RESENHA: O TEATRO COMPLETO DE NELSON RODRIGUES

September 9, 2017 | Autor: W. Lima Torres Neto | Categoria: Nelson Rodrigues, Resenha, Resenha critica
Share Embed


Descrição do Produto

Expedlente

jan-jun 2005

FOLHETIM ISSN 1415-370X janeiro ajunho tIe 2005 Uma publieaçao do Teatro do Pequeno Gesto Editora geral FSima Saudi Conseiho editorial Antonio Guedes, Angela Leite Lopes Walter Lima Torre5 Colaboraram nesta ediçao Beatrice Picon-Vallin, Christine Jung ueira, Cue/k Ruiz, Guga Me/gut, !n& Gvdoso Martins Moreira, Lenise Pinheiro, Pedro Sussekind, Sidnei Cruz e Wa12er Lima Torres Projeo gthfieo, diagramaçao e capa Boron C. Foto de capa Celso Pereira (Alnias &e,mntes, criaçAo do Teatro de Anonimo, direçao de Sidnei Cruz, 2004. Shirley Brian e Joao Artigos) Fetus entrevista Guga Melgar Revisao Paulo Tellas Transcriço de entrevistas Marcia Alve apydesk do entrevista Fajima Saudi elsa Vianna Estagiaria JulianaLugao SecretLria Morcia Alves A gradecim entos Alexandre Vote/la, Antonio Qidengue, Via Radunshy, Cedoc/Funos Christine Braga, Cris Plvrej, Dalton ValeS, flávia Bert.

Teatro do Pequeno Gesto TeIIFax 21 2558-0353 www . pequenogeslo .com-br

Foihe timQ Teatrodopequenoflesto

Sumàrio Editorial 5 Os novas desafios do itnagem e do som pare o Em direçao a urn "super-ator"? 6 Beavice Picon- Vallin Goethe e Shakespeare 24 Pedro Sussekind Gerinde Stein e Thornton Wilder: oorrespondencias 31 !n& Cwdoso Mwtins Moreira "Ha!" 46 Ciselk Ruiz A crI6ca tean-al carioca e a consolidaçao do teatro brasileiro moderno 56 ChfistineJunqueira Ern foco 66 8perguntas de Fatima Saodi € Wafter Lima Torres porn Guga Melgar Ern foco 72 Sperguntas de Fatima Sandi e Wafter Lima To,res para Lenise Pinizeiro Resenba 78 A consagracAo de urn clássico! Walter Limo Tortes Teatro Giratorio 86 Entrvvista de Sidnei Cruz aAnwnio Guedes, Fatima Soadi € Thuno Cnsz



Resa

A consagraçäo de urn clássico!

MF



Walter Lima Torres *

:

Te'alro (flJtlJ)l(t() c1i .\Isn Roth'tgus V.

I leç(/ /).'U

(il( 'fl

%C,

C,

Luiz Arlhur Vmv,

hiI

.tI

v. 2 I'ças a p It' '.e H flIS il) ir,-I'Rio

F '. '

) V.

4 ?roi/1o. ror,ocai ii

r

for niato: 16.5 x 23,5 edilora: Nova l'ronteira ano: 200 1

'

k -

L

* W alter I .inia lorres 6alor e ciji-otor I tedrn. Ex-r ornli ianlor e 0\- iioIensor do Curso de I)irn'rao lealial (],I F1( 3 )!1 F11J (I 21 X 13), atinjlrnc'iitn' ml .,sor .ilji iiitode Fdo o e I aiieina 110 I )e dOd])) litniIII- A ins I I,t ]1ivrr lade I'is Irial III, I iirai Seii Curitiba. Pentoa -mm' /1111 ]Ili lint lies. I II , N il sol Rodrigues. N thou Rui rig i s_ \I aiii Ii' Na/.arn)Ii e (Saiinio Gill, 1057 (A rvo I i'bOi/IiillIlll.

Folhetjm • 2

• jan - jun de 2005

A editors Nova Frontefra reedita em quatro belissimos volumes a integra do obra teairaj de Nelson Rodrigues, associando so texto das consagradas peças uma fortuna critics e iconografica de inegavel valor cultural para o estudo da cena. 0 inteligente projeto editorial, que deveria, allis, servir de estimulo para a reediçao da obra de outros autores, oferece ainda so leitor variadas e seletas reflexoes de diretores teatrais eontemporâneos, escritas a guisa de apresentaçAo para os textos enfeixados em cada urn dos quatro volumes. Luiz Arthur Nunes, Aderbal Freire-Filho, Marco Antonio Braz e Antonio Guedes Se revezam no exercIeio do comentirio perspicaz sobre o teatro de Nelson Rodrigues, cada urn so seu estilo e a partir de seu olhar como criador. No Volume 1, Peças Psicologicas, euja apresentaçAo flea por eonta de Luiz Arthur Nunes, o diretor dos fragmentos de A vida cony., eta e descortina pars o leitor-espectador os processos da téenica de dramaturgia aplicados por Nelson Rodrigues aos seus textos. Ao analisar as estruturas, que vAo do naturalismo an, melodrama, Nunes mostra as possibilidades de variaçao na composiçao dos textos e no emprego de reclirsos estetieos e psicológieos, que estariam na base de uma carpintaria teaS revolucionthia em relaçao an panorama da decada de 1940 no Brasil. Ja Aderbal Freire-Filho, na apresentaçao dos Peças Muticas, o segundo volume, enfatiza a necessidade autoral na funçao do diretor teatral em relaçao a peca a ser eneenada e, nesse sentido, reflete sobre son própria experiência so montar Senhora dos Afogados. Conelui-se dal que o legado de urn autor de nada valeS sem a intervençao artistica do eriador da cena. Sem perder de vista esse raciocmnio, Aderbal procura ainda vincular o teafro de Nelson Rodrigues com a eultra latino-americana, relacionando-o, sobretudo, corn o ambiente portenho, fornecendo pistas pars um estudo ulterior das interrelaçoes entre a estética e a temática rodriguianas e o teatro latino-americano de uma maneira geral. 80

