Resenha sobre Etnografia da Musica e Propriedade Intelectual e Música de Tradição Oral

July 25, 2017 | Autor: Augusto Armondes | Categoria: Etnomusicology, Etnography, Etnografía, Etnomusicologia
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Música, Cultura e Sociedade B



Trabalho Final



Augusto César Pereira Armondes

Neste trabalho abordarei dois textos trabalhados no segundo semestre de 2014 pela disciplina Música, Cultura e Sociedade B, ministrada pela professora Glaura Lucas na Escola de Música da UFMG. A Etnografia da Música, de Anthony Seeger, no qual ele passa a ideia para analise sociocultural de uma apresentação musical será o primeiro discutido. Após falarei sobre o artigo Propriedade Intelectual e Música de Tradição Oral, de Carlos Sadroni, que fala sobre as questões referentes aos direitos previstos legalmente sobre as composições e suas divergências com relação as culturas de tradição oral.
O primeiro assunto tratado por Seeger é a diferenciação entre etnografia e antropologia. Para ele, a antropologia lida com perspectivas teóricas em relação as sociedades humanas. Diferente disso, a etnografia lida com uma abordagem descritiva da música, que vai além de uma transcrição, com os aspectos organizacionais e comportamentais das pessoas envolvidas. Nesse sentido esses dois termos se diferenciam pelo fato de cada apresentação ser única. A experiência vivida pelos participantes muda a cada nova interação. Nunca uma apresentação será idêntica à outra, pois as pessoas são diferentes a cada dia, tornando cada uma delas ímpar. Assim a generalização teórica da antropologia não tem fundamento, apesar de ter algum padrão social e comportamental que se repita.
O autor também traz uma velha e discutível questão sobre a definição de música. Vários filósofos e estudiosos se arriscaram nessa tarefa. Algumas mais românticas, considerando como uma linguagem universal, outras mais específicas com relação a natureza dos sons, dizendo que a música são sons humanamente organizados. Mas para ele, uma definição geral de música deve incluir tanto sons quanto seres humanos. É um equívoco achar que a música acontece sem uma audiência e performers. Mesmo quando se toca um instrumento sozinho, ou canta, o próprio performer também é o seu público. A linha entre a performance e a reação devida a ela se perde, mas ainda sim elas existem.
Após essa breve busca por definições temos algumas questões gerais que são suficientes para tratar da maioria dos tipos de música na maioria dos lugares. O que acontece quando as pessoas fazem música? Quais são os princípios que organizam as combinações de sons e seu arranjo no tempo? Por que um indivíduo particular ou grupo social executa ou ouve os sons no lugar, no tempo e no contexto que eles(as) o fazem? Qual a relação da música com outros processos nas sociedades ou grupos? Essas são algumas perguntas que Seeger traz para a análise de uma apresentação musical. Dependendo da sua área, um pesquisador poderá dar mais atenção as questões que mais se aproximam dela. Na minha experiência de etnografia de uma apresentação, como músico que sou, dei mais atenção as questões musicais e sociais, deixando de lado um pouco o fator mercadológico que havia em torno da situação. Provavelmente um sociólogo faria uma leitura diferente da minha.
A etnografia da música sofreu o mesmo processo de várias outras áreas do conhecimento e foi modificando de acordo com o tempo. Ocorreram relatos bem antigos sobre música e suas consequências. A maioria desses relatos ocorreram sobre a ótica ocidental europeia, que historicamente sempre se colocou em um estágio mais evoluído do que outras. Apesar desse ponto de vista, não deixam de ser interessantes. Viajantes, exploradores e mercadores vez ou outra mencionavam o canto e a dança em seus escritos. Isso nos mostra como antigamente as pessoas consumiam e assimilavam a música. Com o avanço da navegação houve o contato com novas culturas e novos estilos musicais. A citação sobre a música começou aparecer com mais frequência e criou-se uma necessidade de organiza-las. Foi Jean-Jacques Rousseau que estabeleceu algumas das características básicas da etnografia da música em seu Dicionário Completo da Música, em 1771. Interessante como a humanidade tem essa mania de querer conceituar e organizar tudo. A música, com toda sua subjetividade e complexidade, também foi submetida a esse vício.
