RESEX CHICO MENDES (AC) DO PROJETO À REALIZAÇÃO: DOS ESPAÇOS DE REPRESENTAÇÃO À REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO

June 5, 2017 | Autor: P. Cepero Rua Perez | Categoria: Human Geography, Amazonia, Acre, Rubber tappers, Reservas Extrativistas, Seringueiros
Share Embed


Descrição do Produto

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

RESEX CHICO MENDES (AC) DO PROJETO À REALIZAÇÃO: DOS ESPAÇOS DE REPRESENTAÇÃO À REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO PIETRA CEPERO RUA PEREZ1

Resumo: Há 25 anos era criado a RESEX Chico Mendes no Acre, conquista histórica para o movimento que desde a década de 1970 vinha resistindo contra a expropriação a partir do avanço da fronteira agropecuária na Amazônia. Como reivindicação popular estava uma outra lógica de reforma agrária, a qual a territorialidade e a (re)produção da família seringueira fosse contemplada. Porém, a institucionalização da RESEX se deu sob um Estado neoliberal e o processo de captura de um projeto sociopolítico fez com que os ideias dos seringueiros fossem se afastando em face a um projeto capitalista o qual a questão ambiental tornou-se uma estratégia de acumulação. Neste presente artigo iremos buscar a compreensão sobre a constituição e concretização de um outro projeto, o qual não era o da demanda dos seringueiros. Palavras-chave: Seringueiros; Amazônia; Reserva Extrativista; Estado. Abstract: 25 years ago was created RESEX (Extractive Reserve) Chico Mendes in the state of Acre, historic achievement for the movement, which since the 1970s had been resisting the expropriation from the advance of the agricultural frontier in the Brazilian Amazon. How popular claim was another logic of agrarian reform which the territoriality and the (re) production of rubber family was contemplated. However, the institutionalization of RESEX occurred under a neoliberal state and the capture process from a socio-political project has made the ideas of rubber tappers were receding in the face of a capitalist project that the environmental issue has become an accumulation strategy. In this article, we seek the understanding of the formation and implementation of another project, which was not the demand of the rubber tappers. Key-words: Rubber tappers; Brazilian Amazon; Extractive Reserve; State. 1 – Introdução Após mais de 30 anos de luta pela resistência na terra, de muitos “empates”, o impedimento da derrubada da floresta para o avanço do gado e do latifúndio. Os seringueiros do Vale do Rio Acre, conduzidos por lideranças seringueiras como Wilson Pinheiro e Chico Mendes, conseguem no ano de 1990 a aprovação da Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendesi localizada nos municípios de Xapuri, Assis Brasil e Brasileia, Sena Madureira, Rio Branco, Capixaba e Epitaciolândia (Acre). O mote do discurso dos seringueiros era que para garantirem a sua (re)produção enquanto seringueiros era necessário a existência da floresta, em face

1

Aluna do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo. E-mail de contato: [email protected].