Resenha • Walter Lima Torres

Numa visAo personalissima, Marco Antonio Bras, par sua vez, so apresentar o Volume 3, Traedias Cariocas 1, deixa claro que a arte do teatro e manilèstaçao espaço-temporal, mnemonica, e dude as próprias lembranças de espectador assiduo das encenaçoes de Antunes Filho para pafle da ohm de Nelson: 0 eterno retorno e Pajraiso Zona None. Talvez urn caso imnico no Brasil, o diretor do Cfrculo dos Comediantes vem estudando e montando as peças de Nelson Rodrigues ha dez alios, e essa prática confere a obra do dramaturgo o valor de urn manancial que necessita ser constantemente visitado, interrogado e que Se renova a cada novo projeto. Inventor de uma linguagem própria, segundo Antonio Guedes, na apresentaçAo do Volume 4, Tragedias Cariocas II, Nelson Rodrigues projeta was "ideia sabre a tragedia contemporãnea" que Se di no nivel do linguagem. Nelson, so substituir a noçAo de destino par desejo, atualiza aquela força pie toma a trajetoria do personagem inevitavel. A dimensao pie Nelson da a essa leitura muito particular da tragedia o colors, fora do fimbito dos costumes locals para dialogar corn as grandes autores do dramaturgia mundial. As ricas apresentaçöes são acompanhadas por uma galena de imagens fotográficas: 64 documentos visuals, em preto e branco, distribuidos pelos quatro volumes, dAo uma idéia signilicativa da temperatura e do china dramático de várias cenas da drainaturgia de Nelson Rodrigues. Essas reproduçöes säo basicamente de duas naturezas: fobs posadas, possivelmente pan divulgaçAo, e fotos de cena, em ensaio on espetáculo corrido. Os documentos, interrogados, podem revelar ricos detalhes sobre as escollias esteticas e as tipologias das encenaçöes pie van da decada de 1940 ate as nossos dias. Ha evidentemente fotos que documentam o processo de trabalho, tanto o instantaneo do autor no ambiente da montagem de Boat tie bum, em 1961, acompanhado pelo diretor José Renato e pelo ator do papel-titulo, Milton Moraes, quanto a fotografia 81

Foihetim • 2

• jan - jun tIe 2005

que registra Madame Morineau ensaiando Dulce Rodrigues no monôlogo Valsan°6, em 1951. 0 teor dos comentórios, das anlises e dos argumentos, expostos nas apresentaçöes de cada volume, resides; pelos prefaciadores deals reediçao da Editora Nova Fronteira e dos quais aqui demos was diminuta pincelada, já seria o bastante para sinalizar pie estamos diante de urn cléssico da literatura dramática e do teatro brasileiro, e por que nAo?, da cena americana on mundial. Mas o que seria urn clássico? Uma brevissima mas instigante reflexao de halo Calvino sobre a literatura em Por que icr osclassicos' pode nos set do algum auxIlio na tentativa do balizarmos certos eritérios que poderiam ser adequados so teatro de Nelson Rodrigues. halo Calvino sugere quatorze propostas na busca per uma definiçao para urna obra cléssica. Apesar de nAo citar diretamente nenhurn exemplo oriundo do universo dramático, esse fato alto exclui a possibilidade de que haja classicos no ambito do dramaturgia, so contrário, a reforça, come verernos a seguir. Pan Colville, "urn cléssico e um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha pan dizer". Apesar de a literatura Se reafizar no interior do sujeito recostado em sua confortavel poltrona, a literatura dramatica so so completa corn a escrita cenica e sua representaçAo acontece fora do sujeito, sobre as tabuas. E necessário it an encontro do teatro. E, desso maneira, urna obra teatral estA permanenternente aberta a atribuiçao do nov05 sentidos oferecidos pelos praticos da cena teatral, corn destaque especial para o trabaiho do diretor teatral, come atestarn as opinioes e comentarios dos apresentadores do Teatro conipteto de Nelson Rodrigues.

