Responsabilidade Civil por Danos Nucleares e Radioativos no Direito Brasileiro

August 12, 2017 | Autor: Leonam Guimaraes | Categoria: Risk Management, Nuclear Energy
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ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Cristiano Cota Pinheiro

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NUCLEARES E RADIOATIVOS NO DIREITO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE À LUZ DA TEORIA DO RISCO

Belo Horizonte 2013

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Cristiano Cota Pinheiro

Responsabilidade Civil por Danos Nucleares e Radioativos no Direito Brasileiro: uma análise à luz da Teoria do Risco

Dissertação apresentada ao programa de Pósgraduação em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Linha de Pesquisa: "Direito, Planejamento e Desenvolvimento Sustentável". Orientador: Professor Dr. José Cláudio Junqueira Ribeiro

Belo Horizonte 2013

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PINHEIRO, Cristiano Cota. P654r Responsabilidade civil por danos nucleares e radioativos no direito brasileiro: uma análise à luz da teoria do risco/ Cristiano Cota Pinheiro. – 2013. 161 f. Orientador: José Cláudio Junqueira Ribeiro. Dissertação (mestrado) - Escola Superior Dom Helder Câmara ESDHC. Referências: f.142 - 155. 1. Direito ambiental 2. Dano nuclear 3. Dano radioativo 4. Responsabilidade civil 5. Justiça. I. Título CDU 349.6:621.039

Bibliotecária responsável: Fernanda Lourenço CRB 6/2932

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ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA

Cristiano Cota Pinheiro

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NUCLEARES E RADIOATIVOS NO DIREITO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE À LUZ DA TEORIA DO RISCO

Dissertação apresentada ao programa de Pósgraduação em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito.

Aprovado em: __/__/__ ______________________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. José Cláudio Junqueira Ribeiro ______________________________________________________________ Professor Membro: Prof. Dr. Kiwonghi Bizawu ______________________________________________________________ Professor Membro: Prof. Dr. Álvaro Ricardo de Souza Cruz Nota: ____ Belo Horizonte 2013

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Meia dúzia de palavras trocadas, algumas piscadelas (in)voluntárias e a extraordinária força do encantamento. Foram esses os ingredientes que manteriam vivas por mais de uma década as lembranças de um anjo. O ano de 2001 era emblemático e prenunciava uma nova era, bastante promissora para um jovem estudante, pouco vivido e cheio de sonhos. O cenário também inspirava magia. No alvorecer do século XXI, encontrava-me eu dentro de uma sala de aula de uma faculdade de Direito encravada no topo de uma montanha, e ali dentro daquele recinto, o destino cuidou de colocá-la

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sentadinha, muito próxima a mim. Moça de fino trato, chamou logo a minha atenção, como a de todos que com ela também tinham o primeiro contato. Seu refinamento e simpatia causaram-me a melhor das impressões. Foi uma convivência muito breve a que tivemos no correr daquele ano, apenas dois semestres em que conversamos rapidamente por algumas poucas vezes sobre a matéria dada, provas e trivialidades afins. Vez por outra, pegava-me fitando-a com o cantinho dos olhos, até que certo dia pareceu-me haver certa correspondência. Mais do que isso, se eu não estava terrivelmente enganado, ela piscara seus olhinhos vivos de magnetismo para mim. A cena se repetiria algumas vezes no decorrer daquele ano, mas sempre brotariam as mesmas dúvidas. Primeiro: ela piscara mesmo ou fora apenas imaginação minha? Como registrava tais cenas com o canto dos olhos, não saberia dizer com certeza se era algo que se passava no mundo dos fatos ou somente nos recônditos da minha imaginação cada vez mais bem impressionada com aquela doce fada das Arábias. Segundo, e aqui despontava alguma insegurança: admitindo que ela piscara, teria sido eu o alvo sortudo da flexão de suas pálpebras? Tímido por demais que era, não obtive respostas para essas questões de alta indagação. As aulas terminaram, ela retornou para sua sala e turno de origem e não mais a vi nos três anos que ainda faltavam para concluir o curso. Tampouco a veria, ou dela teria qualquer notícia, por pequena que fosse, pelos sete anos seguintes. Nesse elástico período de tempo, a vida não parou. Trabalhei em locais diferentes, morei em outra cidade e depois voltei, tive algumas namoradas, perdi parentes, ganhei amigos, fiz viagens, enfim, muita coisa aconteceu. Mas jamais me esqueci, em todo esse tempo, da colega marcante que tive na época de faculdade e que inexplicavelmente sumira do mapa. Nesse interregno, algumas vezes a lembrança aflorava com nostalgia. Cheguei a procurá-la numa famosa rede social da época, o Orkut, sem qualquer sucesso. Até que, no início de 2011, me peguei novamente lembrando dela, o que me impulsionou a fazer uma nova busca, desta feita na rede social do momento, o Facebook. Com grande alegria, encontrei o seu retratinho ao digitar o seu nome, e, ato contínuo, a ―adicionei‖. Deixei uma mensagem que exprimia tudo o que se passava na minha cabeça naquele momento: não sabia nem mesmo se ela se recordaria de mim, mas deixei expresso que eu não havia me

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esquecido dela, e que gostaria imensamente de saber como estava a sua vida – como na canção - depois de tanto tempo. Para minha surpresa, ela me aceitou como ―amigo‖ em sua teia virtual e logo me respondeu dizendo que claro que se lembrava de mim. A partir daí, começamos a dialogar com alguma frequência, sempre online. Havia muito assunto para atualizar. A temida pergunta foi teclada e a resposta veio suave como música, para a mais completa exibição da minha dentição frontal: ela não havia se casado, não era noiva, não estava namorando, nada disso... A coragem que me faltara dez anos antes agora sobrava, e então a convidei para um encontro, deliciosamente aceito. Alguns outros se seguiram no período subsequente de quase dois meses até que um namoro teve seu dies a quo. Com um atraso de dez anos, é verdade, mas como diz a sabedoria popular, antes tarde do que nunca. Percebemos que tínhamos muitos projetos em comum e que juntos poderíamos conquistar o mundo. Decidimos então estudar para a prova do processo seletivo do Mestrado em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara, simpatizantes que somos do Direito Público e da causa ambientalista. Colhemos aí os primeiros frutos de uma parceria realmente vencedora: fomos ambos (bem) aprovados. Essa foi uma conquista muito significativa para nós porque juntos voltamos aos bancos da escola, onde tudo começou, e realizamos o sonho comum de nos qualificarmos para a docência. Nos últimos dois anos foi extremamente difícil conciliar o desgaste de nossas vidas profissionais com as exigências dessa instituição de ensino, mas chegamos ao final graças ao auxílio mútuo dado e recebido nessa empreitada tão desafiante e cara ($). Hoje me sinto vitorioso! Nada disso teria sido possível sem a minha amada Karina. Por isso, nada mais justo que dedicar a ela o trabalho que ora se apresenta. Deixei para reportar-me às outras pessoas que me são igualmente importantes na seção de agradecimentos porque este espaço é só dela. E antes que me esqueça, as piscadelas que ela dava em sala de aula, na flor da mocidade, não eram criações de uma mente fértil: realmente aconteciam. Segundo ela, suas lentes de contato incomodavam muito e causavam ressecamento dos olhos, daí os movimentos reflexos. Sei não. Tenho para mim que aqueles eram movimentos absolutamente voluntários. Os primeiros de uma grande história de amor.

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AGRADECIMENTOS

Vejo a defesa da dissertação como o coroamento de um processo árduo – é o fim de uma etapa que descortina o início de outra, quiçá ainda mais espinhosa. Para chegar até aqui, o encorajamento e auxílio de algumas pessoas foi fundamental.

Começo por um antigo chefe que tive, de quem há muito tempo não tenho notícias diretas, senão pela imprensa, que reconhece a marca brilhante de seu caráter: Promotor de Justiça do MPDFT Mauro Faria Lima. Basta uma pesquisa rápida no Google para se obter informações acerca de sua índole. Irretocável. Como dizia ele serenamente, com a honra não se transige. Agradeço a ele porque não houve um dia sequer de convívio que não me dirigisse uma palavra de incentivo e apostasse na minha capacidade.

Agradeço a meus queridos pais por todos os esforços devotados à família. Já aposentados, continuam lutando para proporcionar uma vida melhor aos filhos, em detrimento de seus próprios projetos. Ao irmão Gui, deixo registrado também meu muito obrigado pelo apoio e torcida de sempre.

Como já dediquei mais de duas laudas inteiras à Karina, seria bis in idem reagradecê-la. Dirijo um agradecimento especial agora à família dela por ter me acolhido tão bem. Especialmente à minha querida sogra Bia, por me dispensar um tratamento digno de filho.

Não posso deixar de fora também o staff das bibliotecas: Anderson, José da Silva, Gianno, Márcio, Fernanda e Milena, todos da ESDHC, Andrea da PRMG, Sílvia e Zélia da FDMC: a vocês, o meu reconhecimento pelo excelente trabalho prestado e os meus sinceros agradecimentos.

Aos colegas da PRMG, pela convivência sadia, e ao Dr. Patrick, pela compreensão demonstrada e pelo trato amistoso que marca a nossa relação profissional.

Ao Prof. José Cláudio, pela orientação segura e pelas sugestões precisas, bem como ao Prof. Kiwonghi e ao Prof. Álvaro, por tão gentilmente terem aceitado o convite para compor a minha banca avaliadora, afastando-se momentaneamente de seus inúmeros afazeres para atenderem ao chamado deste aprendiz.

Por fim, aos antigos amigos que me acompanharam nessa jornada e torceram por mim, e aos novos que fiz no curso, especialmente ao Aloísio (Lolô), Levate (Lelê) e Beth, pelos risos compartilhados, discussões futebolísticas e benquerença recíproca.

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Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas, oh, não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroshima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose A anti-rosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada. Vinícius de Moraes

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RESUMO

O uso da tecnologia nuclear nas mais diversas aplicações em benefício do homem é arriscado por natureza. Não obstante as medidas de índole preventiva tomadas no exercício das várias atividades respectivas, ainda assim ocorrem acidentes que acarretam fortes impactos sobre o meio ambiente natural e artificial, a saúde e a vida humana, materializados em danos que extrapolam as realidades individuais e até mesmo as fronteiras territoriais e temporais. O testemunho dado por alguns acidentes nucleares e um radioativo de grandes proporções na curta, porém pródiga, era nuclear da humanidade, confirma o quão devastadores eles são, a disseminar prejuízos de toda sorte por onde quer que se sucedam. Nesse contexto, o instituto da responsabilidade civil, iluminado pelas diretrizes solidárias dos novos tempos, surge como o remédio jurídico para restabelecer as situações de turbação ao seu estado primitivo ou, caso isso não seja possível, compensar as perdas experimentadas pelas vítimas de outras formas, como é o caso das indenizações em pecúnia. Especificamente no que diz respeito ao universo nuclear ou atômico, o instituto da responsabilidade civil conta com um sistema próprio que se aplica às atividades nucleares, vertido na Lei nº 6.453/77, e bem assim, com outro que diz respeito aos rejeitos radioativos, vazado na Lei nº 10.308/01. Ambos imputam a responsabilidade ao autor do fato danoso de forma objetiva. Já em relação às atividades radioativas, à míngua de um sistema específico a regular a responsabilidade civil correlata, faz-se necessário recorrer à cláusula geral das atividades perigosas, também de ordem objetiva, consubstanciada no art. 927, parágrafo único do Código Civil, excepcionando-se a hipótese de danos ao meio ambiente, que, conquanto também resulte em responsabilização objetiva, abebera-se de fundamento diverso, contido na Lei nº 6.938/81. O propósito do presente estudo é analisar criticamente os mencionados sistemas de responsabilização, perquirindo-se acerca de sua conformidade com o texto da Constituição Federal de 1988 e de sua aptidão para dar respostas satisfatórias ao complexo problema dos danos provocados no manejo da tecnologia nuclear. Palavras-chave: Tecnologia nuclear. Danos nucleares. Danos radioativos. Sistemas de responsabilização civil. Constitucionalidade. Justiça.

