Resenha \"Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808)\" de Fernando A. Novais

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NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1995. Fernando Antônio Novais e sua célebre obra Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial fazem parte do panteão dos grandes clássicos da historiografia brasileira. Apresentar um texto dessa preponderância, ao mesmo tempo em que traz algum conforto, pois é uma obra grandemente reconhecida e com muitos leitores, configura um desafio. Muito foi dito e escrito sobre ela e sua influência ecoa até os dias de hoje. Por tais razões, a apresentação do livro e de seu autor será breve, porém necessária. Novais nasceu em 1933 na cidade de Guararema, no estado de São Paulo. Graduou-se historiador pela Universidade de São Paulo, onde lecionou de 1961 a 1985. E desde o ano de 1986 está vinculado ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Derivada de sua tese de doutorado, a obra em questão foi publicada em 1973. E com ela Novais contribuiu de forma inédita e inovadora com estudos referentes à relação metrópole/colônia. Trabalhou também como professor visitante em inúmeras instituições de ensino superior no exterior, como por exemplo: Columbia, Universidade do Texas e Universidade da Califórnia nos EUA. Sorbonne, Universidade de Coimbra e Lisboa na Europa. Agora tratemos da obra em si. A intenção de Novais com essa tese não é tarefa fácil, e conforme indica o título, o período do final do século XVIII e início do XIX é o foco de sua análise, pois é nesse entremeio temporal que temos a crise mais aguda do antigo sistema colonial. Logo nos prolegômenos da obra, Novais pontuou a importância desse período: aparecem como um desses momentos tormentosos e fecundos em que se acelera significativamente o tempo histórico: o movimento revolucionário promove a demolição progressiva do Antigo Regime e a construção das novas instituições do Estado da época contemporânea 1.

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NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1995. p. 3. 1

Mas para explicar plenamente tal ideia, Novais fez recurso a uma análise sistêmica, que procurou enxergar o mundo colonial, especialmente a relação de Portugal com suas colônias, sob um prisma externalista e globalizante. Em uma obra contendo quatro capítulos e uma breve conclusão, o autor traçou um caminho amplo e completo. Construindo uma análise estrutural, Novais buscou, a princípio, entender as relações de Portugal com outros países europeus na época moderna, lançando um grande, porém breve, panorama da expansão colonial europeia e da política mercantilista. Em um segundo momento, tratou de aprofundar a discussão teórica a respeito das categorias históricas que são fundamentais para entender sua análise do período, tratou também do sistema colonial e do mercantilismo, para assim entender seus mecanismos e sua crise. Na terceira parte, apresentou as conjecturas de crise pelas quais Portugal passou para, por fim, apontar como a política colonial portuguesa tratou de incorporar novos corpos teóricos - econômicos e políticos - que circularam pela Europa nos séculos XVII e XVIII surgidos dos impulsos do novo comércio mundial e de toda a nova gama de novos problemas e dificuldades que dele se acarretaram. No primeiro capítulo da obra, intitulado “Política de Neutralidade”, Novais buscou entender as relações internacionais de Portugal na época moderna. Postulou que, a partir de 1640, com a separação da União Ibérica e a influência do império espanhol em baixa, Portugal ficou cada vez mais ligado à Inglaterra, por meio de alianças comerciais que proporcionaram apoio naval e militar britânico a Portugal em troca de acordos comerciais, enquanto que a Espanha fortalecia sua aliança com a França. Uma questão que o autor colocou é a de como essas potências –Espanha e Portugalconseguiram manter suas conquistas coloniais em meio à ascensão das novas potências no sistema colonial, a resposta de Novais consistiu no argumento desenvolvido acima “É este sistema de alianças que permite a Portugal e Espanha resguardar os respectivos domínios no ultramar” 2. Vale ressaltar também que no decorrer do século XVII, as duas potências que apoiaram os ibéricos – França e Inglaterra- estiveram em constante disputa e conflito. Nessa situação também se configurou a mudança de eixo da economia imperial portuguesa, que do oriente se deslocou para o Atlântico. Isso ocorreu com o apoio da 2

