Responsabilidade civil do Estado pelo não fornecimento de medicamento: decisão judicial não cumprida e teoria da “perda de uma chance”

June 15, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Direito Administrativo, Saúde Coletiva, Direito Civil, Saúde Publica, Responsabilidade Civil
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TRF2 Fls 778

EMENTA   APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO À SAÚDE. AUSÊNCIA DE ENTREGA DE MEDICAMENTO CONCEDIDO EM TUTELA ANTECIPADA. INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE COM O FALECIMENTO DA PACIENTE. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REFORMA DA SENTENÇA. 1. Demandante requer indenização a título de danos morais por descumprimento de ordem judicial de entrega de medicamento proferida em sede liminar, o que teria acarretado o falecimento de sua mãe. 2. No caso em que a determinação para fornecimento de remédio é proferida em tutela antecipada, é preciso primeiramente verificar se o medicamento pleiteado em juízo era necessário para o tratamento da doença e se deveria ser fornecido pelos entes públicos (precedente: TRF2, 5ª Turma Especializada, APELREEX 0003752-22.2011.4.02.5102, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, voto proferido em 24.11.2015, acompanhado pelo Des. Fed. ALUÍSIO MENDES). 3. O deferimento de liminar para entrega do medicamento e posterior confirmação da decisão em sentença (mesmo que não transitada em julgado) constitui indício favorável à pretensão indenizatória, ainda que as decisões tenham sido proferidas com base em um relatório médico e em exames, sem dilação probatória. 4. O relatório médico que afirma que a demandante foi corretamente medicada enquanto permaneceu internada constitui elemento de prova apto a afastar o nexo causal entre a omissão imputada ao Estado e a morte da paciente. 5. De acordo com, a jurisprudência do STJ, o uso da teoria da perda de uma chance para fins de responsabilidade civil pressupõe que a oportunidade perdida seja séria e real, proporcionado ao lesado condições efetivas pessoais de alcançar a situação futura almejada. Precedentes: 2ª Turma, AgRg no REsp 1.220.911, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 25.3.2011; 3ª Turma, REsp 614.266, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 2.8.2013; 4ª Turma, REsp 1.190.180, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 22.11.2010. 6. A teoria da perda de uma chance não é aplicável para subsidiar a responsabilidade civil do Estado na hipótese em que a saúde da paciente já estava fragilizada quando a entrega foi interrompida e, devido a sua idade avançada (82 anos) e seu histórico de doenças (pois sofria de sequelas de tuberculose contraída há mais de 38 anos), não se pode dizer que existia uma oportunidade séria de preservação da vida com o uso do remédio que deveria ser fornecido pelo Estado. 7. Remessa necessária e apelações do estado do Rio de Janeiro, da União e do município do Rio de Janeiro providas. Apelação dos demandantes não provida.

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Apelação Cível/Reexame Necessário - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0010723-26.2011.4.02.5101 (2011.51.01.010723-6) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : ANGELA MARIA DA SILVA E OUTROS ADVOGADO : JOAO CARLOS DA SILVA E OUTROS APELADO : OS MESMOS ORIGEM : 01ª Vara Federal do Rio de Janeiro (00107232620114025101)

TRF2 Fls 779

ACÓRDÃO

Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 2015 (data do julgamento).

