deixam as fazendas de cana, depois as de café para se associarem nas grandes corporações econômicas “modernas”, com especial destaque para os grandes meios de comunicação. 3) Uma história de tipos ideias: esta vertente mescla a ênfase culturalista com a técnica de construção de tipos ideais. Assim, sobressaem-se os signos, emblemas e figuras teóricas-sínteses, que cristalizariam a “alma” identitária brasileira, como, por exemplo, a cordialidade. Neste enquadramento, aparecem figuras como o imigrante, o índio, o negro, o sertanejo, o gaúcho, o colonizador, o aventureiro, o Macunaíma, o jeca-tatu, etc. Interconectando ciência, literatura e política, esta vertente abriga nomes como Sergio Buarque de Holanda, Silvio Romero, Rui Barbosa e modernistas de 1922 como Menotti del Pittia, Cassiano Ricardo, Graça Aranha, Mario de Andrade, entre outros. Para Ianni, a metodologia dos tipos ideias usa de alegorias na tentativa de, diante da complexidade histórico-social, cristalizar símbolos de indivíduos ou coletividades em imagens inteligíveis, numa espécie de registro taquigráfico de uma história difícil e que tem como característica a construção de famílias de tipos ideais (p. 60). Aspectos religiosos, míticos, mágicos de todos os matizes compõem o imaginário nacional e proporcionam uma multiplicidade de figuras disponíveis e passíveis de serem cristalizadas em tipo ideais, em porta-estandartes da nossa identidade. O compromisso político, ainda que por vezes inconsciente, dessa construção não deve ser negligenciado. As características que se sobressaem nesses tipos ideais (cordialidade, preguiça, jeitinho, sociabilidade frouxa e informal, luxúria, etc.) são produzidas num contexto histórico posterior a quase 400 anos da mais brutal escravidão. “Há aí, portanto, um dilema: em uma sociedade em que o trabalho é visto como atividade subalterna, escrava, de casta inferior, outra raça, quando se dá a abolição do escravismo coloca-se o desafio premente e urgente de redefinir o trabalho, conferir-lhe dignidade, considerá-lo atividade indispensável, com o qual se expressa a dignidade do indivíduo e da sociedade. Em larga medida, esse é o ideário do movimento abolicionista e de muitos discursos, crônicas, editoriais e outros pronunciamentos comemorativos do 13 de maio de 1888” (p. 61). A nova ética do trabalho necessária a partir do fim da escravidão conta com a contribuição desses tipos ideais que, ao cristalizar e satirizar o preguiçoso, tem o objetivo de produzir no nível simbólico os mecanismos psicossociais da valorização moral do trabalho, fundamental para uma sociedade na qual começa a se generalizar o trabalho assalariado. 4) Um país católico: o catolicismo é uma importantíssima argamassa intelectual e ideológica na formação da sociabilidade brasileira, tanto do ponto de vista simbólico mais geral como do ponto de vista político mais imediato (primeira missa, catequese

