Resenha sobre o livro: \"Metaforas históricas e realidades míticas\" de Marshal Sahlins

June 16, 2017 | Autor: Paulo Hayashi | Categoria: Social and Cultural Anthropology
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Resenha do livro: 'Metáforas históricas e realidades míticas", Marshall Sahlins (1981)

Em "Metáforas históricas e realidades míticas", Marshall Sahlins descreve um quadro histórico da chegada do capitão Cook nas ilhas havaianas. Ao mesmo tempo, o autor mostra este evento sobre a luz da mitologia nativa. O interesse de Sahlins é pensar conceitos, como estrutura e história, simetria e diacronia, sistema e evento, a luz de relatos de contato cultural. Para isso, o autor faz uma introdução e uma conclusão teóricas, e dois capítulos no meio, de análise de documentos.
Primeiro iremos fazer uma abordagem histórico-mitológica, com algumas pinceladas de teoria; e depois uma parte teórica, mostrando mais profundamente as discussões levantadas pelo autor ao fundo da temática histórico-mitológica.
Eventos Estruturantes
No primeiro capítulo, o autor começa mostrando alguns exemplos de como os mitos são realidades que se repetem (e se modificam na própria repetição). Sahlins conta uma história, mais como recurso demonstrativo de uma maneira de se operar o mito, de um tal capitão Vancouver que teria chegado numa ilha havaiana cujo líder era Kamehameha.
Conta a história que Vancouver tentou cristianizar Kamehameha, este, por sua vez, propôs ao capitão para revivenciarem um mito (o mito de Paao). Desta maneira, ambos iriam pular de um penhasco, e se o capitão sobrevivesse e Kamehameha morresse, o povo iria adorar o Deus cristão (no caso, do capitão).
No mito, vários deuses pedem a Paao para que o reverencie, então Paao manda eles pularem de um precipício para provarem que são deuses. O sobrevivente, que saiu voando em forma de pássaro, foi reconhecido como deus.
Tendo em vista esta maneira de pensar o mito, Sahlins conta outro mito de Paao, mas um mito da relação entre ele e seu irmão (Lonopele). Paao teve que abandonar a tribo por uma denúncia de seu irmão, porém, Paao volta, usurpa seu irmão, e funda os primeiros templos de sacrifício (ao Deus Ku). Os sacerdotes preexistentes foram, com isso, eliminados.
A rivalidade entre Lono e Ku, e a transição entre estes dois deuses, marca uma mudança estrutural da sociedade havaiana. Sahlins mostra como há relatos de um capitão (Cook) que foi às ilhas havaianas nos tempos em que Kalaniopuu era o chefe. Este capitão foi identificado como deus Lono.
Lono é um Deus que vem de terras distantes, trazendo prosperidade e que abole os ritos sacrificiais. Para os havaianos, isto se realizava todo o ano, e era chamado período de Lono (Makahiki). O período de Lono é marcado por diversas mudanças, decorativas, de proibições (tabu), mitológicas, terrestres (relativo a fertilidade), até mesmo históricas.
O capitão Cook chega na ilha bem no início do Makahiki, enquanto ele está lá, os habitantes havaianos, de maneira geral, ficam extremamente entusiasmados, principalmente com seus objetos. E os sacerdotes de Lono o reveneram como deus. Os objetos que os havaianos passam, nos próximos anos depois da chegada de Cook, a comercializar com os ingleses, modificam totalmente a estrutura do reino havaiano.
De qualquer maneira, Cook vai embora no momento certo, depois que acaba o Makahiki, e promete voltar no próximo ano. Com isso, os havaianos ficam entusiasmados pois as coisas estavam ocorrendo como esperado. Porém, o capitão tem um problema no mastro durante a viagem e tem que voltar. Com a volta dele, os havaianos se sentem ofendidos, e ficam indignados, o que produz uma onda de furtos e insolências.
Um tempo depois, Cook coloca o barco de uma maneira a atrapalhar as canoas havaianas. Um belo dia, então, aparecem 10 mil havaianos na baía e assassinaram ritualmente o deus Lono (ou Cook) que evocara "de modo agourento (uma vingança ou restauração) toda teoria dos chefes-deuses vindos do Kahiki para depor a linha indígena governante." Com a morte de Cook, os nativos dividiram seus ossos entre os chefes (após queimar o corpo) e o mana havaiano se tornou inglês.