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RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa necessária e às apelações do estado do Rio de Janeiro, da União e do município do Rio de Janeiro e negar provimento à apelação dos demandantes, na forma do relatório e do voto, constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Cuida-se, na origem, de ação ordinária ajuizada por ANGELA MARIA DA SILVA e JOÃO CARLOS  DA  SILVA  em face da  UNIÃO  FEDERAL,  ESTADO  DO  RIO  DE  JANEIRO  e   MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO objetivando a condenação dos entes ao pagamento de lucros cessantes e de indenização a título de danos morais em razão do falecimento de sua mãe, Iclea Dias da Silva. Os demandantes afirmam que sua mãe ingressou em juízo com a ação nº 002868752.2006.4.02.5151 para obter o fornecimento de medicamentos necessários para o tratamento de tuberculose. Sustentaram que houve atraso no cumprimento da sentença judicial e que os medicamentos entregues estavam próximos à data de validade e atribuem à omissão estatal a responsabilidade pela morte da genitora. Nesse sentido, requerem o pagamento de lucros cessantes, em razão dos prejuízos materiais sofridos durante o tempo que necessitaram cuidar de sua mãe doente, e indenização a título de danos morais, em função do falecimento. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido "para condenar os réus ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), pro rata, para cada um dos autores, monetariamente corrigido e acrescido de juros legais, nos termos do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal a contar desta data (Súmula nº 362 do STJ)" (fls. 628/634). Apelação do estado do Rio de Janeiro afirmando que: a) houve cerceamento de defesa em razão de não ter sido analisado o argumento de que o estado não foi intimado das decisões que determinaram a concessão do medicamento na primeira demanda; b) não há conduta estatal que possa estabelecer nexo de causalidade com a morte da mãe dos demandantes, que tinha 82 anos, possuía apenas um pulmão e era portadora de tuberculose há mais de 38 anos; c) não há provas de que o falecimento decorreu da falta do medicamento; d) embora a perda de um ente querido seja efetivamente dolorosa, o Estado não pode ser responsabilizado por esse fato da vida; e) o valor arbitrado a título de danos morais é efetivamente excessivo; f) a condenação em honorários também merece ser reduzida (fls. 643/654). Apelação do município do Rio de Janeiro alegando que: a) não é parte legítima, pois, na demanda originária, o medicamento era fornecido pela União; b) não há prova de qualquer omissão negligente por parte dos servidores do município do Rio de Janeiro ou mesmo com a falta do medicamento, em razão da precária saúde da mãe dos demandantes; c) não há dano moral a ser reparado, pois, à luz das circunstâncias do caso concreto, não se vislumbra qualquer ofensa à esfera de dignidade da pessoa humana, uma vez que a genitora dos autores vinha recebendo o tratamento adequado, sendo certo que o evento (óbito) não deve ser atribuído à suposta ausência do medicamento em comento ou qualquer outra forma de assistência; d) eventual manutenção da condenação deverá levar em conta o previsto no art. 1º-F da Lei n° 9.494/97, com a redação trazida pela Lei 11.960/2009, no que diz respeito aos juros moratórios e correção monetária; e) os honorários advocatícios devem ser excluídos ou reduzidos, na forma dos arts. 21 e 20, §4º, do CPC (fls. 655/669). Apelação dos demandantes, na qual requerem, em síntese, a elevação do valor fixado a título de indenização por dano morais (fls. 680/685) Apelação da União em que defende, em resumo, que: a) não é parte legítima para estar no polo passivo, pois não tem atribuição para a entrega de medicamentos; b) a teoria da perda de uma chance não se aplica ao caso concreto, pois a saúde da mãe dos demandantes já se encontrava debilitada e veio a falecer apesar de ter usado o medicamento fornecido por ordem judicial; c) inexiste a prova de que a União tenha concorrido, de qualquer forma, para o evento danoso, pois o medicamento estava sendo

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Apelação Cível/Reexame Necessário - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0010723-26.2011.4.02.5101 (2011.51.01.010723-6) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : ANGELA MARIA DA SILVA E OUTROS ADVOGADO : JOAO CARLOS DA SILVA E OUTROS APELADO : OS MESMOS ORIGEM : 01ª Vara Federal do Rio de Janeiro (00107232620114025101)     RELATÓRIO

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TRF2 Fls 771

TRF2 Fls 772

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RICARDO PERLINGEIRO   Desembargador Federal

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regularmente fornecido; d) o valor da condenação por honorários está acima do razoável e deve ser reduzido; e) a condenação em honorários também deve ser diminuída para se adequar ao art. 20, §4º, do CPC; f) a correção monetária deve observar os termos do art. 1º-F da Lei n° 9.494/97. Os recursos foram recebidos no duplo efeito (fl. 711). Contrarrazões às fls. 715/718 e 721/732. Parecer do Ministério Público Federal alegando não haver interesse público que justifique sua intervenção (fls. 764/765). É o relatório. Peço dia para julgamento.

