Resenha - Raízes do Brasil

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HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1975. Resenha Resenhista: Emanuel Rodolpho Moura Batista de Oliveira. Raízes do Brasil, obra lançada no ano de 1936, originalmente na “Coleção Documentos Brasileiros”, esta por sua vez promovida pela Livraria José Olímpio Editora, sob a direção de Gilberto Freyre (até o volume 18). O livro em questão foi o primeiro da coleção. Octávio Tarquínio de Sousa e Afonso Arinos de Melo Franco também foram diretores neste projeto, que ao todo lançou 128 obras. Raízes do Brasil faz parte do que conhecemos por “tríade da historiografia brasileira”: Casa-Grande & Senzala (1933); Raízes do Brasil (1936); Formação do Brasil Contemporâneo: colônia (1942), da autoria de Gilberto Freyre; Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior, respectivamente. No campo da História e das Ciências Sociais, Raízes do Brasil ocupa um lugar privilegiado por sua análise crítica da sociedade brasileira desde os tempos coloniais até os atuais – neste caso a localização temporal do autor é a década de 1930 – e a influência dos comportamentos privados dos brasileiros influenciando as relações públicas, seja no seio do Estado, na política, nos negócios ou na forma de tratar uns aos outros. O título “Raízes do Brasil” é justo, pelo menos o autor fez jus ao nome que deu ao próprio trabalho, pois Sérgio Buarque de Holanda buscou na Península Ibérica as origens comportamentais dos traços culturais, sociais e de trabalho – ou não – dos brasileiros: seja em tempos coloniais, imperiais e ou republicanos. O historiador investe na análise psicológica para compreender o homem cordial; o aventureiro; o semeador; o ladrilhador; e a sociedade com um todo. Segundo relatos de sua esposa, Dona Maria Amélia Alvim Buarque de Holanda, no documentário intitulado “Raízes do Brasil”, o marido iniciou a confecção do livro Raízes do Brasil quando esteve morando na Alemanha, como correspondente jornalístico, afinal, Holanda também era cronista, crítico literário e jornalista. O fato de estar distante geograficamente de sua terra natal influenciou com bastante veemência as reflexões iniciais que o fizeram enxergar os vícios e trejeitos das pessoas que povoavam o Brasil, e como isto contribuiu para a formação da nação brasileira. Estar na Alemanha por um período de mais de dois anos proporcionou a Sérgio Buarque de Holanda a oportunidade de tomar contato com autores de lá, e um que influenciou muito seus escritos foi Max Weber, que no 1

decorrer de Raízes do Brasil faz referências a todo momento. Também na Alemanha pôde assistir aulas em universidades daquele país, e observar (e comparar) ambas realidades, a brasileira e a alemã. Segundo Antônio Cândido, que prefacia de forma célebre o livro de que tratamos, Raízes do Brasil é um: “Livro curto, discreto, de poucas citações, atuaria menos sobre a imaginação dos moços [se comparado a Casa Grande & Senzala]. No entanto, o seu êxito de qualidade foi imediato e êle se tornou um clássico de nascença.” (Página XII do prefácio à 8ª edição). O clássico de nascença realmente consolidou-se como clássico, tanto é que até hoje é utilizado nas disciplinas de história do Brasil colonial e historiografia brasileira das universidades brasileiras. Sendo amplamente citado também por historiadores brasilianistas do exterior, como é o caso de Warren Dean, no livro “A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira”. O capítulo I, intitulado “Fronteiras da Europa” baseia o comportamento do brasileiro nas suas origens ibéricas, seja no que se refere à regularidade laboral (disciplina do trabalho regular e constante); seja no que trata da sua forma de encarar uma ordem ou regra. Esta peculiar “repulsa” dos ibéricos ao trabalho regular é proporcional à sua atuação em atividade utilitária, querem trabalhar o mínimo, entretanto, tirar o maior proveito possível. É interessante analisarmos esta característica que parece permanecer até hoje na forma como certas pessoas encaram o trabalho aqui no Brasil, que diferente das Treze Colônias, hoje Estados Unidos da América, pautam sua produção, ou melhor expressando, seu modo de produção, numa ética específica, que possui origens religiosas que influenciam na sua relação pecuniária: a ética protestante de Weber, que tanto fomentaram a análise sociológica de Sérgio Buarque de Holanda. O Capítulo II, intitulado “Trabalho e Aventura”, traz a dicotomia “homem trabalhador” e “homem aventureiro”, sobre os quais o próprio Sérgio Buarque escreveu o seguinte: “Entre esses dois tipos não há, em verdade, tanto uma oposição absoluta como uma incompreensão radical. Ambos participam, em maior ou menor grau, de múltiplas combinações e é claro que, em estado puro, nem o aventureiro, nem o trabalhador, possuem existência real fora do mundo das ideias.” (Páginas 13 e 14).

