Responsabilidade Civil e Internet: Problemas de qualificação e classificação de conflitos nas redes sociais

July 7, 2017 | Autor: O. Rodrigues Junior | Categoria: Internet Law, Private law, Torts, Direito Processual Civil, Responsabilidade Civil
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PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS.

Adisson Leal Atalá Correia Carla Patrícia Frade Daniel Bittencourt Guariento Daniel Carnacchioni Fabrício Castagna Lunardi Fátima Nancy Andrighi James Eduardo Oliveira J. Oliveira Ascensão Marília de Ávila e Silva Sampaio Marlon Tomazette Otávio Luiz Rodrigues Junior Paulo R. Roque A. Khouri Vera Andrighi Wagner Mota Alves de Souza Wilson Alves de Souza Autores

RESP NSABILIDADE CIVIL E INADIMPLEMENT NO DIREIT BRASILEIR FÁTIMA NANCY ANDRIGHI Coordenadora

SÃO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2014 A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA

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PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Z I) É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS.

© 2013 by Editora Atlas S.A. Capa: Leonardo Hermano Projeto gráfico e composição: Set-up Time Artes Gráficas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro. Sp, Brasil) Responsabilidade civil e inadimplemento no direito brasileiro / Fátima Nancy Andrighi. coordenadora. - São Paulo: Atlas, 2014. Bibliografia. ISBN 978-85-224-8225-2 ISBN 978-85-224-8643-4 (PDF)

1. Direito civil 2. Direito civil - Brasil 3. Responsabilidade civil

I. Andrighi, Fátima Nancy. 13-12438 CDU-347.51

índice para catálogo sistemático: 1. Responsabilidade civil: Direito civil

347.51

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei n" 10.994, de 14 de dezembro de 2004. Brasil/Printed in Brazil

Editora Atlas S.A. Rua Conselheiro Nébias, 1384 Campos Elísios 01203 904 São Paulo SP 011 3357 9144 atlas.com.br A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA

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RESPONSABILIDADE CIVIL E INTERNET: PROBLEMAS DE QUALIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DE CONFLITOS NAS REDES SOCIAIS

Professor Doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP). Pós-doutor em Direito Constitucional na Universidade de Lisboa e em Direito Privado Comparado no Max-Planck-Instítut für auslandisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Advogado da União.

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Introdução 1

o Brasil é o paraíso das redes sociais. Na Internet, encontram-se estatísticas dando conta de que 70% dos jovens brasileiros, na faixa etária de 9 a 16 anos, possuem perfil em alguma dentre as várias redes sociais disponíveis no mercado. Esse número torna-se ainda mais significativo quando se compara com a realidade europeia, na qual o número de crianças e adolescentes nessa situação é de 57% do universo pesquisado. 2 1 O conteúdo deste capítulo corresponde a uma versão modificada e consolidada de colunas publicadas na revista eletrônica Consultor Jurídico, nas edições de 6/3/2013, 20/3/2013, 27/3/2013 e 3/4/2013. Todas as colunas "Direito Comparado", de responsabilidade do autor, podem ser encontradas em: .

Conforme pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil, divulgado aos 2/10/2012. Disponível em: < http://idgnow. uol.com. br/internet/20 12/1 0/02/jovens-do-brasil-usam-mais-redes-sociais-do-que-adolescentes-europeus/>. Acesso em: 5/3/2013.

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A comScore, tida como a principal consultoria sobre Internet no mundo, no início de 2012, divulgou um levantamento sobre a participação brasileira nesse segmento. O resultado não foi surpreendente: o país fica em quarto lugar, perdendo apenas para Estados Unidos, Espanha e Reino Unido, que juntos ocupam o pódio desse ranking. 3 Esses dados são extremamente convidativos a estudos antropológicos e sociológicos. A exposição voluntária da vida, da imagem e da intimidade de milhões de pessoas, com todos os riscos que essa ação implica, é um campo aberto para indagações de alto relevo nesses campos do conhecimento. Haveria algo de peculiar no caráter do brasileiro, no que se refere à imagem e sua difusão, ou se devem afastar as explicações estruturalistas (que colocam os elementos da nacionalidade como determinantes do comportamento de um povo), dado seu caráter reducionista? As questões metajurídicas são realmente instigantes e ainda desafiam um exame especializado sistemático por outras áreas do saber humano. O objeto deste estudo é diverso e se dará preeminência aos problemas estritamente jurídicos - e não são poucos - que essa proliferação de perfis em redes sociais pôs em relevo nos últimos anos. Quando se pensa em "conflitos jurídicos" advindos do uso das redes sociais, é necessário proceder a uma prévia qualificação das relações jurídicas subjacentes e, em seguida, classificar esses conflitos, com o objetivo de sistematizar e dar coerência às soluções técnicas que se propõem a sua solução. Desse modo, o objeto deste capítulo é o exame dos conflitos jurídicos advindos da utilização das redes sociais sob a óptica da responsabilidade civil. Para essa finalidade, examinar-se-ão, em seções distintas, (a) as espécies de provedores de Internet e sua delimitação para fins deste estudo; (b) os problemas de qualificação jurídica; (c) a classificação dos conflitos que podem surgir no uso das redes sociais; (d) o tratamento da matéria no Direito norte-americano. Não serão apresentadas conclusões gerais. Ao final de cada seção, haverá espaço para conclusões parciais, que tornam ociosa sua reprodução ao término do capítulo.

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Problemas de classificação: provedores de Internet e suas espécies

Qualquer análise da responsabilidade civil nas redes sociais exige que se nivele a terminologia empregada para os agentes que participam do processo de difusão de conteúdo na Internet. Informações extraídas de: . Acesso em: 5/3/2013.

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É vulgar a divisão entre (a) provedores de conteúdo, (b) provedores de serviços e (c) provedores de rede. 4 Os primeiros (a) são produtores, autores, editores ou difusores de conteúdos que contenham escritos, imagens, sons, audiovisuais e afins. Os segundos (b) correspondem aos fornecedores de acesso à Internet, por meio do pagamento de um valor mensal, seja por linha telefônica ou por conexão de banda larga. É comum, porém, que muitos provedores de acesso também ofereçam serviços adicionais, como contas de correios eletrônicos, hospedagem de sítios eletrônicos ou navegadores. É possível encontrar-se uma subdivisão entre provedores de acesso (que só oferecem a conexão) e provedores de serviço (que, ofertando ou não o acesso, tem seu escopo nos serviços de correio, navegação e hospedagem). Finalmente, os últimos (c) especializaram-se no oferecimento de redes de infraestrutura física de acesso, como é o caso das empresas de telecomunicações e de serviços a cabo e equivalentes. Outra classificação encontrável na doutrina é a seguinte: (a) provedores de backbone; (b) provedores de conteúdo e informação (information providers ou content providers); (c) provedores de acesso (Internet service providers); (d) provedores de hospedagem (hosting service providers); (e) os provedores de correio eletrônico. s Aos 19.9.1999, o Comitê Gestor da Internet no Brasil baixou as "Recomendações para o desenvolvimento e operação da Internet no Brasil", nas quais se encontram as definições de (1) provedores de backbone e de (2) provedores de acesso. 6 Quanto aos primeiros (1), a definição contida no documento é a seguinte: "[E]ntende-se como provedores de backbone as entidades que transportam tráfego agregado de seus clientes, detêm blocos de endereços IP por delegação do Comitê Gestor Internet Brasil e vendam conectividade para acesso à rede Internet". Os da espécie (2), que podem ser de natureza comercial, acadêmica, governamental ou assumir a condição de entidade de classe ou de organização não governamental, definem-se como "os responsáveis pelo acesso final dos usuários na rede". Assim sendo, cabe-lhes "prover acesso dentro de condições mínimas de segurança, confiabilidade e privacidade, bem como providenciar meios que tornem possível a identificação de práticas ilícitas ocorridas através da rede. Muitas vezes, em virtude de falhas, as contas dos usuários finais são utilizadas por terceiros implicando com isso em (sic) prejuízos e riscos desnecessários". A departição desses provedores não é uniforme doutrinariamente e, em termos jurisprudenciais, percebe-se relativa imprecisão terminológica. Para os fins deste trabalho, Demócrito Ramos Reinaldo Filho (Responsabilidade por publicações na Internet. Rio de Janeiro: Forense, 2005. item 5.3.1.) menciona a classificação dos provedores em (a) de serviços; (b) de acesso e (c) de conteúdo. 4