Os demandantes vieram a juízo pleitear indenização pelos lucros cessantes e por dano moral em razão do falecimento de sua mãe, sob alegação de que houve atraso no cumprimento da sentença judicial proferida no processo nº 0028687-52.2006.4.02.5151, que determinou a entrega de remédios necessários a tratamento de saúde, e que os medicamentos entregues estavam próximos à data de validade. Preliminarmente, verifico que a ação nº 0028687-52.2006.4.02.5151, na qual se requereu o medicamento, foi ajuizada pela mãe dos demandantes em face da União, do estado do Rio de Janeiro e do município do Rio de Janeiro, o que confere aos entes públicos legitimidade passiva para figurar na presente demanda, em que se objetiva indenização por danos materiais e morais decorrentes do atraso na entrega do medicamento requerido em juízo. Ressalte-se que a responsabilidade de cada um por eventual omissão no atraso na entrega do remédio constitui questão de mérito, a ser analisada oportunamente. No mérito, ressalta-se inicialmente que o pedido de indenização por danos morais tem como causa de pedir o fato de o Estado ter descumprido a ordem judicial de entrega de determinado medicamento, que se considerava indispensável à manutenção da vida da mãe da demandante. Em casos como esse, antes de se analisar os pressupostos da responsabilidade civil do Estado (conduta, dano, nexo causal e, se for caso de responsabilidade de natureza subjetiva, culpa em sentido amplo), deve-se verificar se o medicamento pleiteado em juízo era necessário para o tratamento da doença e se deveria ser fornecido pelos entes públicos. Saliente-se que essa análise também depende da natureza da decisão que concedeu o remédio, ou seja, é preciso verificar se a ordem judicial foi proferida em sede de cognição sumária ou exauriente. Isso porque, se houve descumprimento de sentença transitada em julgado, não há que se discutir o conteúdo da ordem judicial, cabendo ao ente público apenas cumprir a determinação. Por outro lado, se a entrega do medicamento foi ordenada em sede de liminar ou em sentença ainda sujeita a recurso, é preciso apreciar o conteúdo dessa decisão em cotejo com os demais elementos de prova nos presentes autos. Estabelecidas essas premissas, observa-se que, no caso concreto, a ordem de fornecimento do remédio foi proferida em tutela antecipada, posteriormente confirmada em sentença que, contudo, não transitou em julgado, pois a demandante faleceu antes do julgamento do recurso extraordinário interposto pela União (conforme será detalhado abaixo). Por esses motivos, é necessário analisar o contexto em que a decisão foi prolatada e as provas apresentadas para subsidiar o deferimento (precedente: TRF2, 5ª Turma Especializada, APELREEX 0003752-22.2011.4.02.5102, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, voto proferido em 24.11.2015, acompanhado pelo Des. Fed. ALUÍSIO MENDES). Depreende-se da cópia integral do processo nº 0028687-52.2006.4.02.5151 (acostada aos autos) que Iclea Dias da Silva, então demandante, relatou em juízo que, em decorrência de tuberculose contraída há aproximadamente 38 anos, possuía graves sequelas, e necessitava de medicamentos específicos SPIRIVA, FORASEQ, DILACORON (ou VERAPAMIL), AMINOVAC, ATROVENT e OMEPRAZOL para manter sua saúde. Contudo, afirmou que não tinha condições financeiras de adquirir os remédios com a periodicidade própria de seu tratamento, diante dos preços de mercado praticados (fls. 250/258). Para embasar sua pretensão, juntou relatório médico (fl. 269), exames médicos (fls. 271/273) e notas fiscais de farmácias (fls. 274/278).

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Apelação Cível/Reexame Necessário - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0010723-26.2011.4.02.5101 (2011.51.01.010723-6) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : ANGELA MARIA DA SILVA E OUTROS ADVOGADO : JOAO CARLOS DA SILVA E OUTROS APELADO : OS MESMOS ORIGEM : 01ª Vara Federal do Rio de Janeiro (00107232620114025101)     VOTO     O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO:   (RELATOR)