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ABSTRACT

The use of nuclear technology in various applications for human benefit is risky by nature. Despite the preventive measures taken in the exercise of their various activities, accidents still happen, causing strong impacts on the natural and artificial environment, health and human life, materialized in damages that exceed the individual realities and even territorial and temporal boundaries. The testimony given by some nuclear accidents and a radioactive accident of major proportions in short, however lavish, nuclear era of humanity, confirms just how devastating they are, spreading losses of all sorts wherever they occur. In this context, the institute of civil liability, illuminated by the solidarity‘s guidelines of the new times, appears as the remedy to restore the situations of disturbance to its original state or, if this is not possible, offset the losses experienced by victims in other ways, as in the case of compensation into cash. Specifically with regard to the nuclear or atomic universe, the institute of civil liability has a system that applies to nuclear activities, poured in Law 6.453/77, as well as another with respect to radioactive wastes, contained in Law 10.308/01. Both impute responsibility to the tortfeasor objectively. In relation to the radioactive activities, in the absence of a specific system to regulate the related liability, it is necessary to resort to the general clause of dangerous activities, also objective, embodied in art. 927, sole paragraph of the Civil Code, making an exception to the hypothesis of damage to the environment, which, although also resulting in liability objective, rests on other foundation, contained in Law 6.938/81. The purpose of this study is to critically analyze the aforementioned responsibility systems, inquiring about their compliance with the text of the Constitution of 1988 and its ability to give satisfactory answers to the complex problem of damage in the handling of nuclear technology. Keywords: Nuclear technology. Nuclear damage. Radiation damage. Systems of civil liability. Constitutionality. Justice.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica AVC – Acidente Vascular Cerebral BEN – Balanço Energético Nacional BTN – Bônus do Tespuro Nacional BWR – Boiling Water Reactor CAT – Computed Axial Tomography CBTN - Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear CENA – Cento de Energia Nuclear na Agricultura CNEN–Comissão Nacional de Energia Nuclear CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CRCN – Centro Regional de Ciências Nucleares DNAEE – Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica ENEA – European Nuclear Energy Agency EUA – Estados Unidos da América FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations FBR – Fast Breeder Reactor GMR – Graphite-Moderated Reactor IBAMA–Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística IEN – Instituto de Engenharia Nuclear IGP – Índice Geral de Preços IGR – Instituto Goiano de Radioterapia INB – Indútrias Nucleares do Brasil INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor IPASGO - Instituto da Previdência e Assistência dos Servidores do Estado de Goiás IPEN – Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares IRD – Instituto de Radioproteção e Dosimetria LWR – Light Water Reactor MME – Ministério das Minas e Energia

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NUCLAM - NUCLEBRÁS Auxiliar de Mineração S.A. NUCLEBRÁS – Empresas Nucleares Brasileiras S.A. NUCLEI – NUCLEBRÁS de Enriquecimento Isotópico S.A. NUCLEMON – NUCLEBRÁS de Monazita e Associados Ltda. NUCLEN – NUCLEBRÁS Engenharia S.A. NUCLEP – Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. NUCON – NUCLEBRÁS Construtora de Centrais Nucleares S.A. OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONU – Organização das Nações Unidas ORTN - Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional OTN – Obrigação do Tesouro Nacional PBMR – Peeble-bed Modular Reactor PET – Positron Emission Tomography PNE – Plano Nacional de Energia PWR – Pressurised Water Reactor RENUCLEAR – Regime Especial de Incentivo para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares RMBK – Reactor Bolshoy Moshchnosty Kanalny SFH – Sistema Financeiro de Habitação SIPRON – Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro SUSEP – Superintendência de Seguros Privados SWCR– Supercritical Water Reactor TNP – Tratado de Não Proliferação TR – Taxa Referancial UFIR – Unidade Fiscal de Referência URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas WIPP – Waste Isolation Pilot Plant

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................11

2 PROLEGÔMENOS.............................................................................................................15 2.1 Radioatividade...................................................................................................................16 2.2 Meia-vida...........................................................................................................................18 2.3 Fissão nuclear....................................................................................................................19 2.4 Fusão nuclear.....................................................................................................................20 2.5 Reatores nucleares............................................................................................................21 2.6 Combustíveis nucleares....................................................................................................23 2.7 Instalações nucleares x instalações radioativas..............................................................25 2.8 Danos nucleares x danos radioativos...............................................................................27

3 APLICAÇÕES DA TECNOLOGIA NUCLEAR.............................................................31 3.1 Fins bélicos.........................................................................................................................31 3.2 Fins pacíficos.....................................................................................................................36 3.2.1 Energia nuclear................................................................................................................37 3.2.1.1 Vantagens e desvantagens.............................................................................................40 3.2.1.2 A expansão da planta nuclear brasileira........................................................................44 3.2.2 Medicina...........................................................................................................................48 3.2.3 Agricultura.......................................................................................................................49 3.2.4 Indústria...........................................................................................................................50 3.3 Atores na área da tecnologia nuclear no Brasil e contornos jurídicos do setor..........51

4 GRANDES ACIDENTES NO CURSO DA HISTÓRIA..................................................56 4.1 Three Mile Island..............................................................................................................57

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4.2 Chernobyl..........................................................................................................................60 4.3 Fukushima.........................................................................................................................63 4.4 Goiânia...............................................................................................................................66

5 TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL...................................................70 5.1 Conceito, classificações, funções e dimensões da responsabilidade civil......................71 5.2 Pressupostos da responsabilidade civil...........................................................................73 5.2.1 Ação.................................................................................................................................73 5.2.2 Dano.................................................................................................................................78 5.2.3 Nexo de causalidade........................................................................................................79 5.3 Excludentes da responsabilidade civil.............................................................................83 5.4 Espécies de responsabilidade civil...................................................................................85

6 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NUCLEARES........................................88 6.1 Responsabilidade civil por danos nucleares no âmbito do Direito Internacional Público......................................................................................................................................88 6.2 Responsabilidade civil por danos nucleares no Brasil: uma análise da Lei nº 6.453/77....................................................................................................................................94 6.2.1 Fato gerador da responsabilidade..................................................................................94 6.2.2 Delimitação subjetiva e espacial da responsabilidade...................................................96 6.2.3 Desnecessidade de demonstração de culpa....................................................................98 6.2.4 Cláusulas exonerativas..................................................................................................100 6.2.5 Limitação do valor da indenização................................................................................103 6.2.6 Prazo prescricional........................................................................................................104 6.2.7 Obrigatoriedade de seguro ou outra garantia...............................................................106 6.2.8 Responsabilidade civil subsidiária da União até o limite legal....................................107

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7 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS RADIOATIVOS..................................109 7.1 A não submissão dos danos radioativos à disciplina da Lei nº 6.453/77....................109 7.2 A incidência do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, nas atividades radioativas..............................................................................................................................110 7.3 A especificidade da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente causados pelas atividades radioativas..................................................................................................112 7.4 Estudo de caso: o acidente radioativo de Goiânia sob o ângulo da responsabilidade civil..........................................................................................................................................114

8 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DOS REJEITOS RADIOATIVOS....................................................................................................................123 8.1 Classificação dos rejeitos e dos depósitos......................................................................123 8.2 Localização dos depósitos...............................................................................................125 8.3 Atribuições legais para a concepção do projeto, construção, instalação, administração e operação dos depósitos.............................................................................129 8.4 Licenciamento e fiscalização dos depósitos...................................................................130 8.5 Responsabilidade civil pelos rejeitos radioativos propriamente dita.........................131 8.6 O transporte e a remoção dos rejeitos radioativos entre os depósitos sob o enfoque da responsabilidade civil............................................................................................................133 8.7 A necessidade de seguro ou outra garantia financeira para a operação dos depósitos.................................................................................................................................134 8.8 A obrigatoriedade de fornecimento de guarda policial pelo Estado para garantia da segurança física e inviolabilidade dos depósitos provisórios: uma abordagem à luz da Constituição Federal de 1988...............................................................................................135 8.9 A titularidade dos direitos sobre os rejeitos radioativos.............................................136

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................138

REFERÊNCIAS....................................................................................................................142

ANEXOS................................................................................................................................156

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1 INTRODUÇÃO

O progresso científico arrebatador que se verificou nas últimas décadas do século XX e que parece só se intensificar já na alvorada do século XXI traz consigo o imperativo de se repensarem os mecanismos de proteção jurídica sobre os bens por ele atingidos, alvos que são de processos tecnológico-causais cujos efeitos não são nem mesmo conhecidos em toda a sua extensão e profundidade. Se por um lado, ditos processos proporcionam aplicações que bem servem à satisfação das inúmeras necessidades humanas, por outro se verifica que alguns deles oferecem significativos riscos à higidez do meio ambiente e à incolumidade humana, como é o caso da tecnologia nuclear. Uma vez feita a opção pelo uso de uma tecnologia tão arriscada, há todo um esforço de natureza preventiva - ilustrado principalmente pelo licenciamento e pela fiscalização - para que o exercício da atividade respectiva transcorra sem perturbações funcionais de qualquer sorte. No entanto, por maiores que sejam as cautelas, por vezes os riscos acabam por se materializar em danos, extrapolando realidades individuais e até mesmo as fronteiras territoriais e temporais. É precisamente quando isso acontece que o instituto da responsabilidade civil aflora como um sopro de esperança para as vítimas, que buscam por meio dele a reparação dos danos sofridos e a suavização de sua angústia e sofrimento. Quando o sistema de responsabilização do causador do fato é falho ou deficiente, as vítimas, já castigadas pelo acidente, acabam sendo penitenciadas ainda uma segunda vez. Para evitar essa dupla injustiça para com as vítimas é que o sistema de responsabilização deve ser o mais depurado possível, mormente na fase de desenvolvimento da ciência jurídica dos dias de hoje, que se apega fortemente ao valor da solidariedade. Interessa mais de perto ao presente trabalho responder às seguintes perguntas: os sistemas de responsabilidade civil relacionados ao universo nuclear ou atômico no Direito Brasileiro estão em conformidade com o texto da Constituição Federal de 1988? Ainda que a resposta seja positiva, eles são capazes de proporcionar soluções satisfatórias às eventuais vítimas? Nessa toada, o objetivo geral da pesquisa é analisar criticamente os corpos normativos relacionados ao tema. Para alcançar a meta almejada, elencam-se os seguintes objetivos específicos: (i) investigar o sentido e alcance de termos técnicos normativos e não normativos próprios do universo nuclear ou atômico; (ii) identificar as principais aplicações da tecnologia nuclear nos