S MARTINS, Guilherme Magalhães. Responsabilidade civil por acidentes de consumo na Internet. São Paulo: RT, 2008. p. 281.

6 O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGl.br) é um órgão vinculado à Casa Civil da Presidência da República, criado pela Portaria Interministerial nº 147, de 31/5/1995, com alterações do Decreto Presidencial nº 4.829, de 3/9/2003, que tem por competência coordenar e integrar as iniciativas de serviços de Internet no país, por meio da promoção da qualidade técnica, da inovação e da disseminação dos serviços ofertados.

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interessa saber a qualificação dos provedores que oferecem os serviços de redes sociais. No entanto, é importante identificar alguns conceitos trabalhados nos acórdãos, até para que se faça a correta atribuição da responsabilidade e sua delimitação. No Superior Tribunal de Justiça - STJ é possível identificar as seguintes classificações: a)

Provedor de correio eletrônico. É espécie do gênero provedor de conteúdo, na medida em que "propicia o envio de mensagens aos destinatários indicados pelos usuários, incluindo a possibilidade de anexar arquivos de texto, som e imagem". Esses provedores não têm a obrigação de selecionar ou fiscalizar previamente o conteúdo dos e-mails.muito menos podem ser responsabilizados pelo uso que deles se faz. 7

b)

Provedor de pesquisa. É espécie do gênero provedor de conteúdo, "pois não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário". Esses provedores de pesquisa "realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa". Não é possível responsabilizar esses provedores em face do conteúdo identificado como efeito de uma busca, muito menos é Hcito obrigá-los a "eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido".8 Embora, em recente julgado, o STJ tenha assegurado o direito de ser esquecido (ou, como se denominou no julgamento, o direito ao esquecimento)9 no julgamento simultâneo do REsp 1.335.153/RJ e do REsp 1.334.097/RJ, ambos de relatoria do mino Luís Felipe Salomão, apreciados em Quarta Turma. lO

c)

Provedor de acesso. São os executantes de uma atividade de "de monitoramento do acesso de usuários e de provedores de informações à rede mundial

STJ. REsp 1300161/RS, ReI. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/6/2012, DJe 26/6/2012. 7

STJ. REsp 131692l/RJ, ReI. Min. Nancy Andrighi, Terceira Thrma, julgado em 26/06/2012, DJe 29/6/2012.

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O enunciado CEJ-CJF 531, das Jornadas de Direito Civil, alude a esse direito nesses termos: "A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento."

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Acórdãos pendentes de publicação. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA

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de computadores, colocando à sua disposição os dados ali existentes. Desse modo, o serviço prestado pelo provedor é apenas o fornecimento da infraestrutura para que o usuário possa acessar a Internet e, por conseguinte, as informações nela contidas".ll Com base nesse conceito, que revela uma distinção essencial do "provedor de conteúdo", o STJ baixou a Súmula 334: "O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à Internet." d)

Provedor de conteúdo. Nesse conceito integram-se os (a) provedores de correio eletrônico e (b) de pesquisa; (c) os sítios que hospedam blogs 12 e (d) as redes sociais. 13

É nesse ponto que se torna mais notável a assimetria de conceitos, se comparadas as leituras da doutrina e da jurisprudência sobre um mesmo tipo de atividade exercida na Internet. A empresa que desenvolve e oferece ao público uma rede social, como é o caso do Google (Orkut) ou do Facebook (rede social com idêntico nome), não é propriamente uma provedora de conteúdo, como seria o caso do UOL, da Globo.com, do Correioweb ou do Estadao.com. As aludidas pessoas jurídicas proveem serviços. O conteúdo é, em sua quase totalidade, fornecido pelos usuários. E essa distinção que, na maior parte dos casos decididos no STJ, permite sua irresponsabilidade por postagens ofensivas, ao menos até o instante em que a vítima notifica o Google ou o Facebook e requer a supressão desse material ilícito da rede social. Note-se que, na doutrina, as titulares das redes sociais são qualificadas como "intermediários (provedores de serviço de hospedagem e acesso à Internet) da comunicação telemática". 14 No Projeto de Lei nº 2.126/2011, que pretende instituir o chamado "marco civil da Internet", em seu art. 15, encontra-se menção ao "provedor de aplicações de Internet", que, salvo disposição legal em contrário, "somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente". O alcance desse dispositivo é 11 STJ. REsp 658.626/MG, ReI. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 2/9/2008, DJe 22/9/2008.

12 STJ. REsp 1192208/MG, ReI. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/6/2012, DJe 02/08/2012; STJ. AgRg no AREsp 259.482/MG, ReI. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em

16/4/2013, DJe 30/4/2013; 13

STJ. AgRg no AREsp 137.944/RS, ReI. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em

21/3/2013, DJe 08/4/2013; STJ. REsp 1306066/MT, ReI. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 17/4/2012, DJe 2/5/2012; STJ. REsp 1193764/SP' ReI. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/12/2010, DJe 8/8/2011. 14 REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. Ajurisprudência brasileira sobre responsabilidade do provedor por publicações na Internet: a mudança de rumo com a recente decisão do STJ e seus efeitos. Revista Forense, v. 107, nº 414, p. 485-495, jul./dez. 2011.

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a responsabilização do que a jurisprudência do STJ atualmente denomina de "provedores de conteúdo", ao se referir às empresas que oferecem os serviços das "redes sociais". Diante dessa tentativa de classificar as diversas espécies (e também acepções) dos provedores oferecem serviços de (ou na) Internet, surge uma conclusão parcial: o STJ timbrou as redes sociais como um serviço oferecido por "provedores de conteúdo", conquanto aí se insiram as empresas que operam motores de busca ou que hospedam blogs e páginas pessoais, além dos correios eletrônicos e das redes sociais. São realidades totalmente distintas e não intercambiáveis. Rigorosamente, quem instala e oferece os serviços de uma rede social não provê conteúdo, e sim abre espaço para que milhares de pessoas o façam. Essa diferenciação não é bizantina e mereceria dos tribunais uma revisão terminológica em seus julgados. De qualquer sorte, é identificável um padrão nas distinções utilizadas pelos tribunais para atribuir a responsabilidade aos provedores. Se utilizada a classificação proposta por Guilherme Magalhães Martins, o objeto da responsabilização nas decisões do STJ excluiria os provedores de backbone; os procedores de acesso; os provedores de hospedagem e os provedores de correio eletrônico. A expressão "provedores de conteúdo e informação", com as exclusões também identificadas na jurisprudência, corresponderia ao sentido genérico de "provedor de conteúdo", encontradiço na maior parte dos acórdãos. 15 No restante deste capítulo, para se evitar ambiguidades, adotar-se-á a terminologia consagrada no STJ ("provedor de conteúdo"), conquanto se mantenham as observações aqui lançadas sobre a necessidade de se rever seu emprego na jurisprudência.

