RESENHA LACAN, Jacques. “Eu venho do salsicheiro” in O Seminário. Livro 3 : as psicoses.

July 25, 2017 | Autor: Angélica Chiappetta | Categoria: Jacques Lacan
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE ESPECIALIAZAÇÃO
"Teoria, técnica e estratégias especiais em psicanálise"







RESENHA




LACAN, Jacques. "Eu venho do salsicheiro" in O Seminário. Livro 3 : as
psicoses. Trad.Aluisio Menezes. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002, p.55-69.





Autora: Angélica Chiappetta
















São Paulo, agosto de 2003.

A fala do psicótico e sua relação com a realidade





Desde os primeiros encontros deste Seminário de 1955/56, Lacan vem
falando dos problemas de se considerar o tratamento da psicose por meio da
compreensão do discurso do doente. O psicótico parece falar coisas que não
são conformes a uma seqüência de idéias, afirmação que pressupõe que há uma
seqüência esperada que corresponderia às coisas como evidentemente elas
são. Para Lacan, é preciso justamente questionar essa evidëncia,
principalmente quando se trata da linguagem: quando falamos, usamos
palavras que não estão naturalmente atreladas a objetos do mundo físico, a
sentimentos ou a o que quer que seja. Somos entendidos não por causa de uma
evidente relação entre significante e significado, mas graças a uma série
de, digamos, operações, pessoais e coletivas, que produzem a significação
do nosso discurso. O fato de partilharmos grande parte dessas operações
faz com que a significação pareça evidente. O psicótico, por assim dizer,
não as partilha totalmente.
No capítulo 4 do Seminário, intitulado, a partir de um episódio
clínico, (Eu venho do salsicheiro(, Lacan diz que vai tratar do que
diferencia a neurose da psicose quanto às perturbações que elas produzem
nas relações do Sujeito com a realidade. A realidade é, no caso, a
realidade psiquíca e as perturbações são conseqüências do fato de que o ser
humano é um ser que fala. Porque usa a linguagem é que o ser humano passa
necessariamente pela indecibilidade que tange sobretudo à recepção do outro
a quem ele se dirige.
A teoria da comunicação enuncia que o emissor codifica e emite a
mensagem que o receptor recebe e decodifica. Diferetemente do que pensa
essa teoria, Lacan afirma que na fala humana é o receptor que envia a
mensagem ao emissor, porque é ele, receptor, quem decide fundamentalmente
sobre o sentido da mensagem enviada. Falar a um outro não implica, desse
ponto de vista, saber o que se diz.
Desde o Seminário 1 Lacan vem retificando o paralelismo que Saussure
postulava entre o significante e o significado. Significante e significado
não são paralelos nem homólogos e é um equívoco pensar que o significante
está a serviço do significado e existe para que possamos dizer o que temos
em mente. A tese de Lacan é que o significado é um efeito do significante,
e que os efeitos de significação são criados pelos jogos e permutações de
significante. O que se denomina código da língua é toda uma acumulação,
coletiva e transmissível de geração a geração, de formações significantes
em sua função de criação de significado. Uma vez que entramos no jogo
simbólico da língua, somos obrigados a nos comportar segundo uma regra.
Lacan postula a referência ao grande Outro, alocutário fundamental,
que indica a direção do discurso mais além de qualquer outro a quem se
possa efetivamente estar dirigindo. É o Outro da linguagem, da Cultura, do
discurso universal, de tudo o que foi dito, na medida em que é pensável.É o
Outro da verdade, esse terceiro em relação a todo diálogo. È também o Outro
do desejo, do inconsciente. Enfim, esse Outro é uma dimensão de
exterioridade que tem função determinante para o Sujeito.Somente o Outro
pode nos ensinar o que queremos dizer. Falamos uns com os outros não
necessariamente, ou prioritariamente, para comunicar informações, mas sim
para aprender do Outro quem somos.
Quando fala a um outro, o Sujeito não é amo e senhor do que diz. Na
medida em que utiliza a língua, sempre diz mais do que quer e, ao mesmo
tempo, outra coisa. Na medida em que falamos somos, de fato, falados pela
língua. O Outro é o senhor da língua, aquilo diante do que falamos para nos
fazer reconhecer. Mas só nos fazemos reconhecer na medida em que ele é
primeiramente reconhecido por nós.
A fala humana comporta, assim, duas dimensões: uma dimensão da
linguagem e uma dimensão da palavra. À primeira, Lacan denomina muro da
linguagem. Nessa dimensão se objetiva a relação do eu ao outro e a
linguagem adquire uma função imaginária. Na relação entre o Sujeito e o
Outro, a fala entra na dimensão da palavra, que cumpre, como já dito, a
função de reconhecimento subjetivante. Só que essa relação simbólica do
Sujeito ao Outro é uma relação virtual porque interdita pela relação
imaginária entre o eu e o outro.
Não há como objetivar o Sujeito diretamente, já que a fala sempre se
depara com esse muro. No entanto, há duas maneiras de falarmos dele.
Primeira, dirigindo-nos, quando falamos, ao Outro da linguagem e recebendo
dele a mensagem que nos concerne, que asssinala nosso lugar de forma
invertida. Segundo, indicando a direção e a existência do Sujeito sob a
forma de alusão: (a mensagem que concerne a mim vem deste lugar(.
Apesar de usar a mesma linguagem que todos, o discurso do psicótico
tem uma economia particular, a significação se dá por outras relações que
não a do ordenamento comum do discurso. A fala delirante comporta uma
exclusão do grande Outro. Seu circuito se fecha na relação entre eu e o
outro, e o que concerne ao Sujeito é dito realmente, em forma de alusão,
pelo outro. Ou melhor, é dito de um lugar que está fora da simbolização, é
dito do real.
Estruturada dessa maneira, a fala delirante adquire ares muito
característicos como o uso de neologismos, ou seja, de uma relação entre
significantes que produz uma significação não partilhada culturalmente e,
além disso, inquestionável, não dialética, fechada em si mesma, porque não
mediada pelo Outro.
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