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dias de hoje; (iii) analisar as características dos principais acidentes nucleares e radioativos já ocorridos, identificando os tipos de danos deles decorrentes; (iv) estudar a teoria geral da responsabilidade civil, colocando em relevo a teoria do risco e outros elementos igualmente importantes para o estudo dos sistemas específicos de responsabilidade relacionados à tecnologia nuclear; (v) analisar topicamente os dispositivos das Leis nº 6.453/77 e nº 10.308/01 sob um duplo enfoque: constitucionalidade e justiça; (vi) descobrir qual é o sistema de responsabilidade aplicável aos danos radioativos, já que eles se ressentem da existência de um regime próprio. Portanto, atendendo à Linha de Pesquisa ―Direito, Planejamento e Desenvolvimento Sustentável‖, tenciona-se oferecer ao leitor reflexões úteis para o aprimoramento dos sistemas de responsabilização relacionados ao universo nuclear existentes, num viés propositivo. A justificativa é contribuir com originalidade a respeito do problema exposto, já que a literatura a seu respeito no repositório doutrinário pátrio é escassa e não aborda alguns aspectos. O procedimento metodológico adotado é a pesquisa bibliográfica acerca do objeto do presente estudo, recorrendo-se a dicionários, escritos doutrinários diversos, estatísticas oficiais, legislação e julgados que com ele guardam pertinência temática, num esforço contínuo para extrair dessas fontes elementos que propiciem o encontro de respostas para as indagações postas de antemão. O raciocínio utilizado por vezes é dedutivo, como ocorre quando se debruça sobre os textos normativos, mas também é indutivo, como ocorre quando se busca encontrar semelhanças entre os acidentes nucleares e radioativos já ocorridos no curso da história, principalmente no ponto dos danos por eles causados, investigando-se circunstâncias gerais. Não se prescinde, tampouco, de uma lógica dialética ou comparativa, como se dá quando se confrontam, no corpo do texto, posições doutrinárias que se contrapõem e diplomas legislativos que se imiscuem por vertentes contrárias. Assim é que a proposta de trabalho se ramifica em sete partições, às quais se somam a presente introdução e a conclusão, totalizando nove capítulos. O Capítulo 2 parte da constatação de que na temática do Direito Nuclear ou do Direito Atômico, compreendido como o conjunto de normas destinadas a regular o complexo de relações jurídicas derivadas das aplicações da tecnologia nuclear, há um grande número de termos técnicos que foram absorvidos pelos diplomas legais, e também de que, entre esses termos, alguns se encontram devidamente explicados pela própria norma, num esforço feito pelo legislador para evidenciar com clareza o seu conteúdo e o seu alcance, ao passo que outros não contam com essa graça, remetendo o intérprete a fontes exógenas para decifrar

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seus precisos contornos. Com o intuito de aclarar o sentido dos principais termos e expressões relacionados ao universo atômico, busca-se oferecer noções prefaciais acerca da tecnologia nuclear, ligadas principalmente aos domínios da química e da física, sem as quais a compreensão do estudo científico atinente à responsabilidade civil por danos decorrentes das atividades nucleares e radioativas poderia restar comprometida. Nesse caminho, são visitados os conceitos de radioatividade, meia-vida, fissão e fusão nuclear, bem como, já com recurso ao plano normativo, os de reatores e combustíveis nucleares, assim como os de instalações e danos nucleares, em contraponto aos de instalações e danos radioativos. Já o Capítulo 3 destina-se a tratar do numeroso leque de aplicações da tecnologia nuclear nos dias de hoje, todos eles potencialmente geradores de danos. Procura-se demonstrar o seu caráter dual ou ambivalente ao se traçar um paralelo entre os fins bélicos e os fins pacíficos, para então investigar-se a sua aplicação no âmbito da geração de energia elétrica, da medicina diagnóstica e terapêutica, da agricultura e da indústria com exemplos que demonstram o quanto a vida na sociedade pós-moderna lhe é devedora. No Capítulo 4, opta-se por lançar os olhos sobre o passado para analisar as circunstâncias em que se deram os maiores acidentes nucleares e o maior acidente radioativo já registrados na história da humanidade, perquirindo-se acerca de suas causas deflagradoras e, principalmente, a respeito de seus efeitos sobre as pessoas, o meio ambiente e a economia. O Capítulo 5 cuida de percorrer, ainda que de forma sucinta, a dogmática civilista da teoria geral da responsabilidade civil, visitando-lhe os conceitos, funções, dimensões, pressupostos, excludentes e espécies, sem o que a abordagem particularizada da responsabilidade civil por danos nucleares, danos radioativos e rejeitos radioativos se ressentiria de um esteio teórico comum. No Capítulo 6, mergulha-se no tema da responsabilidade civil por danos nucleares, iniciando-se pela abordagem da Convenção de Paris e da Convenção de Viena. Considerandose que o Brasil é signatário da última, elabora-se um estudo de sua matriz principiológica, para, em seguida, adentrar-se na análise pormenorizada do texto da Lei nº 6.453/77, que trata da responsabilidade civil por danos nucleares no Brasil e dá outras providências, indagando-se de sua justiça e conformidade com a Constituição Federal de 1988. O Capítulo 7, de seu turno, cuida da responsabilidade civil por danos radioativos no ordenamento jurídico brasileiro. À míngua de um sistema específico para versar sobre o tema, já que a Lei nº 6.453/77 exclui expressamente do seu campo de incidência os danos causados por emissão de radiação ionizante quando o fato não constituir acidente nuclear, busca-se verificar se é possível submetê-los à regência do parágrafo único do art. 927 do Código Civil.

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Em seguida, explicita-se que os danos ao meio ambiente causados por atividades radioativas se submetem ao regime específico da Lei nº 6.938/81 e não ao geral de regência das atividades perigosas, contido no Código Civil. Elabora-se, outrossim, um estudo de decisões relacionadas ao maior acidente radioativo da história da humanidade, o acidente de Goiânia, investigando-se méritos e desacertos das decisões analisadas. O derradeiro Capítulo 8 destina-se a tratar da responsabilidade civil por rejeitos radioativos, compreendidos como o principal impacto ambiental potencial causado pelas atividades que se utilizam da tecnologia nuclear. A colocação do tema no último lugar da ordem de assuntos tratados no trabalho é proposital, já que o rejeito desponta no final do ciclo do combustível nuclear e também já na etapa de descartes das aplicações dos materiais radioativos na agricultura e em indústrias, clínicas médicas, hospitais, centros de pesquisa etc. Tendo como objeto de análise a Lei nº 10.308/01, indaga-se acerca do significado e alcance de sua carga normativa e também de sua justiça e constitucionalidade. Ao final, à luz dos fatos e argumentos reunidos nos capítulos anteriores, são enunciadas, em balanço, as conclusões.

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2 PROLEGÔMENOS Na academia, é da boa técnica que as palavras e as expressões que fujam de seu sentido comum, ou mesmo as que sejam de utilização exclusiva de determinadas áreas do conhecimento estranhas ao público a que se dirige a obra, sejam explicadas com precisão e clareza tais que não permitam o florescimento de quaisquer barreiras semânticas à assimilação do conteúdo que se pretende expressar. O objetivo deste capítulo é propiciar ao leitor um conjunto de noções preliminares, afetas principalmente aos campos da química e da física, sem as quais a compreensão do estudo científico atinente à responsabilidade civil por danos decorrentes das atividades nucleares e radioativas poderia restar comprometida. Procurar-se-á municiá-lo com o manancial indispensável para a melhor absorção da carga teórica a ser infundida ao longo do texto, acrescido, por vezes, de referências históricas igualmente elucidativas. Alusões ao plano normativo serão feitas apenas quando nele se contiverem elementos conceituais, já que se pretende esmiuçar os diplomas legais que guardam pertinência com a matéria, especificamente relacionados à responsabilidade civil, apenas em um segundo momento deste trabalho. De fato, não se pode presumir que a terminologia a ser empregada em seu corpo, suas especificidades e pormenores, seus contornos peculiares e sua relativa complexidade sejam de domínio e sabença gerais. Nesse contexto, é preferível pecar pelo excesso de informações, que a alguns podem parecer um tanto quanto básicas e rasteiras, a não oferecer àquele que não possui familiaridade com o assunto qualquer suporte para avançar no estudo proposto. Todo o debate que se pretende proporcionar nas páginas seguintes, desde a tomada de posição sobre a conveniência ou não da utilização da energia nuclear, seus impactos ambientais, os motivos deflagradores dos grandes acidentes nucleares e radioativos na história da humanidade, as nuances da regulação jurídica da matéria no plano internacional e interno, entre outros temas igualmente relevantes a serem enfrentados, têm por esteio os conceitos elementares que ora serão tratados. Àqueles que possuem trato e intimidade suficientes com os termos a serem aprofundados, fica a consentida licença para saltarem esta parte. Aos que não estão suficientemente seguros disso, fica o convite para a leitura que, a par de propositalmente sucinta, não conduzirá, espera-se, a qualquer estado de tédio ou enfadonhamento. E

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finalmente, aos que reconhecerem a necessidade de aprofundamento nessas noções prefaciais, assegura-se que o tempo despendido não será de modo algum desperdiçado.

2.1 Radiatividade ou radioatividade

A radiatividade, ou radioatividade, é a ―propriedade que têm certos átomos de emitir espontaneamente radiação (partículas subatômicas), por efeito duma instabilidade dos seus núcleos‖, na definição do dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2006, p. 678). Sendo a radioatividade uma propriedade do átomo, faz-se necessário contar um pouco da história de seu descobrimento e em seguida defini-lo. Em 1803, o cientista inglês John Dalton, com base em experiências sucessivas, conseguiu demonstrar cientificamente a ideia de átomo. O físico Joseph John Thomson, de seu turno, propôs, em 1897, que o átomo era divisível em partículas carregadas positiva e negativamente, contrariando o modelo indivisível de átomo proposto por Dalton. O modelo de Thomson foi a base teórica a partir da qual outro físico nuclear se dedicou com destaque ao assunto, o neozelandês Ernest Rutherford. O prêmio Nobel de Química em 1908 foi concedido a ele por suas investigações acerca da desintegração dos elementos e a química das substâncias radioativas. A ele também se atribui a distinção entre os raios alfa e beta, em 1902. A ciência ainda registraria a descrição de um novo modelo de átomo, o do físico dinamarquês Niels Bohr, que afirmou que toda carga elétrica em movimento em torno de outra perde energia em forma de ondas eletromagnéticas, cunhando assim a teoria eletromagnética. Feita essa apertada síntese da história dos modelos atômicos, faz-se necessário conceituar o átomo. Trata-se da menor partícula de um elemento químico encontrada na natureza, a unidade fundamental da matéria, composta de um núcleo contendo prótons (partículas dotadas de carga positiva) e nêutrons (partículas destituídas de carga). Já os elétrons (partículas dotadas de carga negativa e massa desprezível) orbitam em torno do núcleo em diferentes trajetórias. Átomos do mesmo elemento químico podem possuir núcleos com diferentes números de massa: são os átomos isotópicos. A soma do número de prótons e nêutrons que compõem o núcleo de um átomo resulta no seu número de massa. Já o número atômico corresponde apenas ao número de prótons existentes no núcleo de determinado elemento químico, não se confundindo, pois, com o seu número de massa.