Ibidem. p. 18. 2

frota naval da Inglaterra, que em troca desse apoio era agraciada com acordos comerciais para adentrar os monopólios coloniais. No oriente, as Companhias comerciais da Holanda e da Inglaterra tomaram a dianteira das negociações em meados do século XVII. É de vital importância a relação de Portugal com a Inglaterra nos séculos XVII e XVIII para poder entender a crise que viria a se instalar de maneira irreversível no XIX. No decorrer do XVIII, as reformas pombalinas intentaram por reduzir as vantagens econômicas cedidas aos ingleses, mas ainda assim reconhecia “a necessidade incontornável de manter a proteção política da Inglaterra” 3. Tais ações dos governantes portugueses levam a conclusões que defendem ser a manutenção das posses coloniais do ultramar a causa de todas as concessões políticas feitas no decorrer do século XVIII até no início do XIX, nas quais D. João e sua transferência para o Brasil foi entendida por Novais como o auge dessa política4. A luz dessa reflexão é de importância inconteste pontuar o papel disputas pela exploração colonial no século XVIII, as quais atingiram seu auge e tornaram-se causa mor das hostilidades e desembocaram em questões dinásticas, essas guiadas sempre pelas questões e “tensões do ultramar” 5. No decorrer do capítulo, Novais citou os acordos feitos pelas potências, como, por exemplo, o de Utrecht e de Viena, que ao passo que iam conferindo paz e prosperidade comercial, iam se delineando novas instâncias de poder e dominação comercial, com destaque a preponderante ascensão da Inglaterra6. E é exatamente nessa ascensão que as formas de resistência começaram a dar seus primeiros sinais, a posição dominadora da Inglaterra para com suas colônias da América do Norte desencadearam uma revolta que teve como resultado a Guerra de Independência em 1776, evento esse que o autor apontou como fator que deu início a crise do sistema colonial. É importante ressaltar que em finais desse capítulo que Novais apontou o primeiro elemento da crise do antigo sistema colonial: a defasagem entre a posição política e econômica das metrópoles ibéricas no quadro do equilíbrio europeu e a extensão e importância comercial de seus

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Ibidem. p. 30. Ibidem. p. 32. 5 Ibidem. p. 43. 6 Ibidem. p. 51. 4

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domínios ultramarinos só se pôde manter até o fim do século XVIII graças à rivalidade entre as potências ascendentes, Inglaterra e França7.

Passando para o capítulo dois, Novais apontou que o que foi discutido até esse ponto da obra disse respeito à causa superficial e é nessa parte do texto que apresentará as questões estruturais para enfim, entender sua crise, o que ela representou e como foi causada. Sua primeira consideração consistiu em pensar a colonização como sistema, um sistema que se baseou na relação metrópole e colônia. Uma primeira etapa dessa analise se dá por meio da definição do sentido da colonização, principalmente suas normas legais8. O autor ressaltou que parte da ideia de tentar entender a colonização por meio dos pactos coloniais, mas apontou que na maioria das vezes as novas situações impostas pela expansão territorial e comercial resultavam em situações que demandavam ações que fugiam do planejado. E a partir dessas novas situações, houve um alargamento dos horizontes teóricos, ocasionando uma generalização de conceitos no decorrer de novas possibilidades econômicas e políticas. Mercantilismo é definido por Novais como envolvendo uma: conceituação primária da natureza dos bens econômicos, e a suposição de que os lucros se geram no processo de circulação das mercadorias, isto é, configuram vantagens em detrimento do parceiro [...] O mercantilismo não é, efetivamente, uma política que vise ao bem-estar social, como se diria hoje; visa ao desenvolvimento nacional a todo custo9.

