Responsabilidade civil pelo adiamento de cirurgia em razão da falta de equipamento em hospital público

June 3, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Saúde
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Apelação Cível/Reexame Necessário - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0010975-34.2008.4.02.5101 (2008.51.01.010975-1) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : UFRJ-UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL APELADO : THOME TERTULIANO AGUIAR NASCIMENTO DEFENSOR PUBLICO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO ORIGEM : 03ª Vara Federal do Rio de Janeiro (00109753420084025101)                                                        EMENTA   apelação. ação de indenização. responsabilidade civil.adiamento dE cirurgia por falta de equipamentos e não funcionamento dE hospital PÚBLICO. ausência de encaminhamento adequado. cegueira irreversível. danos materiais e morais comprovados. 1. Apelação interposta com o objetivo de excluir a responsabilidade civil de hospital público universitário, reconhecida em sentença que o condenou a pagar indenização por danos morais e materiais, tendo em vista a ausência de tratamento adequado e a existência de nexo de causalidade entre a cegueira irreversível sofrida pelo paciente e a atitude omissiva do ente público ao não encaminhá-lo, de forma adequada, para o serviço médico apto a solucionar sua enfermidade. 2. Reconhecimento, pela própria Administração Pública, da falha na prestação do serviço de saúde estatal devido aos defeitos da aparelhagem necessária à realização de cirurgias, falta de material e de insumos e grandes períodos de interregno de atividades nas salas de cirurgia. 3. Responsabilização objetiva dos entes públicos por ação ou omissão, inclusive na prestação do serviço público essencial de saúde em que o dano ocorre em hospitais públicos (ou mantidos pelo Poder Público), deriva de tratamento médico inadequado ministrado por funcionário público, ou resulta de conduta imputável a servidor público com atuação na área médica (Precedentes: STF, 2ª Turma, RE 495.740, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe 14.08.2009; TRF-2, 3ª Seção Especializada, EIAC 200151010184675, Rel. Des. Fed. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, E-DJF2R 29.03.2012). 4. Embora não existam critérios objetivos na fixação dos valores para as indenizações por dano moral, é possível estipular certos parâmetros, devendo observar a proporcionalidade de acordo com a extensão do dano, a situação econômica das partes e o grau de reprovabilidade da conduta do agente, de forma que não se demonstre inexpressiva e nem resulte em enriquecimento sem causa (STJ, 1ª Turma, AgRg no AREsp 183.960, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 05.02.2013; TRF2, 5ª Turma Especializada, AP 200351010028650, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, E-DJF2R 12.01.2016). 5. A base de cálculo dos juros, a contar da data do evento danoso, deve ser o valor que, naquela ocasião, possa expressar o equivalente ao fixado na sentença, ou seja, a importância fixada pelo juiz a quo deverá sofrer uma deflação à época do dano para que, somente a partir daí e com a nova quantia encontrada, sejam os  juros  apurados  até a data da sentença e,  então,  incidam sobre o  referido  valor  (TRF2,  5ª Turma Especializada,  APELRE  200351010028650,  Rel.  Des.  Fed.  RICARDO  PERLINGEIRO,  DJF2R 12.01.2016;TRF2, 5ª Turma Especializada, APELRE 00003385520074025005, Rel. Des. Fed. MARCELO GRANADO, Julg. 29.3.2016). 6. Os índices de correção monetária devem ser estabelecidos com base no Manual de Cálculos da Justiça

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Federal,  aprovado  pela  Resolução  267,  de  02.12.2013,  do  Conselho  da  Justiça  Federal  (TRF2,  AC 200551010246662, Rel. Des. Fed. ALUISIO MENDES, E-DJF2R 24.6.2014), até o advento da Lei 11.960/2009. 7. Acerca dos juros, a partir de janeiro/2003 (data de início da vigência de Código Civil de 2002), calculam-se sob o índice de 1% (art. 406, do Código Civil, c/c art. 161, § 1º, do CTN) até 29.6.2009 e, a contar de 30.6.2009, aplica-se, com relação a juros e correção monetária, o disposto no art. 1º-F, da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009, em seu art. 5º (STF, RE 870.947, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 27.4.2015). 8. Apelação e remessa necessária parcialmente providas.     ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa necessária, na forma do relatório e do voto constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado. Rio de Janeiro, 19 de abril de 2016 (data do julgamento).     RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal  