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Os átomos isotópicos, ou simplesmente isótopos, são, portanto, do mesmo elemento químico, diferindo-se entre si no peso. Suas características ou propriedades físicas são diversas, mas o comportamento químico por eles apresentado é semelhante. Podem eles ser, ainda, estáveis ou instáveis, elencando-se entre os últimos os chamados elementos radioativos. Os isótopos radioativos, também chamados de radionuclídeos ou radioisótopos, liberam radiação por meio de raios alfa (α), beta (β) e gama (γ). Os da primeira espécie possuem carga elétrica positiva, ao passo que os da segunda são dotados de carga elétrica negativa. Os últimos são ondas eletromagnéticas desprovidos de qualquer carga elétrica. A radioatividade, em uma conceituação mais completa, pode então ser descrita como a capacidade que alguns elementos químicos, fisicamente instáveis, possuem de emitir energia sob forma de partículas ou radiação eletromagnética. Substâncias radioativas, de seu turno, são aquelas aptas a emitir radiações, as quais possuem a propriedade de impressionar placas fotográficas, atravessar corpos opacos à luz ordinária, produzir fluorescência, ionizar gases e prestar-se a muitas outras aplicações a serviço do homem, conforme será visto com mais vagar adiante. Cumpre ainda diferenciar a radioatividade natural, encontrada na Terra desde a sua criação, como a emanada do Sol, de águas minerais e do solo de determinadas regiões, da artificial, produzida pelo gênio humano em sua ventura inventiva. Conforme historia Heitor Scalambrini Costa, a radioatividade natural foi descoberta pelo engenheiro francês Antoine-Henri Becquerel em 1896, quando este constatou que sais de urânio possuíam a capacidade de sensibilizar um filme fotográfico recoberto por uma fina lâmina de metal (COSTA, 2011, p. 36). Mas foi o casal Pierre Curie e Marie Skladowska Curie que aprofundou e desenvolveu os principais estudos a respeito, como observa Viviane Martins Ribeiro (2004, p. 28). Eles descobriram a existência de elementos químicos ainda mais radioativos do que o urânio, como o tório, o rádio e o polônio, concluindo então que a radioatividade era um fenômeno atômico. A radioatividade artificial, induzida por partículas alfa, foi descoberta em 1934 por Fréderic Joliot e sua esposa Iréne Curie (filha de Marie Skladowska Curie). Já em 1938, Oto Hahn – aluno de Rutheford – em experimentos realizados juntamente com Fritz Strassmann, descobriu a fissão de urânio. Grosso modo, a fissão pode

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ser descrita como o fracionamento do núcleo em dois fragmentos, com a liberação de energia1. No entanto, foi apenas no dia 2 de dezembro de 1942 que veio a ocorrer a primeira reação em cadeia em reator nuclear, sob o conduto de Enrico Fermi, em Chicago/EUA. Foi este o embrião do Projeto Manhattan, descrito por Paulo de Bessa Antunes como o projeto secreto norteamericano que construiu a bomba atômica (2009, p. 871). Com efeito, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945 foram explodidas as bombas atômicas respectivamente sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki; a primeira, feita de urânio-235, matou 200 mil pessoas, ao passo que a segunda, feita de Plutônio-239, deixou 100 (cem) mil vítimas fatais. Inaugurava-se aí a ―Era Nuclear‖, com sucessivas detonações nucleares de testes a partir de então, todas elas assentadas no domínio das técnicas de manipulação da radioatividade.

2.2 Meia-Vida

Segundo definição encontrada no dicionário Michaelis online, meia-vida é o ―tempo que deve decorrer para que, em certo momento, metade dos átomos de uma substância radioativa se desintegre‖. Como a emissão de partículas é da essência de um isótopo radioativo, naturalmente o decurso do tempo faz com que o nuclídeo se desintegre. Assim, cada radioisótopo tem uma meia-vida diferente que varia de acordo com a intensidade da atividade ocorrente em seu núcleo. Quanto maior for a quantidade de partículas emitidas pela amostra em determinada unidade de tempo, menor será a sua meia-vida, já que a desintegração ocorrerá de forma mais acelerada. Percebe-se, assim, que se trata de duas grandezas inversamente proporcionais. Cumpre destacar que meia-vida e vida média exprimem idéias completamente diferentes, de modo que não se pode utilizar uma expressão como sinônima da outra. Enquanto meia-vida é a quantidade de tempo necessária para que seja liberada, via emissão de partículas, metade da energia existente dentro de um nuclídeo, como se viu, a vida média exprime a quantidade de tempo médio de vida que apresentam os átomos de um determinado radioisótopo.

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A fissão será objeto de maior aprofundamento em tópico específico, ainda neste capítulo.

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A importância dessa conceituação é enorme para o desenvolvimento do trabalho proposto, já que, conforme veremos com maior detença mais à frente, a Constituição Federal de 1988 se utiliza do termo meia-vida ao prever a autorização, sob regime de permissão, da produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas, excepcionando assim o monopólio estatal existente sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados. Com o quanto já foi exposto, pode-se afirmar desde já que as técnicas que envolvem a utilização de radioisótopos de meia-vida baixa são potencialmente menos danosas aos seres humanos numa dimensão temporal, desde que sejam corretamente utilizadas. A hipótese deveras se confirma no mundo dos fatos. Há aplicações como a irradiação de alimentos, para ilustrar, que se valem desses elementos de meia-vida bastante curta para minorarem as perdas decorrentes do apodrecimento. Nessa esteira de raciocínio, é natural que haja um pouco menos de rigor no plano normativo em relação à utilização de radioisótopos de meia-vida reduzida, o que não significa ausência de controle. 2.3 Fissão nuclear A fissão nuclear é uma reação que ocorre quando o núcleo do átomo é atingido por um nêutron, liberando grande quantidade de energia. A cada colisão, novos nêutrons são liberados. Ao colidirem com novos núcleos, mais energia é liberada, numa reação em cadeia. O processo é assim explicado por Viviane Martins Ribeiro: [...] o núcleo de determinado elemento radioativo é bombardeado por nêutrons. Esse bombardeio fará com que energia e mais nêutrons sejam liberados. Se essa reação se der em cadeia, os nêutrons liberados por último atingirão novos núcleos e, novamente, mais energia e outros nêutrons serão liberados. E assim por diante. Dáse, como foi mencionado, uma reação em cadeia. E os nêutrons são os seus estimuladores, ou desencadeadores. O número de massa do núcleo desse elemento reduzir-se-á, transformando-se, por conseguinte, em outro elemento, com núcleo de número de massa menor. O radionuclídeo, que até então era pesado, após a dissociação, passa a ser leve (RIBEIRO, 2004, p. 31).

De acordo com Heitor Scalambrini Costa, [...] a energia liberada pela fissão nuclear pode ser utilizada na geração de eletricidade por usinas chamadas ‗nucleoelétricas‘, a partir de um ciclo termodinâmico. É sabido que os isótopos de certos elementos químicos têm a capacidade de, através de reações nucleares, emitirem energia durante o processo (COSTA, 2011, p. 35).

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As usinas termonucleares em atividade hoje utilizam reatores de diferentes espécies que provocam a fissão nuclear de isótopos de urânio e plutônio, produzindo rejeitos de alta radioatividade que devem ser mantidos sob especial vigilância por milhares de anos, considerada a sua intrínseca periculosidade, a par dos rejeitos de média a baixa radioatividade também resultantes da geração termonuclear. No entanto, espera-se ansiosamente o dia em que reatores nucleares possam operar de forma economicamente viável com outro processo, qual seja, o da fusão nuclear, em razão das vantagens que ele apresenta, enumeradas no tópico seguinte, entre as quais se notabiliza justamente o curto período de emissão de radioatividade pelos rejeitos gerados. Leonam dos Santos Guimarães e João Roberto de Matos explicam ainda a distinção entre fissão e reação química no tocante ao potencial de energia que cada um desses processos pode proporcionar:

A diferença entre a fissão e uma reação química é absolutamente clara: a reação química usa menos de 1% e a fissão utiliza mais de 99% da massa do átomo para gerar energia térmica. Dado que Einstein nos provou – por meio da equação E=MC² - que matéria e energia são intercambiáveis, é fácil deduzir que a reação que utiliza mais da massa de um átomo gerará mais energia no processo de transformação (GUIMARÃES; MATTOS, 2011, p. 54).

Em um cenário de mudanças climáticas sensíveis, tais como tempestades severas, inundações, derretimento de geleiras, aumento do nível dos oceanos, secas extremas, invernos ultrarrigorosos e desertificação, a geração termonuclear por fissão, exatamente pelo rendimento que apresenta e pela baixa quantidade de gás carbônico em tese emitida, avulta cada vez mais como uma alternativa de contenção ao aquecimento global. 2.4 Fusão nuclear Se o Direito Empresarial conceitua a fusão como a operação societária por meio da qual duas ou mais sociedades comerciais juntam seus patrimônios a fim de formarem uma nova sociedade que a elas sucederá nos direitos e obrigações, determinando a extinção daquelas que se fundem, na ciência natural da física nuclear o fenômeno desenvolve-se de modo semelhante: dois isótopos, após sofrerem intensa pressão, juntam suas massas e formam um novo isótopo. Nesse processo, os isótopos iniciais deixam de existir, formando um novo isótopo, com liberação de energia para o meio. Vale transcrever a explicação de G. Tyler Miller Jr:

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A fusão nuclear é uma mudança nuclear na qual dois isótopos de elementos leves, como o hidrogênio, são pressionados um contra o outro a temperaturas extremamente altas até se fundirem para formar um núcleo mais pesado, liberando energia nesse processo (JUNIOR, 2011. p. 347).

Convém ressaltar que a utilização da fusão nuclear para produção de energia está em fase de pesquisas há mais de 50 (cinquenta) anos. Há realmente algumas barreiras que precisam ser vencidas para a consolidação de tão promissora técnica, assim apontadas por Viviane Martins Ribeiro: A principal característica dessa reação consiste na necessidade de se ter temperaturas elevadíssimas. Caso contrário, não se poderá alcançá-la. O fenômeno da fusão ocorre, continuamente, na superfície do Sol, e em estrelas, porque lá a temperatura chega a milhões de graus centígrados. É nesse ponto que reside a dificuldade de se viabilizar esse processo. A outra barreira a ser rompida é o seu alto custo (RIBEIRO, 2004, p. 32).

Vencidos os mencionados ―gargalos‖, esse processo traria grandes vantagens sobre a fissão nuclear, tais como riscos infinitamente menores de operação, curto período de emissão de radioatividade pelos rejeitos gerados (estimado em apenas algumas décadas), matériaprima abundante e barata e a possibilidade de sua utilização para destruição de resíduos tóxicos. No entanto, em todas as tentativas realizadas até agora, a energia gasta no processo foi superior à energia gerada. Quando essa relação finalmente se inverter, será possível construir um reator de fusão nuclear. Os mais otimistas estimam que isso aconteça entre 2020 e 2030, ao passo que os mais céticos não acreditam no triunfo dessa tecnologia antes de 2100. No entanto, parece haver certo consenso que uma hora esse momento chegará e representará um grande marco na história da humanidade, já que grande quantidade de energia será produzida com menor impacto ambiental, em comparação com as fontes tradicionais. Não por outro motivo, em palestra proferida no auditório da Escola Superior Dom Helder Câmara em 22 de maio de 2013, o Prof. José Eli da Veiga, estudioso do tema, asseverou que a viabilização da produção de energia elétrica em reatores de fusão nuclear seria a maravilha das maravilhas.