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No decorrer do segundo capítulo Holanda nos mostra que o Brasil fora colonizado verdadeiramente pelo aventureiro, até mesmo os que progrediram no campo da agricultura eram homens aventureiros, aqueles que não queriam ter o trabalho da produção, mas que dependiam da mão-de-obra escrava para tocar suas lavouras, fato que fez Cândido refletir o seguinte: “A escravidão, requisito necessário deste estado de coisas, agravou a ação dos fatores que se opunham ao espírito de trabalho, ao matar no homem livre a necessidade de cooperar e organizar-se, submetendo-o, ao mesmo tempo, à influência amolecedora de um povo primitivo” (Página XVI do prefácio à 8ª edição). O capítulo III, que leva o nome de “Herança Rural”, a meu ver é o mais interessante, por se tratar de um texto profundo que resgata uma análise muito própria da História Antiga no que diz respeito à relação campo-cidade, a importância da cidade, e o valor dado ao campo. A cidade, para o senhor de engenho era um apêndice da fazenda, ele morava pomposamente em sua casa-grande, no campo, porém, nas festas religiosas e em ocasiões específicas, ia para a cidade, onde tinha uma casa que ficava, geralmente, o ano inteiro praticamente desocupada. Enquanto sua casa na fazenda era muito bem ornamentada e grande o suficiente para receber visitas e viver plenamente o ano todo, assim como acompanhar de perto os trabalhos dos seus escravos. Assim como no Oikos da antiguidade tinha um patriarca, com seus parentes, familiares, escravos, empregados e agregados, o senhor de engenho, o fazendeiro, também tinha a sua teia de relações e interdependências, fortalecendo as características personalistas e paternalistas daquele homem chefe de uma extensa família de protegidos. O capítulo IV, intitulado “O Semeador e o Ladrilhador” pega a ideia de campo e cidade do capítulo anterior e começa das discrepâncias dentro da própria cultura arquitetônica ibérica, as diferenciações dos espanhóis e portugueses. Enquanto as colônias espanholas tinham uma espécie de “plano diretor” para a organização urbana das suas cidades, com as devidas divisões de ruas, locais reservados para praças, igrejas e prédios públicos, a colônia portuguesa, neste caso a do Brasil, deixava a “deus dará”, nas palavras de Cândido, a distribuição urbana de casas, templos e repartições do estado português. Apesar de constantes tentativas de organizar a cidade colonial por parte do governo de Portugal, as tentativas minguaram ou dificilmente eram tiradas do papel, ou seja, do mundo das ideias. O capítulo V, que leva o nome de “O Homem Cordial”, é também uma pérola, a meu ver, este, o capítulo da “Herança Rural” são os que caracterizam de forma mais atual a 3

sociedade brasileira. Lendo esta parte do livro podemos averiguar e constatar várias permanências de costumes coloniais, ou melhor, “antigos”, no Brasil contemporâneo. Não necessariamente o homem cordial é um homem bom. Ele age segundo seus interesses, e executa suas cordialidades conforme compreende ser vantajoso para si e os que lhe cercam. Atitudes simples como chamar a pessoa pelo primeiro nome, ou um apelido no diminutivo com o uso do “inho”, podem ser claramente características básicas da cordialidade do brasileiro. O historiador Leandro Karnal faz um breve comentário sobre isto, quando fala que “na Europa, ou na América do Norte [EUA e Canadá], é perfeitamente normal ter aulas o ano inteiro com professores que você jamais saberá o primeiro nome, apenas o sobrenome, quando em contrapartida, no Brasil, temos logo a vontade incontrolável de forjar uma amizade com desconhecidos.” (Comentário feito no Jornal da Cultura, da TV Cultura). O capítulo VI, intitulado “Novos Tempos”, faz uma análise dos tipos intelectuais que que se disseminaram e ajudaram a formar o Brasil que conhecemos, pessoas que mesclavam ideologias e ideias pelo simples fato de acharem bela a arte de falar bem e emitirem “opiniões” carregados de pensamentos ditos “elevados”. Holanda nos mostra que durante o século XIX as ideias liberais que permearam o debate político do império eram como uma tentativa de frear, ou pelo menos tentar negar, a existência de governo forte, pois a simples ideia de um Estado controlador já proporcionava certo incômodo aos sujeitos outrora “aventureiros”, desprendidos das amarras estatais. Democracia, que os aristocratas brasileiros importaram, aqui no Brasil foi adaptada aos interesses das classes dominantes. A “reforma” estrutural era apenas aparente. O último capítulo, o VII, com o nome de “Nossa Revolução”, traz para o debate que percorreu o livro inteiro, os rumos que a sociedade brasileira estava tomando, fala da transição da cultura da cana, para o cultivo do café, e a oposição que era o Brasil do açúcar e o Brasil do café. O primeiro: atrasado e semifeudal. O segundo: moderno e tecnologicamente avançado, muito talvez por conta de o café estar ligado às vias férreas. A “revolução” seria feita pelas classes urbanas baixas, consideradas inteligentes e fortes, segundo sua análise com base nas fontes de Herbert Smith. Cândido, em seu prefácio à 8ª edição diz o seguinte: “Trata-se de liquidar o passado, adotar o ritmo urbano e propiciar a emergência das camadas oprimidas da população, únicas com capacidade para revitalizar a sociedade e dar um novo sentido à vida política.” (Página XX do prefácio à 8ª edição).

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Bibliografia: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1975. 155p.

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