Resenha: VELLOSO, Monica Pimenta. “Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo”.

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VELLOSO, Monica Pimenta. “Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo”. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. “O Brasil Republicano – vol. 2”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Iana Araújo

Fazendo um breve apanhado do papel dos intelectuais durante momentos de forte tensão política, a autora observa que na década de 1920 no brasil, quando se fazem sentir os efeitos do pósguerra, o ideal cosmopolita de desenvolvimento cede lugar ao credo nacionalista. O foco das preocupações dos intelectuais é a busca de nossas raízes, e é por meio da arte que pretende-se atingir a realidade brasileira. É a partir de 1930 que eles passam sistematicamente a direcionar sua atuação no âmbito político. Apesar das discrepâncias entre as propostas de organização apresentada pelos intelectuais, todas têm um ponto em comum: a solução autoritária e a desmobilização social. Durante o Estado Novo esse pensamento vai adquirir contornos mais definidos. O período é, segundo a autora, particularmente rico para a análise da relação entre os intelectuais e o Estado, uma vez que nesse momento se revela a profunda inserção desse grupo social na organização político-ideológica do regime. Ao longo do texto vemos a preocupação de enfocar os intelectuais na qualidade de participantes de um projeto político-pedagógico, destinado a popularizar e difundir a ideologia do regime. Vemos que a autora articula-se em torno de três ideias principais. A primeira, procura mostrar como se constrói a argumentação dos intelectuais em relação ao papel de vanguarda social que eles mesmos se propõem a exercer. Depois, a ideia é evidenciar a atuação prática desse grupo: sua inserção na vida política através da elaboração de um projeto cultural. A análise desse projeto merece atenção especial, principalmente quando deixa transparecer os efeitos da absorção da ideologia política pelas camadas populares. Enfim, é necessário apresentar as ideias que vão fundamentar o projeto cultural do Estado Novo, analisando a vinculação dos intelectuais modernistas com o regime. Para a autora, essa vinculação é de extrema importância, uma vez que dá a conhecer um dos núcleos organizatórios mais sólidos do regime: a cultura. Esse núcleo, segundo ela, permite explicar a integração dos vários grupos intelectuais ao regime, assim também como a própria organização social gerada a partir dele. A ideia da “torre de marfim” na literatura, defendida por Machado de Assis, durante o Estado Novo cai por terra. O isolamento intelectual é quebrado, e os homens da Academia Brasileira de Letras misturam-se com a política. A doutrina do regime constrói todo um sistema de valores em função do qual resgata ou nega o valor do intelectual na sociedade. A ideia do intelectual como membro do grupo em comunhão com o nacional está, finalmente, firmada. O melhor exemplo

disso é a entrada de Getúlio Vargas para a Academia Brasileira de Letras, por exemplo. Ele critica a ideia de “torre de marfim” em seu discurso de posse. Essa entrada do presidente na ABL reforça um dos postulados doutrinários do regime: o da união entre o homem de pensamento e o homem de ação, entre a política e a literatura, enfim, entre os intelectuais e o Estado. Ao longo de seu texto, a autora chama Getúlio Vargas de “pai dos intelectuais”. O liberalismo aparece como a corporificação do mal do passado, um “desastre para a nacionalidade brasileira”, porque seria uma ideologia importada. É, portanto, a partir da prática liberal que os doutrinadores do regime explicam todos os males que se abateram sobre o país. É a partir daí que o novo papel do intelectual seria fundamentado, nessa retórica antiliberal. Exige-se a sua saída da torre de marfim e a conquista da atuação pública deve se dar em estrita consonância com o Estado. No pensamento do Estado Novo, encontramos um dos postulados centrais do pensamento político autoritário, que é o de entender a sociedade como ser imaturo, indeciso e, portanto, carente de um guia capaz de lhe apresentar normas de ação e de conduta. Como diz a autora, “mais do que isso: capaz de adivinhar os anseios, de precisá-los, enfim, de lhe indicar as soluções”. A partir daí, ela entra no campo da propaganda política, onde os intelectuais têm papel de importância fundamental. Nesse ponto, a autora passa a abordar a criação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), diretamente subordinado ao Executivo. A estrutura altamente centralizada permite ao governo exercer eficiente controle de informação, assegurando-lhe considerável domínio em relação à vida cultural do país. A centralização administrativa era apresentada como fator de modernidade, apelando-se para os princípios de sua eficácia e racionalidade. Cria-se a Rádio Nacional, a partir da qual pretendia-se monopolizar a audiência popular. A doutrina do regime procura diferenciar o mau rádio (voltado para humor, esporte e diversão), do rádio enquanto veículo de cultura. Contudo, segundo a autora, esse dualismo não prevalece por muito tempo, pois resultaria fatalmente na impopularidade da mensagem governamental. A estratégia, portanto, era agradar ao gosto popular. É a educação popular que irá garantir essa homogeneidade de cultura e valores. É nesse período que se desenvolve a polêmica em torno da participação do intelectual nos programas radiofônicos também. O Governo utiliza-se do rádio personificando padrões éticos de comportamento, apelando para a empatia e emoções do ouvinte. Os programas radiofônicos seguem a orientação do governo, se não de forma plena, muito próxima a ela. A autora aponta a Rádio Difusora da Prefeitura que deveria ser usada como modelo pelas demais. No interior do projeto do Estado Novo, a música ocupa lugar de destaque. Essas expressões culturais, porém, devem ser policiadas para evitar “temas imorais” ou “cafagestagem”.

Para a autora, não há nada melhor para retratar a história desse período do que o repertório da música popular produzida na época. Segundo ela, depois de expor vários exemplos da música e do cinema, a eficiência do DIP é bastante clara na montagem da doutrina estado-novista. Ele funciona como um organismo onipresente, que penetra todos os poros da sociedade, e constrói uma ideologia que abarca desde as cartilhas infantis aos jornais nacionais, passando pelo teatro, música, cinema, e até no carnaval. Uma das maiores preocupações do Estado Novo, observa Monica Velloso, é mostrar que o regime instaurado não é mero produto político, mas possui uma sólida base cultural. O próprio evento modernista é atrelado ao Estado, que se apropria dele como um todo uniforme, não distinguindo as várias correntes de pensamento que a integraram. O Estado Novo tenta reconceituar o popular, que passa a ser definido como a expressão mais autêntica da alma nacional. A autora aponta um deslocamento de perspectivas no debate político, que pára de associar o povo à crise, e passa a associar a elite à crise. As elites passam a ser vistas como o verdadeiro motivo da crise nacional, que se distanciam da “alma brasileira” ao adotar modos e ideias estrangeiros. Cabe somente a elas redescobrir a nacionalidade. Esse tipo de raciocínio vem fundamentar a intervenção do Estado na organização social, posto que ele é visto como a única entidade capaz de salvar a identidade brasileira. Monica Velloso finaliza: “o que parece ocorrer é uma espécie de reciclagem histórica de conceitos – nação, povo e cultura – para ajustá-los aos objetivos dos regimes”. A nossa produção cultural sempre esteve na mira do Estado.

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