dos índios, marcha da família em 1964, etc.). Não obstante a importante relação do clero católico com os subalternos do campo e da cidade, o alto clero sempre esteve associado à elite dominante nacional na construção do Estado e na operacionalização dos modos de dominação social. O catolicismo é uma “técnica social” poderosa, que, ao forjar elementos fundamentais da identidade nacional, aglutinam indivíduos e coletividades em torno de um todo. O catolicismo segue batizando e catequizando o país desde a primeira missa em 1500. Os signos católicos estão presentes nas repartições públicas em todas as esferas de governo, está presente implícita ou explicitamente na grande mídia, nas escolas, na cultura popular. Ao afirmar que o Brasil é um país católico, em uma frase, se apaga da memória toda a diversidade de crenças, religiões e práticas culturais que constituem o povo brasileiro, mas que são dominados pelo catolicismo com sua força ideológica. Para Ianni, estão nesta vertente, além de Jackson de Figueiredo, “Alceu Amoroso Lima (Tristão de Atayde), Gustavo Corção, Augusto Frederico Schmidt, Alvaro Lins e outros, sem esquecer Farias Brito e Nestor Victor” (p. 62). 5) A formação do capitalismo nacional: esta tendência está relacionada com a discussão sobre uma suposta vocação brasileira, se agrária ou industrial. Em torno deste debate, a questão do capitalismo nacional foi se colocando em torno da política de substituição de importações, com o projeto de industrialização, que, por sua vez, tinha por objetivo internalizar processos decisórios sobre economia política e soberania nacionais. Este projeto contou sempre com a participação da esquerda, malgrado seus posicionamentos variáveis ao longo da história. Contudo, o projeto de capitalismo nacional se implementou sem rupturas drásticas, compondo adaptações e conformações agrário-industriais, ainda que com direção do bloco industrial, o que impactou no deslanche de processos sociais mais amplos, como a urbanização, a formação das classes sociais e suas expressões políticas, da direita à esquerda. Compõem esta família nomes como “Roberto C. Simonsen, Romulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, Celso Furtado, Francisco de Oliveira, Paulo Singer e outros. Tiveram antecessores em Serzedelo Correia, Pandiá Calógeras e Cincinato Braga, entre outros” (p. 63). 6) Formação do capitalismo transnacional: nesta tendência, abandona-se o projeto de capitalismo nacional em favor do projeto de capitalismo associado, no contexto da discussão da nova globalização, em alinhamento às diretrizes teóricas e práticas neoliberais de órgãos multilaterais, como FMI, Banco Mundial, OMC, etc. Aqui, opõemse a primazia do mercado à primazia do planejamento. Esta linha de pensamento preconiza o Estado Mínimo e a diminuição de qualquer estrutura fundante de um Estado de Bem Estar Social, seja no plano da economia (abertura comercial, privatizações de empresas estatais e serviços sociais, flexibilização das relações de trabalho), seja no plano da política (restrição da participação, redefinição da cidadania, precarização dos instrumentos de luta coletiva dos subalternos, quebra da proximidade entre Estado e Sociedade). O capitalismo transnacionalizado tem raízes nas acomodações que parte da elite brasileira sempre nutriu com relação às diretrizes dos países capitalistas hegemônicos1. Este tipo de pensamento e prática está arraigado 1

Uma questão nessa descrição do Ianni é seu pressuposto implícito: na contraposição que ele faz entre capitalismo nacional e transnacional, o sentido pressuposto de nação é nação autônoma, nação

nas associações empresariais, na grande mídia e seus instrumentos de divulgação. “Dentre os economistas situados nessa linha de pensamento e prática situam-se Eugênio Gudin, Octávio Gouvea de Bulhões, Roberto de O. Campos, Mário H. Simonsen, Delfin Neto e alguns outros” (p. 64). 7) A ideia de socialismo: tematiza o desenvolvimento da sociedade brasileira com referência à formação das classes sociais e seus conflitos. Focando a produção, a organização social e suas dinâmicas políticas, esta tendência usa de categorias como nacionalismo e imperialismo, tenta avaliar o processo histórico brasileiro pós-abolição em termos de uma revolução burguesa e a formação de blocos no poder. Aqui, as transformações da sociedade brasileira são analisadas desde o ponto de vista dos subalternos. Temáticas como dominação e alienação tem sua contrapartida na formulação de estratégias para a emancipação e liberdade, em que as diversidades não sejam atravessas pelas desigualdades e sejam veículos de sua reprodução, mas que sejam fundamentos da multiplicidade igualitária. Nesta relação entre passado e presente, a sociedade de classes se apresenta com elementos advindos da sociedade de castas, formando um todo social híbrido, em que o arcaico e o moderno se complementam. Estas reflexões tem como fundamento a construção de um projeto socialista, que, ao final do século XX e começo do XXI, deve ser repensando no contexto da nova globalização, do internacionalismo das classes e suas lutas. Inspirados, em geral, no pensamento de Caio Prado Jr., esta vertente abriga ainda “Astrogildo Pereira, Nelson Werneck Sodré, João Cruz Costa, Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho e outros; sem esquecer antecessores notáveis, dentre os quais destacam-se Euclides da Cunha, Lima Barreto e Manoel Bonfim; e (...) Graciliano Ramos” (p. 66). 8) O Brasil brasilianista: os brasilianistas norte-americanos e europeus contribuíram muito para a inteligência brasileira. Destacando questões da “raça” e mestiçagem, eles contribuem tanto do ponto de vista metodológico, como do ponto de vista de conteúdo das reflexões sobre a formação do povo, raça, nação, no interior dos quais se sobressai, para eles, a temática da democracia racial, que Ianni apresenta com três termos diferentes: tese, hipótese e mito. A atenção deles pela ditadura militar como reação ao populismo democrático de 1946-64 e de um risco a uma suposta república sindicalista não aborda, contudo, que a ditadura militar foi um processo político-social dentro do contexto da “diplomacia total” norte-americana no período da guerra fria. O reavivamento dos estudos brasilianistas se dá geralmente em momentos de ruptura histórica. Na redemocratização, a atenção deles é voltada a temas como inserção emergente do Brasil na nova ordem mundial, reforma do Estado, etc. Não obstante as soberana, é o sentido do tipo ideal de nação europeu. Nesta perspectiva, o projeto do capitalismo nacional tinha como horizonte de construção este tipo ideal, contra o qual o projeto do capitalismo transnacional se coloca como entrave. Contudo, é preciso sair desta oposição formal. Se pensarmos o Brasil como uma nação periférica, isto é, que se forma como nação no interior das relações de dependência, como contraface necessária das nações centrais do capitalismo mundial, a situação toda muda de figura. As características dependentes constituem a concretude da nação periférica, seu horizonte não é uma abstração, mas as similaridades com outras nações periféricas que disputam a hegemonia internacional com as nações centrais. Sendo os “elos mais fracos da cadeia imperialista”, se poderia falar em surtos, em ganhos de soberania, que, por sua vez, são sempre dependentes das conjunturas econômica e geopolítica mundial serem favoráveis.