2.5 Reatores nucleares

Nos termos do art. 1º, inciso V, da Lei nº 6.453, de 17 de outubro de 1977, que dispõe sobre a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares e dá outras providências, reator nuclear é ―qualquer estrutura que contenha combustível nuclear, disposto de tal maneira que, dentro dela, possa

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ocorrer processo auto-sustentado de fissão nuclear, sem necessidade de fonte adicional de nêutrons‖. A definição normativa em questão peca, pois, por não contemplar o outro processo a que se acabou de aludir, o da fusão nuclear, que igualmente ocorre dentro de reatores nucleares. Trata-se de ocorrência até frequente no ordenamento jurídico a de a norma não acompanhar os avanços científico-tecnológicos, naquilo que se poderia arriscar a chamar de obsolescência normativa. Naturalmente, quando estiver desenvolvido e devidamente consolidado o uso de reatores nucleares por fusão nuclear, o dispositivo em comento deverá ser atualizado. Já a norma CNEN-NE 1.27, de setembro de 1999, que trata da ―Garantia da Qualidade na Aquisição, Projeto e Fabricação de Elementos Combustíveis‖ adota uma definição mais enxuta, ao dispor que reator nuclear, ou simplesmente reator, ―é a instalação contendo combustível nuclear na qual possa ocorrer processo auto-sustentado e controlado de fissão nuclear‖.

Tal definição incorre na mesma omissão da Lei nº 6.453/77: deixa de fazer

qualquer menção ao processo autossustentado e controlado de fusão nuclear. Os reatores nucleares são objeto de classificações que levam em consideração o moderador utilizado, responsável pela garantia do nível de energia dos nêutrons adequado para a continuidade do processo de fissão nuclear, e bem assim o fluido de resfriamento, responsável pela absorção do calor gerado e sua condução à parte externa do reator, onde será devidamente aproveitado. Por sua completude, vale transcrever a categorização proposta por José Eli da Veiga: Os reatores mais utilizados – os PWR (Pressurised Water Reactor) – usam a água tanto para moderador quanto para fluido de resfriamento. O líquido é mantido em pressão suficiente para não vaporizar e há troca de calor com um circuito secundário, onde é formado o vapor que aciona a turbina, movimentando o gerador elétrico. Já nos reatores BWR (Boiling Water Reactor), o segundo tipo mais usado, a água do circuito primário vaporiza-se e aciona diretamente a turbina. Nesse caso há menos equipamentos, mas a radioatividade gerada pelo processo tem propagação maior, atingindo também a turbina e o condensador. Tanto o PWR quanto o BWR, assim como as variantes russas do PWR, fazem parte do grupo LWR (Light Water Reactor), que usa como moderador a água leve (comum). Mas há ainda mais três grupos: os que usam água pesada (HWR, Heavy Water Reactor), os que usam grafite (GMR, Graphite Moderated Reactor), e os que nem usam elemento moderador (FBR, Fast Breeder Reactor). [...] Os reatores que não usam moderador – conhecidos como moderadores rápidos – têm o núcleo envolvido por camada de urânio, que recebe os nêutrons que escapam do núcleo, gerando plutônio físsil. Como o plutônio é adequado à produção de bomba, esse tipo de reator é necessariamente muito mais visado em termos bélicos. Os avanços tecnológicos têm sido classificados em gerações. Os reatores que têm o chamado projeto ―passivo‖ são considerados de terceira geração. Significa que, em caso de falha, o sistema vai por inércia para uma situação mais segura, em vez de acionar os esquemas de emergência. Há também a chamada Geração III+, com unidades bem pequenas (165MW), que inclui o PBMR (peeble-bed modular reactor), usando hélio como refrigeração. E está

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emergindo uma quarta geração, com meia dúzia de grandes promessas: a) ter impacto ambiental positivo; b) custo baixo; c) períodos mais curtos de construção; d) segurança operacional; e) resistência à proliferação; e, até, f) proteção física contra ataques terroristas. Tais são as ambições de um fórum internacional de cooperação entre cinco países: Estados Unidos, Canadá, França, Japão e Inglaterra. No âmbito dessa quarta geração também estão previstas usinas SWCR (Supercritical Water Cooled Reactor). Esse é o objetivo do Projeto IRIS (International Reactor Innovative & Secure), da Westinghouse, com participação brasileira. Tal projeto começou em 1999, e há quem afirme que logo estará disponível. Usa água leve, é modular, com unidades pequenas (de 100 MW a 300 MW), podendo ter vários módulos funcionando em um mesmo local, mas sob controle centralizado. Além de ser mais simples e usar menos água, é de manutenção mais fácil e seu combustível poderá durar de 5 a 8 anos [...] (VEIGA, 2011, p. 14-16).

Não entraram na classificação proposta pelo eminente autor os reatores do tipo RMBK, que se utilizam do grafite como moderador e de água fervente como fluido de resfriamento, embora se deva reconhecer, por honestidade, que ele os ressalvou em nota de rodapé. Tal espécie de reator notabilizou-se por ser justamente a utilizada pelo complexo nuclear de Chernobyl, onde ocorreu o maior acidente nuclear de todos os tempos, de acordo com o mesmo autor. (VEIGA, 2011, p. 15). Não se obteve sucesso na pesquisa relativa ao tipo de reator que era utilizado em Three Mile Island, onde também ocorreu um memorável acidente nuclear, ao passo que se apurou que, em Fukushima, local da mais recente tragédia dessa natureza, os reatores usados eram do tipo BWR, de acordo com a matéria intitulada ―A volta do medo nuclear‖, publicada na edição nº 2158 da Revista IstoÉ de 23 de março de 2011, redigida por Delmo Moreira e Luíza Villaméa (2011, p. 66-73). O leitor encontrará mais adiante informações sintéticas sobre cada um desses acidentes nucleares que ocorreram no curso da história, priorizando-se menções às suas consequências danosas às populações locais atingidas e ao meio ambiente para que se tenha um ponto de partida concreto no momento de se adentrar na temática da responsabilidade civil respectiva. Por fim, uma informação para saciar eventual curiosidade que possa ter surgido quanto aos tipos de reator utilizados em Angra dos Reis: de acordo com Joaquim Francisco de Carvalho, o complexo é equipado com reatores a água leve pressurizada – PWR (2012, p. 95). 2.6 Combustível nuclear Combustível é a ―substância ou produto que produz combustão‖, ao passo que combustão é o ―estado de um corpo que arde produzindo calor, ou calor e luz‖, segundo as definições de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2006, p. 247).

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Nessa ordem de ideias, combustível nuclear poderia ser conceituado como qualquer material do qual pode ser liberada energia nuclear em um reator. Para os efeitos da Lei nº 6.453/77, combustível nuclear é o material capaz de produzir energia, mediante processo autossustentado de fissão nuclear, conforme disposto em seu art. 1º, inciso II. Já na norma 1.27 da CNEN, adrede referida, combustível nuclear, ou simplesmente combustível, é o material contendo nuclídeos físseis que, quando utilizado em um reator, possibilita uma reação nuclear em cadeia. Viviane Martins Ribeiro traça todo o iter dos minérios utilizados como combustível nuclear, desde a fase de extração até o reprocessamento pós-uso, da seguinte forma: Tal processo começa com a própria extração de minérios nucleares, os quais podem ser utilizados como combustível, após o devido processamento. Como exemplos de tais minérios, podem ser citados o urânio e o tório. A respeito, é oportuno frisar que são esses os elementos nucleares férteis. Logo, tais nucleotídeos são considerados as verdadeiras matérias-primas propulsoras da instalação nuclear. É a partir delas que se inicia o processo de obtenção do combustível. Após um processo de transformação apropriado, os elementos nucleares férteis são convertidos em físseis, para que haja um melhor aproveitamento dos radionuclídeos na reação de fissão nuclear. Assim, dos materiais nucleares, quais sejam urânio (U238) e tório, com a devida transformação no reator, ter-se-á plutônio (Pu-239) e urânio (U-233), respectivamente, os verdadeiros materiais físseis. [...] Depois da extração do minério, há o processamento, a fim de que haja a sua concentração. Tem-se, agora, o óxido de urânio, ou melhor dizendo, o bolo amarelo. Na sequência, ter-se-á a conversão do bolo amarelo em haxafluoreto de urânio, na forma gasosa, permitindo-se, assim, que haja o seu enriquecimento. O enriquecimento tem por finalidade aumentar o número de radioisótopos físseis. Posteriormente, reconverte-se o material até então obtido em óxido de urânio, agora na forma sólida. A partir daí, fabricam-se os ―elementos combustíveis propriamente ditos‖. [...] Com a utilização do combustível, procede-se à liberação de energia sob a forma de calor, havendo a sua conversão em energia elétrica. Ou, de outra forma, ―sob altíssimas pressões, a água não ferve, sendo conduzida a um sistema de gerador de vapor, onde aí faz a água ferver e produz vapor necessário ao movimento de turbinas. No tocante ao combustível usado, também denominado combustível irradiado ou combustível queimado, é retirado do reator e depositado em piscina de refrigeração, igualmente a água. Isso porque o material ainda é muito radioativo. O decaimento da radioatividade desse combustível dependerá de como seja a atividade em cada elemento, devendo-se levar em consideração que na reação auto-sustentada surge sempre, conforme foi visto, o plutônio e outros radionuclídeos, de variadas meiasvidas. É preciso que haja, portanto, constante refrigeração, em virtude da liberação de calor existente. Essas piscinas estão situadas ao lado do reator. É até por essa razão, pela periculosidade que a atividade nuclear apresenta, que há o painel de controle. Através dele é possível controlar o reator nuclear a distância. E, por fim, tem-se a fase de reprocessamento. Feita através de processos químicos, do combustível irradiado, ou melhor, do lixo atômico produzido, reaproveitam-se, isto é, recuperam-se nuclídeos físseis, tais como o plutônio. Aqui, fecha-se o ciclo do combustível nuclear. Nesses termos, esse ciclo equivale, não só à sua fase de obtenção, desde a fase de extração, como também ao seu reprocessamento,

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incluídas, pois, a sua recuperação e reconversão em material fissionável (RIBEIRO, 2004, p. 40-47).

A norma 1.27 da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN – conceitua ainda elemento combustível como o conjunto de varetas contendo combustível, mantidas unidas por meio de componentes estruturais, constituindo uma unidade estrutural, e, bem assim, vareta combustível (ou simplesmente vareta) como componente do elemento combustível, construtivamente independente, que contém o combustível, de forma estanque. Para Walter T. Álvares, a disciplina jurídica dos minérios nucleares não cabe ao Direito Nuclear (ou Direito Atômico) e sim ao Direito Minerário (1975, p. 79). Na verdade, não há exclusão de um campo pelo outro. É perfeitamente possível a coexistência de normas de incidência simultânea no trato da matéria, dando-se preferência àquelas de caráter especial sobre as de caráter geral, como recomenda a boa exegese. Por fim, importa dizer que o reprocessamento a que a autora citada aludiu não recupera os rejeitos radioativos em sua integralidade, cujo conceito encontra-se no art. 1º, inciso III, da Lei nº 6.453/77. Os rejeitos radioativos não recuperados devem então ter a destinação própria que lhes confere a Lei nº 10.308, de 20 de novembro 11 de 2001, que dispõe sobre a seleção de locais, a construção, o licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a indenização, a responsabilidade civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos radioativos, e dá outras providências. Basicamente, pode-se dizer que eles serão alocados com os devidos cuidados em depósitos que podem ser provisórios, iniciais, intermediários e finais, a depender do caso. Por versar também sobre responsabilidade civil, referido diploma será investigado mais à frente neste trabalho, como não poderia deixar de ser.