Ao passar por todos esses conceitos e da história da etnografia da música como uma introdução, o autor nos convida para realizarmos a nossa própria pesquisa. Ele mostra uma etnografia de uma apresentação e pontua o caminho que se deve seguir, as questões que devem ser respondidas sobre o evento. Foi um norte bem interessante, pois ajudou bastante na minha etnografia. Várias perguntas sobre o comportamento dos envolvidos, suas funções sociais dentro do contexto provavelmente não chamaria minha atenção. É uma experiência curiosa e muito proveitosa, pois começamos a olhar de modo diferente para uma apresentação.
O artigo de Sadroni, Propriedade Intelectual e Música de Tradição Oral, começa com uma comparação interessante sobre os esforços para se descobrir ou apenas creditar uma autoria de alguma música que esteja enquadrada no domínio público. Em outras áreas, como artes plásticas, há um investimento incrível para saber se tal obra pertence a um artista ou não, fato que não ocorre com as músicas de domínio público. Talvez pela música ser abstrata, imaterial, suas manifestações ocorrerem com uma frequência imensamente superior as belas artes, em todas as classes sociais e em qualquer lugar do mundo esse esforço não ocorra. Mas o fato de que essas músicas potencialmente gerarem lucro, em alguns casos bem expressivos, e no nosso sistema capitalista isso seja atraente, pode ser que no futuro se tenha mais interesse nesse sentido.
Na história da humanidade o direito autoral sempre foi discutido, mais no sentido moral do que legal. Hoje existe legislação que regulamenta, principalmente, o direito sobre os lucros gerados por uma composição. Mas essas leis valem para pessoas físicas. Como creditar autoria a uma comunidade, por exemplo, que reivindica uma canção como sua, mas não consegue identificar o(s) compositor(es)? Como delimitar essa comunidade, quem faz parte dela?
Como exemplo o autor traz o caso da Quixabeira. A música cantada por uma comunidade sertaneja do interior da Bahia, foi gravada com intuito acadêmico por um pesquisador. Carlinhos Brown ouviu e gravou. Em seguida, a banda Cheiro de Amor também gravou e transformou num hit do carnaval de 1998. Nesse caso todas as gravações traziam a música como domínio público. Porém a comunidade tinha um sentimento de pertencimento sobre a composição. Sem registros, sem reconhecimento de um autor, como regulamentar a situação? Nesse ponto as leis ainda são falhas, acredito que não por falta de vontade, mas pela dificuldade. Fica valendo nessas situações o bom senso moral, que normalmente nos decepciona já que tem muito dinheiro envolvido.
Sadroni também levanta a questão de músicas com sentido ritualístico. Há uma canção dos toantes Pankararu, no sertão de Pernambuco, que só é cantada uma vez por ano, no final da Festa do Umbu, o maior evento do calendário ritual dessa comunidade. Caso alguém grave a música ele defende que isso atravessa as questões de direito autoral e passa para o âmbito de danos morais devido a sua importância. Se hoje uma ofensa, um xingamento gera uma processo judicial como danos morais, esse caso também deveria se encaixar nesse sentido, pois seria também uma ofensa gravíssima para os participantes da comunidade. Poderia se enquadrar no Art. 208 do Código Penal, que proíbe "vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso", considerando a música como um objeto imaterial de culto, independentemente de ser religioso ou não.
Como tentativa de nos adequarmos a essas controvérsias, existem mecanismos que atuam nesse sentido. Uma delas é o creative commons. Nesse modelo o autor disponibiliza sua obra para o uso sem sua prévia autorização, dentro dos acordos estabelecidos. É válido para aqueles que pretendem divulgar de maneira mais difusa suas composições sem ter que passar pelos empecilhos da legislação. Assim um dj, um cantor pode gravar uma música de outro sem preocupação com direito autoral. Vários artistas conseguiram seu espaço no cenário partindo desse princípio.
Outra alternativa é o registro do patrimônio imaterial. Ao registrar determinados repertórios e manifestações culturais como patrimônio imaterial do Brasil, o Estado brasileiro está também reconhecendo oficialmente (não sem certo paradoxo, aliás) o pertencimento destes bens culturais a determinadas comunidades ou grupos. Porém esse reconhecimento não gera nenhum tipo de restrição ao seu uso comercial. Como exemplo temos a guitarrada do Pará, tombado como patrimônio imaterial. Eu posso gravar um CD de guitarrada e vender milhões, fazer vários shows apresentando esse repertório sem algum tipo obrigação legal. Acho que esse tipo de registro vale mais para o reconhecimento histórico e divulgação das manifestações.


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