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Apelação Cível/Reexame Necessário - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0010975-34.2008.4.02.5101 (2008.51.01.010975-1) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : UFRJ-UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL APELADO : THOME TERTULIANO AGUIAR NASCIMENTO DEFENSOR PUBLICO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO ORIGEM : 03ª Vara Federal do Rio de Janeiro (00109753420084025101)                                                          RELATÓRIO   Cuida-se de remessa necessária e apelação cível e interposta pela UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ em face da sentença de fls. 177-182, que julgou parcialmente procedentes os pedidos feitos por THOMÉ TERTULIANO AGUIAR NASCIMENTO, condenando a recorrente ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$1.943,40 (com juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, e correção monetária a incidir desde fevereiro/2007)e morais, arbitrados em R$ 40.000,00 (com juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, e atualização monetária a partir da decisão), em razão da má prestação do serviço público de saúde pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.             O juiz a quo fundamentou-se na ausência de tratamento adequado pela apelante, instituição hospitalar pública, e na existência de nexo de causalidade entre a cegueira irreversível sofrida pelo apelado e a atitude omissiva da recorrente ao não encaminhá-lo, de forma adequada, para o serviço médico apto a solucionar suas complicações pós- operatórias.             A sentença recorrida consignou que o não direcionamento do apelado para unidade hospitalar específica, por si, viola direitos personalíssimos, e que a cegueira do olho esquerdo somente torna mais grave a omissão praticada pela recorrente.             Opostos embargos de declaração (fls. 185-190), que foram conhecidos e não providos (fls.193194).             Em suas razões de recurso (fls. 199-222), a apelante alega ausência de comprovação da conduta dolosa ou culposa dos agentes públicos, bem como do nexo de causalidade entre a cegueira do recorrido e o comportamento dos médicos da instituição de saúde, que teria decorrido de uma complicação cirúrgica, arguindo, também, a desproporcionalidade do quantum fixado a título de indenização por danos morais.             Pretende, ainda, a reforma da sentença para que os juros e a correção monetária incidam a partir da prolação do julgado, sob a justificativa de se tratar de indenização em valor fixo. Eventualmente, pugna pela aplicação de juros de 0,5% ao mês no período anterior a junho/2009, por força da Lei 9.494/97, art. 1º-F, e quanto ao período posterior a ele, pleiteia a incidência da taxa básica de juros aplicados à caderneta de poupança.                  A apelação foi recebida no duplo efeito (fl. 223).             Contrarrazões às fls. 225-226, pretendendo a manutenção da decisão recorrida.             O MPF opinou pelo não provimento da apelação(fls.230-238). É o relatório. Peço dia para julgamento.       RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal  

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Apelação Cível/Reexame Necessário - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0010975-34.2008.4.02.5101 (2008.51.01.010975-1) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : UFRJ-UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL APELADO : THOME TERTULIANO AGUIAR NASCIMENTO DEFENSOR PUBLICO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO ORIGEM : 03ª Vara Federal do Rio de Janeiro (00109753420084025101)                                                          VOTO   O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR)   Consoante  relatado,  trata-se  de  remessa  necessária  e  apelação  cível  interposta  pela   UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ nos autos da ação ajuizada por THOME TERTULIANO AGUIAR NASCIMENTO com o fim de obter indenização por danos materiais e morais decorrentes da cegueira do olho esquerdo, proveniente de falha no tratamento oftalmológico a que se submeteu no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.             O juiz a quo condenou a apelante ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 1.943,40 (com juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, e correção monetária a incidir desde fevereiro/2007) e morais, arbitrados em R$ 40.000,00 (com juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, e atualização monetária a partir da decisão), em razão da má prestação do serviço público de saúde.             A sentença fundamentou-se na ausência de tratamento digno pela apelante, instituição hospitalar pública, e na existência de nexo de causalidade entre a cegueira irreversível sofrida pelo apelado e a atitude omissiva da recorrente ao não encaminhá-lo, de forma adequada, para serviço médico apto a solucionar suas complicações pós- operatórias. Consignou, ainda, que o não direcionamento do apelado para unidade hospitalar específica, por si, viola direitos personalíssimos, e que a cegueira do olho esquerdo somente torna mais grave a omissão praticada pela recorrente. A apelante aduz, em suas razões recursais,  que não há comprovação da conduta dolosa ou culposa dos agentes públicos, bem como do nexo de causalidade entre a cegueira do apelado e o comportamento dos profissionais da instituição de saúde, alegando que o dano teria decorrido de uma complicação cirúrgica advinda de reações individuais do organismo do paciente, enquadrada como excludente de responsabilidade por caso fortuito e força maior.Insiste que não houve imprudência, negligência ou imperícia imputáveis aos agentes públicos de saúde e que todo o atendimento necessário foi devidamente prestado ao apelado. Compulsando os autos, verifico que nas datas de02.03.2005 e 23.03.2005 o recorrido sujeitou-se a dois  procedimentos  cirúrgicos  no  globo  ocular  esquerdo,  ambos  interrompidos  em  virtude  de complicações, embora existam boletins médicos operatórios que atestem um bom prognóstico após a cirurgia (fls. 96 e 105). Posteriormente, ao procurar um médico especializado,não pode ser examinado pelo fato de o equipamento apropriado não estar em condições de uso. Dirigiu-se a outras instituições públicas de saúde, mas não obteve êxito e não foi possível realizar a cirurgia. Consta nos autos (fl. 30) um ofício expedido pelo chefe do serviço de oftalmologia do Hospital Universitário Clemente Fraga Filho, que reconhece a falha na prestação do serviço de saúde estatal devido aos defeitos da aparelhagem necessária à realização de cirurgias, falta de material e de insumos e grandes períodos de interregno de atividades nas salas de cirurgia.