1

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

ao cenário de devastação provocado pelo avanço das pastagens para a criação de gado. A maneira de estabelecer uma luta política de permanência na terra era de lutar pela reforma agrária, mas não nos moldes realizados pelo INCRA (Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária) a partir de assentamentos de reforma agrária, ou nos moldes dos projetos de colonização que ocorriam na Amazônia. A projeção do movimento, inclusive internacionalmente, fez com que houvesse o atendimento de suas demandas por parte do Estado, e a partir da aproximação com IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) tornou-se concreto o projeto da então denominada pelo movimento de “reforma agrária seringueira”, que era a Reserva Extrativista, ratificada em 1990ii. A proposta inicial pelo movimento era que o IBAMA demarcasse a área requerida e que cada família seringueira haveria o direito de uma colocaçãoiii. Não haveria a expedição do título da terra, os seringueiros seriam usufrutuários, e as terras pertenceriam à união. E a gestão da RESEX ocorreria de maneira autogestionária. Portanto, os seringueiros haveriam papel importante dentro da RESEX. Para Gonçalves (2003) o projeto da RESEX iria se pautar na territorialidade seringueira, ou seja, a garantia da (re)produção do seringueiro e sua família e suas práticas cotidianas que promovessem a conservação da natureza. Ao analisarmos a RESEX Chico Mendes na atualidade é possível apreender nos discursos dos residentes e nos documentos oficiais (como o Plano de Utilização e o Plano de manejo), por exemplo, o afastamento do projeto idealizado no seio da luta política. Então, apreendemos uma progressiva atuação de uma ordem distante que visa racionalizar, a partir de uma lógica do Estado, a vida imediata, a ordem próxima. De maneira que são redefinidas as práticas sociais, estas entendemos como práticas espaciais. A ordem próxima e suas práticas cotidianas concebem representações do espaço, a abstração do Estado, por exemplo, concebem espaços de representação, nos quais os espaços são neutros, funcionais e normatizados proporcionando o controle do vivido (LEFEBVRE, 1974). No presente trabalho buscaremos compreender este movimento de afastamento do projeto dos seringueiros da RESEX Chico Mendes, a nosso ver, pautado nos espaços de representação. A partir da análise da realidade atual da RESEX Chico Mendes, no qual apresenta uma maior atuação do ICMbio (Instituto Chico Mendes de conservação da biodiversidade) e dos gestores controlando e

2

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

promovendo limites para (re)produção da vida, além da entrada de empresas capitalistas a partir do manejo sustentável da madeira. Deste modo, na concretização de uma RESEX a partir da representação do espaço. 2 – Referencial teórico-conceitual Ao nos reportamos para a realidade de um fragmentoiv que é a RESEX Chico Mendes, não podemos perder o horizonte de que ela está inscrita em um processo global, total, que é a sociedade e o modo capitalista de produção. Que, de fato, trata de nos reportarmos a conteúdos mais gerais, e como Henri Lefebvre (1974) nos aponta que a (re)produção da sociedade e a (re)produção da vida envolve a dimensão do espaço-tempo. Porém, segundo o autor, será na modernidade que o espaço aparecerá de maneira mais explícita como uma estratégia para a reprodução da sociedade nos níveis da vida imediata, no Estado e no processo de acumulação capitalista. Para o filósofo, o espaço é social e é um produto da sociedade. O espaço integra relações sociais, as práticas sociais, também são espaciais, e ao longo deste processo é possível de analisá-lov. Compreender o espaço é também compreender a sociedade. De maneira sintética Henri Lefebvre (1974, p.43) compreende que: Na realidade, o espaço social “incorpora” atos sociais, os de sujeitos, ao mesmo tempo coletivos e individuais, que nascem e morrem, padecem e agem. Para eles, seu espaço se comporta ao mesmo tempo vital e mortalmente; eles aí se desenvolvem, se dizem e reencontram os interditos; depois tombam e seu espaço contém sua tumba. Para o conhecimento e face a ele, o espaço social funciona – com seu conceito – como analisador da sociedade. Imediatamente se afasta um esquema simplista: o de uma correspondência termo a termo (pontual) entre atos e os lugares sociais, entre as funções e as formas espaciais. Esse esquema “estrutural”, porque grosseiro, não terminou de assombrar as consciências e o saber” vi

Principalmente sob o capitalismo, o espaço passa, a partir de um processo global, a aparecer como uma “espécie de realidade própria”, assim como a mercadoria. Passa a ser uma estratégia para o processo de constituição da sociedade e para a acumulação capitalista. O espaço tona-se ao mesmo tempo um meio de controle e um meio de produção. De certa maneira a lógica econômica e política da sociedade passam a serem expressas em uma lógica de espaço. Porém, adiantamos que a lógica da vida imediata, do uso e da apropriação, não necessariamente, é convergente a essas lógicas. As forças sociais e políticas (estatistas) que o engendraram tentam dominálo e não conseguem, aquelas mesmas que levam a realidade espacial em

3

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO direção a uma espécie de autonomia impossível de dominar se esforçam para esgotá-la, para fixa-la a fim de submetê-la (LEFEBVRE, 1974, p.35)vii.

