RESPONSABILIDADE CIVIL E A SURVEILLANCE: AS COMMODITIES DIGITAIS E O RISCO DA ATIVIDADE

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RESPONSABILIDADE CIVIL E A SURVEILLANCE: AS COMMODITIES DIGITAIS E O RISCO DA ATIVIDADE Paulo Roberto Pegoraro Junior1; José Maria Rosa Tesheiner2 Doutorando em pelo Programa de Pós Graduação em Direito da PUC/RS; bolsistas CAPES/MEC; [email protected], 2 Docente/pesquisador do Departamento de Pós Graduação em Direito da PUC/RS. 1

Sumário: A prática de escavação de informações digitais pela rede mundial de computadores pode ser caracterizada a partir do conceito da surveillance. O processo implica na construção das commodities digitas, pelo qual as empresas acessam informações sobre grupos e indivíduos, fomentando a atividade econômica. Nos casos em que tais processos impliquem na violação dos direitos da personalidade, é de se cogitar o papel envolvido na responsabilidade civil objetiva decorrente, em especial pelo risco da atividade. Palavras–chave: Responsabilidade civil; internet; privacidade. INTRODUÇÃO Um dos processos-chave para caracterizar a surveillance é o atual uso de bancos de dados indexáveis no processamento de dados para diversas finalidades. Entende-se, portanto, que as novas infraestruturas da tecnologia da informação, ao permitirem o processamento em tempo real e o armazenamento ilimitado de dados, não apenas “qualificam” a vigilância, mas introduzem mudanças qualitativas que permitem um “salto” em direção ao conceito de surveillance (MENEZES NETO, 2014). Assim, “(...) computers in tandem with advanced statistical techniques help inaugurate a new dimension of surveillance” (LYON, 1994, p. 40). Nesse sentido, é possível demonstrar algumas características da new surveillance capazes de diferenciá-la das formas tradicionais de controle social. Trata-se não apenas de uma “versão eletrônica da vigilância”, mas de um fenômeno qualitativamente novo, que possui alguns diferenciais (LYON, 1994, p. 53). Assim, é significativa a diferenciação entre a vigilância no sentido tradicional e as técnicas envolvidas na reunião e utilização da informação, que assume caráter endêmico na sociedade contemporânea, tendo por objetivo a coleta, o armazenamento, o processamento, a individualização sistemática dos dados sobre as pessoas (em especial, os consumidores), em determinados grupos. Logo, o elemento “líquido” (BAUMAN; LYON, 2012), e, por consequência, de difícil controle que caracteriza o fluxo de dados por sistemas de computadores é um traço essencial do que se quer, aqui, denominar “surveillance”. Papel importante no entendimento de tal fenômeno envolve os algoritmos, que desempenham função no âmbito do acesso e manipulação de dados pela Internet, inclusive daqueles inseridos entre os direitos fundamentais da privacidade. O conjunto das instruções envolvidas na definição e execução dos modelos de buscas, a partir de uma sequência de operações autômatas (CRUZ, 2017) não está, por sua vez, sujeito ao controle humano, dado que o resultado independe da atuação volitiva do sujeito. O próprio marco civil brasileiro da Internet arrola como princípio do uso da rede a preservação e garantia da

neutralidade (art. 3º, inc. IV, da Lei nº 12.965/2014), ou seja, os pacotes de dados deverão receber tratamento isonômico independentemente de seu conteúdo, dispositivo de acesso, origem, serviço, terminal ou aplicação. Ainda que o design do algoritmo, mesmo que voltado para a surveillance, não se dê de forma deliberada no sentido da violação de dados protegidos pela esfera da privacidade ou da intimidade, sua execução pode sim implicar em tal violação. Se não há que se cogitar na responsabilidade civil de quem desenvolveu o algoritmo, por se tratar de mero instrumento, cabe discorrer acerca do fundamento que envolve não apenas a isenção de responsabilidade, mas, sobretudo, a atribuição da responsabilidade de quem faz uso das ditas informações acessadas por meio do mecanismo. Daí que se revela plausível a assimilação da teoria da causalidade adequada para explicar o fenômeno, e, em especial, a responsabilidade a partir do risco da atividade. MATERIAIS E/ou MÉTODOS Pesquisa bibliográfica. RESULTADOS Como resultado da prática do surveillance, seja por meio dos algoritmos, seja por outras técnicas, as empresas, ou mesmo os governos, reúnem elementos para impulsionar a “nova economia”, onde os bens materiais de longa duração perdem espaço para o acesso aos de curta duração, a informação e o conhecimento passaram a exercer um papel fundamental (BALDESSAR; GILGIO, 2010, p. 47). Muitos filósofos, entre eles Foucault e Lyotard afirmam que o conhecimento, no atual estágio, é a principal força de produção, que incorporado a lógica de produção capitalista, criou-se um ciclo similar ao da produção de um bem. O surgimento desta “nova economia” é caracterizado, dentre vários fatores, na produção cultural que se torna cada vez mais, o centro da atividade econômica. Empresas de mídias transnacionais e as redes de comunicação transformam os recursos culturais locais de todas as partes do mundo em commodities, muitas vezes culturais e de de entretenimento, embalando e comercializando experiências em oposição a produtos ou serviços concretos. Com isso “[...] assegurar o acesso aos vários recursos e experiências culturais que alimentam a existência psicológica de uma pessoa torna-se tão importante quanto manter as posses” (Rifkin, 2001, p. 7). No livro “A era do acesso”, o autor reafirma a ideia: Um quinto da população mundial agora gasta quase tanto de sua renda acessando experiências culturais como na compra de bens manufaturados e serviços básicos. Estamos fazendo a transição para o que os economistas chamam de economia da “experiência” – um mundo em que a própria vida de cada pessoa se torna, de fato, um mercado comercial. Nos círculos de negócio, o novo termo operacional é o “valor ao longo da vida” (lifetime value, LTV) do cliente, a medida teórica do quanto o ser humano vale se todo momento de sua vida for transformado em commodity de uma ou outra forma na esfera comercial. Na nova era, as pessoas compram sua própria existência nos pequenos segmentos comerciais. (Rifkin, 2001, p. 6)