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Por mais que a apelante alegue ter encaminhado adequadamente o recorrido a outras instituições públicas  de  saúde,  na  fl.  22  verifica-se  que  isso  não  ocorreu,  pois  a  entrega  de  um  prontuário  de "encaminhamento", que sequer especifica a instituição a qual deveria se dirigir o apelado, desrespeita as determinações constitucionais de prestação integral do serviço público de saúde, que deve ser pautado em ações preventivas. Pelos documentos carreados aos autos, percebe-se que o apelado buscou tratamento público de saúde por vários anos, mas somente em fevereiro/2007foi submetido à indispensável cirurgia em clinica particular, tendo que custear o procedimento, os exames e os medicamentos (fls. 32-37). Todavia, nem a cirurgia em instituição privada foi capaz de reverter os danos provenientes do atendimento inadequado prestado ao apelado, que acabou sendo acometido de cegueira irreversível no olho esquerdo. O art. 37, §6º, da Constituição Federal, consagrou a responsabilidade objetiva do Estado, tendo por fundamento a teoria do risco administrativo. Ou seja, para a aferição da responsabilidade civil dos entes públicos e consequente reconhecimento do direito à reparação pelos prejuízos causados, basta a prova do nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e o fato danoso e injusto ocasionado pelo Poder Público, sendo dispensável, portanto, a demonstração do elemento subjetivo culpa. Não se revela razoável exigir que o apelado espere vários anos para realizar uma cirurgia já indicada para o seu quadro clínico, agendada duas vezes e não concretizada por circunstâncias alheias à sua  vontade,  por  falta  de  equipamentos  e  fechamento  da  instituição  de  saúde  que  nem  sequer  o encaminhou adequadamente para outro hospital. O exame dos autos convence-me, assim, que estão presentes todos os elementos configuradores da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, insculpida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Regra geral, os agentes públicos, respondem por danos que, nessa qualidade, causarem a terceiros, seja por ação, seja por omissão. Significa dizer que da mera ocorrência de lesão causada à vítima, pelo Poder Público, surge o dever de indenizá-la, sendo irrelevante tratar-se de comportamento lícito, positivo (ação) ou negativo (omissão) daqueles investidos da representação do Estado. Cabe  ressaltar,  no  ponto,  a  lição  expendida  pela  doutrina  (MEDAUAR,  Odete.  Direito Administrativo Moderno.9ª ed. São Paulo: RT, 2005. P.430): Informada pela ‘teoria do risco’, a responsabilidade do Estado apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como ‘responsabilidade objetiva’. Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração. Necessário se torna existir relação de causa e efeito entre ação ou omissão administrativa e dano sofrido pela vítima. É o chamado nexo causal ou nexo de causalidade. Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve ressarcir .