A lógica empresarial e estadista não negligenciam o espaço, parte de suas estratégias se realizam através do/no espaço, e para isto é necessário a produção de conhecimento sobre o espaço. Planificadores, tecnocratas, urbanistas possuem uma concepção de um espaço abstrato, neutro, homogêneo, cartesiano. Nos termos de Lefebvre, são representações de espaço, concepções de estratégia de uso, que passam a condicionar o plano da vida imediata a partir de interesses específicos. O plano da vida imediata é o plano da vida, das (re)produção das relações sociais, das práticas sociais, do uso e da apropriação. As relações sociais que constituem o plano do vivido também produzem uma série de referências e representações, para Lefebvre é neste nível que são construídos os espaços de representação. Tanto os espaços de representação, quanto as representações de espaço constituem diferentes empregos do espaço-tempo. De certa maneira, sob o capitalismo as formas mais espontâneas, a dimensão da apropriação e do uso tem sido subjugadas ao valor de uso e a propriedade privada. Porém, este processo, ao longo do tempo não se constituiu passivamente, processos violentos e resistências se opõem a essa lógica. E de certa maneira, iremos aprofundar este processo social e conflituoso e contraditório a partir do caso da RESEX Chico Mendes e as duas lógicas, a do Estado e a do movimento dos seringueiros que constituíram em dois projetos distintos. 3 – Metodologia O presente artigo buscou apreender o movimento de 25 anos da RESEX Chico Mendes, e quais foram as mudanças que ocorreram do projeto a concretização atual. A pesquisa buscou, a luz dos conceitos de Henri Lefebvre, e a partir de uma revisão bibliográfica de trabalhos referências sobre a temática aliados a um trabalho de campo realizado no Acre em janeiro de 2014 analisar o que se objetivou refletir. 4 – Desenvolvimento Na carta de 5 de dezembro de 1984 do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Xapuri, o então presidente Chico Mendes torna público o que se passara a ser o cotidiano do seringueiro na área de avanço da fronteira agropecuária, em especial da pecuária. Na carta o STR denuncia o caso de violência promovido por

4

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

grupos como o Bordon, e por fazendas como a Fazenda Santa Fé na tentativa de expulsar as famílias seringueiras. Além disso, é relatado o impacto ambiental dos grandes grupos, como a derrubada de madeiras de lei, de castanheiras e seringueiras. E que por serem beneficiados por políticas públicas possuem o Estado, a polícia militar, o INCRA e o IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) ao seu lado, legitimando as suas ações. Do outro lado, o seringueiro desassistido sofrendo perseguições por mecanismos de violência privado como jagunços, e pelo Estado a partir da polícia militar e pelo então órgão de proteção ambiental o IBDF: Outra prática de violência também foi usada. Na Fazenda Santa Fé, de propriedade do Sr. Veríssimo da Costa Neto, nos últimos dias, 3 famílias foram expulsas pelos jagunços e os agentes do IBDF e outras 12 famílias se encontram ameaçadas, eles entram na casa dos posseiros armados de metralhadoras, e humilham os trabalhadores. Nesta área, nos últimos anos, também já foram destruídas mais de 20.000 árvores de castanheiras e seringueiras, com mais de 40.000 madeiras de lei. O IBDF assiste toda essa destruição sem tomar nenhuma previdência, porém quando o posseiro desmata meio hectare de terra para o plantio de arroz e milho é imediatamente ameaçado e humilhado por agentes armados de metralhadoras (Grifos nossos. MENDES, C., 1984).

O Acre passa por mudanças expressivas a partir da década de 1970, assim como em toda Amazônia. Desde a década de 1940 começam a se articular políticas econômicas que buscavam o chamado desenvolvimento econômico na Amazônia. Em um primeiro momento, uma série de políticas que promoviam a extração da borracha foram instituídas, e com a queda progressiva da demanda a partir do fim da II Guerra Mundial, devido à concorrência com a produção do sudeste asiático, novas políticas como de desenvolvimento rural e industrial, além de agências estatais de desenvolvimento regional, passaram a se tornar cotidianas na região. Em especial, a partir da ditadura militar, e uma aliança entre o Estado e o Capital monopolista mudarão o quadro econômico (IANNI, 1979). O Acre estava inserido nessas políticas da Ditadura Militar e o estado era apresentado como área potencial para a compra de terras, projetos agropecuários e, principalmente, para a criação de gado para os “paulistas”viii. A gestão do governador Wanderley Dantas (1971-1975) foi em grande parte uma intensa campanha publicitária para empresários do centro-sul, era divulgado o potencial das terras acreanas para a agricultura capitalista. Para isso, o então governador elaborou uma política creditícia massiva, e grande parte dos créditos que antes iam para os