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Problemas de qualificação

3.1

A resposta dos tribunais brasileiros

Um perfil falso na Internet é criado em nome de um ator nacionalmente conhecido. Em um perfil verdadeiro, alguém faz ataques violentos contra a honra de terceiros. São divulgadas fotografias alheias na Internet, sem autorização do titular do direito à imagem. Eis alguns exemplos de conflitos identificáveis no uso de redes sociais. Antes de proceder a seu exame, no entanto, surge um problema: sob qual regime jurídico eles devem ser apreciados e decididos? De acordo com a jurisprudência do STJ, os "provedores de conteúdo" são prestadores de serviço, ainda que os ofereçam gratuitamente, e subordinam-se às regras do Código de Defesa do Consumidor - CDC, por haver ganho indireto de quem oferece o serviço.16 É de ser registrado o papel da doutrina na formação desse entendimento, 15

MARTINS, Guilherme Magalhães. Op. cit., p. 281.

16 ''A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei n2 8.078/90. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo 'mediante remuneração' contido no artigo 32 , parágrafo 22 , do CDC deve ser

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pois em um dos arestos relatados pela ministra Nancy Andrighi há a honrosa referência a estudo de Newton de Lucca, um dos primeiros a cuidar das relações entre Internet e Direito do Consumidor no Brasil. 17 Sobre esse tema há um "grupo de casos" julgado pelas Turmas da 2ª Seção do STJ, no qual figura preponderantemente a empresa Google (com sua rede social Orkut). Nesses acórdãos é também possível identificar outro problema de qualificação: a natureza da responsabilidade civil, se objetiva ou subjetiva, quando da inserção de conteúdo ofensivo nas redes sociais. Prevaleceu, até o momento, tanto na Terceira quanto na Quarta Turma, a tese da não incidência da responsabilidade civil objetiva, indicada no parágrafo único do artigo 927 do Código Civi1. 18 Há uma exceção a esse posicionamento das turmas de Direito Privado do STJ. Trata-se de recurso especial julgado em Segunda Turma do STJ (integrante da lª Seção, que é de Direito Público), de relatoria do Ministro Herman Benjamin, que examinava a interdição prévia de páginas no Orkut (rede social do Google), com conteúdo ofensivo a crianças e adolescentes, decretada em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Rondônia. Embora não tenha assumido posição explícita sobre os dois problemas de qualificação aqui examinados, o aresto resolveu o caso sem se utilizar do CDC, pois aludiu tão somente a dispositivos processuais (artigo 461 do CPC) e ao princípio da dignidade humana. 19 E, em relação à responsabilidade objetiva, conquanto não a tenha mencionado, o acórdão sustentou que: a) não foi comprovada a impossibilidade interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor" (STJ. REsp 1193764/ Sp, ReI. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/12/2010, DJe 8/8/2011). "Parece inegável que a exploração comercial da Internet sujeita as relações jurídicas de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. Newton de Lucca aponta o surgimento de 'uma nova espécie de consumidor [... ] - a do consumidor internauta - e, com ela, a necessidade de proteção normativa, já tão evidente no plano da economia tradicional' (Direito e Internet: aspectos jurídicos relevantes. VoI. n. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 27)" (STJ. REsp 1308830/RS, ReI. Min. Nancy Andrighi, Terceira 1\uma, julgado em 8/5/2012, DJe 19/6/2012). 17

"O provedores de conteúdo da Internet não se submetem ao art. 927 do CC/2002, que trata da responsabilidade objetiva, pois a inserção de mensagens com conteúdo ofensivo no site não constitui um risco inerente à atividade, nem tampouco ao art. 14 do CDC, por não se tratar de produto defeituoso. Possuem responsabilidade subjetiva por omissão os provedores de Internet que, após serem notificados sobre a existência de página com conteúdo ofensivo, permanecem inertes" (STJ. AgRg no AREsp 137.944/RS, ReI. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 21/3/2013, DJe 8/4/2013. Em idêntico sentido: "No caso de mensagens moralmente ofensivas, inseridas no site de provedor de conteúdo por usuário, não incide a regra de responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do Cód. Civil/2002, pois não se configura risco inerente à atividade do provedor" (STJ. REsp 1306066/MT, ReI. Min. Sidnei Beneti, Terceira Thrma, julgado em 17/4/2012, DJe 2/5/2012). De modo simétrico: "O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02" (STJ. REsp 1193764/SP' ReI. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/12/2010, DJe 8/8/2011).

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19 "A Internet é o espaço por excelência da liberdade, o que não significa dizer que seja um universo sem lei e sem responsabilidade pelos abusos que lá venham a ocorrer. No mundo real, como no virtual, o valor da dignidade da pessoa humana é um só, pois nem o meio em que os agressores transitam nem as ferramentas tecnológicas que utilizam conseguem transmudar ou enfraquecer a natureza de sobreprincípio irrenunciável, intransferível e imprescritível que lhe confere o Direito brasileiro."

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técnica do controle prévio do conteúdo de novas páginas ou mensagens no Orkut, nas quais havia "a disseminação de fofocas e difamações em relação a diversas menores das Comarcas de Pimenta Bueno, São Felipe do Oeste e Primavera de Rondônia"; b) esse controle ex ante seria, em tese, factível, dado que "[o] provedor de serviços responsável pela manutenção do Orkut já se utiliza da fiscalização de conteúdo em outros países, como é o caso da China, não sendo possível vislumbrar, de início, em que a situação ora analisada difere da que vem sendo empregada naquele país". Mais importante ainda foi concluir que: "Quem viabiliza tecnicamente, quem se beneficia economicamente e, ativamente, estimula a criação de comunidades e páginas de relacionamento na Internet é tão responsável pelo controle de eventuais abusos e pela garantia dos direitos da personalidade de internautas e terceiros como os próprios internautas que geram e disseminam informações ofensivas aos valores mais comezinhos da vida em comunidade, seja ela real ou virtual".20 Adotou-se a teoria do risco-proveito. Em relação a esse último fundamento, que também figura na ementa, far-se-á, oportunamente, um paralelo com a responsabilidade das concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão por danos cometidos em entrevistas ao vivo (vide Seção 4). As conclusões extraídas do "grupo de casos" das Turmas da 2ª Seção do STJ coadunam-se com acórdãos (pretéritos ou mais atuais) de órgãos inferiores da jurisdição ordinária nacional. Encontram-se posições no sentido de que: a) "o Google é apenas uma provedora de hospedagem, ou seja, empresa que sedia páginas de usuários, se limitando a armazenar e disponibilizar arquivos e páginas eletrônicas para uma rede de inúmeros interessados";21 b) não se deve utilizar o conceito de atividade de risco (artigo 927, parágrafo único, CC/2002) para qualificar juridicamente os serviços dos provedores de conteúdo na Internet, pois "se for aprovado esse entendimento, haverá uma retratação do mercado e os provedores certamente não mais atuarão no espaço, em virtude da completa e total impossibilidade de estabelecimento de filtros de contenção de conteúdo", até porque "a responsabilidade pelo risco da atividade deve ser imaginada e admitida em casos em que a empresa aceita os ônus do perigo do trabalho lucrativo porque existe um aparato razoável para evitar e prevenir os danos potenciais e nunca quando inexistem meios para bloqueio de interferência de terceiros no exercício de uma função de cunho essencial para a civilidade (Internet)".22 Um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reconheceu a aplicabilidade das normas do CDC, no entanto, condenou o Google por danos causados no Orkut ao proprietário de um estabelecimento mercantil, que foi injuriado nas páginas de uma (Voto do relator no STJ. REsp 1117633/RO, ReI. Min. Herman Benjamin, Segunda Thrma, julgado em 9/3/2010, DJe 26/3/2010). 20 Trechos do voto do relator no STJ. REsp 1117633/RO, ReI. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 9/3/2010, DJe 26/3/2010. 21