2.7 Instalações nucleares x instalações radioativas

É importante que fique bem claro que instalações nucleares e instalações radioativas são conceitos que não se confundem. A distinção é de fundamental importância e já no título deste trabalho se prenuncia que o nuclear e o radioativo são termos que não se equivalem. Muitas vezes, ocorre a utilização do vocábulo nuclear em sentido lato, precedido de determinado termo, para abranger tanto o nuclear em sentido estrito como o radioativo. Ciente do alcance exato de cada um desses conceitos, o intérprete poderá concluir em qual dessas significações o termo nuclear está sendo utilizado.

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Normalmente, no uso vulgar, lança-se mão de seu sentido lato, ao passo que, tecnicamente, prefere-se o uso do nuclear apenas em seu sentido estrito. Neste trabalho optouse por referir-se à tecnologia nuclear como aquela voltada tanto para os usos nucleares em sentido estrito como aos radioativos. Assim, o vocábulo nuclear, quando precedido de tecnologia, foi empregado na acepção lata e compreensiva referida. No entanto, em todas as oportunidades em que se lançou mão da expressão ―instalações nucleares‖, obrigatoriamente se quis restringir a sua significação, com a necessária exclusão do que semanticamente se contém na expressão ―instalações radioativas‖. Feito esse breve intróito, cumpre visitar os conceitos de cada uma das expressões aludidas, adiantando-se que ambos são normativos. A primeira definição de instalação nuclear foi dada pelo art. 1º, VI, da Lei nº 6.453/77, que dispõe que, para os seus efeitos, instalação nuclear é: a) o reator nuclear, salvo o utilizado como fonte de energia em meio de transporte, tanto para sua propulsão como para outros fins; b) a fábrica que utilize combustível nuclear para a produção de materiais nucleares ou na qual se proceda a tratamento de materiais nucleares, incluídas as instalações de reprocessamento de combustível nuclear irradiado; c) o local de armazenamento de materiais nucleares, exceto aquele ocasionalmente usado durante seu transporte. Em seguida, o Decreto nº 2.210/97, que regulamenta o Decreto-lei nº 1.809, de 7 de outubro de 1980, e institui o Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (SIPRON), além de dar outras providências, alargou o seu sentido em seu art. 2º, inciso VIII. Na sua dicção, instalação nuclear é a instalação na qual o material nuclear é produzido, processado, reprocessado, utilizado, manuseado ou estocado em quantidades relevantes, assim compreendidos: a) reator nuclear; b) usina que utilize combustível nuclear para a produção de energia térmica ou elétrica para fins industriais; c) fábrica ou usina para a produção ou tratamento de materiais nucleares, integrante do ciclo do combustível nuclear; d) usina de reprocessamento de combustível nuclear irradiado; e e) depósito de materiais nucleares, não incluindo local de armazenamento temporário usado durante os transportes. O Decreto-lei nº 1.809/80, no entanto, foi revogado pela Lei 12.731/12, de modo que, para todos os efeitos, deve-se recorrer à definição contida no art. 1º, VI, da Lei nº 6.453/77, já mencionada. A norma CNEN-NE 1.04, datada de dezembro de 2002, que trata do licenciamento das instalações nucleares, por sua vez, repete a conceituação dada pelo Decreto nº 2.210/97. O mesmo Decreto nº 2.210/97 conceitua, em seu art. 2º, IX, instalação radioativa como o local onde se produzem, utilizam, transportam ou armazenam fontes de radiação,

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excetuando-se a) as instalações nucleares; e b) e os veículos transportadores de fontes de radiação quando essas não são parte integrante dos mesmos. Coerentemente, a Portaria nº 183/FA-43, do Ministro de Estado-Chefe do EstadoMaior das Forças Armadas, de 20 de janeiro de 1997, republicada no DOU de 15 de janeiro de 1998, p. 15, dispõe que as instalações radioativas são ―estabelecimentos ou instalações onde se produzem, utilizam, transportam ou armazenam fontes de radiação, excetuando-se desta definição as instalações nucleares e os veículos transportadores de fontes de radiação, quando estas não são integrantes dos mesmos‖. Como se vê, houve expressa exclusão das instalações nucleares dos conceitos de instalações radioativas expostos. Dessa forma, se determinada instalação alberga fonte de radiação, há que se indagar se tal fonte é um reator nuclear, uma usina nuclear, fábrica de materiais nucleares integrantes do ciclo do combustível nuclear ou depósito de materiais nucleares, para, somente em caso de resposta negativa para todas as hipóteses referidas, concluir-se que se trata de uma instalação radioativa e não de uma instalação nuclear. Na prática, a distinção não revela maiores dificuldades. Não há qualquer dúvida, por exemplo, em se apontar que a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto é uma instalação nuclear, ao passo que qualquer das várias clínicas médicas especializadas em radioterapia em atividade no país são, incontestavelmente, instalações radiativas ou radioativas. A diferenciação ora proposta não é um mero capricho, longe disso. Há, naturalmente, diferentes requisitos no licenciamento de uma instalação conforme seja ela radioativa ou nuclear. Existem ainda repercussões práticas no tocante à responsabilidade civil, já que a Lei nº 6.453/77, que dispõe sobre a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares e dá outras providências, de importância capital no desenvolvimento deste trabalho, exclui expressamente de seu âmbito de incidência os danos causados por emissões de radiação ionizante quando o fato não constituir acidente nuclear. Cumpre então distinguir, nesse passo, o dano nuclear do dano radioativo, tarefa já bastante facilitada pelo quanto foi exposto no presente tópico.

2.8 Danos nucleares x danos radioativos

O conceito de dano nuclear também é normativo, estando ele vazado no art. 1º, inciso VII, da Lei nº 6.453/77: dano nuclear é ―o dano pessoal ou material produzido como resultado

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direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados‖. A parte inicial do dispositivo deixa entrever que a norma optou pela distinção entre dano pessoal e dano material. Nesse diapasão, o dano pessoal, para os efeitos da lei em comento, pode ser interpretado como aquele experimentado pelo indivíduo em seu próprio corpo, como seria a hipótese de uma queimadura, um corte profundo ou uma intoxicação subsequente à inalação de fumaça radioativa proveniente de uma usina nuclear em pane. Já o dano material, no mesmo contexto, pode ser compreendido como aquele incidente sobre algum bem patrimonial atingido em suas funcionalidades em decorrência do evento deflagrador e que acarreta ônus a seu proprietário em razão da diminuição ou extinção de seu valor comercial. Para ilustrar, poder-se-ia mencionar o abandono compulsório determinado pelas autoridades após o vazamento de material tóxico no entorno de uma central nuclear, como, aliás, ocorreu em Chernobyl. Nessa hipótese, a população evacuada naturalmente sofre um dano material, representado pelas propriedades particulares deixadas para trás que perdem todo o seu valor comercial com desastre de tão nefastas e duradouras consequências no tempo. O dano material aqui esmiuçado, numa visão que se desprenda do individualismo que permeava o labor legislativo de outrora, pode ainda referir-se a um bem patrimonial de titularidade difusa, como seria o caso da contaminação de um rio que abastece determinada cidade com pesados metais radioativos, retirando a potabilidade de sua água e aniquilando os seus préstimos à dessedentação animal e à agricultura. A parte final do dispositivo deixa claro que, para que um determinado dano seja categorizado como nuclear é preciso que os materiais nucleares causadores do evento estejam localizados em instalações nucleares ou que com elas tenham a conexão da procedência ou do destino. O art. 1º, inciso VII, da Lei nº 6.453/77 define ainda acidente nuclear como ―o fato ou sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano nuclear‖. Nessa toada, pode-se afirmar que a explosão de um reator de determinada central nuclear, com o vazamento de nuvens de gases radioativos para a atmosfera, será um acidente nuclear, já que será o fato causador da contaminação atmosférica resultante. O art. 3º do mesmo diploma legal dispõe ainda que ―será também considerado dano nuclear o resultante de acidente nuclear combinado com outras causas, quando não se puderem distinguir os danos não nucleares‖.

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Já o seu art. 16 assim dispõe: ―Não se aplica a presente Lei às hipóteses de dano causado por emissão de radiação ionizante quando o fato não constituir acidente nuclear‖. Percebe-se, pois, da redação transcrita, que o dano causado por emissão de radiação ionizante fora de uma instalação nuclear e sem qualquer conexão de procedência ou destino com alguma instalação nuclear deixa de ser considerado dano nuclear para ser rotulado de dano radioativo, e, bem assim, que ele foi excluído do âmbito de incidência da Lei nº 6.453/77. O conceito de dano radioativo, é bem de ver, não está expresso no plano normativo, mas pode ser obtido por uma leitura a contrario sensu do conceito de dano nuclear. Partindose da premissa que dano nuclear é o dano (pessoal ou material) produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados, por exclusão tem-se que dano radioativo ou radiativo é aquele produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, de sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem fora de uma instalação nuclear e que dela não sejam procedentes ou a ela não sejam enviados. A interpretação sistemática ora exposta é perfeitamente possível, já que se a técnica utilizada para distinguir instalações nucleares de instalações radioativas no Decreto 2.210/97 foi justamente a da exclusão das primeiras para se revelar o conteúdo das últimas. Aqui também, com igual razão, em se tratando da diferenciação entre danos nucleares e radioativos, a mesma lógica pode ser coerentemente aplicada: ubi idem ratio, ibi idem jus. Seria um exemplo de dano radioativo o sofrido por um paciente submetido a exame de tomografia que viesse a receber uma alta dose de radiação em razão de uma pane do aparelho durante a realização de um exame e que, por tal razão, viesse a desenvolver uma doença decorrente da exposição. O discrímen é de suma importância para que seja possível identificar, na prática, de qual modalidade de dano se trata. Com a base conceitual exposta, ninguém teria dificuldades, por exemplo, de afirmar que o infeliz incidente ocorrido em Goiânia em 1987 (do qual se falará com detalhes mais adiante), relacionado a uma cápsula de Césio-137 encontrada nas ruínas de uma clínica, foi um acidente radioativo que produziu danos radioativos e não nucleares. No campo jurídico, a distinção também é de grande influência, já que o ordenamento contempla a responsabilidade civil objetiva, de forma expressa, apenas para os danos nucleares, do que se poderia concluir, sem a devida reflexão ou maturação de ideias, que aos danos radioativos ficaria relegada a responsabilidade civil civilista fundada na culpa.

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Por fim, calha ressaltar que o dano é, ao lado da ação comissiva ou omissiva e do nexo causal, um pressuposto de responsabilização civil. O que poderá suscitar alguma controvérsia, conforme se verá no capítulo próprio, é o regime de responsabilização aplicável, objetivo ou subjetivo, conforme se trate de dano nuclear ou radioativo. Procurar-se-á demonstrar oportunamente que, em qualquer dos casos, a responsabilidade será objetiva.