5

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

seringalistas, passam a serem direcionados aos empresários do sul (DUARTE, 1987). O governado seguinte, Mesquita (1975-1979), foi aprovado o II Plano Estadual de Desenvolvimento que dentre seus principais objetivos estavam a expansão da fronteira agrícola e o aumento da produtividade agropecuária, em especial, a pecuária. No mesmo período, os seringalistasix passam a se endividar após a política creditícia promovida pelo Estado para a modernização da produção da borracha e dos seringais, grande parte não investia no processo produtivo e não tinham mais como continuar com a produção da borracha, porque não tinham mais espaço no mercado. Como consequência, muitos seringalistas passam a vender seus seringais aos empresários. Além disso, camponeses do centro-sul também iam para o estado, através de projetos de colonização do INCRA, em especial os Programas de Assentamento Dirigido (PAD), como o Pedro Peixoto de 1977. Os seringais do Vale do rio Acre, área de expansão da pecuária e de extração da madeira, como os situados nas cidades de Xapuri, Brasiléia Assis Brasil, Rio Branco. É o lócus deste panorama da expansão da agropecuária e do latifúndio, a venda e grilagem de terra e expulsão das famílias seringueiras. Principalmente, após a atuação das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), através da Teologia da Libertação, e a criação dos STRs. Passam a fazer frente a esse processo de expropriação da terra. Lideranças como Wilson Pinheiro e Chico Mendes denunciavam a expulsão de seringueiros e os casos de violência. Até aquele momento, os seringueiros eram tidos como posseiros, portanto, iniciam a luta pela reforma agráriax. A justificativa da luta para resistir na terra era que para garantirem a sua (re)produção enquanto seringueiros era necessário a existência da floresta, em face ao cenário de devastação para o avanço das pastagens para a criação de gado. Os “empates” eram os momentos em que os seringueiros e suas famílias impediam o avanço da derrubada da floresta para o avanço do gado e do latifúndio. É notório o sentido que Gonçalves (2003) compreende a oposição de lógica do empate em relação à forma da propriedade privada da terra sob o capitalismo, e em especial na Amazônia: [...] os seringueiros afirmaram um direito – o de ficar –, contra um princípio do direito liberal – o de ir e vir. Observemos que a resistência para ficar – o Empate – não recusa o princípio do ir e do vir. Na verdade, afirmam a defesa

6

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO de uma determinada matriz de racionalidade, de se reproduzir segundo uma matriz própria, segundo um determinado modo de envolvimento contra um determinado modo de des-envolvimento que quer ser universal [...] Os seringueiros, veremos, não lutavam por terra, mas por território, por um determinado modo de se apropriar, de tornar próprio a natureza, o espaço, o tempo, enfim, de tornar-se propriamente seringueiro (Grifos nossos, p.550)

Para CUNHA (2010, p.20) o sentido da luta seringueira era na proposta de uma outra maneira de apropriação da naturezaxi, a qual se opunha a capitalista, que mercantifica a natureza e a enxerga enquanto fator de produçãoxii: O movimento seringueiro configurou-se na disputa entre diferentes apropriações da natureza: natureza como mercadoria, em que impera o valor de troca; e natureza como lugar de sobrevivência e reprodução social, na qual o valor de uso é determinante. Desta disputa, e envolvendo alianças e confrontos, surgiu a proposta conhecida como a “reforma agrária dos seringueiros”, que lhes daria a garantia da terra e seu usufruto.