diferenças internas dos estudos brasilianistas, eles tendem a ser extremamente normativos e a se alinhar com as linhagens dominantes dos estudos nativos. Ao apresentar os principais representantes desta vertente, Ianni se permite um comentário irônico, ao alinhar junto com Alain Touraine, Albert O. Hirschmann e Thomas E. Skidmore “brasilianistas nativos”, como Hélio Jaguaribe e Roberto Campos (p. 69). 9) Precursores, clássicos e novos: Precursores: Imersos na sociedade escravocrata, os precursores do pensamento social brasileiro se viam às voltas com teorias e sugestões do pensamento europeu na tentativa de entender uma sociedade escravista que se formava a partir da junção de “três raças tristes” (lusitana, indígena e africana) em solo americano em um contexto de afirmação capitalista na Europa. Neste sentido, temas como raça, Estado, nação, povo, centralismo e federalismo, oligarquia e liberalismo, monarquia e escravismo eram pensados sob influência do positivismo, darwinismo social, arianismo, evolucionismo, entre outros. “Dentre os ´precursores´, colocam-se Euclides da Cunha, Alberto Torres, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Sílvio Romero, José Veríssimo, Machado de Assis e Lima Barreto; sem prejuízo de Tavares Bastos, José de Alencar, José Bonifácio e Frei Caneca, além de outros. Sem esquecer Eduardo Prado e Varnhagen” (p. 70). Clássicos: a partir do começo do século XX, a “questão nacional” passa a ser o objeto que fará de nomes como “Jackson de Figueiredo, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Roberto C. Simonsen, Caio Prado Júnior e Eugênio Gudin” (p. 70) clássicos do pensamento social brasileiro. A análise da experiência brasileira passa a ser questão estratégica para um projeto de desenvolvimento e problemas como a “vocação” agrária brasileira, o peso do passado colonial na estrutura social nacional são tematizadas como marcas indeléveis, que, contudo, não impedem a introdução de dinamismos de desenvolvimento modernizador, embora limitados. Os clássicos são favorecidos pelo contexto em que desenvolvem seus estudos. São contemporâneos da semana de arte moderna, da fundação do PCB, do tenentismo, da primeira guerra, da revolução russa, do crash de 1929, da revolução de 1930, da criação de universidades e centros de pesquisa, de instituições empresariais, da ALN, do contexto dos desdobramentos, etc. Ou seja, um contexto de transformação da sociedade civil e do Estado brasileiros em um contexto mundial de transformações profundas. Novos: a marca característica dos novos seria o fato de eles se beneficiarem das conquistas anteriores das ciências sociais e do ambiente institucional criado na primeira metade do século XX para produzirem suas novas interpretações da formação social brasileira. Para isso, eles interpenetram interesses sobre a estrutura social e sua constituição em classes, grupos, instituições e processos políticos; arranjos culturais, consciência coletiva e individual; os jogos das forças sociais, tendo como ênfase o deslindamento das características essenciais de uma sociedade em movimento. São exemplos nomes como “Mário de Andrade, Florestan Fernandes, Raimundo Faoro, Clóvis Moura, Jacob Gorender, Celso Furtado, Antônio Cândido, Mário Pedrosa, Alfredo Bosi, Cândido Portinari, Graciliano Ramos e Oscar Niemeyer” (p. 71). O novo contexto em que produzem, matizam também seu pensamento, na medida em que