O próprio STF manifesta-se no sentido de imputar responsabilidade objetiva aos entes públicos, seja por ação, seja por omissão, inclusive na prestação do serviço público essencial de saúde, em que o dano  ocorre  em  hospitais  públicos  (ou  mantidos  pelo  Poder  Público),  deriva  de  tratamento  médico inadequado ministrado por funcionário público, ou resulte de conduta imputável a servidor público com atuação na área médica. Precedente: STF, 2ª Turma, RE 495.740, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe 14.08.2009. Destaco, ainda, a seguinte ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37,  §  6  º,  DA  CONSTITUIÇÃO  DA  REPÚBLICA  –  TEORIA  DO  RISCO ADMINISTRATIVO  –  HOSPITAL  PÚBLICO  QUE  INTEGRAVA,  À  ÉPOCA  DO FATO GERADOR DO DEVER DE INDENIZAR, A ESTRUTURA DO MINISTÉRIO DA  SAÚDE  –  RESPONSABILIDADE  CIVIL  DA  PESSOA  ESTATAL  QUE

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DECORRE, NA ESPÉCIE, DA INFLIÇÃO DE DANOS CAUSADA A PACIENTE EM RAZÃO DE PRESTAÇÃO DEFICIENTE DE ATIVIDADE MÉDICO-HOSPITALAR DESENVOLVIDA  EM  HOSPITAL  PÚBLICO  –  LESÃO  ESFINCTERIANA OBSTÉTRICA GRAVE – FATO DANOSO PARA A OFENDIDA RESULTANTE DE EPISIOTOMIA REALIZADA DURANTE O PARTO – OMISSÃO DA EQUIPE DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE, EM REFERIDO ESTABELECIMENTO HOSPITALAR, NO ACOMPANHAMENTO PÓS-CIRÚRGICO – DANOS MORAIS E MATERIAIS RECONHECIDOS – RESSARCIBILIDADE – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO (STF, 2ª Turma, AgRg no AG 852.237, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe09.09.2013)   Os  elementos  denotam  que  não  foram  tomadas  as  precauções  e  medidas  que  se  revelavam necessárias para impedir a demora injustificada da marcação da cirurgia,  dos exames e das consultas postuladas pelo apelado, o que acabou ocasionando a perda irreversível da visão do seu olho esquerdo. Embora a responsabilidade objetiva não seja absoluta e admita exceções advindas de caso fortuito, força maior ou conduta imputada exclusivamente à vítima, não verifico a presença de nenhuma dessas hipóteses no caso dos autos. A apelante não demonstrou nenhuma ruptura do nexo causal apta a excluir sua responsabilidade, não conseguindo provar que o dano adveio de mera complicação cirúrgica. Também não demonstrou que seus prepostos teriam agido com as devidas cautelas para evitar a cegueira permanente do apelado. Pelo contrário: as provas carreadas aos autos demonstram exatamente a inércia do Poder Público em fornecer um adequado serviço de saúde ao recorrido, razão por que a apelante deve arcar com os valores decorrentes dos danos materiais (comprovados às fls. 32-37) e morais por ele suportados. Colaciono, nesse sentido:                              DIREITO CIVIL.CONSTITUCIONAL.  ERRO MÉDICO.CIRURGIADECATARATA. CEGUEIRA.HOSPITAL FEDERAL. N E X O   D E   C A U S A L I D A D E E DANOCOMPROVADOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃOFEDERAL. RECURSO PROVIDO.[...] 2. É indiscutível o dano sofrido pela autora seja em decorrência do acidente- ocorrido durante a cirurgia, seja em decorrência da infecção que a acometeu cuja origem certamente decorreu da cirurgia realizada como afirmado pelo próprio louvado do Juízo, o que acarretou a perda da visão de seu olho direito. Assim, como bem afirmado na sentença monocrática, “o raro evento de ruptura ocorrido durante a cirurgia acrescido  da  infecção  que  acometeu  em  seguida  a  autora  importam  no reconhecimento  da responsabilidade da  União  Federal-  que  não  conseguiu demonstrar tratar-se de mera fatalidade e que seus prepostos agiram com as devidas cautelas para evitar o acidente- que culminou com a cegueira parcial da autora”.  3.  Não  se  trata,  no  caso  dos  autos,  de responsabilidade subjetiva  a perquirir a existência de culpa dos profissionais médicos que atenderam a autora, mas de responsabilidade objetiva do Estado nosmoldes previstos no art. 37, §6º da Constituição da República. Isto porque, como se sabe, a Carta Constitucional de 1988 consagrou a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado (art. 37, § 6º),  a  qual  se  funda  no  risco  administrativo,  ou  seja,  para  a  aferição da responsabilidade civil do Estado e o consequente reconhecimento do direito à reparação pelos prejuízos causados, é suficiente que se prove o dano sofrido e o nexo de causalidade entre a omissão/conduta atribuíveis ao Poder Público, ou aos