É necessário realizar um recuo na história para apontar que as práticas sociais, portando espaciais, os sistemas de representações, de espaços de representação, a constituição do plano do vividoxiii, em um seringal foram frutos de um processo de decadência do monoextrativismo da borracha e a necessidade de garantia de novas condições objetivas e materiais para a (re)produção do seringueiro. E que a constituição de uma outra lógica de apropriação da natureza e de outra relação sociedade-natureza destoava da capitalista, e será a base da reivindicação de um outro projeto de permanência e resistência na terra. Segundo Almeida (2002), a formação de famílias nos seringais, principalmente a partir de casamentos de indígenas com nordestinos. E também, a incorporação de novas técnicas e conhecimentos sobre a dinâmica da floresta vão se constituindo em momentos do processo de (re)criação e (re)produção desses seringueiros, de modo que passam a se reproduzirem enquanto camponeses da floresta. Os saberes da floresta são incorporados e passam garantir a possibilidade de se (re)produzirem e se (re)criarem cotidianamente. Como as mercadorias e a circulação de dinheiro se tornam escassas, a floresta vira a grande fornecedora. Serão, por exemplo, cipós utilizados para o fabrico de cestos, vassouras e cordas. Diferentes óleos e pigmentos com múltiplas funções, a utilização de cocos e de diversas palmeiras para o fabrico de sabão. De certa maneira, nos momentos mais latentes de resistência, como os empates, eram de conscientização do que se queria lutar, o porquê era uma opção resistir na terra e lutar pelo território. Esses sentidos da luta e de uma proposta de

7

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

espaço de representação, a reforma agrária do seringueiro, serão levados a foros de discussão e serão formalizados em documentos oficiais. O movimento em 1985, o se formaliza em Brasília a partir da formação do Conselho Nacional dos Seringueiros. No mesmo ano no IV Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais é formalizado pela primeira vez a proposta de reforma agrária do movimento. No final deste ano é realizado o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros e é escrita a proposta de que a reforma agrária para o seringueiro deveria considerar “a realidade extrativista da região” e que a lógica da divisão das terras entre as famílias seringueiras não seria como os projetos de colonização, mas a partir da colocação que varia de 300 ha a 500 ha. Em 1986 e 1987 o Estado inicia atender as demandas do movimento, a partir da incorporação do usufruto comum dos recursos naturais em áreas de assentamento, e com a criação do Projeto de Assentamentos Extrativistas (PAEXs) (Gonçalves, 2003). Em 1988, Chico Mendes foi brutalmente assassinado, no ano seguinte é aprovado a criação das Reservas Extrativistas (RESEXs), no primeiro governo civil pós-ditadura, como fruto da demanda popularxiv. Embora, o principal diálogo dos seringueiros, devido a questão agrária, era com o INCRA, será o recém-criado IBAMA que ficará encarregado da gestão das RESEXs. Em parte, devido a aproximação do movimento ambientalista com a questão do desmatamento na Amazônia e os seringueiros como um dos principais movimentos políticos naquele período, e a extinção do INCRA entre os anos de 1987 e 1989. Em 1990, é criado a RESEX Chico Mendes, ícone da luta seringueira. Nas palavras de Gonçalves (2003, p.133) a proposta inicial do movimento era que A Resex combina [...] o usufruto de cada família individualmente e a propriedade comunitária, sob tutela do Estado, mas sob a gestão participativa das entidades da sociedade civil organizada, tendo em vista garantir um uso sustentado dos recursos naturais e, assim, gerando as condições institucionais para que vá além do desenvolvimento sustentado, mas sim em direção a uma sociedade que dispõe de instituições que apontam para autogestão.