É interessante verificar a relação metrópole/colônia a partir desse prisma. Passando então para a definição de Sistema Colonial: Ele se apresenta como um tipo particular de relações políticas, com dois elementos: um centro de decisão (metrópole) e outro (colônia) subordinado, relações através das quais se estabelece o quadro institucional para que a vida da econômica da metrópole seja dinamizada pelas atividades comerciais 10.

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Ibidem. p. 55. Ibidem. p. 58. 9 Ibidem. p. 61. 10 Ibidem. p. 62. 8

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No cenário da expansão colonial e da colonização do Novo Mundo, se deu uma etapa intermediária da vida econômica europeia, o capitalismo mercantil. Romperam-se os limites estreitos da idade média quando o comércio foi revivido e se submeteu as pressões da economia de mercado11. Desta feita, a argumentação do autor visou sustentar que a economia colonial fomentou a acumulação, a nível econômico, e no campo político ela serviu para fortalecer o mercado nacional e o Estado forte, ancorado no governo da nobreza. Constituindo assim uma continuidade da sociedade estamental, porém, com crises sociais atenuadas12. Novais explorou a ideia de que a expansão possuiu uma natureza “essencialmente comercial”

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, fazendo recurso às ideias de Caio Prado Júnior e seu

Sentido da Colonização, e indo além, para Novais a expansão marítima possuiu profundos sentidos comerciais e capitalistas. Intentando então entender os mecanismos de funcionamento do sistema colonial, o autor compreendeu o comércio como o ‘nervo’ da colonização desde seus primórdios até o século XVIII. No que se refere à política da coroa portuguesa, o autor apontou dois momentos: na fase inicial uma liberdade de comércio a fim de estimular a vinda de recursos para a colônia, e um segundo momento de enquadramento em sistema exclusivista de monopólios comerciais. Com a Restauração em meados do século XVII, vieram os acordos com a Inglaterra e esses monopólios comerciais sofreram alterações14. Essa inflexibilidade gerou muito contrabando, porém tais práticas não abalaram a “essência da exploração colonial” 15. A partir dos argumentos já apresentados, é natural destacar o lugar da produção para a exploração colonial. Vale pontuar então o papel que Novais atribuiu a escravidão e o tráfico negreiro no período. Como o setor de exportação comandava o setor produtivo, a demanda crescente da população europeia, cada vez mais monetarizada, levava as economias coloniais a buscarem um sistema de exploração cada vez mais lucrativo para as metrópoles, levando a adoção de formas de trabalho compulsório, como o escravismo. Em meio a debates de caráter cristão ou então de desdobramentos morais para a aceitação da escravidão, Novais acompanhou Marx na afirmação de que 11

Novais baseia-se nas ideias de Maurice Dobb em sua célebre obra A Evolução do Capitalismo. Ibidem. p. 65. 13 Ibidem. p. 68. 14 Ibidem. pp. 81-82. 15 Ibidem. p. 91. 12

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as colônias revelaram “o segredo da sociedade capitalista” 16. Outra questão a ser tratada dentro da mesma temática é o lugar do tráfico negreiro, esse inaugurando um novo setor do comércio colonial. Em suma, é de importância primeira entender o lugar do escravismo como um órgão articulador da estrutura da economia colonial. Pensando então a crise desse sistema, Novais escreveu sobre o papel da escravidão nela. Em primeiro lugar apontou para a questão da sempre dependente economia colonial, constantemente a mercê do mercado internacional. Em segundo lugar está a questão da concentração de renda. Um dos fatores que contribuem para suas contradições internas é o de que sua produtividade impõe limites a sua expansão e ao crescimento da economia de mercado. Chegamos à ideia do que o autor entendeu como o núcleo do sistema: “ao funcionar plenamente, vai criando ao mesmo tempo as condições de sua crise e superação”