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3 APLICAÇÕES DA TECNOLOGIA NUCLEAR

Não seria exagero afirmar que se vive hodiernamente em uma era de extraordinária pujança científico-tecnológica2, em que se contabilizam notáveis avanços nas mais diversas partições do saber, traduzidos em potenciais melhorias qualitativas na vida das pessoas, ainda que muitas vezes o fator socioeconômico se coloque como uma barreira para a fruição mesma dessas facilidades de uma forma ampla e generalizada. As descobertas que permitiram o domínio da tecnologia nuclear propiciaram um gigantesco progresso, sendo considerável a gama de finalidades em que ela é empregada atualmente. Chama a atenção o caráter ambivalente que se extrai de suas aplicações: ela tanto é direcionada para diagnosticar com precisão a existência das mais diversas enfermidades e tratá-las com alto grau de sucesso, como também, por outro lado, é dirigida à construção de poderosos arsenais bélicos com grande capacidade de provocar mortes em massa. Aí está o curioso antagonismo produzido pelo próprio homem: o mesmo conhecimento técnico que salva vidas humanas é empregado para aniquilá-las. Nessa ordem de ideias, separam-se claramente os fins bélicos ou militares da tecnologia nuclear, ainda hoje deflagradores de tensões políticas entre Estados, de suas destinações pacíficas, tão corriqueiras na vida das pessoas, das quais se procurará fazer uma breve compilação em seguida. 3.1 Fins bélicos Ao cabo da Segunda Guerra Mundial, o controle da cena política internacional ficou polarizado entre duas superpotências: de um lado, os Estados Unidos, líder do bloco capitalista, e, de outro, a União Soviética, líder do bloco socialista. Embora tenha havido uma

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Há quem discorde. Em conferência magna intitulada ―As mudanças climáticas no olhar de um viajante” realizada na tarde do dia 12/06/2013, no 11º Seminário Meio Ambiente e Cidadania, o economista e navegador Amyr Klink sustentou exatamente o contrário. A seu aviso, nunca se teve tanto conhecimento à disposição como nos dias de hoje, e, ainda assim, o aproveitamento ou aplicação prática desse enorme volume de informações se revela absolutamente deficiente. Para ele, é inconcebível que a técnica demonstre categoricamente, por exemplo, que o modelo de transporte individualista baseado na aquisição de automóveis pelas pessoas continue sendo reproduzido na esmagadora maioria das cidades do globo quando já se sabe com bases científicas incontestáveis que ele conduz ao mais completo caos, ou que os empreendimentos imobiliários continuem tão descompassados com exigências de ordem ambiental, em pleno século XXI. Na verdade, o que aparenta impedir tais avanços não é a consistência dos conhecimentos adquiridos e sim a existência de um sistema capitalista de produção em que frequentemente as boas iniciativas deixam de florescer por não acarretarem retorno do ponto de vista econômico, na forma de lucro.

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união de esforços entre elas para derrotar o expansionismo militar nazista e também uma colaboração mútua nos tratados que selaram o fim do conflito e definiram as bases para uma nova ordem mundial, as divergências ideológicas não tardaram a dar ensejo a um período de intensa tensão política que somente terminaria em 1991, com o desmantelamento do bloco soviético: a Guerra Fria. Embora seja algo a se comemorar que durante todo esse tempo não tenha eclodido nenhuma guerra em que se tenham utilizado armamentos nucleares, lamentavelmente o domínio e aprimoramento da tecnologia nuclear bélica por ambos os lados só foi possível graças a um enorme sacrifício do meio ambiente nos locais onde sucessivos testes ocorreram. Houve repercussões danosas também a milhares de pessoas que sequer sabiam do perigo a que estavam sendo submetidas. A omissão de informações à população era tributada a ―razões ou segredos de Estado‖. Em impactante matéria publicada na Revista Super Interessante, o jornalista Alan Burdick fez uma descrição crua do desrespeito aludido, que foi uma das marcas do lado norteamericano: Mas o programa americano de testes de armas nucleares nunca foi benigno, fato que só se tornou claro em anos recentes, quando vieram a público documentos até então secretos. Nuvens de radiação, tão tóxicas quanto as liberadas pela explosão do reator soviético em Chernobyl, verteram resíduos rosados sobre pontos tão distantes como a Nova Inglaterra, a mais de 2.000 quilômetros, envenenando o leite, matando o gado e afetando moradores ao longo da trajetória. Milhares de soldados, com ordem de realizar manobras ao pé das detonações, foram expostos a debilitadoras doses de radiação, da mesma forma que eletricistas ou encanadores empregados no sítio de teste. Nos anos seguintes, ex-militares, funcionários do sítio de testes e gente da vizinhança foram vítimas de câncer em proporção alarmante. Ao contrário de muitos civis feridos em guerra, essas vítimas da Guerra Fria não foram advertidas sobre as ameaças contra sua saúde. Na verdade, foram submetidas a uma cruel campanha de desinformação. Soldados no sítio de testes receberam informações falsas: ―O sol, e não a bomba, é seu pior inimigo‖. Mulheres que sofriam efeitos do envenenamento pela radiação — perda de cabelo, sérias queimaduras da pele — tiveram alta dos hospitais próximos com diagnósticos de ―neurose‖ ou de ―síndrome de dona-decasa‖. Quando uma moradora da área ameaçada relatou à Comissão de Energia Atômica (AEC em sigla inglesa) que seu filho e vários vizinhos haviam morrido, aparentemente de câncer induzido pela radiação, ouviu seca resposta: ―Vamos manter o senso de proporção sobre a chuva radioativa‖. Quaisquer riscos a que a mulher e seus vizinhos ―pudessem‖ ter sido expostos ―representavam um pequeno sacrifício‖ em nome da dissuasão (ou seja, do fortalecimento bélico do país) (BURDICK, 1993, p. 68-69).

Com efeito, os experimentos foram amplamente realizados em três cidades: Hanford, em Washington, Los Alamos, no Novo México e Oak Ridge, no Tennessee. Todas elas receberam severas doses de radiações, principalmente por meio do despejo de grandes quantidades de resíduos de mercúrio e Césio nas águas dos rios que as circundam, como o Columbia e o Clinch, segundo informa Paulo de Bessa Antunes (2009, p. 874).

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Do lado russo, a cidade de Tcheliabinsk, sede do complexo nuclear da ex-União Soviética, também contabilizou turbações ambientais e a ocorrência de pelo menos três desastres nucleares, também de acordo com Paulo de Bessa Antunes (2009, p. 873). Embora não se tenha encontrado evidências de que tais acontecimentos se deram em razão de testes realizados com fins bélicos, talvez até pelo sigilo que os cercou, é de se supor que tenha havido uma relação de causa e efeito entre eles. Fato é que o domínio da tecnologia nuclear para finalidades de guerra passou então a ser uma obsessão entre nações outras que não os protagonistas Estados Unidos e União Soviética. Foi nesse contexto que Reino Unido, França e China também desenvolveram seus arsenais atômicos e se percebeu que quanto maior o número de Estados que seguissem a mesma trilha, maior seria o estado de tensão a que o mundo estaria submetido. Conforme bem observa Ulrich Beck, A ameaça decorrente da estocagem de armas nucleares com inimaginável força destrutiva inquieta as pessoas em ambos os hemisférios militares e faz com que surja uma comunhão de ameaça, que, no entanto, ainda precisa demonstrar quanta carga é capaz de comportar (BECK, 2011, p. 58).

Nesse contexto, foi então engendrado e assinado o Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares – TNP – em 1968, com o intuito de proibir as nações que ainda não tinham armas nucleares de desenvolverem arsenais do gênero. O documento, que entrou em vigor em março de 1970, dividiu expressamente os países que tinham armas nucleares daqueles que não as possuíam por ocasião de sua assinatura. João Maurício L. Adeodato esclarece que, por trás do discurso da proteção mundial contra os riscos de uma hecatombe nuclear, a verdadeira razão de ser do TNP foi a preocupação das potências que o idealizaram no sentido de manterem o domínio sobre a tecnologia nuclear: O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, o TNP, base da política nuclear das grandes potências, tem raízes históricas na Lei MacMahon, que foi aprovada pelo Congresso Americano em 1946 e impedia a transferência de tecnologia nuclear. A leitura do Tratado mostra claramente, sob o discurso de ―evitar a todo custo os riscos de uma guerra nuclear‖, a preocupação em manter a relação de poder oriunda do domínio exclusivo de uma tecnologia. Além da distinção extremamente problemática entre tecnologia nuclear pacífica e bélica, o Tratado, diferentemente do que o observador bem-intencionado possa pensar, propõe uma não-proliferação apenas horizontal, impedindo a transferência a quem não tem a tecnologia; melhor dizendo, a quem não tinha a tecnologia em 1967. Quem já detinha a tecnologia antes deste ano, porém, não está impedido pelo TNP de aumentar ou aperfeiçoar seu arsenal. Esses Estados privilegiados são os EUA, a URSS, a Grã-Bretanha, a França e a China, justamente aqueles que dispõem do poder de veto na peculiar legislação da ONU (ADEODATO, 1994, p. 71).

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A referência que o autor faz na parte final da transcrição é ao poder de veto que ainda hoje possuem Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China no Conselho de Segurança da ONU. Referido órgão é, ao lado da Assembleia Geral, uma das instâncias decisórias naquela entidade. O poder de veto aludido confere aos cinco países enumerados a faculdade de barrar projetos que não lhes parecerem convenientes, o que constitui carta branca para a imposição de suas vontades no concerto internacional das nações. Essa mesma lógica autoritária foi utilizada na redação do TNP: paradoxalmente, a desigualdade de direitos nele contemplada é tratada como a chave para ―proteger‖ o mundo dos riscos da destruição da civilização que uma guerra nuclear poderia causar. No TNP ainda está previsto que os países signatários não-nucleares consentem em não desenvolver ou adquirir essa espécie de armamento, embora lhes seja lícito pesquisar e desenvolver a energia nuclear para fins pacíficos, desde que devidamente monitorados por inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), sediada na capital austríaca Viena. Antes da retirada da Coréia do Norte, no ano de 2003, o TNP chegou a contabilizar 191 adesões3, número significativo que superou inclusive a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, ratificada por nada menos que 189 (cento e oitenta e nove) países. Conforme pondera José Eli da Veiga, em que pese o fato de alguns países não terem assinado o TNP com o claro intuito de poderem constituir arsenais atômicos próprios, e mesmo não tendo ele sido respeitado na íntegra por alguns outros que o assinaram, ―fato é que foi evitada, até agora, a tragédia de uma guerra nuclear‖ (2011, p. 12). 3

De acordo com o Portal de Notícias do Senado Federal, os países que aderiram ao TNP foram os seguintes: Afeganistão, Albânia, Argélia, Andorra, Angola, Antígua e Barbuda, Argentina, Armênia, Austrália, Áustria, Azerbaijão, Bahamas, Bahrain, Bangladesh, Barbados, Bielorrússia, Bélgica, Belize, Benin, Butão, Bolívia, Bósnia e Herzegovina, Botsuana, Brasil, Brunei, Bulgária, Burkina Faso, Burundi, Camboja, Camarões, Canadá, Cabo Verde, República Centro Africana, Chade, Chile, China, Colômbia, Comores, Congo, Costa Rica, Côte d'Ivoire ou Costa do Marfim, Croácia, Cuba, Chipre, República Checa, Congo, Dinamarca, Djibuti, Dominica, República Dominicana, Equador, Egito, El Salvador, Estados Unidos, Guiné Equatorial, Eritreia, Estônia, Etiópia, Micronésia, Fiji, Finlândia, França, Gabão, Gâmbia, Geórgia, Alemanha, Gana, Grécia, Granada, Guatemala, Guiné, Guiné-Bissau, Guiana, Haiti, Santa Sé, Honduras, Hungria, Islândia, Indonésia, Irã, Iraque, Irlanda, Itália, Jamaica, Japão, Jordânia, Cazaquistão, Quênia, Kiribati, Kuwait, Quirguistão, Laos, Letônia, Líbano, Lesoto, Libéria, Líbia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macedônia, Madagáscar, Malavi, Malásia, Maldivas, Mali, Malta, Ilhas Marshall, Mauritânia, Maurício, México, Moldávia, Mônaco, Mongólia, Montenegro, Marrocos, Moçambique, Mianmar, Namíbia, Nauru, Nepal, Holanda, Nova Zelândia, Nicarágua, Níger, Nigéria, Noruega, Oman, Palau, Panamá, Papua Nova Guiné, Paraguai, Peru, Filipinas, Polônia, Portugal, Catar, Coréia do Sul, Moldávia, Romênia, Rússia, Ruanda, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Samoa, San Marino, São Tomé e Príncipe, Arábia Saudita, Senegal, Sérvia, Seychelles, Serra Leoa, Cingapura, Eslováquia, Eslovênia, Ilhas Salomão, Somália, África do Sul, Espanha, Sri Lanka, Sudão, Suriname, Suazilândia, Suécia, Suíça, Síria, Tajiquistão, Tanzânia, Tailândia, Timor Leste, Togo, Tonga, Trinidad e Tobago, Tunísia, Turquia, Turquemenistão, Tuvalu, Uganda, Ucrânia, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, Uruguai, Uzbequistão, Vanuatu, Venezuela, Vietnã, Iêmen, Zâmbia, Zimbábue.