O que fora no Decreto n°98.897 que ratifica a RESEX é posto que “as reservas extrativistas espaços territoriais destinados à exploração auto-sustentável e conservação dos recursos naturais, por populações extrativistas”, mais adiante, “a exploração auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais será regulada por contrato real de uso”, e o “contrato de concessão incluirá o plano de utilização

8

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

aprovado pelo Ibama e conterá clausura de rescisão quando houver quaisquer danos ao meio ambiente ou a transferência da concessão inter vivos”, por último “caberá ao Ibama supervisionar as áreas extrativistas e acompanhar o cumprimento das condições estipuladas no contrato”. Notamos que o projeto autogestionário não consegue ser incluso na lei e que a gestão da RESEX será realizada pelo órgão do Estado, no caso, o IBAMA, e a partir de 2007 pelo ICMbio. O instrumento legal que norteará a gestão será o plano de utilização, que a princípio terá participação dos residentes da unidade de conservação. É interessante notar que o papel da conservação dos recursos naturais e a sua exploração será realizado pelas populações extrativistas, a partir de uma concessão de usoxv, porém, o artigo seguinte pontua que o contrato de concessão de uso poderá haver a rescisão caso não comprovado danos ao meio ambiente a partir do que se normatizou no plano de utilização. O movimento para conseguir institucionalizar a sua proposta teve que realizar um pacto com o Estado, e de certo modo, por possuir uma outra lógica, o que passara a se tornar concreto iria se distanciar da demanda popular. E neste momento, o Estado brasileiro passava por mudanças, saindo da ditadura militar com um projeto de desenvolvimento e ingressando nos termos neoliberais que passavam a se constituir no cenário mundial a partir dos anos 1970, mas que ingressam no Brasil nos anos 1990. Há uma reação contrária a criação das RESEXs, em grande parte dos latifundiários que vinham se beneficiam das políticas de financiamento e estímulo do Estado. Por outro lado, na economia e na política internacional surgia uma nova estratégia de acumulação que era a questão ambiental. As unidades de conservação no Brasil vão se tornar uma importante estratégia de inserção e capitação de recursos no mercado internacional (DIEGUES, 1994). Nas palavras de Gonçalves (2003, p.578): A territorialidade seringueira, ao ser consagrada como Reserva Extrativista, se inscreve, assim, como parte do Estado num momento em que vem sendo, por todo lado, alvo de duras críticas, sobretudo aquelas vindas do front liberal, que muito tem se beneficiado, quando não instrumentaliza, o argumento ambientalista.

Cunha (2010) aponta para a ocorrência de um “ajuste neoliberal” em países capitalistas não-centrais a partir das normas do Consenso de Washington. Entre elas o mecanismo de renegociação da dívida externaxvi, que colocava como condição a

9

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

inserção de projetos de conservação ambiental financiados por instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Ao analisar de onde vem os recursos para os projetos da RESEX Chico Mendes é notável que desde o início houveram financiamentos de projetos de cooperação internacional, ou de convênios com ONG’s nacionais e internacionais, além de bancos de desenvolvimento. Portanto, passa a se constituir um novo modelo de desenvolvimento econômico, o qual não elimina o modelo anterior, a partir de políticas ambientais, de desenvolvimento sustentável. Porém, para receber os financiamentos, o projeto da RESEX inicial vai passar por alterações. A demanda seringueira é silenciada em prol da possibilidade de acumulação capitalista que o Estado articular. As exigências dos investidores e o interesse do Estado redesenham o projeto, são as representações do espaço que passam a produzir um novo projeto de Resex. CUNHA (ibidem, p.172) sintetiza a nova lógica que é imposta: Ora, na prática, quando um financiador condiciona o empréstimo a alguns princípios atendidos, ele está definindo a forma de organização do contratante, uma vez que o empréstimo somente será concedido mediante o atendimento de “condicionantes”. Assim, o Banco (administrador), em última instância, precisaria aprovar os instrumentos de gestão que estavam sendo implantados na Resex.

Ao analisarmos o Plano de Utilização e o Plano de Manejo da RESEX Chico Mendes é possível compreender que há muito mais normas que o seringueiro deve cumprir do que a inserção da lógica do seringueiro na gestão da unidade de conservação. Há um caráter educador do Estado que normatiza a (re)produção da vida, que condiciona a produção do espaço, a partir da normatização das práticas cotidianas. Haverá uma progressiva diminuição do papel político representativo dos STRs, em face a constituição das associações de moradores. Dado o mote da justificativa das político-econômicas como prioritárias a vocação econômica a partir do extrativismo, em especial da madeira e da castanha. No conselho gestor da RESEX a cada ano que passa a participação de entidades representativas dos seringueiros é menor, em contrapartidas, os tecnocratas do ICMbio tornam-se maioriaxvii. 3-Considerações Finais O atual quadro de afastamento do projeto inicial de RESEX, em especial, a Chico Mendes é nos revelado pela dimensão do conflito. A vida cotidiana do