TJDR ApCiv 569.996, j. 2/3/2012, ReI. Des. Romeu Gonzaga Neiva.

Trechos do voto do relator no TJSP - Ap 990.10.011800-5 - 4ª Câmara de Direito Privado - j. 7/10/2010 - v.u. - reI. Ênio Santarelli Zuliani. RT 904/259.

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comunidade dessa rede social. O relator, em seus fundamentos, ponderou que "ao possibilitar que qualquer um seja seu usuário, sem exigir um suficiente quadro de informações a fim de identificá-los, permite que através do Orkut sejam praticadas todo tipo de condutas ilícitas sem que se alcance os infratores".23 Observa-se que o estado-da-arte da jurisprudência do STJ sobre a responsabilidade civil nas redes sociais (excluído o Twitter, por sua especificidade) permite a seguinte formulação: (a) A responsabilidade civil do provedor não é objetiva, o que afasta a incidência do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil. (b) O problema de qualificação das relações jurídicas resolve-se no marco do CDC, ainda que se reconheça a natureza gratuita do serviço prestado na rede social.

3.2 A resposta da doutrina nacional Se é essa a resposta oferecida pelo STJ, seguida em parte pelos tribunais locais, qual a posição da doutrina sobre esses dois problemas de qualificação? Tem prevalecido, até por influência das construções pretorianas do STJ, a tese da relação de consumo corno subjacente a esses conflitos. A questão da gratuidade é afastada, mesmo porque se entende que os chamados "provedores de conteúdo" (vide a questão de nomenclatura na seção 2), direta ou indiretamente, auferem vantagens com a oferta desses serviços.24 É certo, todavia, que alguns autores combinam as regras dos arts. 14 e 17 (consumidor por equiparação) do CDC com o parágrafo único do art. 927 do CCB/2002 (atividade de risco), o que é dissonante da orientação pretoriana. 25 Parte da doutrina apresenta posição autorreferente, ao se definir pela incidência do CDC, "caso se configure relação de consumo",26 ou, de modo mais elaborado, há os que entendem haver a submissão do caso ao CDC ou ao CCB/2002, conforme as circunstâncias do caso, embora tenha prevalência a regra do artigo 14 do CDC. 27 A acolhida praticamente unânime dos doutrinadores nacionais da qualificação dos conflitos, tal corno formulada pelo STJ, encontra algumas reservas em parte da dogmática. Essa resistência passa pela necessidade de se rediscutir a qualificação jurídica e especialmente pelo afastamento da responsabilidade objetiva, com a criação 23

TJRJ. ApCiv0035977-12.2009.8.19.0203,j. 8-2-2012-v.u. -reI. Roberto Guimarães. RDCon82/451.

BARBOSA, Fernanda Nunes. Internet e consumo: o paradigma da solidariedade e seus reflexos na responsabilidade civil do provedor de pesquisa. Revista dos Tribunais, v. 924, p. 535, out. 2012.

24

2S MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade por danos na sociedade de informação e proteção do consumidor: desafios atuais da regulação jurídica da Internet. Revista de Direito do Consumidor,v. 18, n2 70, p. 41-92, abr./jun. 2009.

PARENTONI, Leonardo Netto. Breves notas sobre a responsabilidade civil dos provedores de serviços na Internet. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, n2 896, p. 75-95, jun. 2010.

26

MARTINS, Guilherme Magalhães; LONGHI, João Victor Rozatti Longhi. A tutela do consumidor nas redes sociais virtuais: responsabilidade civil por acidentes de consumo na sociedade da informação. Revista de Direito do Consumidor, v. 20, n2 78, p. 191-221, abr./jun. 2011. 27

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de circunstâncias limitadoras da responsabilidade, as quais assim se colocariam: 28 a) o "provedor de contéudo" não tem conhecimento prévio da natureza do material difundido na rede social; b) seu desconhecimento desse conteúdo torna impossível um juízo valorativo ex ante de seu potencial lesivo; c) a atitude do provedor, após saber da existência de uma postagem ofensiva, é que será decisiva para a caracterização de sua responsabilidade, pois se agir de modo imediato e eficaz, ele não poderá ser considerado punível; d) "os provedores não receberem qualquer benefício financeiro diretamente atribuível à atividade que viola direitos, caso os provedores tenham o direito e a habilidade de controlar tal atividade". Em um dos mais completos estudos sobre o tema Mário Luiz Delgado apresenta algumas "propostas para um novo enquadramento da responsabilidade civil no âmbito do espaço virtual".29 Como fundamentos teóricos, ele inventaria as seguintes construções intelectuais: a)

Responsabilidade de contato: desenvolvida originalmente por Gabriele Tusa, ela consiste "na ampliação das hipóteses de responsabilidade indireta, afastando a teoria da causalidade adequada", sendo certo que o fundamento da responsabilidade "não seria mais a culpa ou o risco, nem mesmo o fato do produto ou do serviço, mas tão somente o 'contato' mantido pelo indigitado agente do dano e que o ordenamento considere como suficientemente relevante a provocar a responsabilização".30 Para Mário Luiz Delgado, esse constructo é útil para a maior parte dos conflitos surgidos no ambiente virtual, mas não se prestaria a responsabilizar o "provedor de acesso", equiparado a simples intermediário, à semelhança das companhias telefônicas que permitem o tráfego de voz (ou de dados), mas não possuem qualquer controle sobre o que é transmitido. Quanto aos "provedores de serviços", por ele definidos como os que hospedam páginas ou dão suporte às redes sociais, como é o caso do Facebook, a responsabilidade seria possível sob o fundamento do "contato", não se admitindo a ideia de uma censura prévia, impeditiva de um controle ex ante dos danos causados pelos usuários. 31

b)

Responsabilidade pressuposta: outro fundamento apresentado por Mário Luiz Delgado é a responsabilidade civil pressuposta (mise en danger), introduzida

LEMOS, Ronaldo; SOUZA, Carlos Affonso de; BRANCO, Sergio. Responsabilidade civil na Internet: uma breve reflexão sobre a experiência brasileira e norte-americana. Revista de Direito das Comunicações. v. 1, p. 80, jan. 2010. 28

29 DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil na sociedade da informação. In: RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; MAMEDE, Gladston; ROCHA, Maria Vital da. Responsabilidade civil contemporânea: em homenagem a Sílvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2011. p. 372-390.