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TRF2 Fls 773

TRF2 Fls 774

Houve interposição de recurso inominado pela União (fls. 390/397), mas a turma recursal do juizado especial federal negou provimento ao recurso e a sentença foi mantida (fl. 427). Ato contínuo, a União ofereceu recurso extraordinário (fls. 445/452), mas ele foi inadmitido na origem, em 13.10.2010 (fl. 513). Em face dessa decisão, a União interpôs agravo para o Supremo Tribunal Federal, o qual se encontra sobrestado desde 6.7.2011 por ter sido reconhecida a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada em processo versando sobre matéria análoga à dos autos (recurso extraordinário nº 566.471, que trata da obrigatoriedade de o poder público fornecer medicamento de alto custo). Paralelamente à discussão sobre a admissibilidade do recurso extraordinário interposto, a demandante noticiou nos autos o descumprimento da sentença, pois não estava recebendo os medicamentos (fls. 475/477). Então, em 25.2.2010, foi proferido o seguinte despacho: "Dê-se vista à União Federal , pelo prazo de 5 (cinco) dias, para fornecer os medicamentos solicitados com urgência, uma vez que o receituário por ela solicitado às fls. 178/180, já foi fornecido pela parte autora desde dezembro de 2009, conforme fac-símile à fl. 192, sob pena de multa diária". Porém, a determinação não foi atendida e, em 16.6.2010, foi proferida nova ordem judicial reiterando a ordem de entrega imediata do remédio, sob pena de multa diária (fl. 499). Por sua vez, a União informou que havia sido fornecida medicação suficiente para uso até o dia 23.8.2010 e requereu a juntada de receita médica atualizada, para instrução do procedimento de compra (fl. 501). A demandante continuou peticionando nos autos, afirmando que não estava recebendo a medicação necessária, e, em 22.11.2010, foi proferida nova decisão determinando que a demandante acostasse aos autos novo receituário médico com a especificação de remédio substitutivo, pois o que vinha sendo fornecido não estava mais sendo fabricado (fl. 546). Houve a juntada do novo receituário médico pela demandante em 27.1.2011 (fls. 548/553), mas ela veio a falecer em 2.2.2011 (fl. 588). Depreende-se desse relato do processo de origem que a determinação de entrega do remédio foi inicialmente veiculada em decisão de tutela antecipada, posteriormente confirmada na sentença. Ressaltese que ambas as decisões foram proferidas com base em um relatório médico e em exames apresentados pela demandante juntamente com a inicial e não houve dilação probatória ou realização de perícia para averiguar se os remédios pleiteados eram adequados ao tratamento da doença da paciente. Nesse contexto, é possível afirmar que o fato de ter havido deferimento de liminar e posterior confirmação em sentença (mesmo que não transitada em julgado) constitui indício favorável à afirmação dos demandantes de que o remédio efetivamente deveria ser entregue pelos entes públicos e era indispensável para manutenção da saúde de sua mãe e evitar o seu óbito. Portanto, é preciso verificar se os entes públicos trouxeram aos presentes autos elementos suficientes para desconstituir esse indício inicialmente favorável ao acolhimento da pretensão autoral. Em suas defesas, os entes públicos alegam essencialmente a ausência de omissão estatal que possa ser imputável ao falecimento da genitora, pois sustentam que a enferma tinha 82 anos, possuía apenas um pulmão e era portadora de tuberculose há mais de 38 anos, de modo que seu óbito decorreu de fato da vida, e não da ausência do medicamento que vinha sendo fornecido pelo poder público.

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A continuidade do fornecimento além do inicialmente estabelecido ficará condicionada à demonstração pela parte autora de que continua a necessitar dos referidos medicamentos, o que deverá sempre ser feito mediante receituários médicos atualizados, fornecidos por órgão público, do medicamento que pleiteia, com especificação do quantitativo de que necessita, dosagem e projeção de tempo durante o qual o medicamento será ministrado e registro do salibase do princípio ativo, diretamente perante os Réus. Resolvo, assim, o mérito desta causa. Em face do Ministério da Saúde - União Federal (fls. 118/119) ter enviado à Demandante quantidade suficiente de medicamentos para o tratamento por um período longo tempo, entendo satisfeita a pretensão Autoral.

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A tutela antecipada restou deferida pelo juízo, que vislumbrou plausibilidade jurídica nas alegações, bem como o fundado receio de dano (fls. 289/290). Observa-se que, durante o processo, houve entrega regular do medicamento, tanto que a própria demandante requereu a suspensão do processo por um ano, tendo em vista que recebeu medicação suficiente para uso contínuo durante esse período (fl. 372). Posteriormente, a sentença confirmou os efeitos da tutela e determinou a permanência na entrega dos remédios (fls. 383/384), ressaltando que:

