Resenha: Rodolfo Lopes, Platão, Timeu - Crítias. Tradução do grego, introdução e notas. Coimbra : Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos 2011. (Versão em português)

July 25, 2017 | Autor: José Baracat Junior | Categoria: Plato, Ancient Philosophy, Platão, Filosofia antiga
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Rodolfo Lopes, Platão, Timeu-Crítias. Tradução do grego, introdução e notas. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos 2011. Coleção Classica Digitalia, Autores Gregos e Latinos. Pp. 264, incl. bibliografia, índice analítico, índice de nomes e lugares, e glossário. ISBN 978-989-8281-83-8; ISBN digital 978-989-8281-84-5 José C. Baracat Jr. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil [email protected] Esta nova tradução dos diálogos platônicos Timeu e Crítias é muitíssimo bem-vinda, haja vista ser a língua portuguesa ainda relativamente pobre em traduções de autores gregos e latinos – apesar do recente boom editorial, no qual os Classica Digitalia da Universidade de Coimbra têm um papel importante1. As traduções de Rodolfo Lopes para esses difíceis textos de Platão – especialmente o Timeu – são, de modo geral, bastante confiáveis. Até onde posso avaliá-las, são corretas, claras e bastante fluentes. As numerosas notas às traduções fornecem transliterações dos conceitos e das frases gregas que estão sendo traduzidos (pois não há texto grego nesta edição), esclarecimentos do sentido de passagens obscuras, e remissões a estudos acerca dos temas discutidos por Platão e a outros diálogos. Não há razão em discutir os desacordos que eu teria com Lopes se fosse o tradutor – quase todos seriam certamente apenas estilísticos. Dessa forma, irei limitar minhas observações a somente três pontos da tradução e à sua introdução.                                                                                                                         1

Todas as publicações dos Clássica Digitalia estão disponíveis para download gratuito. Para este livro, o endereço é:   https://bdigital.sib.uc.pt/jspui/handle/123456789/64

 

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A tradução segue fielmente o texto da edição de Burnet (Oxford, 1900-1907), com uma única discrepância declarada (p. 130, n. 164): a adição de kaì antes de stoikheîa, em Timeu 48b8, proposta por M. West. A edição de Burnet será eternamente valiosa, mas já começa a mostrar sinais de sua idade, às vezes sendo superada por estudos filológicos mais recentes. O fato de a edição de Burnet estar sendo substituída por edições mais novas na série “Classical Texts” de Oxford é um indício disso, assim como um aviso para que sejamos cuidadosos com o texto grego. Lopes, entretanto, embora cite algumas traduções2 e importantes estudos recentes3, não parece interessado pelas variações textuais. É verdade que ele não é obrigado a sê-lo sempre, mas às vezes se espera pelo menos uma justificativa. Consideremos apenas três exemplos de tipos ligeiramente distintos: 1) Timeu 25d5: no texto de Burnet se lê κάρτα βραχέος. Cornford, seguindo o manuscrito Y, lê κατὰ βραχέος. Essa lição, creio eu, foi amplamente aceita por dois simples motivos: κάρτα βραχέος não é sintaticamente bom e não é não encontrado em nenhum manuscrito4. Novamente, Lopes não é obrigado a aceitar a lição, contanto que sua opção possa ser sustentada, o que não parece ser o caso aqui. Eis o texto de Burnet e a tradução de Lopes: πηλοῦ κάρτα βραχέος ἐµποδὼν ὄντος, ὃν ἡ νῆσος ἱζοµένη παρέσχετο – “em virtude da lama que aí existe em grande quantidade e da pouca profundidade provocada pela ilha que                                                                                                                         2

A. Durán & M. Lisi (1992), Madrid, Gredos; L. Brisson (2001), Paris, Flammarion; M.J. Figueiredo (2004), Lisboa, Instituto Piaget. É surpreendente que outras traduções importantes, como estão ausentes da bibliografia, parecem não ter sido cotejadas; e.g.: R.G. Bury (1960), Cambridge, Mass., Loeb; D.J. Zeyl (2000), Indianapolis and Cambridge, Mass., Hackett Publishing Co.; R. Waterfield (2008), Oxford, OUP. 3 De importância filológica são e.g.: F.M Cornford (1937), London, Routledge & Paul Kegan; A. E. Taylor (1928), Oxford, Clarendon Press; and J. Dillon (1989), American Journal of Philology, 110.1, 50-72. 4 Cf. Dillon (1989) 25, n. 9.