17

. Isso quer dizer, criando assim os pré-requisitos

para a Revolução Industrial que viria a seguir. No capítulo três, de título “Os problemas da colonização portuguesa” Novais partiu do geral para tratar do específico, enfatizou na metrópole portuguesa e sua relação com suas colônias, principalmente o Brasil. No século XVIII ocorreu uma “autêntica e paradoxal inversão do sistema”, as colônias se tornaram desvantagens à metrópole18. Duas tendências do mercado internacional botavam em xeque a maneira do Antigo Sistema Colonial de reger a economia, uma delas era o desenvolvimento da revolução industrial inglesa que impunha a abertura dos mercados. A outra era a que de que os monopólios ibéricos dificultavam a entrada de produtos ingleses no comércio metropolitano no ultramar. E é dessa segunda tendência que surge a ‘campanha’ inglesa de combate ao tráfico negreiro. O contraponto de refletir o desenvolvimento industrial da Inglaterra é discutir o tão comentado ‘atraso’ português. No que diz respeito a isso, Novais escreveu que Portugal só começou a esboçar um desenvolvimento industrial no final do século XVIII. Nas fontes de Novais incluíram-se trabalhos de teóricos da Ilustração portuguesa, nos quais se “atestam a persistência dos temas da decadência e do atraso nas suas

16

Ibidem. p. 98. Ibidem. p. 114. 18 Ibidem. p. 122. 17

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investigações”

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. Tais impressões podem ser verificadas como um dos sinais da “crise

geral da mentalidade”, que teve resultados gerando inquietações nas colônias. As reações da coroa portuguesa, conforme pontuou Novais, tiveram início com medidas protecionistas. Na colônia do Brasil, durante a era Pombalina, tais ações visavam limitar a influência inglesa. Quanto a medidas governativas, um exemplo citado pelo autor é o do envio de Vice Reis com novos propósitos, um exemplo é o Marquês do Lavradio, que agiu firmemente na defesa das fronteiras no sul da colônia. Outra questão que o autor discutiu nesse capítulo da obra é uma ‘tomada de consciência’ por parte dos colonos. Movimentos revolucionários e separatistas, como por exemplo, a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana. O primeiro com forte influência do movimento de Independência dos Estados Unidos e o segundo da Revolução Francesa. Novais discutiu amplamente a respeito de como o pensamento ilustrado disseminou-se em Portugal, e também como lá adquiriu novos contornos e nuances. Já na colônia do Brasil, “as críticas feitas na Europa pelo pensamento ilustrado ao absolutismo, assumem, no Brasil, o sentido de críticas ao sistema colonial”

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.

Conjuntamente com novas configurações na relação Estado-Igreja, um dos mais fortes pilares do absolutismo, a crise também se manifestou nas mentalidades 21. Somada a isso, mais um aspecto da crise do sistema, a instabilidade da economia colonial e suas próprias contradições internas causaram um aumento significativo no contrabando, agora ainda mais disseminado dentre os próprios colonos. O que entrou em xeque foi o exclusivismo metropolitano, além da agitação por parte dos colonos, a Inglaterra também pressionou pela abertura dos portos. Às portas da Revolução Industrial, Novais discutiu razões para o atraso de Portugal. Aponta três principais: a União Ibérica, incutindo a culpa na dominação, o que o autor discorda, pois a Espanha também entrou em decadência. A segunda diz que a culpa é da Inglaterra e sua “ação expoliativa”

22

, Novais respondeu que a ação dos

ingleses não teria tido tanto êxito se não tivesse encontrado uma economia portuguesa tão frágil. E uma terceira seria a de que as conquistas ultramarinas foram a causa da

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Ibidem. p. 134. VIOTTI, E. “Introdução ao estudo da emancipação política”. In: Brasil em perspectiva. MOTA, C. G. (Org.), São Paulo, 1968, p. 84. apud NOVAIS, Fernando. Idem. p. 169. 21 NOVAIS, Fernando. Idem. p. 173. 22 Ibidem. p. 203. 20