Com estes exemplos, Marshall Sahlins mostra como nesta sociedade do Havaí sempre ocorrem mudanças estruturais, que são mitológicas, e com o contato com os ingleses, elas continuam a ocorrer. O reino havaiano se apropria de certos aspectos da cultura inglesa.
As distinções kantianas
Na introdução, Sahlins apresenta a distinção saussuriana entre la langue e la parole (língua e fala) indicando que essa oposição é essencial para o estruturalismo linguístico. Tal oposição tem influência também no pensamento estrutural antropológico que divide história e estrutural tal como a linguística separa a língua da fala.
Esta dualidade se apoia na distinção entre sistema e evento, que coloca, de um lado a práxis e de outro a estrutura. Desta maneira, Sahlins mostra que Saussure propõe um "descompromisso da estrutura em relação à história", e justiça que para uma análise sistemática a língua deve ser assumida como autônoma e como fenômeno coletivo.
Segundo Sahlins, essa ideia de sistema pode ser comparada com a categoria kantiana de comunidade, que tem uma relação singular com o tempo, pois se funda no pressuposto de que um todo depende exclusivamente da interdeterminação de suas partes, impedindo a possibilidade de mudança, e portanto, o tempo. Sahlins cita a "Crítica da Razão Pura", de Kant que explica este conceito (de comunidade) como sendo um conjunto de partes reciprocamente determinadas "como num agregado – quando se fixa um membro do todo, os demais são excluídos, e vice-versa".
Percebe-se que Kant cria um conceito que separa o todo de sua parte, assim como a antropologia e a linguística quando fazem a distinção entre estrutura e evento. No decorrer do livro, Sahlins tenta mostrar que se pode pensar num sistema em mudança, e portanto, que não é compreendido apenas pela interdeterminação de suas partes. O autor se pergunta como se pode pensar numa estrutura cuja reprodução seja imediatamente transformação mas com diferentes graus de intensidade.
Para pensar tal problemática Sahlins propõe que se olhe para um momento de encontro cultural. Quando Capitão Cook é morto e seus ossos são guardados o mana havaiano se torna inglês; isso significa dizer como mostra Sahlins na segunda parte de seu livro que o reino havaiano seletivamente se apropria de partes da cultura inglesa. Este evento ao mesmo tempo que faz parte da reprodução mítica da história de Lono faz parte de uma transformação inglesa do reino havaiano. Eis porque não se pode pensar na reprodução separada da transformação.
Sahlins também mostra que, no pensamento de Saussure o valor conceitual do signo determinado por sua relação de oposição e contraste com outros signos de um mesmo sistema. Portanto uma análise que compreenda a língua como estrutura só considera o momento da análise, criando um estado de simultaneidade ideal.
Tal estado desconsidera a modificação que o tempo impõe na realidade. Ou seja, desconsidera as transformações fonéticas que acontecem na fala, atribuindo a estes apenas um fenômeno de caráter físico. Fazendo esta distinção de conteúdos físicos e relações formais, Saussure reduz o valor de um signo às relações dos outros signos formando um sistema.
Conclusão
Assim, percebe-se que a mesma distinção que separa a fala da língua, separa a estrutura da história, e portanto, o sistema do evento. Sahlins aponta como, tais divisões se apoiam na antiga oposição kantiana entre relações formais e conteúdos físicos.
O autor mostra, através de exemplos de contato cultural, as relações entre eventos e estruturas, como as estruturas mudam em função dos eventos. Nos ossos do capitão Cook, que poderiam ser pensados como conteúdos físicos sem importância, são mostrados por Sahlins como partes de um processo de mudança estrutural.










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