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[...] O quadro é de paciente de 82 anos, grave durante toda a internação, que evoluiu para óbito. O medicamento Foraseq é um dilatador de brônquios, composto de formoterl e budesonida, com indicação para prevenção e tratamento do broncoespasmo em doente com doença pulmonar obstrutiva. A paciente fez este medicamento no início de sua internação, após foi trocado, por indicação médica para budesonida, fenoterol, ipatrópio e corticóide, ou seja, a mesma permaneceu toda internação com drogas broncodilatadoras. Lembro que em ambiente de Terapia intensiva existe a predileção por medicamento de ação mais rápida, pela instabilidade e gravidade dos pacientes, portanto nem sempre os medicamentos de uso prolongado são usados em CTI, pois o paciente é muito frágil nesse momento e precisa de outras terapias próprias para o quadro em epígrafe, ou seja, a troca destes medicamentos é por decisão médica e avaliação de momento, e ratifico, que a paciente não ficou sem medicamentos broncodilatadores, muito pelo contrário, fazia uso de 04 medicamentos juntos, portanto é improvável que esta tenha sido a causa do óbito.

Em outras palavras, os demandantes consideram que, mesmo que a paciente tenha sido medicada enquanto permaneceu internada (o que está relatado no documento de fls. 88/89), o fato é que não houve a entrega do medicamento em período anterior, o que teria gerado o agravamento da saúde da sua mãe, a consequente internação e o seu posterior óbito. Na sentença, o juízo a quo também analisou o referido relatório e fez a seguinte ponderação: É necessário destacar a condição peculiar da Sra. Iclea Dias da Silva, que era portadora de tuberculose e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, bem como possuía apenas um pulmão, necessitando, assim, em caráter de urgência, dos medicamentos pleiteados e concedidos na ação n°0028687-52.2006.4.02.5151. É de conhecimento deste juízo o laudo médico acostado às fls. 88/89, o qual dispõe no sentido de que “(..) a paciente não ficou sem medicamentos broncodilatadores, muito pelo contrário, fazia uso de 04 medicamentos juntos, portanto é improvável que esta tenha sido a causa do óbito”. Contudo, entendo ser cabível, na hipótese dos autos, a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance, que vem sendo adotada pelo C. Superior Tribunal de Justiça em feitos análogos ao presente. Vale dizer, o comportamento da Administração em não cumprir corretamente decisão judicial de fornecer ininterruptamente os medicamentos necessários para o controle da doença da Sra. Iclea, impossibilitou-a de obter o adequado tratamento médico, acarretando a perda da chance de um resultado positivo para a paciente.

Observa-se que a sentença considerou que, a despeito do documento juntado pela União, a indenização seria devida com base na teoria da perda de uma chance, que vem sendo utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça em alguns de seus julgados nos quais analisa pleitos de responsabilidade civil. Sobre a referida teoria, ressalta-se que ela se originou na doutrina francesa (perte d'une chance) e, em síntese, é utilizada para assegurar a reparação civil quando alguém comete um ato ilícito e faz com que

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Em réplica, os demandantes se manifestaram sobre esse relatório nos seguintes termos:

Por tratar-se de paciente DPOC portadora de 01 pulmão, a INTERRUPÇÃO ABRUPTA DO FORASEQ DESDE 30 de outubro de 2010, POR QUASE 02 MESES conforme comprova documento as fls. 39 e principal medicamento BRONCODILATADOR que fazia uso 02 (duas vezes ao dia), foi o fator determinante para o agravamento da saúde da paciente e de sua INTERNAÇÃO no dia 23/12/2010 DIRETAMENTE PARA O CTI DO HOSPITAL EVANGÉLICO DO RIO DE JANEIRO e permanecendo até o dia do óbito, ocorrido no dia 02/02/2011, após muito sofrimento de paciente e familiares. Valendo ressaltar que o quadro clínico da paciente ao dar entrada no Hospital Evangélico no dia 23/12/2010, já era GRAVÍSSIMO e o documento juntado as fls. 88/89, apenas reforça o que está sendo alegado e confirmado, sobre os medicamentos que a paciente deveria fazer uso e não o fez por culpa da UNIÃO.