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ruína, “elas, as conquistas, seriam responsáveis pela falta de gente, pelo atraso da agricultura, enfim pelo não desenvolvimento manufatureiro” 23. Para Novais, o nervo da questão residiu na “forte preeminência da nobreza na estruturação da sociedade e na governação do Estado” 24. Desta feita, na análise do autor, os problemas se conectavam. No quarto e final capítulo Novais se deteve em analisar como as ideias ilustradas adentraram o pensamento político português, e como foi formulada a política colonial nesse momento de crise. Dentro dessa mudança dos quadros mentais, o autor pontuou a importância da Academia Real das Ciências como “centro de assimilação” das novas ideias. E dessa assimilação logo saíram ideias de reforma política, os governantes portugueses elaboraram “a linha de ação pautou-se pelo mercantilismo: monopólio, companhias, exclusivo, estatismo”

25

. Mesmo com alguma influência da economia

clássica inglesa, incutindo algum tipo de “ecletismo” na sua dinâmica econômica, Portugal não conseguiu se desprender da visão mercantilista, fracassou nas medidas de combate ao contrabando e tentativas de melhorias na produção (com investimento na infraestrutura e abertura de créditos). Muitas dessas ações resultaram em fracasso, somando-se ainda a resistência dos colonos. Ainda dentro dos projetos de reação formulados por Portugal, vale ressaltar a importância dada por Novais a questão da proibição de manufaturas no Brasil através do ato proibitório do ano de 1785, da política de industrialização de Pombal, entre outras medidas. Exemplos esses que servem de ilustração para o fato de que: “teoria e prática do mercantilismo ilustrado corriam paralelas e se auto- estimulavam em meio a contradições e dilemas insolúveis” 26

. Novais pontuou os resultados exitosos dessas políticas: “Recuperação e

diversificação das atividades produtivas na colônia, reequilíbrio e mesmo inversão da tendência (passando de deficitária para superavitária) no seu intercâmbio com as demais nações” 27. Quanto aos insucessos, o autor destacou a má sucedida medida de suprimir as manufaturas nas colônias, ainda mais no cenário de pressão da indústria inglesa. Uma série de reformas que não foram profundas o suficiente para cambiar a situação crítica em uma tentativa frustrada de harmonização das luzes com políticas de elites e 23

Ibidem. p. 205. Ibidem. p. 209. 25 Ibidem. p. 223. 26 Ibidem. p. 277. 27 Ibidem. p. 294. 24

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governantes ainda fortemente vinculados ao Antigo Regime, culminaram na “inversão do pacto colonial”, a abertura dos portos em 1808. Após a tentativa de expor de forma inteligível as ideias do autor que se encaixam de forma tão completa e envolvente, cabe ressaltar algumas impressões que a obra causou em estudiosos brasileiros aqui selecionados. Luiz Felipe de Alencastro escreveu: O livro de Fernando Novais constituirá um marco importante na historiografia brasileira contemporânea. Seu meticuloso estudo 1777-1808 atinge plenamente os objetivos a que propôs: delimitar a especificidade brasileira dentro do quadro europeu e da crise interna do colonialismo português 28.

Mas não foram tecidos somente elogios, Alencastro acentuou também o caráter “integrista” na interpretação de Novais do mercantilismo, muito vinculada ao clássico de E. Heckscher. E ao enfatizar em demasia a importância de se pensar a experiência colonial inserida em um panorama internacional, deixou de lado especificidades das relações intracoloniais. Temos na obra a atribuição de uma “continuidade” do trabalho de Caio Prado Júnior, o seu “Sentido da Colonização”

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para pensar o sistema colonial e sua crise, o

que fez o trabalho de Novais adentrar o rol das críticas ao modelo “circulacionista”

30

.