 

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submergiu”5]. É preciso notar que não há coordenação entre “quantidade” e “profundidade”; πηλός é palavra masculina e é o antecedente do pronome relativo; κατὰ βραχέος, por sua vez, é adverbial. 2) Timeu 54b2: a lição µὴ, de Hermann, também é comumente aceita como correção ao δὴ da edição de Burnet. Como não há nota alguma à passagem na tradução, deduzimos que Lopes lê δὴ, e não µὴ. Mas, na verdade, ele traduz um texto com µή: “…e descubra que não é deste modo…”. 3) Timeu 47d1: no texto de Burnet se lê φωνῇ, lição para qual Cornford propôs φωνῆς; trata-se de decidir se leremos i) uma dativo como complemento de χρήσιµον ou ii) um genitivo como complemento de ἀκοήν. Se escolhemos a segunda opção, o texto faz sentido: “all that part of Music that is serviceable with respect to the hearing of sound is given for the sake of harmony” (tradução de Cornford6); mas, se escolhemos a primeira, como faz Lopes, então podemos enfrentar (ainda mais) problemas: “tudo quanto é útil à voz no contexto da música, isso nos foi dado por causa da harmonia da audição”. Qual é o sentido de “útil à voz”? Na sequencia do texto, em 47d4, χρήσιµος ocorre novamente tendo dois ἐπί com acusativos como complemento, uma construção que apoia fortemente a leitura de χρήσιµον com πρὸς ἀκοὴν em 47d1. Além disso, ἁρµονία regendo genitivo é bastante comum, ao passo que ἁρµονία com πρός não. A passagem está longe de ser fácil! Exatamente por isso, o leitor espera uma nota explicativa ao menos. Em sua introdução, Lopes passa por praticamente todos os temas principais discutidos no Timeu e no Crítias, provendo ao                                                                                                                         5

Compare-se com Waterfield (2008) 13-14: “That is why the sea there cannot now be navigated or explored; the mud which the island left behind as it settled lies a little below the surface and gets in the way”. 6 Veja-se o comentário de Cornford (1937: 158, n. 4); e também Taylor (1928: 205-206), que se esforça para extrair um sentido de φωνῇ.

 

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leitor informação suficiente para explorar com proveito esses diálogos. Sua apresentação é breve, porém informativa; e ele sempre deixa claro que há interpretações conflitantes para as questões dos diálogos e quem são os principais estudiosos que defendem cada uma delas. Assim, Lopes expõe 1) os aspectos extratextuais dos diálogos – i) o projeto Timeu-Crítias como uma unidade de composição; ii) sua data dramática e sua data real de composição; e iii) suas personagens –, e 2) os aspectos temáticos e estruturais dos diálogos – i) antecedentes cosmológicos das concepções expostas nos diálogos7; ii) o discurso de Timeu: a) seus pressupostos, b) o intelecto e a necessidade, c) o demiurgo8, d) o terceiro nível ontológico (a khóra/hypodokhé), e ) o estatuto do discurso acerca das realidades da cosmologia de Timeu; e iii) o discurso de Crítias: a) a ausência de historicidade da narrativa sobre Atlântida e b) o caráter ficcional dessa narrativa, inventada por Platão, e c) as interpretações alegóricas do mito de Atlântida. Eu gostaria de encerrar esta breve resenha com uma queixa. Lopes declara, na nota prévia, que sua intenção é apresentar uma nova tradução do Timeu e disponibilizar a “primeira versão do texto do Crítias em português” (p. 7); ele então explica o que torna sua tradução do Timeu diferente das “duas traduções já existentes” (p. 7-8) desse diálogo. Lopes está errado: além das traduções portuguesas do Timeu citadas por ele, há pelo menos outras três traduções brasileiras desse diálogo, assim como pelo menos três do                                                                                                                         7

A seção é esclarecedora, mas não posso concordar com a afirmação de Lopes de que a matemática é a ferramenta teórica órfica herdada por Platão através de Pitágoras; a associação entre matemática e orfismo me parece bastante questionável (cf. A. Bernabé, Platón y el orfismo. Madrid: Abada Editores, 2011, para um estudo acerca das relações de Platão com o orfismo). 8 Outra boa seção de modo geral, que contém, no entanto, um erro pontual: na p. 40, o autor traduz o verbo the verb plásso (sic) por “fabricar”. Entretanto, o sentido do verbo seria antes “moldar, dar forma”, e este é seu sentido no Timeu, como o próprio Lopes atesta, quando diz (p. 41) que o “processo produtivo [sc. do demiurgo] não consiste numa criação ex nihilo creation, porquanto modela um material preexistente”. Talvez eu esteja sendo pernóstico, mas creio que deva ser observado que Platão usa apenas plátto, a forma ática de plásso.

 

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Crítias9. Ele só faz tal afirmação porque parece negligenciar deliberadamente os estudos clássicos brasileiros10.

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As mais importantes ainda são as de Carlos Alberto Nunes, cujas traduções dos diálogos platônicos foram publicadas pela Editora da Universidade Federal do Pará, entre 1971 and 1980. 10 Encontrei alguns erros editoriais no livro; eis alguns exemplos: p. 17, n. 5: “este autor fixar”; p. 20: “Lócride” (não totalmente errado, embora as formas usuais em português sejam “Lócris” e “Lócrida”); p. 43: “inevitável o este”; p. 43 (e.g., mas passim): Lopes translitera a letra grega capa como “k”, mas o qui, a aspiração do capa, como “ch” (novamente, isso não é errado, mas penso que seria preferível uniformizar a transliteração: k e kh, ou c e ch); p. 51: “…‘tentará’… (peirasomai)”; p. 95, n. 67: “Este passo…foi extensivamente citada e discutida…”; p. 95, n. 68: “ôsautôs” em vez de hôsautôs (cf. p. 102, n. 91: “holon” transliterado corretamente).

 

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