82

1. C[vrno, Italo. SAo Paulo: Companhia dasItras, 1993.

Resenha • Walter Lima Torres

Em seu já antologico ensalo sobre "A represenlaçao dos classicos; reescritura ou Massa" '2 Anne Ubersfeld Sc contrapoe a definiçao de Italo Calvino e afinna que é: clássico tudo aquilo que, no tendo sido eserito pan nós mas para outros, reclama urns "adaptaçao" a nossos otividos; nesse sentido, a g o apenas Shakespeare, mas Vigny ou Musset ou Tchekhov ou Ibsen - e já Sarire -, corn mais razâo ainda Brecht -, são, pan nôs, classic05. Tudo o que Se escreve hoje desliza para a classic,: nâo ha cone temporal decisivo.3

Privilegiando a noçao de elássico no ambito do teatro francês de Corneille a Beaumarchais, Anne Ubersield assinala três earactexttjcas estruturais do clássico: o clássico expressa a eternidade das paixoes Immanas; o clãssico é depositário de uma verdade psicologica e o clssico e belo por conta do sua perfeiçao formal .4 As trés caracteristicas constituent ama triade que explica o impulso e a atração de jovens grupos, companhias consagradas e elencos circunstanciais pelo teatro de Nelson Rodrigues, que parece resistir a todo tipo de interpretaçao. Outra possivel caracterIstica do clássico é a sua resistência, mesmo quando sun identidade e usurpada em prol de mm-os objetivos menos artisticos e mais voltados para fins promocionais on meramente midiaticos, por exemplo.

E certo que, por urn lado, uma peça de teatro on obra literãria nunca diz tudo que seu autor pretendia dizer, e, por outro lado, toda representaçao deste estrato ficcional revela novidades (opinioes e comentários originais) sobre aquilo que o mesmo autor tentou afirmar. A relaçao tortuosa entre essência e aparSncia on forma e conteAdo é a mola mestra da artieulaçao texto/cena que alimenta o trabalho teatral. Essas duas instàncias aparentemente distintas no teatro dos grandes autores, on dos clãssicos (Shakespeare, Moliere, Tchekhov, en" outros), são absolutamente convergentes, e essa é a novidade 2. Uww, Mine. FolMin, n. 13, p. 8-37, abr.-*. 2002. 3. 'don, p.9-10. 4.Jdem,p.11.

83

Foihetim • 2

a

jan - jun de 2005

da dramaturgia de Nelson Rodrigues, on a modernidade da quai sua obra é portadora em relaçào ao panorama da década de 1940. Como qualquer grande autor, ele faz convergir texto e cena, oralidade e teatralidade que, conseqilentemente, resultam em grande impacto cênico quando pensamos, par exempie, em montagens emblemáticas come aquelas dirigidas por Antares Filho e evocadas per Marco Antônio Braz. Ora, o que nos parece determinante na obra teatral de Nelson Rodrigues, após sua releitura e a leitura das apresentaçaes, é o fate de ela set depositaria de uma potencialidade que Se tradu2 no jogo entire oralidade e teatralidade. Muito já Se comentou sobre o emprego da palavra nas peças de Nelson Rodrigues - estilo jornalistico, gfrias, frases curtas, expressoes idiomaticas e toda a serie possIvel de efeitos de linguagem -, porém, o que sobressal de sea texto é a eapacidade de evecar urn ser ficcional, através de uma construçAo par meio de paiavras, que evidentemente so pode ser pereebide através da emissAo da fala do star. Naturaimente, essa é a operaçAo convencionai do trabaiho teatrai diante de ama peça, entretante, no caso do teatro de Nelson Rodrigues, esta eondiçao Se acentua e a oralidade confirma sua eficacia quando Se verffica urn trabalho teatral integral que estimula o potencial de jogo que Se estabeicce entre a palavra a seT enunciada e o movimento da cena elaborado pelo autor/diretor. Isto é, inventar uma maneira, mais urn modismo, para dizer o texto e coisa muito Mcii - e e o que vem sendo feito par af. Coincide, cobcar-se a escuta do texto tern side trabaiho de hem poucos artistas, come atestam as vozes dos diretores-apresentadores acerCa da complexidade do universo ficcionab de Nelson Rodrigues. Portanto, a oralidade, justaposta a uma teatralidade quo parece emanar "naturalmente" do texto, funds, na verdade, am estado de brasilidoAc eboquente que vai abém dos limites que as rótulos atribuidos as divisoes das peças possam sugerir. A equaçAe entre oralidade e teatralidade, apontando para

H

('S e 11

Ii a 0 II

//erL

II) (1

To rr e s

uma bn1s,lidade. talvez seja a c}Iave para entender 0 entiisiasmo corn quc tnñmeros gnipos, cornpan}Iias e eleneos se aproximain desses textos corn 0 ohetvo de colocar em cena a rneIllor a mais at ualizada versao dessa fonte ficcional que reulete, sew uleahzaçOes, nossa cultura C nosso leatro.



, !

AOW

de I(u d ()uro

\lttoti \1orai. 1901 ((('I)(

Ison Ftodiigiiv. José Itenuto e

85

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.