Resenha sobre sinagogas

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1 Publicado:

Pedro Paulo A Funari, Resenha de “Les Synagogues”, Estudos de Religião, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 16, n. 22, 2002, 179-182, ISSN 0103-801X.

Maurice-Ruben Hayoun e Dominique Jarrassé, Les Synagogues. Paris, Presses Universitaies de France, 1999, ISBN 2 13 049584 2.

Pedro Paulo A. Funari1

Hayoun e Jarrrassé apresentam um quadro amplo a História da sinagoga, a começar das primeiras, durante o Exílio babilônico. De início, seu nome não era, naturalmente, esse, de origem grega e, em suas primeiras manifestações, aparece como a casa de reunião do descanso semanal (bet há-shabbat), depois bet há-Kenését, casa de reunião. Quando surgiu, não servia apenas para a reza mas, também, como local de estudo, jardim da infância, sede de tribunal. As sinagogas deviam ser construídas em local elevado, para que os telhados não fossem mais altos do que o edifício religioso. Até as prescrições

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Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, C. Postal 6110, Campinas, SP, 13081-970, [email protected].

2 de separação de homens e mulheres, estabelecidas no Talmude, as mulheres podiam adentrar a sinagoga e ler a Torá.

No início da Era Cristã, com a instituição da sinagoga, o judaísmo apresentava uma obra absolutamente original na história da religião, segundo Wilhelm Bousset. Quase sem aspecto cerimonial, cultual ou luxuoso, muito simples e igualitário, estava no centro da vida social, o que fundamentaria a própria ecclesia primitiva, oriunda dos freqüentadores da sinagoga. Mas a liturgia da sinagoga, tal como seria consolidada até os dias de hoje, foi estabelecida apenas a partir da diáspora, sendo as orações consolidadas no século IV da Era Cristã.

Os autores voltam-se, em seguida, para as práticas litúrgicas, a alma da sinagoga, os dias da semana, o Sábado e as festas. As primeiras benções matinais apresentam algumas particularidades que induzem os autores a entreverem a preocupação com o diferenciar-se, ainda na Antigüidade, de cultos hebraicos heterodoxos. A menção à ressurreição dos mortos, presente já na Segunda benção é considerada como um eco da violenta querela entre saduceus e fariseus, cuja vitória levou à introdução de tal dogma na principal reza. A benção (sic) dos heréticos, birkat há-minim, parece Ter sido instituída cerca do ano 100, uma provável maldição destinada aos judeos-cristãos. Os cristãos ainda eram recrutados, majoritariamente, na comunidade judaica, no seio da qual chegavam a atuar na própria sinagoga, conforme se deduz de uma passagem do Midrash: “aquele que reza pela comunidade e que comete um erro, não é necessariamente condenado; mas se o erro recai na maldição dos heréticos, deve corrigi-lo, mesmo não escuta. Assim, se for um herético, irá maldizer-se a si mesmo, enquanto os que rezam responderão: amém”.

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Os autores relacionam, ainda, a frase principal da benção, enunciada em aramaico e a célebre passagem de Mateus (6;9-10): “que seu grande Nome seja eternamente bendito e de eternidade em eternidade” e “O Pai Nosso, que estás no céu, santificado seja o Teu Nome; que venha Teu reino, seja feita Tua vontade na terra como no céu”.

A leitura semanal da Torá deve Ter sido introduzida no século III antes da Era Cristã, a julgar por Filão de Alexandria, Flávio Josepo e o Atos dos Apóstolos (15;21). Desde o Exílio babilônico, o hebraico constituía língua litúrgica e, por isso, a tradução, oral e escrita, da Torá foi logo introduzida. Na própria antigüidade, a língua grega tornou-se importante referência, como atesta uma passagem do Talmude (Jer.Megilla I,11,71c): “tornou-se claro, após estudo, que apenas o grego era capaz de representar todas as nuanças da Torá”. Um termo como piyyout (poesia) provém do grego (poiesis).

Uma parte substancial do volume trata da arquitetura das sinagogas, sempre inseridas nos modelos arquitetônicos dominantes em cada lugar e em cada período. As sinagogas já eram muito numerosas ao tempo de Jesus, como atestam os apóstolos e Paulo, no Novo Testamento, na própria Palestina. Na Diáspora, as sinagogas também eram freqüentes, como atestam as doze sinagogas da cidade de Roma, referidas pelo Talmude. Os autores chamam a atenção para alguns edifícios notáveis, como a sinagoga dde DuraEuropos, no Eufrates, descoberta em 1920, motivo de grande discussão. A sinagoga teve a construção terminada em 244, sendo desativa em 256. Conservaram-se o conjunto de afrescos inspirados na Bíblia, com representações humanas e uma leitura messiânica das

4 escrituras. Esses afrescos supõem uma tradição decorativa pouco conhecida, porque pouco preservada e oposta às prescrições talmúdicas, mas que acabou por mudar toda a percepção que se tinha da iconografia judaica antiga. As influências helenísticas, romanas e orientais, como no caso da sinagoga de Palmira, mostram como formas artísticas diversas foram utilizada para representar a fé propriamente judaica. Em mosaicos, motivos pagãos apareciam, como Davi com traços de Orfeu, em uma sinagoga de Gaza, de época bizantina.

Na Idade Média, as sinagogas serão influenciadas, em sua arquitetura, pelos estilos cristãos e muçulmanos, dependo de sua localização. A partir do século XVI, os países católicos expulsaram os judeus ou os confinaram a judiarias, enquanto os reformados foram mais tolerantes, como no caso da comunidade de Amsterdam, formada por judeus expulsos da Península Ibérica e de fugitivos de terras alemãs, formando comunidades sefarditas e ashkenazitas. Será apenas com o Iluminismo que começou a emancipação dos judeus e a construção de sinagogas mais monumentais, inseridas no Neo-Classicismo e, em termos mais gerais, unindo, de forma eclética os diversos estilos em uso na Arquitetura do momento.

Em

seguida,

esboça-se

uma

sociologia

do

judaísmo

religioso

contemporâneo, tal como refletido na sinagoga contemporânea. Retornando aos sínodos rabínicos (1844-46), à Ortodoxia e à Reforma, os autores devotam à participação da mulher na sinagoga um atenção particular, ao considerar o tema central para a própria definição da comunidade judaica, dividida entre liberais e reformados, que concedem igualdade completa a homens e mulheres e os ortodoxos, ciosos da separação dos sexos.

5 Igualmente importante, o papel do uso do vernáculo na homilia rabínica é apresentado como elemento de aggionarmento também significativo.

A imagem da sinagoga que emerge, ao final da leitura, é de uma instituição muito mais variada e integrada ao seu contexto do que se poderia imaginar. As formas externas, arquitetônicas e decorativas, variaram enormemente, não hesitando a incorporar os estilos mais externos à tradição, como no caso das representações humanas e dos estilos de origem helenística. O uso do vernáculo revelou-se muito antigo e, no caso do grego e do árabe, em dois momentos e lugares diversos, conceitos e concepções de mundo foram incorporados à experiência judaica. Em todos os períodos, além disso, houve variedade de interpretações, tanto das Escrituras, quanto das tradições, por diferentes grupos no interior da comunidade judaica. As sinagogas mostram-se, portanto, mais do que índice de uma homogeneidade que teria permanecido estável por séculos, um organismo social dinâmico, heterogêneo e em constante mutação. Para os estudiosos das civilizações e dos estudos de religião, em particular, este livro constitui, pois, mais uma indicação de que não se pode entender as culturas senão estando atento à interpenetração cultural.

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