30

DELGADO, Mário Luiz. Op. cit., p. 381.

31

DELGADO, Mário Luiz. Op. cit., p. 382. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA

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no Brasil por Giselda Fernandes Novaes Hironaka, com influência franco-belga. 32 Sua utilização no espaço virtual, "permitiria a responsabilização solidária de todos os envolvidos na cadeia de prestação do serviço, inclusive dos provedores de acesso, sendo-lhes facultado, apenas, o direito de regresso contra os agentes diretos, verdadeiros responsáveis".33 Outra importante contribuição técnico-jurídica sobre o tema é a de João Costa Ribeiro Neto. 34 Embora ele tenha açambarcado temas que não serão objeto deste capítulo, especialmente os problemas sobre a colisão de direitos fundamentais e o da censura privada, seu estudo tem o mérito de ampliar a perspectiva sobre o tema específico da responsabilidade civil em dois aspectos notáveis. O primeiro está em que os provedores (como Google e Facebook) e os usuários podem ter suas relações também qualificadas sob a óptica dos direitos fundamentais, com todos os efeitos daí advindos. Com absoluta razão, o autor sugere que essa vinculação aos direitos fundamentais haveria de ocorrer de maneira mediata ou indireta, pois "[s]e a corrente defensora da vinculação direta ou imediata dos particulares aos direitos fundamentais predominasse, estar-se-ia impondo um estatuto de regime público a atores privados, o que seria não apenas juridicamente implausível, como economicamente inviável".35 O segundo aspecto conecta-se a um debate mais amplo na teoria constitucional sobre a divulgação consentida de comportamentos (ou fatos) protegidos pela reserva da intimidade e sua qualificação como ato de renúncia ou de modo de exercício diferenciado a direitos fundamentais. Com isso chega-se ao direito à autodeterminação informativa e ao reconhecimento de que "essas empresas só podem ter em seu poder dados voluntariamente cedidos, os quais, por sua vez, não podem ser usados para fins diversos dos especificados ou daqueles presumidamente aplicáveis ao caso".36 Esse diálogo entre doutrina e jurisprudência, que nunca deve ser desvalorizado, é importante por explicitar a necessidade de uma maior elaboração quanto aos 32 Na mesma obra na qual está publicado o capítulo de Mário Luiz Delgado, aqui citado, encontra-se uma versão sintética dos postulados da responsabilidade pressuposta: HIRONAKA, Giselda. Responsabilidade civil pressuposta: evolução de fundamentos e de paradigmas da respondabilidade civil na contemporaneidade. In: RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; MAMEDE, Gladston; ROCHA, Maria Vital da. Responsabilidade civil contemporânea: em homenagem a Sílvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2011. p. 40-59. A tese de livre-docência da referida autora, hoje professora titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, foi publicada em 2005: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 33

DELGADO, Mário Luiz. Op. cit., p. 383-384.

RIBEIRO NETO, João Costa. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais - RBEC, Belo Horizonte, ano 6, nQ 22, p. 457-487, abr.jjun. 2012.

34

35

RIBEIRO NETO, João Costa. Op. cit., p. 475.

36

RIBEIRO NETO, João Costa. Op. cit., p. 479. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA

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fundamentos da responsabilidade civil de empresas como o Google ou Facebook, as mais notórias administradoras das redes sociais. A mera subsunção ao CDC e a qualificação da responsabilidade civil por cadeia são duas faces que se podem revelar contraditórias, na medida em que as soluções adotadas em alguns julgados contrariam as premissas do sistema de proteção ao consumidor. Isso fica bem evidenciado quando se percebe que parte majoritária da doutrina concede a aplicabilidade do CDC e admite ora a responsabilidade objetiva, enquanto os tribunais (também majoritariamente) tendem a afastar a última qualificação, posto que aceitem a influência das regras de consumo.

4

Uma tentativa de classificação dos conflitos nas redes sociais

Concluída a primeira etapa da proposta de investigação (seções 2 e 3), passa-se agora a uma tentativa de se classificar os conflitos indutores de responsabilização civil nas redes sociais: Grupo 1) Danos causados por titular de perfil autêntico e próprio (rectius, verda-

deiros e criados pelo titular, uma pessoa natural ou jurídica identificável e imputável): 1.1) danos por postagem de textos ofensivos a terceiros; 1.2) danos por inserção de imagens ofensivas a terceiros; 1.3) danos por violação de direitos autorais ou de propriedade industrial: 1.3.1) plágio; 1.3.2) reprodução direta ou indireta, total ou parcial, de músicas, fotografias, textos ou filmes sem autorização dos titulares de direitos autorais; 1.3.3) adulteração de criações artísticas ou industriais alheias; 1.4) danos por ofensas causadas em perfis alheios, como comentários injuriosos, caluniosos ou difamatórios. Grupo 2) Danos causados por titular de perfil autêntico e alheio (hipótese de captura de senha de terceiro e utilização como se fora o próprio titular). Todas as hipóteses de fato referidas no Grupo 1. Grupo 3) Danos causados por titular de perfil falso: 3.1) Criação de um perfil totalmente falso, com imagens ou características de pessoas diversas ou mesmo com características totalmente inventadas; 3.2) Criação de um perfil totalmente falso, com imagens e características de uma pessoa existente e identificável. Todas as hipóteses de fato referidas no Grupo 1.

A vantagem dessa técnica está em expor a complexidade e os níveis de responsabilização civil, que, atualmente, colocam no centro as empresas provedoras e as vítimas dos ilícitos praticados. A estruturação em grupos dá a perceber a existência de uma pátina de cores e não uma superfície singelamente binária. No Grupo 1, estão os danos causados por uma pessoa que criou um perfil com dados, imagens, informações e comentários relativos a si mesma. A autoria dos ilícitos A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA

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é inequívoca (exceto se ocorrer a hipótese do Grupo 3, no qual se dá a apropriação da senha por terceiros). No Grupo 1, o agente causador do dano é o titular do perfil. Além dele, poderão figurar como corresponsáveis: I) o provedor de conteúdo; lI) o autor/ criador do texto ou da imagem, que foi reproduzido pelo titular do perfil e que possui caráter ofensivo; III) a pessoa que propagou o primeiro comentário (com ou sem imagem, som ou reprodução de texto de terceiro) do titular do perfil. As hipóteses lI, III e N são mais raras, embora não devam ser desconsideradas no exame do caso. Quanto à hipótese I, é possível que o provedor (LI) não tenha sido comunicado do ilícito e que ele (1.2) haja recebido essa comunicação, seja pelo ofendido, seja por terceiro. Ocorrendo 1.2, pode-se dar: (1.2.1) a imediata retirada do comentário ofensivo (ou equivalente), o que faz remanescer o intervalo de dias ou horas em que perdurou o ilícito; (1.2.2) a não retirada da postagem lesiva a terceiros. A responsabilização dos agentes no Grupo 1 deve levar em consideração as hipóteses I a Iv, o que torna bem mais complexo o rol de demandáveis para a reparação de danos. Quanto à hipótese I, é fundamental a tomada de posição sobre se a responsabilidade do "provedor de conteúdo" tem seu marco primitivo na ciência da comunicação feita pelo lesado ou por terceiros. A solução jurisprudencial, como já visto na seção 3 deste capítulo, é no sentido de que "[u]ma vez notificado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, o provedor deve retirar o material do ar no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada".37 Em sendo assim, dado LI, não haverá responsabilidade do provedor, o que conduz a uma conclusão lógica no sentido da permanência do ilícito nesse período, mas sem se imputar a um dos causadores (o provedor) a necessária responsabilidade. É uma espécie de actio nata, o que se torna injusto se não for adotado algum critério de índole subjetiva para atenuar a objetividade (recepção da notificação) da construção pretoriana. Dado 1.2, a resposta que os julgados do STJ indicam é que o provedor não responderá se, em até 24 horas, retirar a publicação ilícita (situação 1.2.1). A solução objetiva da jurisprudência, na prática, permite que o dano ocorra por 24 horas, desde que se abstraia sua permanência entre o período da postagem e do conhecimento pelo lesado. Na situação 1.2.2, ter-se-á o caso típico de responsabilidade do provedor sem qualquer pré-exclusão: notificado, passadas 24 horas, ele se quedou inerte e manteve a publicação. Em síntese, a responsabilidade do "provedor de conteúdo", conforme o STJ, limitar-se-ia à situação 1.2.2. As vítimas dos danos, no Grupo 1, seriam (1) as pessoas injuriadas, difamadas ou caluniadas; (2) as pessoas cujas imagens foram utilizadas sem autorização ou de maneira alterada; (3) os criadores e autores cujos direitos restaram violados, nas diversas modalidades descritas no Grupo 1. É também necessário identificar essa maior complexidade STJ. REsp 1323754/RJ, ReI. Min. Nancy Andrighi, Terceira Thrma, julgado em 19/6/2012, DJe 28/8/2012.

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no rol de legitimados ativos das ações reparatórias, cujos réus se apresentarão de acordo com as soluções indicadas nos parágrafos precedentes. Quanto ao Grupo 2, tem-se a situação de alguém com perfil utilizado por terceiro, sem seu conhecimento ou contra sua vontade. É o exemplo típico da apropriação de senha por outrem, o que é muito comum em computadores de hotéis, aeroportos ou lan houses. É também identificável a ação de hac!cers, o que torna ainda mais saliente a irresponsabilidade do titular do perfil. A Lei nº 12.737, de 30.11.2012, tipificou os chamados "delitos informáticos", que foram introduzidos no Código Penal, ao exemplo do novo art. 154-A, que prevê pena de 3 meses a 1 ano, e multa, para quem "invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança", com o objetivo de "obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita". Veja-se que todas as hipóteses do Grupo 1 são também possíveis no Grupo 2. Existem, no entanto, algumas exceções. Uma delas está na corresponsabilidade do titular do perfil. Como admitido previamente, o acesso do terceiro deu-se contra a vontade ou sem a ciência daquele. Nessa hipótese, o titular do perfil é pré-excluído da cadeia de responsabilidade, salvo se ficar provada sua negligência na preservação de sua senha. Nessa circunstância, ter-se-ia, ao contrário, a ampliação do número de responsáveis pelos danos causados a terceiros. Esse é mais um elemento que deve ser considerado na análise dos casos envolvendo danos em redes sociais. No Grupo 3, encontra-se a situação de um perfil falso, cujo conteúdo pode ser (3.1.) totalmente inventado (fotos, dados pessoais e características sem referência a uma pessoa específica) ou (3.2.) forjado a partir da clonagem de outro perfil ou de sua montagem com fotos e características de alguém existente. No subgrupo 3.1, essa pessoa fictícia não se coloca no esquema de responsabilidade, embora os dados ou as fotografias, que são relativos a alguém existente, possam eventualmente abrir margem para que haja mais legitimados ativos na ação ordinária movida contra o criador do perfil, a saber, os titulares dos dados ou das fotografias utilizados para a confecção de um perfil inventado. Quanto ao subgrupo 3.2, é necessária a inserção da pessoa (que é perfeitamente identificável) cujos dados e imagens foram clonados no rol dos admitidos a requerer perdas e danos. Veja-se que, no Grupo 3, em relação às pessoas cujos dados e imagens foram utilizados por combinação (subgrupo 3.1) ou por clonagem (subgrupo 3.2), o marco objetivo da notificação ao provedor, para se manter a coerência com o critério jurisprudencial das 24 horas, também seria utilizável, com todas as ressalvas já feitas a essa solução. A "classificação de conflitos" pode parecer excessivamente pandectista, com tantas hipóteses, mas é importante para realçar a complexidade das relações advindas dos ilícitos cometidos nas redes sociais e também por permitir a identificação dos verdadeiros pontos de contato com a experiência comparada. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA

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É nítido que o ponto de saliência nesses conflitos está na convocação dos "provedores de conteúdo" à responsabilidade pelos danos ocorridos nas redes sociais. Duas soluções seriam possíveis: (l) a responsabilidade por qualquer ilícito, independentemente de ciência prévia e de pedido para retirada da imagem, do comentário ou do compartilhamento que lhe deu causa; (2) a responsabilidade dependente de comunicação da vítima e a ultrapassagem de um tempo razoável para a implantação dessa medida. A solução (1) é objetada por questões de caráter técnico, que, na verdade, escondem a preocupação com (l.a) o aumento nos custos dessas empresas. E também por objeções ligadas ao (l.b) controle prévio da liberdade de expressão. A objeção (l.a) é facilmente criticável. Existem mecanismos técnicos de aumento do controle nas redes sociais, que se mostram compatíveis com o estado da arte do desenvolvimento das tecnologias da informação. Eles, no entanto, demandam providências que se podem confundir com formas de invasão da privacidade dos usuários (preenchimento de dados pessoais, como o cadastro de pessoas físicas, o número do registro geral de identidade ou o número do telefone celular). Não se pode esquecer que esse tipo de exigência talvez fosse do interesse dessas empresas, que ingressariam num mercado lucrativo de venda de cadastros pessoais. Essa possibilidade de controle prévio por aprimoramento técnico desses sítios eletrônicos foi admitida em acórdão isolado da Segunda Turma do STJ, que não é representativo da direção seguida pelas Turmas de Direito Privado. 38 Quanto à objeção problema (l.b), a jurisprudência brasileira, seja do Supremo Tribunal Federal- STF, seja do STJ, é contrária à censura prévia, ressalvadas as situações de discurso do ódio e de proteção ao sigilo constitucional ligado ao interesse público e à proteção dos vulneráveis (segurança nacional, informações sobre menores). Idêntica repulsa que se tem ao controle ex ante da liberdade de expressão nos meios de comunicação social é de ser transposta para um universo no qual inexiste regulação, como é o caso da Internet. Não há, porém, incompatibilidade entre a fórmula geral de vedação à censura prévia e as exceções também aceitas no texto constitucional e na jurisprudência. Note-se que, subjacente ao REsp 1117633/RO, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, havia uma ação civil pública, promovida pelo Ministério Público rondoniense, "em defesa de menores - uma delas vítima de crime sexual- que estariam sendo ofendidas em algumas dessas comunidades". Na origem, o juiz determinou, em liminar, que a empresa excluísse páginas e identificasse os responsáveis pelas ofensas. A provedora deixou de cumprir a ordem de que se impedisse o surgimento de comunidades com idêntico objetivo. "Quem viabiliza tecnicamente, quem se beneficia economicamente e, ativamente, estimula a criação de comunidades e páginas de relacionamento na Internet é tão responsável pelo controle de eventuais abusos e pela garantia dos direitos da personalidade de internautas e terceiros como os próprios internautas que geram e disseminam informações ofensivas aos valores mais comezinhos da vida em comunidade, seja ela real, seja virtual" (STJ.REsp 1117633/RO, ReI. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 9/3/2010, DJe 26/3/2010). 38