Ciro Flamarion Cardoso, nos anos 70 e 80, proferiu críticas aos trabalhos de Prado Júnior, Novais, Celso Furtado e também do sociólogo Immanuel Wallerstein31, autor da teoria sistema-mundo, no qual o centro dinâmico da economia centrava-se na Europa Ocidental32. Para Cardoso, as distinções entre as economias coloniais e metropolitanas, assim como tratadas por esses autores, denotam uma posição de subordinação e

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ALENCASTRO, Luis Felipe de. “Casamento de Velhos”. In: Novos Estudos, n. 59. 2001. p. 220. Cf. PRADO Jr, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999. 30 Muito do que se desenvolveu nessa parte da resenha baseia-se em ideias suscitadas pelo artigo: ANDRADE, Leandro B. de. A Historiografia sobre o debate acerca da economia colonial brasileira. Disponível em: < http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/h10_5.pdf >. Acesso em: 05/01/14 e pela leitura do projeto VIEIRA, Luis Otavio. Balanço acerca da leitura da historiografia produzida sobre a independência. Projeto de iniciação científica. Orientado por João Paulo Pimenta. 2013 31 Cf. WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World-System - Capitalist Agriculture and the origins of the European world-Economy in the Sixteenth Century. Nova York: Academic Press, 1974. 32 Aqui se trata do tema de maneira muito superficial pela falta de espaço e por não ser o propósito 29

principal da resenha, mas muito pode ser explorado de um estudo mais profundo do que as duas obras, a de Wallerstein e Novais, podem, em conjunto, oferecer. Cf. VIEIRA, Luis Otavio. Idem. pp 11-14. 9

dependência por parte da colônia em relação à metrópole em caráter exagerado. Em suas palavras: Nossas considerações a respeito visavam a [a produção], em outro momento, apoiar a possibilidade de usar o conceito num registro ainda distinto: aplicandoa a sociedades caracterizadas por modos de produção não somente secundários, quando vistos do conjunto do mundo ocidental em formação, mas ainda marcados pela dependência, os quais, entretanto, puderam ser dominantes nas formações econômico-sociais coloniais 33.

Com contribuições de Jacob Gorender34, Cardoso enfatizou a importância central da escravidão mercantil brasileira, e segundo eles, Novais a secundariza e minimiza. Publicações das décadas de 70 e 80 influenciaram novas teses, essas se focando em estudos regionais, mais particulares, e em fatores não econômicos que tiveram influência no mundo econômico. Dentre esses autores, destacam-se as críticas feitas a Novais por João Fragoso e Manolo Florentino. Nas produções desses autores há um maior destaque ao mercado interno brasileiro. Em resposta a crítica direcionada a Novais nesses estudos, escreveu Eduardo Barros Mariutti: O escravismo colonial ao reproduzir-se, gera formas de produção não capitalistas (exemplo produção camponesa, trabalho livre não assalariado, produção escravista de alimentos, estância gaúcha etc.), as quais fazem parte do mercado interno que, exatamente por não ser capitalista, inaugura circuitos de acumulação endógena 35.

Outra discussão que deriva das diversas nuances da obra de Novais é a que trata de seu entendimento acerca da Independência do Brasil. De maneira direta, o que a leitura extrai da obra em questão é que o autor entendeu a Independência como uma ruptura, um processo revolucionário, no qual uma nova classe -a elite agrária e escravagista- conseguiu atingir uma hegemonia política. Tais propostas geraram, e geram até hoje, muitos debates e possibilidades de estudos. Temos posições mais 33

CARDOSO, Ciro F. Escravo ou camponês. São Paulo. Brasiliense: 1987. p. 39. Cf. GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo. Ática. 1980. 35 MARIUTTI, Eduardo Barros. “Mercado Interno Colonial e Grau de Autonomia: Críticas às propostas de João Luís Fragoso e Manolo Florentino”. In: Estudos Econômicos. vol. 31. N. 2 .p. 371. 34