10

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

seringueiro, a vida imediata, é cada vez mais normatiza pela ordem distante, o Estado. Este que lhe coloca limites a sua (re)produção em face a um projeto de vocação econômica que a unidade de conservação tem como potência. A política da conservação ambiental é cada vez mais afastada do projeto inicial, a partir das práticas do seringueiro e a sua relação com a natureza. A ideologia que passa a se sustentar é que será pelo mercado que a conservação ocorrerá, para isto o seringueiro passa a ser “educado” pelo Estado através do Plano de Utilização e do Plano de Manejo que institucionalizam práticas para a vida imediata. 4– Referências bibliográficas ALMEIDA, M. (Org.). Enciclopédia da Floresta: o Alto Juruá: práticas e conhecimentos das populações. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. BRASIL. Plano de Manejo Reserva Extrativista Chico Mendes. Xapuri: IBAMA, 2006. _______. Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: http://sistemas.mma.gov.br/cnuc/index.php?ido=relatorioparametrizado.exibeRelatori o&relatorioPadrao=true&idUc=222. Acesso em: 03/05/2015. CUNHA, C. C. Reservas extrativistas: institucionalização e implementação no estado brasileiro dos anos 1990. Tese (doutorado) – UFRJ, Instituto de Psicologia, curso de pós-graduação em psicossociologia de comunidade e ecologia social. Rio de Janeiro, 2010 DIEGUES, A. C. S. O mito da natureza intocada. São Paulo, NUPAUB, 1994. DUARTE, E. G. Conflitos pela terra no Acre: a resistência dos seringueiros em Xapuri. Rio Branco. Casa da Amazônia. 1987. IANNI, O. Ditadura e Agricultura: O desenvolvimento do capitalismo na Amazônia: 1964-1978. Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira S. A., 1979. GONÇALVES, C. W. P. Geografando nos varadouros do mundo: da territorialidade (o seringal) à territorialidade seringueira (a Reserva Extrativista). Brasília: Ibama, 2003. LEFEBVRE, H. La production de l’espace. Paris, Éditions Antropos, 1974. MENDES, C. Carta de 05 de dezembro de 1984. Xapuri, STR de Xapuri. 1984 __________. O testamento do homem da floresta: Chico Mendes por ele mesmo. Organização, notas e introdução de Cândido Grzybowski. Rio de Janeiro, FASE, 1989. SEABRA, O. A insurreição do uso. IN: (org.) MARTINS, J. S. Henri Lefebvre e o retorno da dialética. São Paulo. Editora Hucitec, 1996. SMITH, N. Uneven Development: nature, capital and the production of space. Athens. The Georgia University Press, 2008. i

Decreto No 99.144, de 12 de março de 1990. Cria a Reserva Extrativista Chico Mendes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99144.htm. Acesso em 03/05/2015. ii Decreto n°98.897, de 30 de janeiro de 1990. Dispõe sobre as Reservas Extrativistas e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D98897.htm. Acesso em 03/05/2015. iii Uma unidade específica de terra, de 300 ha em média, que garante desde as práticas agroextrativistas, como as estradas de seringa, e a prática do roçado (GONÇALVES, 2003).