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Uma última possibilidade argumentativa está na separação total entre os problemas (1.a) e (1.b), considerando-se que há um risco inerente à atividade dos provedores e que deve implicar sua responsabilização pelos danos causados, ainda que aqueles não tenham condições de saber previamente o que será postado em suas redes sociais. Esse também foi o fundamento do acórdão da Segunda Turma do STJ no REsp 1117633/RO. A prova de que essa separação entre controle técnico das manifestações na rede e a proteção à liberdade comunicativa é possível está em jurisprudência mais antiga do STJ, ao tempo em que a Lei de Imprensa não havia sido considerada totalmente não recepcionada pelo STH O acórdão, apreciado em Quarta Turma do STJ, com relatoria do Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgou se uma emissora de rádio teria responsabilidade por declarações feitas por uma pessoa que usou nome falso (algo equivalente ao criador de um perfil fantasma) e fez declarações sobre a honra de uma mulher e do prefeito de um município de Sergipe, insinuando que eles eram amantes. 39 O STJ reformou o aresto do Tribunal local, sob o fundamento de que "( ... ) se uma empresa de comunicações divulga programa dessa natureza, expõe-se, é claro, a riscos dessa espécie, ou seja, de que o entrevistado utilize-se do rádio, televisão ou jornal, para emprestar amplitude significativamente maior à sua opinião a respeito de alguém. E se essa opinião é ofensiva, é óbvio que o dano moral é patente e de muito maior alcance do que se fosse uma mera declaração veiculada pessoalmente". Em complemento, salientou o relator que: "Tal risco não pode ser simplesmente transferido para a vítima, ao argumento de que o apresentador desconhecia o teor das assertivas ou o propósito da acusadora. Isso não importa. Ademais, se a proposta do programa é a de divulgar entrevistas em espécie de 'canal aberto', parece mesmo que a propagação ao público de acusações, reclamações, imputações, são, efetivamente, o objetivo da emissora, angariando audiência e, evidentemente, receita econômica. É uma opção sua, e por ela deve responder, quando ultrapassada a linha divisória entre a liberdade de imprensa e a imputação de acusações a "CML E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ENTREVISTA OFENSIVA DIVULGADA EM PROGRAMA RADIOFÔNICO :.\0 VIVO'. DEMANDA MOVIDA CONTRA O ENTREVISTADO E EMISSORA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DE AMBOS. LEI DE IMPRENSA, ART. 49, § 20. RESPONSABILIDADE INERENTE A TAL PROPOSTA DE PROGRAMA. I. Se a ofensa à moral decorreu de entrevista dada 'ao vivo' em programa radiofônico da modalidade 'canal aberto', tem-se configurada a responsabilidade da emissora prevista no art. 49, parágrafo 2º, da Lei nº 5.250/67, ainda que o apresentador não tivesse conhecimento do teor das alegações, porquanto essa modalidade de 'canal aberto' constitui risco inerente à atividade a que se propõe a empresa de comunicação, da qual obtém audiência e, evidentemente, receita econômica. lI. Co-responsabilidade da entrevistada, que, inclusive, reconhecidamente assacou inverdades, por ela própria desmentidas em programa subseqüente, da mesma emissora. lII. Recurso especial conhecido e provido, com fixação do quantum indenizatório a título de dano moral, a ser suportado por ambas as rés" (STJ. REsp 331.182/SE, ReI. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 3/9/2002, DJ 17/3/2003, p. 234). 39

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alguém que, a seu turno, tem o direito de defesa e de obter ressarcimento pelo abalo em sua honra e dignidade expostas daquela maneira".40

A diferença entre uma entrevista no rádio ou na televisão, em programas ao vivo, e uma postagem ofensiva em uma rede social é de ser encarada sob o critério da multiplicidade e da simultaneidade desses danos no ambiente da Internet. De algo que pode ocorrer topicamente, passa-se a uma lesão que tem o potencial de se reproduzir a cada segundo. O princípio central, contudo, é discutir se esse risco é inerente à atividade (o que entendeu contrariamente o STJ até agora) dos "provedores de conteúdo" e se é economicamente interessante incrementar os custos desse segmento econômico.

5 A questão no direito norte-americano Como já assinalado na subseção 3.1, o STJ assentou dois fundamentos para a responsabilidade civil nas redes sociais: a) o CDC incide sobre as relações envolvendo usuários e "provedores de conteúdo", ainda que o serviço seja gratuito, não se aplicando, todavia, a responsabilidade objetiva; b) os "provedores de conteúdo" só respondem depois de notificados pela vítima e, passadas 24 horas, se não suprimirem a publicação ofensiva. É importante observar como se tem desenvolvido essa questão no Direito Comparado e nada mais oportuno do que centralizar as pesquisas no Direito norte-americano, espaço onde surgiram os primeiros conflitos jurídicos envolvendo as redes sociais e o uso da Internet. Um caso que é sempre citado como referência nessa matéria é o Cubby, Inc. v CompuServe Inc., 776 F. Supp. 135 (SDNY 1991), julgado pelo Tribunal dos Estados Unidos para o Distrito Sul de Nova York (United States District Court for the Southern District of New York). 41 Os elementos descritivos do julgamento são os seguintes: a) o provedor de conteúdo CompuServe criou um fórum na Internet, no qual figurava como "editor" e recebia as contribuições dos usuários; b) as empresas Cubby e Robert Blanchard sentiram-se atingidas por declarações supostamente difamatórias postadas no fórum e processaram CompuServe, com base na legislação federal e estadual, que responsabilizavam os editores por eventuais publicações lesivas em periódicos impressos; c) o provedor sustentou que não sabia previamente (muito menos teria condições de saber) 40 Hájulgados mais recentes do STJ envolvendo a responsabilidade civil por danos causados em entrevistas ao vivo em rádios e televisões (v.g. STJ. REsp 997.647/SP' ReI. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Thrma, julgado em 20/3/2012, DJe 9/4/2012). No entanto, as questões tratadas conectam-se aos efeitos da declaração de não recepção da Lei de Imprensa pelo STF sobre as pretensões ressarcitórias. Não houve novo enfrentamento do problema central aqui desenhado - a responsabilidade da emissora por danos causados em entrevistas ao vivo. 41 Disponível em: . Acesso em: 2/4/2013. A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA