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neutras, mas de qualquer forma contestadoras, como de Emilia Viotti da Costa, que propôs um jogo de escalas na análise, variando do particular às estruturas mais profundas, mas ainda assim buscando apoio em estudos sistêmicos. Ela escreveu: “os indivíduos, as circunstâncias, as opiniões dos contemporâneos devem ser vistas a partir das determinações gerais que lhes conferem significado”

36

. Buscando analisar um

panorama similar, mas com críticas mais fortes aos modelos sistêmicos, Maria Odila da Silva Dias pontuou que sua utilização é deveras simplificadora. Segue trecho: Se as diretrizes fundamentais da historiografia brasileira já estão bem definidas, precisam ainda ser melhor elaboradas por estudos mais sistemáticos das peculiaridades da sociedade colonial, que nos permitam uma compreensão mais completa deste processo de interiorização da metrópole que parece a chave para o estudo de formação da nacionalidade brasileira37.

A fim de encaminhar esse texto para os argumentos finais, seleciono um trecho retirado de um artigo escrito pelo próprio Novais, no qual ele reinterou que seus estudos não pretendem ser uma fórmula pronta para todas as explicações e aplicações cabíveis. Seguem suas palavras: Nunca será demais insistir que esse esquema interpretativo não se propõe como sucedâneo dos estudos monográficos que devem iluminar cada processo específico; nem como modelo adaptável a toda e qualquer circunstância. Antes se apresenta como marco para as reflexões, ponto de partida e não de chegada. A tarefa decisiva, já o indicamos, consiste no estabelecimento das mediações que articulam a estrutura fundamental com a flutuação dos eventos38.

Levando em conta a leitura, ainda que superficial e incompleta, de críticas feitas a Novais, as impressões pessoais a respeito da magnitude da análise perpetrada pelo autor na obra Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial são positivas. É inconteste que obras estruturais dessa grandeza e profundidade não agradam a todos, ainda mais quando categorizadas como carregadas ideologicamente da maneira como essa o é. Os estudos críticos de caráter mais particular podem vir a contribuir com os 36

COSTA, Emília Viotti. “Introdução ao Estudo da Emancipação Política do Brasil”. In: MOTA, Carlos Guilherme (org). Brasil em Perspectiva. São Paulo: Difel, 1980, p.66. 37 DIAS, Maria Odila da Silva. “A interiorização da metrópole”. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.) 1822 Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.180. 38 NOVAIS, Fernando.” As Dimensões da independência”. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.) 1822 Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972. p.24. (Grifo nosso) 11

estudos que tratam do período, e do mundo colonial como um todo, de diversas e frutíferas maneiras, mas isso não diminui de maneira alguma o que a tese de Novais conseguiu alcançar, um dos lugares de maior destaque da historiografia nacional. Lugar esse que não foi de maneira alguma ameaçado pelo trabalho de seus críticos. HATERS GONNA HATE.

BIBLIOGRAFIA ALENCASTRO, Luis Felipe de. “Casamento de Velhos”. In: Novos Estudos, n. 59. 2001. CARDOSO, Ciro F. Escravo ou camponês. São Paulo. Brasiliense: 1987. MARIUTTI, Eduardo Barros. “Mercado Interno Colonial e Grau de Autonomia: Críticas às propostas de João Luís Fragoso e Manolo Florentino”. In: Estudos Econômicos. São Paulo. vol 31. n. 2. 2001. NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1995. VIEIRA, Luis Otavio. Balanço acerca da leitura da historiografia produzida sobre a independência. Projeto de iniciação científica. Universidade de São Paulo. Orientado por João Paulo Pimenta. 2013. LINKOGRAFIA ANDRADE, Leandro B. de. A Historiografia sobre o debate acerca da economia colonial brasileira. Universidade Federal de Ouro Preto. Disponível em: < http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/h10_5.pdf >. Acesso em: 05/01/14. União brasileira de escritores. < http://www.ube.org.br/biografias-detalhe.asp?ID=302 > Acesso em: 20/12/13.

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