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Quanto às provas carreadas aos autos, observa-se que os entes não requereram dilação probatória e juntaram apenas documentos por meio dos quais procuram se eximir da responsabilidade pela morte da mãe dos demandantes. Nesse ponto, merece atenção o documento juntado pela União às fls. 88/89, consistente em um relatório elaborado pelo Hospital Evangélico do Rio de Janeiro (onde a demandante permaneceu internada em seus últimos dias e veio a falecer) em resposta a ofício enviado pela União, no qual se descreve a saúde frágil da demandante durante o tempo em que se manteve internada, seno relevante destacar o seguinte trecho:

outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo. No caso, o juízo a quo considerou que "o que a parte ré fez foi castrar a possibilidade de a genitora dos autores tentar tratar a doença grave que lhe acometia. Frise-se que não era garantido que a Sra. Iclea ficaria curada, porém essa chance de tentar lhe foi retirada pela demora da Administração Pública em fornecer os medicamentos necessários ao seu tratamento". Não obstante, é preciso salientar que, de acordo com a jurisprudência do STJ, a aplicação da teoria da perda de uma chance pressupõe que a oportunidade perdida seja séria e real, proporcionado ao lesado condições efetivas pessoais de alcançar a situação futura almejada, conforme infere-se dos seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - CIVIL - TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE - PARTICIPAÇÃO EM PROCESSO LICITATÓRIO IMPOSSIBILIDADE - ENVIO DA PROPOSTA PELO CORREIO A ESTADO DIVERSO DA FEDERAÇÃO - POSSIBILIDADE CONCRETA DE ÊXITO PREJUÍZO REAL - ART. 159 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - SÚMULA Nº 7/STJ. CUSTAS PROCESSUAIS. ISENÇÃO. 1. A teoria da perda de uma chance incide em situações de responsabilidade contratual e extracontratual, desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória. [...] (3ª Turma, REsp 614.266, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 2.8.2013) RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. 1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. [...] (4ª Turma, REsp 1.190.180, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 22.11.2010)

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. PRESSUPOSTOS INDENIZATÓRIOS. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 159 DO CÓDIGO CIVIL. DANO MATERIAL HIPOTÉTICO. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. ACÓRDÃO A QUO BASEADO NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA Nº 07/STJ. [...] 3. A pretensão não encontra amparo na "teoria da perda de uma chance" (perte d'une chance) pois, ainda que seja aplicável quando o ato ilícito resulte na perda da oportunidade de alcançar uma situação futura melhor, é preciso, na lição de Sérgio Cavalieri Filho, que: "se trate de uma chance real e séria, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada" (Programa de Responsabilidade Civil, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 92). 4. Ademais, não se admite a alegação de prejuízo que elida um bem hipotético, como na espécie dos autos, em que não há meios de aferir a probabilidade do agravante em ser não apenas aprovado, mas também classificado dentro das 30 (trinta) vagas destinadas no Edital à jurisdição para a qual concorreu, levando ainda em consideração o nível de dificuldade inerente aos concursos públicos e o número de candidatos inscritos. [...] 7. Agravo regimental não provido. (2ª Turma, AgRg no REsp 1.220.911, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 25.3.2011)

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TRF2 Fls 776

Tendo em vista esses precedentes e analisando as provas e argumentos colacionados aos autos por todas as partes, considero que, no caso, não há provas de que havia chance real e efetiva de manutenção da saúde da mãe dos demandantes com a entrega do medicamento que deveria ser fornecido pelo Estado. Isso porque depreende-se dos autos que sua saúde já estava fragilizada quando a entrega foi interrompida e, devido a sua idade avançada (82 anos) e seu histórico de doenças (pois sofria de sequelas de tuberculose contraída há mais de 38 anos), não se pode dizer que existia uma oportunidade séria de preservação da vida com o uso do remédio. Assim, concluo que assiste razão aos entes públicos quando afirmam que não existe nexo causal entre a omissão imputada ao Estado e o falecimento da genitora dos demandantes, pois não há evidências suficientemente concretas de que ela sobreviveria com o uso contínuo da medicação que deixou de ser fornecida. Em conclusão, deve-se dar provimento às apelações da União, do estado do Rio de Janeiro e do município do Rio de Janeiro para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de condenação dos entes públicos ao pagamento de indenização a título de danos morais e lucros cessantes. Em consequência, devem ser invertidos os ônus sucumbenciais e os demandantes devem ser condenados ao pagamento de R$ 1.500,00 a título de honorários advocatícios, observando-se o art. 12 da Lei nº 1.060/1950 em razão de serem beneficiários de gratuidade de justiça. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA E ÀS APELAÇÕES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, DA UNIÃO E DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO E NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA DEMANDANTE. É como voto.

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Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA.

RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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TRF2 Fls 777

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