11

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

ivPara

Lefebvre (1974, p.106) o estudo de um fragmento releva uma multiplicidade de relações sociais: “[...] chaque fragmente d’espace prélevé pour l’analyse ne recèle pas um rapport social mais une multiplicité que l’analyse décèle”. v La practique spatiale d’une société secrète son espace; ele le pose et le suppose, dans une interaction dialectique: ele le produit lentement et sûrement en le dominant et en se l’appropriant. A l’analyse, la pratique spatiale d’une société se découvre en déchiffrant son espace (LEFEBVRE, 1974, p.48) vi No original : “Dans la réalité, l’espace « incorpore » des actes sociaux, ceux sujets à la fois collectifs et individuels, qui naissent e meurent, pâitissent e agissent. Por eux, leu espace se comporte à la fois vitalement e mortelement ; ils s’y déploirent, ils se disent et recontrent les interdits ; puis ils tombent e leurs espace contient leur tombe. Pour et devant la coinnaissance, l’espace social fonctionne – avec son concept – comme analyseur de la société. Un schéma simpliste s’écarte aussitôt, celui d’une correspondance terme à terme (ponctuelle) entre les actes e les lieux sociaux, entre les fonctions et les formes spatiales. Ce schéma « structural », parce que grossier n’a pas fini de hanter les consciences et le savoir". vii No original: "Les forces sociales et politiques (étatiques) qui l’engendrèrent tentent de le maîtriser et n’y parviennent pas; ceux-là mêmes qui poussent la réalité spatiale vers une sorte d’autonomie impossible à dominer s’efforcent de l’epuiser, de la fixer pour l’asservir". viii Os empresários do centro-sul foram comumente denominados pelos nativos da Amazônia de “paulistas. ix ”O seringalista era o “dono” do seringal, o qual cobrava a renda em produto, como a borracha, ou em dinheiro, principalmente com a queda da demanda da borracha, para os seringueiros terem a permissão de permanecer em suas terras. x A compreensão do movimento dos seringueiros é de que era um movimento pela reforma agrária. Porém, a reivindicação era por uma reforma agrária que atendesse as necessidades específicas da (re)produção dos seringueiros, além de possuir um grande teor crítico a lógica de propriedade privada da terra no modo de produção capitalista. xi A partir de Lefebvre podemos pensar também que a luta pela apropriação pressupõe uma outra forma de uso que não coincide com a instituição do uso sob o capitalismo (Ver SEABRA, 1996). xii Esta discussão é a aprofunda por Neil Smith (2008) a partir do conceito de “produção da natureza”. xiii “Em suma, no coração das relações materiais do homem com a natureza aparece uma parte ideal, não-material, onde exercem e entrelaçam três funções do conhecimento: representar, organizar, e legitimar as relações dos homens entre si e deles com a natureza. Torna-se, assim, necessário analisar o sistema de representações que os indivíduos e grupos fazem de seu ambiente, pois é a partir delas que eles agem sobre o meio ambiente” (DIEGUES, 1994, p.55) xiv No governo Sarney (1985-1990) havia uma grande demanda social a partir dos movimentos sociais. Uma das principais questões era a agrária. O IPNRA (Plano Nacional da Reforma Agrária) foi elaborado como uma reposta, embora suas metas e seu cumprimento tenha ficado a desejar para o quadro da questão agraria no Brasil. Além deste ponto, lembremos que foi no ano de 1988 que houvera a assembleia constituinte, o projeto da RESEX conseguiu ser uma justificação legal a partir do artigo 225 que confere ao Poder Público o dever de “definir, em todas as unidades de Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas através de lei” (BRASIL, 1988). xv O movimento, devido a possibilidade da instabilidade fundiária da região, propôs que o seringueiro não haveria a propriedade privada da terra, seria o direito de ser usufrutuário, ficando a propriedade para a União. xvi É interessante notar a questão da constituição de políticas no Brasil, por exemplo, a partir da problemática da dívida externa. De certo modo, são repostos cotidianamente a relação desigual entre os países capitalistas centrais e os não-centrais. Ianni (1979), aponta que a partir do discurso do avanço da fronteira agropecuária e a contração de mais investimentos externos, o governo da ditadura militar, justificava sua política de desenvolvimento econômico. xvii De maneira breve, atualmente na RESEX Chico Mendes há atuação de instituições do Estado como: INCRA, SEDENS, SEAPROF, SEMA, SEPN, IMC, FUNTAC, EMATER. Ong’s: WWF, SOS Amazônia, CTA, IMAFLORA, GCP. E instituições financeiras como: BIRD, BID, KfW, NORAD, GIZ e FUNBIO.

12

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.