incorpora temáticas como fascismo, nazismo, liberalismo, socialismo, dilemas sobre reforma ou revolução, alienação e emancipação, etc. Ao final do artigo, após apresentar todas estas vertentes, Ianni propõe uma interpretação geral de que elas podem ser entendidas como uma grande narrativa complexa a respeito da “incógnita sem fim”, que é a formação social brasileira e sua história. A variedade de teorias sobre a constituição e o desenvolvimento da sociedade brasileira poderia ser entendida contribuições singulares que, combinadas, dariam conta de uma grande e complexa explicação geral, que dá conta da história da formação da nossa sociedade em seus diferentes aspectos: econômicos, políticos, culturais e de suas relações exteriores. Além disso, Ianni considera que esta variedade de teses e perspectivas teóricas compõe um rico manancial ficcional sobre a sociedade brasileira, que tem suas tramas e personagens, momentos de tranquilidade e momentos críticos, que elegem seus protagonistas em uma narrativa de mistério e revelação em formas literárias diferenciadas no intuito de contribuir para o esclarecimento do que seja nossa sociedade. Apesar de muito instigante, há um limite nesta abordagem intentada por Ianni sobre a estruturação do campo do Pensamento Social Brasileiro, que é justamente (com o perdão da redundância) entendê-lo como um campo científico, no sentido definido por Bourdieu (1983)2, ou seja, como um espaço em que estão definidas as condições sociais para a produção da ciência. Neste espaço, há disputas, concorrências em busca do monopólio da autoridade ou competência científicas (que vem acompanhada de prestígio, celebridade, reconhecimento), que confere legitimidade a seus agentes autorizados a falar a partir do campo para espaços/lugares fora dele. As disputas do campo científico não são exclusivamente políticas, mas colocam em jogo concepções diferentes de como se fazer ciência. Há, portanto, uma dimensão eminentemente epistemológica e metodológica que permeia o campo científico. A tendência dominante não apenas o é do ponto de vista político, mas garante por este domínio político a prevalência de suas concepções gerais sobre ciência, o que significa a prevalência prática das estruturas derivadas destas concepções. Assim, política e epistemologia são inseparáveis. Na medida em que se colocam como problema a formação da sociedade brasileira e seus processos de mudança na história, as referências do Pensamento Social Brasileiro travam, no interior do campo, uma disputa pela hegemonia da definição do que sejam os objetos, temas e também enquadramento teórico-metodológicos e perspectivas de análise legítimos para a produção da ciência. Esta disputa acaba “enriquecendo” os sujeitos de “capital científico” não apenas para acumular legitimidade no interior do campo, mas para tornar-se referência também em uma audiência mais ampla, para fora dele.

2

BOURDIEU, P. O Campo Científico. In: Pierre Bourdieu – Sociologia. São Paulo: Ática, 1983, pp. 122153.

Estes sujeitos devem ser entendidos também como “intelectuais orgânicos”3 de classes ou franjas de classes sociais. Por mais acadêmicos que possam ser, a dimensão política das teses que apresentam extravasam os limites do campo científico, transbordando em direção às disputas políticas na sociedade como um todo. Neste sentido, para além de uma narrativa multifacetada que se consubstancia em uma rica ficção sobre a realidade nacional, a intervenção de todas estas famílias no debate sobre o Brasil são elementos constituidores de projetos mais amplos de sociedade. Estes sujeitos devem ser entendidos também como atores de um país em sua dinâmica de transformação.

3

“Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no politico: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia politica, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc.” (GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Ed. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, pp. 3-4).

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