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que agem em seu nome, por delegação, e o aludido dano. 4. No caso concreto, ainda que se admita que se trata de responsabilidade subjetiva, verifica-se que a própria cirurgiã responsável lançou no prontuário da autora a ocorrência de acidente- durante a cirurgia, reconhecendo, portanto, minimamente, que houve falha na prestação do serviço, pois não se pode crer que a ruptura de cápsula ocular mesmo que por si só não seja a causadora da cegueira da autora, não seja danosa já que, pelo menos causa a impossibilidade de sustentação da lente para correção  da  catarata  -  como  afirmado  pelo  próprio  Relator  para  acórdão  impossibilitando o tratamento da doença cuja consequência é a cegueira, à luz do laudo pericial. Ou seja, do que se pode extrair dos autos, ainda que não ficasse cega em razão da endoftalmite, a autora ficaria cega em razão da impossibilidade de implantação de novo cristalino em decorrência do acidente- por ela sofrido durante a cirurgia. 5.Tendo restado comprovado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pela autora e as circunstâncias que envolveram a atuação do Poder Público através de seu agente e afastada qualquer possibilidade de que o evento danoso tenha ocorrido em razão de caso fortuito ou força maior ou ainda em decorrência  de  culpa  da  vítima,  deve  ser  dado  provimento  aos  embargos infringentes para que prevaleça o voto vencido, que negava provimento ao apelo da União Federal e dava parcial provimento à remessa necessária para reduzir a verba  indenizatória  a  título  de  dano  moral  para  o  valor  de  R$ 50.000,00 (cinquenta  mil  reais).  6.  Embargos  infringentes  providos  (TRF2,  3ª  Seção Especializada, EI 200151010184675, Rel. Des. Fed. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, E-DJF2R 29.03.2012).                   A cegueira irreversível do olho esquerdo é fato gerador de dor profunda e abalo psicológico ao recorrido, que por mais de quatro anos tentou se submeter à cirurgia para correção de catarata perante o serviço público de saúde e, por não ter obtido êxito, ficou com sequelas graves e permanentes.              O dano moral decorre da frustração, do constrangimento e da insegurança advindos da situação que se formou, extrapolando a esfera de "mero aborrecimento". A indenização pela ofensa moral, diversamente do que se verifica em relação ao dano material, não visa à recomposição do patrimônio da vítima, mas sim à reparação das dores provenientes da ofensa à sua dignidade. Como não é materialmente possível retirar da  pessoa  o  dano  por  ela  sofrido,  busca  a  legislação  dar-lhe,  ao  menos,  uma  reparação  de  ordem pecuniária, no intuito de compensar a dor experimentada.              Assim, relativamente ao quantum indenizatório fixado em R$ 40.000,00, entendo que a sentença não está a merecer reforma.               Embora não haja critérios objetivos na fixação dos valores para as indenizações por danos morais, é possível estipular certos parâmetros, devendo observar a proporcionalidade de acordo com a extensão do dano, a situação econômica das partes e o grau de reprovabilidade da conduta do agente, de forma que não se demonstre inexpressiva e nem resulte em enriquecimento sem causa (TRF2, 5ª Turma Especializada, AP 200351010028650, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, E-DJF2R 12.01.2016). No caso dos autos, a apelante é autarquia federal, integrante da Administração Pública, enquanto o apelado é pessoa idosa, aposentada e assistida pela Defensoria Pública da União, o que retrata sua vulnerabilidade na relação jurídica. Por outro lado, há alto grau de reprovabilidade da conduta da recorrente, que não prestou um serviço médico adequado durante as várias tentativas de consulta e de marcação de cirurgia por parte do recorrido, que perduraram por vários anos e culminaram com a perda total da visão de um olho.