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do conteúdo ofensivo que foi postado no fórum e que não lhe seria exigível detectar todas as publicações lesivas e apagá-las de maneira eficiente. O Tribunal de Nova York, em um julgamento antecipado da lide (tradução um pouco forçada para summary judgment), sem levar o caso a Júri, considerou que o provedor não é responsável. O acórdão tem diversos capítulos, mas, para o que interessa a este estudo, é conveniente centrar-se no problema da veiculação de conteúdo difamatório. Segundo a District Court for the Southern District of New Yor1c, há um princípio consolidado na jurisprudência de que a responsabilidade do agente que repete ou republica o conteúdo difamatório é equivalente à do autor original. No entanto, conforme ajurisprudência das Cortes de Nova York, os livreiros, jornaleiros e as bibliotecas, que vendem ou permitem o acesso a publicações com textos difamantes, nunca foram responsabilizados sob esse fundamento, até porque não conhecem nem têm razão para saber do teor ofensivo de tudo o que alienam ou emprestam a seus compradores ou usuários. Referindo-se a outro precedente, o tribunal anotou que se já eximiu de responsabilidade um livreiro acusado de ter a posse de uma publicação pornográfica. Na prática, se isso fosse levado adiante, o livreiro assumiria o múnus público de censor oficial e isso não era cabível. No caso dos autos, salientou a Corte nova-iorquina, o produto oferecido por CompuServe, que "está na vanguarda da revolução da indústria da informação", é essencialmente, uma biblioteca eletrônica, com fins lucrativos, que contém um grande número de publicações e que faz uso das contribuições de seus usuários. A "alta tecnologia aumentou, de maneira acentuada, a velocidade com a qual a informação é coletada e processada", o que permite a um indivíduo, "com um computador pessoal, modem e uma linha telefônica", tenha milhares de notícias e novas publicações dos Estados Unidos e de todo o mundo. Na prática, a empresa não tem mais controle sobre tudo o que é publicado em seu fórum, o que a equipara, nesse aspecto, a uma biblioteca pública, uma livraria ou a uma banca de jornal. Não mais seria viável que a CompuServe examinasse cada publicação que coloca em seu fórum, sob o color de se coibir potenciais danos ou evitar conteúdos difamatórios. Segundo a Corte, "a tecnologia está transformando rapidamente a indústria da informação" e estabelecer a regra do controle prévio é o mesmo que inviabilizar essa nova atividade econômica. Ademais, ao longo da fundamentação, o acórdão fez diversas menções à Primeira Emenda e ao direito constitucional de liberdade de expressão, o que, de certa forma, também se liga ao debate sobre o controle prévio e à assunção de um papel de censor pelos "provedores de conteúdo", tal como exposto nas colunas das últimas semanas. Em 1996, o Congresso dos Estados Unidos da América aprovou o Communications Decency Act (CDA), sancionada pelo presidente Bill Clinton, em cujo artigo 230 está a mais importante referência normativa sobre a responsabilidade dos "provedores de conteúdo". Em larga medida, a opção legal foi influenciada pela jurisprudência norte-americana, especialmente pelo caso Cubby, Inc. v CompuServe Inc. As discussões geradas pela nova lei, de modo específico as relacionadas à liberdade de expressão, exigiriam a dilatação deste capítulo para além dos limites necessários, o que implica deixar-se A CONFERÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE TEXTO (OCR) NÃO FOI REALIZADA

PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO, CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS.

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esse tema para outra oportunidade. Fique-se, portanto, com o artigo 230 do CDA, assim redigida: "Nenhum provedor ou usuário de um serviço de computação interativo deve ser considerado como um editor ou um difusor de qualquer informação fornecida por outro provedor de conteúdo".42 A jurisprudência norte-americana, segundo o completo inventário realizado por Ronaldo Lemos, Carlos Affonso Pereira de Souza e Sérgio Branco, tem-se baseado (não exclusivamente, mas primordialmente) no artigo 230 do CDA para não responsabilizar os "provedores por conta de disponibilização, por seus usuários, de material considerado violador de direitos".43 São exemplos dessas decisões, com enfoque específico para os tipos de conflito aqui analisados: a)

Blumenthal vs. Drudge (1998): a American On Line - AOL foi considerada irresponsável por matérias difamatórias publicadas em uma coluna de fofocas mantida em seu portal. O provedor não responderia pelos danos, mesmo diante da circunstância de o colunista Matt Drudge (que ofendeu Sidney Blumenthal) ser remunerado pela AOL. A vítima processou tanto Drudge quanto AOL. O tribunal julgou que, nos termos do artigo 230 do CDA, a AOL estava isenta de responsabilidade, mesmo sendo o colunista por ela remunerado e, em tese, submetido a seu controle.

b)

Jane Doe vs. America Online (2001): um dos serviços mais populares na Internet, na década passada, eram as salas de bate-papo. Em uma delas, também mantida pela AOL, um dos usuários declarou-se interessado na compra de material com conteúdo ligado à pedofilia. Uma das usuárias desse chat moveu ação contra AOL, sob a alegação de que o provedor deveria responder quando seu serviço se prestasse à difusão de pornografia infantil. O Tribunal da Flórida decidiu o caso com base no artigo 230 do CDA. É, porém, de ser registrado o voto vencido do juiz Lewis, para quem a interpretação adotada terminou por abrir espaço para diversas condutas ilícitas no âmbito da Internet, concedendo aos provedores uma "imunidade total". Para o voto dissidente, a interpretação do Tribunal da Flórida "incentiva e protege a participação dos provedores de conteúdo como verdadeiros cúmplices silenciosos", o que não parece ter sido a verdadeira intenção do Congresso dos Estados Unidos. 44

c)

Doe vs. Bates (2006): John e Jane Doe processaram Mark Bates e o provedor Yahoo!, em razão de Bates haver postado fotos com pornografia infantil em um grupo de discussões da mencionada empresa. O Tribunal Distrital para o

42 No original: "No provider ar user of an interactive computer service shall be treated as the publisher ar speaker of any information provided by another information content provider".

43 Sugere-se consultar: LEMOS, Ronaldo; SOUZA, Carlos Affonso Pereira de; BRANCO, Sérgio. Op. cito loco cito

Disponível em: . Acesso em: 2/4/2013.

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Distrito Leste do Texas eximiu o provedor de qualquer responsabilidade, por entender que só a pessoa natural (Bates), que havia divulgado o material obsceno, é que deveria ser punida, seguindo-se os termos do art. 230 do CDA.45 d)

Barrett VS. Rosenthal (2006): este caso, que foi julgado pela Suprema Corte

do Estado da Califórnia, possui os seguintes elementos descritivos: a) Stephen J. Barrett e Timothy Polevoy mantinham um sítio dedicado a expor fraudes no sistema de saúde norte-americano; b) Ilena Rosenthal coordenava um grupo de discussão na Internet, no qual foram proferidos ataques a Barrett e a Plevoy, todos com forte conteúdo difamatório. No tribunal, após intensas discussões, não se admitiu a condenação de Rosenthal tomando-se por fundamento o artigo 230 do CDA, revertendo a sentença de primeiro grau. O julgamento das instâncias inferiores considerou haver sido cometido ilícito, na medida em que, mesmo após a notificação das vítimas, a ofensa persistiu. Os precedentes e a legislação dos Estados Unidos apresentam ao Direito brasileiro um caminho diferente, marcado pela quase total ausência de responsabilidade dos provedores de conteúdo e agentes afins. Como bem ressalta Luiz Antônio Freiras de Almeida, no modelo norte-americano, "o único responsável é o autor da informação ilícita e a vítima deveria acionar o autor do ato lesivo de sua honra, não respingando qualquer responsabilidade civil sobre os provedores de serviço intermediários e provedores de conteúdo nas mais diversas atividades - bac1
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