Resenha Spanish Civil War

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1 FUNARI, P. P. A. . Resenha de Spanish Civil War, de Helen Graham. Revista do Mestrado de História (Universidade Severino Sombra), v. 10, p. 203-206, 2008.

Resenha Palavras chave: guerra civil; estudos estratégicos; Espanha; Key words: civil war; strategic studies; Spain. Helen Graham, The Spanish Civil War. Oxford, Oxford University Press. 2005.

Pedro Paulo A. Funari

Helen Graham é grande estudiosa da História da Espanha contemporânea, com um clássico sobre A República em Guerra, 1936-1939 (The Spanish Republic at War, 2002). Agora, apresenta uma síntese original e atualizada sobre a Guerra Civil, a partir das discussões historiográficas recentes, tanto no âmbito da História Social, como no campo da História da Cultura, essenciais para a revisão do período. Inicia por radicar nas reformas secularizantes da República o início dos conflitos, ao mexer com as identidades sociais das massas católicas. A restrição às procissões e ao soar dos sinos nas igrejas, as mudanças de nomes dedicados aos santos locais e à Virgem Maria, estes foram atos que envolveram os sentimentos da população em defesa de sua pátria chica. Os movimentos sociais de direita haviam defendido a causa do voto feminino, oposto pela esquerda, temerosa de que as senhoras católicas levassem votos para os conservadores. A divisão entre anarcosindicalistas, socialistas e comunistas derivavam da diversidade de concepções, bastante antagônicas.

2 Em seguida, trata da rebelião militar e do imediato surto de violência cometida por pessoas comuns nas áreas controladas pelos republicanos. As formas de violência eram altamente teatrais, ritualizadas. Sete mil religiosos, sacerdotes e freiras, foram mortos, mas também foram massacrados membros do coral das igrejas, ou os tocadores de sinos. Igrejas foram destruídas, ou usadas para fins profanos. Corpos de mortos foram desenterrados. Essa violência descontrolada mostrou a fraqueza da República em defender a ordem e ajudou muito a legitimar o golpe militar em curso. A reação dos golpistas foi no mesmo talante: execuções sumárias, nas áreas tomadas à República, daqueles que “sujavam” a sociedade, que eram considerados diferentes em termos sociais, culturais ou sexuais.

A formação das Brigadas Internacionais, em apoio à República, deve ser entendida como o resultado da existência de uma massa de pessoas que haviam migrado, de origem operária, que haviam deixado seus países ao final da Grande Guerra (1914-1918) e buscavam na causa republicana espanhola uma maneira de vingar suas próprias agruras domésticas. A grande depressão, sucessiva à crise da bolsa de 1929, levava muitas pessoas a pensarem que o fim do capitalismo estava próximo. Os marginalizados da Europa, dos Estados Unidos, do Canadá, formaram as brigadas: eram judeus, perseguidos políticos, sexuais, culturais. Eram os defensores imperfeitos da modernidade cultural cosmopolita. Mesmo assim, havia limitações. As mulheres republicanas deviam atuar como enfermeiras ou no apoio logístico apenas. Isto era também o resultado do predomínio do movimento comunista, hierárquico, nas Brigadas e na República. Confrontados com a possibilidade de colapso da ordem pública, por inspiração de aliados aos golpistas, os partidos, sindicatos e milícias criaram seus próprios campos de detenção.

3 A Espanha rebelde, dos golpistas, queria arrasar o proletariado industrial do País Basco e da Catalunha. As mulheres das classes médias urbanas e provinciais foram incorporadas pelos falangistas, em um movimento decisivo em direção à modernidade. Os rebeldes não eram nazistas ou mesmo fascistas, mas nacionalistas espanhóis, cujo objetivo era restaurar a glória do antigo império espanhol, humilhado a tanto tempo por ingleses e americanos, democratas e imperialistas, aos olhos da direita. É sintomático que Churchill, em 1938, tenha defendido a causa republicana - em oposição aos alemães e italianos - o que contribuiu para a convicção nacionalista espanhola de que eles lutavam contra o imperialismo ou internacionalismo, capitalista, democrático, dominado pelos anglos, inimigos históricos da Espanha surgida da união de Fernando e Isabel, no século XV. Os rebeldes, nos moldes do nacionalismo, desde o século XVIII tardio, buscavam forjar uma nação homogênea e hierarquizada. Após a vitória, para isso, os espanhóis foram instados a denunciar os próprios vizinhos aos tribunais civis e militares, o que fez de milhões de pessoas cúmplices do novo regime.

A República caiu em um processo longo e doloroso. No verão de 1937 os republicanos permitiram a reabertura das igrejas nas áreas sob seu controle, mas a medida era tímida e tardia. A luta entre socialistas e comunistas apenas aumentava. A República acossada adotava métodos de vigilância e mesmo tortura que violavam os próprios ideais republicanos. Neste sentido, não houve vitória dos rebeldes, mas derrota auto-infligida pelos próprios republicanos. Foram mais de quatrocentos mil espanhóis exilados, dezenas de milhares executados, centenas de milhares internados em campos de reeducação, os reformatórios. Filhos de republicanos foram criados por famílias falangistas, em prenúncio macabro do que ocorreria, décadas depois, na Argentina dos anos 1970. O regime

4 estabeleceu uma comissão contra os “crimes vermelhos”: a Causa General. O divórcio foi declarado inválido, de forma retroativa. A Causa General levou a cabo milhares de processo de vizinhos contra vizinhos, que muitas vezes usaram dessa possibilidade, para vinganças e ajustes de contas que nada tinham a ver com comunismo ou anarquismo.

No capítulo conclusivo, Graham trata dos usos do passado, tema da maior relevância na historiografia de nossos dias. O pacto de silêncio, na Espanha posterior ao Franquismo, dificultou a revisão histórica. Apenas nos últimos anos, houve a superação do medo e a busca pelos documentos relativos aos anos de ditadura. Covas foram escavadas. A autora conclui que fazer História é, por definição, um diálogo sem fim entre o presente e o passado. Boa parte daquilo que estava em questão na Espanha nos anos 1930 permanece nos dilemas de nossos dias, em questões como o racismo, a religião, relações de gênero e outras formas de guerra cultural, que nos desafiam a não recorrermos à violência. A Guerra Civil Espanhola e outros conflitos civis do século XX relacionam-se ao medo e ao ódio à diferença. O grande desafio do século XXI consiste, portanto, em não cair nessa tentação.

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