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Desta feita, não há excesso e nem desproporcionalidade no valor fixado a título de indenização por danos morais que levem à reforma da sentença. Nesse sentido:  ADMINISTRATIVO.[...]RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PERDA DE  VISÃO  OCASIONADA  PELA  DEMORA  NA  PRESTAÇÃO  DO TRATAMENTO  MÉDICO  INDICADO.  INDENIZAÇÃO  POR  DANOS MORAIS QUANTUM INDENIZATÓRIO  FIXADO  EM  R$  100.000,00. RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1.  A revisão do valor fixado a título de danos morais em razão da perda de visão de paciente, ocasionada pela demora na prestação do tratamento indicado, encontra óbice na Súmula 07/STJ, uma vez que fora estipulado em razão das peculiaridades do caso concreto,  a  exemplo,  da  capacidade  econômica  do  ofensor  e  do  ofendido,  a extensão do dano, o caráter pedagógico da indenização.2.  Somente é possível rever o valor a ser indenizado quando exorbitante ou irrisória a importância arbitrada, em violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não se observa no presente caso.3.  Agravo Regimental do Município do Rio de  Janeiro  desprovido.(STJ,  1ª  Turma,  AgRg  no  AREsp  183.960,  Rel.  Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 05.02.2013)                Por fim, a apelante insurge-se contra as taxas de juros e correção monetária aplicadas pelo juiz a quo. Pretende a reforma da sentença para que incidam a partir da prolação do julgado, sob o argumento de se tratar de indenização em valor fixo. Eventualmente, pugna pela incidência de juros de 0,5% ao mês no período anterior a junho/2009, por força do art. 1º-F da Lei 9.494/97 e, quanto ao período posterior a ele, pleiteia a incidência da taxa básica de juros aplicáveis à caderneta de poupança. Quanto à correção monetária da indenização por danos morais, em tese, deve-se obedecer ao disposto na súmula 362 do STJ, de modo que incida a partir da data do arbitramento.Por sua vez, os juros de mora deveriam ser aplicados a partir da data do dano, considerando o disposto na súmula 54 do STJ, segundo  a  qual  “os  juros  moratórios  fluem  a  partir  do  evento  danoso  em  caso  de  responsabilidade extracontratual” (STJ, 4ª Turma, AgRg no AREsp 641.124, Rel. Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe 18.3.2015). Portanto, improcedente o pedido da Administração Pública para que o dies a quo dos juros e da correção monetária seja a data de prolação do julgado. Contudo, apesar de ser esse o entendimento correto, sua aplicação, por força da remessa necessária, acarretaria situação mais gravosa para a UFRJ, uma vez que a sentença fixou a citação como marco para incidência dos juros de mora e da correção monetária. Dessa forma, merece ser mantida a sentença, neste ponto, para que não haja reforma prejudicial à autarquia.             Entretanto, a base de cálculo dos juros, a contar de 23.03.2005 (data do evento), deve ser o valor que naquela ocasião possa expressar o equivalente ao fixado na sentença, ou seja, a importância de R$ 40.000,00 deverá sofrer uma deflação à época do dano para que, somente a partir daí e com a nova quantia encontrada, sejam os juros apurados até a data da sentença e, então, incidam sobre os referidos R$ 40.000,00(TRF2, 5ª Turma Especializada, APELRE 200351010028650, Voto proferido pelo Des. Fed. RICARDO  PERLINGEIRO,  DJF2R  12.01.2016;  TRF2,  5ª  Turma  Especializada,  APELRE 00003385520074025005, Rel. Des. Fed. MARCELO GRANADO, Julg. 29.3.2016). Os índices de correção monetária devem ser estabelecidos com base no Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução 267, de 02.12.2013, do Conselho da Justiça Federal (TRF2, AC 200551010246662, Rel. Des. Fed. ALUISIO MENDES, E-DJF2R 24.6.2014), até o advento da Lei 11.960/2009. Acerca dos juros, apartir de janeiro/2003 (data de início da vigência de Código Civil de 2002), calculam-se sob o índice de 1% (art. 406, do Código Civil, c/c art. 161, § 1º, do CTN) até 29.6.2009 e, a contar de 30.6.2009, aplica-se, com relação a juros e correção monetária, o disposto no art. 1º-F, da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009, em seu art. 5º.

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Nesse sentido vem se inclinando o STF, o qual, em decisão proferida no RE 870.947, de relatoria do Min. LUIZ FUX, reconheceu a existência de repercussão geral sobre o tema. Embora pendente de julgamento final, consignou em seus fundamentos que, na parte em que rege a atualização monetária das condenações  impostas  à  Fazenda  Pública,  o  art.  1º-F,  Lei  9.494/97,  com  a  redação  dada  pela  Lei 11.960/2009, continua em pleno vigor. Em  conclusão,  tendo  em  vista  a  presença  de  todos  os  elementos  caracterizadores  da responsabilidade civil da apelante, entendo que devem ser mantidas as condenações por danos materiais e morais fixados pelo juiz a quo, cujos valores foram estabelecidos, respectivamente, em R$ 1.943,00 e R$ 40.000,00, sendo o recurso provido em parte tão somente em razão dos índices de correção monetária e juros, acima fixados, bem como da base de cálculo dos juros de mora aplicáveis ao valor devido a título de dano moral, o qual deve sofrer uma deflação à data do evento. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA NECESSÁRIA. É como voto.     RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal  

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