Como pode se observar, “o capitalismo foi (e continua a ser) um modo de produção revolucionário em que as práticas e processos materiais de reprodução social se encontram em permanente mudança” (Harvey, 1989, p. 189). A centralidade da cultura da nova economia, assim, depende em muito do papel desempenhado pela surveillance, posto que capaz de fornecer elementos fundamentais para comercialização de bens, produtos e serviços, e a própria criação de ativos tangíveis, para o mercado. DISCUSSÃO Se a prática do surveillance conduz à construção das commodities digitais, fomentando e potencializando a prática comercial, então é admitido a assimilação do dever de indenizar a partir do risco da atividade (art. 927, p. ún., CC), em caráter objetivo, pois implica em dano inerente. Neste sentido, já decidiu-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que “quem viabiliza tecnicamente, quem se beneficia economicamente e, ativamente, estimula a criação de comunidades e páginas de relacionamento na internet é tão responsável pelo controle de eventuais abusos e pela garantia dos direitos da personalidade de internautas e terceiros como os próprios internautas que geram e disseminam informações ofensivas aos valores mais comezinhos da vida em comunidade, seja ela real, seja virtual” (REsp 1117633/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 26/03/2010). Obviamente, a vida humana seria impensável sem a possibilidade de categorizar pessoas e grupos sociais. Fazemos isso instintivamente. No entanto, as novas tecnologias da informação possibilitam que essa categorização ocorra de maneira automática, a partir de algoritmos de computadores cuja função é classificar todas as informações obtidas a partir dos critérios predeterminados pelos seus criadores. CONCLUSÕES É importante estabelecer o papel da surveillance na construção das commodities digitais e responder se é possível a responsabilização objetiva a partir do risco da atividade. AGRADECIMENTOS Agradecimentos à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel – UNIVEL pelo destacado apoio às atividades acadêmicas, e ao Prof. Dr. Alexandre Barbosa da Silva, permanente referência acadêmica na dimensão do Direito Civil brasileiro. REFERÊNCIAS BALDESSAR, Maria José; GIGLIO, Kamil. O papel dos sistemas digitais de televisão na economia do conhecimento. Revista FAMECOS, v. 17, n. 1, p. 46, 2010. BAUMAN, Zygmunt; LYON, David. Liquid surveillance: a conversation. Cambridge: Polity Press, 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1117633/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 26/03/2010. CRUZ, Adriano Joaquim de Oliveira. Algoritmos. Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1997. Disponível em , acesso em 19 maio 2016. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1989. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Moraes. Direito e Responsabilidade. São Paulo: Del Rey, 2002. LYON, David. The electronic eye: the rise of surveillance society. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994. MENEZER NETO, Elias Jacob. Vigilância ou surveillance? Proposta para começar a compreender corretamente este fenômeno. Revista dos Tribunais, vol. 939/2014, p. 159. PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. ¿Ciberciudadanía@ o ciudadanía.com? Barcelona : Gedisa, 2004. QUINTELLA, Heitor; CUNHA, Américo Brígido. Impactos da convergência tecnológica na competitividade das empresas de serviços de telecomunicações. Revista Tendências do Trabalho, p. 30-34, 2004. Disponível em , acesso em 26 maio 2016. RIFKIN, Jeremy. A era do acesso. São Paulo: Makronbooks, 2001. SUSTEIN, Cass R. República.com. Internet, democracia y libertad. Barcelona : Ediciones Paidós Ibérica, 2003. VIZER, Eduardo Andres; CARVALHO, Helenice. Is communication a strategic resource for digital commodities? E a comunicação um recurso estratégico para as mercancías digitais?. Revista Extraprensa, v. 9, n. 1, p. 102-113, 2015. Disponível em < http://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/epx17-a08>, acesso em 26 maio 2016.

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