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Em 1997, o TNP recebeu um Protocolo Adicional que contempla uma autorização expressa à AIEA para inspecionar, mediante aviso prévio, as instalações previstas pelo TNP e também qualquer outro lugar do país vistoriado que seja reputado suspeito de estar sendo empregado em programas nucleares, como usinas ou centros de pesquisa. O Protocolo Adicional prevê, ainda, o amplo acesso da AIEA à tecnologia nuclear utilizada no país, até mesmo aos detalhes dos sistemas de enriquecimento de urânio. O Brasil, obediente que é ao principio da pacificidade que brota de seu texto constitucional, já era signatário do Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe desde 19674, tendo se tornado signatário também do TNP em setembro de 1998. No entanto, ainda não houve sua adesão ao Protocolo Adicional, o que internamente é visto sob duplo enfoque. Como o Brasil é um dos únicos países que possuem reservas de urânio e simultaneamente tecnologia para enriquecê-lo após a extração do referido minério, no que é acompanhado apenas por Estados Unidos e Rússia, a não adesão ao Protocolo Adicional diz com a soberania nacional, impedindo assim que inspetores da AIEA, sob pretexto de fiscalizarem as reservas nacionais, possam na verdade usurpar conhecimentos aqui desenvolvidos e aplicados no processo. Por outro lado, essa postura pode gerar desconfiança no cenário internacional de que a tecnologia nuclear é aqui utilizada também com finalidades militares, podendo resultar inclusive em retaliações e boicotes de natureza diplomática.

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Também conhecido como Tratado de Tlatelolco, em alusão ao bairro da Cidade do México em que se deram as tratativas que resultaram no documento final, o Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e o Caribe nasceu em 1967 e entrou em vigor em 25 de abril de 1969, tendo sido assinado e ratificado por todas as 33 nações da América Latina e do Caribe. O último país a ratificá-lo foi Cuba, em 23 de outubro de 2002. De acordo com João Maurício L. Adeodato, o Brasil foi um de seus principais articuladores (1994, p. 72). Logo no art. 1º do documento, as denominadas partes contratantes comprometem-se a utilizar o material e as instalações que estão sob a sua jurisdição nuclear exclusivamente para fins pacíficos, e bem assim a proibir e impedir em seus respectivos territórios o teste, uso, fabricação, produção ou aquisição, por qualquer meio, de qualquer arma nuclear, por si mesmas, direta ou indiretamente, em nome de outra pessoa ou de qualquer outra forma, e, ainda, o recebimento, armazenamento , instalação, colocação ou qualquer forma de posse de qualquer arma nuclear, direta ou indiretamente, pelas próprias partes, por qualquer pessoa em seu nome ou de qualquer outra forma. O art. 13 do documento trata das salvaguardas, que significam, na definição de Walter T. Álvares em sua obra Introdução ao Direito de Energia Nuclear, ―um sistema de controle destinado a assegurar que quaisquer materiais, equipamentos e artefatos reservados ao emprego em aplicações pacíficas de energia atômica, não sejam utilizados para promover quaisquer fins militares‖. (ÁLVARES, 1975, p. 62). Tal sistema, fundado na necessidade de resguardo do perigo da utilização indevida da tecnologia nuclear, conta com a intermediação da AIEA. É interessante mencionar que no art. 17, consta expressa ressalva de que nenhuma das disposições do tratado deverá prejudicar os direitos das partes contratantes de usar a energia nuclear para fins pacíficos, em particular para o seu desenvolvimento económico e do progresso social. O Tratado de Tlatelolco já foi objeto de dois Protocolos Adicionais: o primeiro submeteu todos os países de fora da América Latina com territórios na região, a exemplo dos Estados Unidos, Reino Unido, França e Holanda, aos estritos termos do tratado, ao passo que o segundo procurou resguardar o status da América Latina e do Caribe de regiões livres de armas nucleares, proibindo os países asumidamente detentores de arsenal atômico de causar qualquer turbação a tal condição, no que obteve sucesso, já que foi assinado e ratificado pelos Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia.

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Na atualidade, com o aprimoramento da técnica, os arsenais atômicos continuam a representar uma grande ameaça, estando ainda mais potentes e letais. No entanto, a eles se somam ―novas‖ 5 tecnologias bélicas igualmente voltadas para a destruição em massa, entre as quais se notabiliza o desenvolvimento de armas químicas e biológicas, mais baratas e, portanto, mais suscetíveis à possessão generalizada. 3.2 Fins pacíficos Os fins pacíficos da tecnologia nuclear, também denominados de usos civis6 - para se contraporem aos usos militares -, são hoje bastante numerosos e de grande importância para a vida em sociedade. O leque de aplicações vai desde a geração de energia elétrica, passando pela medicina, agricultura, indústria etc. Neste tópico procurar-se-á demonstrar algumas dessas funcionalidades com exemplos de usos práticos que pouco a pouco vão se incorporando no dia-a-dia das pessoas de uma forma cada vez mais perceptível. Nesse mister, optou-se ainda por relatar a polêmica relativa a uma dessas funcionalidades, qual seja, a geração termonuclear de energia elétrica, que, a par de suas vantagens, contabiliza também pontos negativos vários, polarizando um debate antigo que se torna mais recorrente sempre que ocorre um acidente em uma instalação do gênero. A investigação dos referidos usos e a exposição da polêmica aludida são necessárias para que se possa bem assimilar as características do novo conflito social de que fala Ulrich Beck, não mais baseado na luta entre classes proprietárias e miseráveis, e sim na abrangência dos riscos que se disseminam de maneira não excludente na sociedade, afetando indistintamente ricos e pobres, em maior ou em menor grau. Para Beck: Reduzido a uma fórmula: a miséria é hierárquica, o smog é democrático. Com a ampliação dos riscos da modernização – com a ameaça à natureza, à saúde, à 5

Em interessante matéria intitulada ―Uma sedução fatal‖, publicada na IstoÉ Independente online, o jornalista Cláudio Camargo esclarece que tais tecnologias não são tão novas. Para ele, a ―utilização militar de substâncias tóxicas letais, de forma generalizada e sistemática, aconteceu pela primeira vez pelas mãos das grandes potências: foi no front europeu durante a Primeira Grande Guerra (1914-18), mais precisamente na batalha de Ypres (França), em 1915, quando os alemães bombardearam as tropas inglesas com gás de cloro. Até o fim daquela carnificina, em 1918, Alemanha, França e Grã-Bretanha usaram em larga escala gases letais, como o fosgênio e o mostarda, principalmente. Quase 70 mil combatentes morreram, fixando no imaginário ocidental aquela apocalíptica imagem de soldados com máscaras contra gases. O impacto foi tão devastador que impediu o uso dessas armas no front da Segunda Guerra Mundial.‖ (CAMARGO, 2001). 6

No Brasil, por força do art. 21, inciso XXIII, alínea ―a‖ da Constituição Federal, ―toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos‖.

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alimentação etc.-, relativizam-se as diferenças e fronteiras sociais. Isto ainda continua a provocar consequências bastante diversas. Objetivamente, porém, os riscos produzem, dentro do seu raio de alcance e entre as pessoas por eles afetadas, um efeito equalizador. Nisto reside justamente sua nova força política. Nesse sentido, sociedades de risco simplesmente não são sociedades de classes; suas situações de ameaça não podem ser concebidas como situações de classe, da mesma forma que seus conflitos não podem ser concebidos como conflitos de classe (BECK, 2011, p. 43).

Com efeito, por mais luxuosa que seja uma casa, por exemplo, por mais bem ornamentados que sejam seus cômodos e por mais numeroso que seja o contingente de empregados a serviço de seu proprietário, nada disso a torna imune à contaminação causada pela explosão do reator de uma usina nuclear que estiver em seu âmbito geográfico de influência. Quando muito, o mais abastado poderá fugir mais rapidamente de seus efeitos nocivos ou deles se proteger com maior sucesso, mas jamais poderá evitar a ocorrência do desastre. Nesse contexto, uma solidariedade derivada da exposição generalizada a perigos comuns aflora como substrato justificador de uma nova abordagem do instituto da responsabilidade civil, agora afinada com a diretiva de que os valores coletivos devem prevalecer sobre aqueles de ordem individual. Feita essa breve introdução, cumpre então adentrar no estudo dos usos pacíficos da tecnologia nuclear propriamente ditos. 3.2.1 Energia nuclear Uma das principais aplicações da tecnologia nuclear é a direcionada à geração de energia elétrica. Considerado o contexto de aumento populacional contínuo experimentado no presente e o consequente aumento da demanda mundial por energia, a geração termonuclear avulta como uma alternativa real, não obstante as grandes polêmicas que suscita. As usinas termonucleares utilizam a energia das reações de fissão nuclear como fonte de calor. Dito calor, por sua vez, é utilizado para gerar vapor de água no reator a fim de movimentar as turbinas, culminando com o acionamento dos geradores de energia elétrica. No cenário mundial, verifica-se que alguns países fizeram investimentos maciços em plantas nucleares, alçando-as à condição de fontes protagonistas em suas matrizes de energia elétrica, ao passo que outros optaram por lhes relegar apenas um papel secundário e complementar, enquanto outros, ainda, sequer recorreram a elas. As razões para a adoção de cada uma dessas políticas são numerosas, elencando-se entre as variáveis mais relevantes as

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relacionadas aos custos envolvidos e à disponibilidade de outras fontes viáveis no território de cada uma dessas nações. No estudo intitulado Plano Nacional de Energia 2030, ou simlesmente PNE-2030, bloco Geração Termonuclear, de 14 de junho de 2006, p. 18, há um gráfico que demonstra a participação da energia nuclear na matriz energética dos maiores produtores de energia nuclear no mundo, em termos percentuais, tendo como base o ano de 2005:

Fonte: IEA (2005)

Em interessante dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de mestre ao Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, intitulada ―Geração Núcleo-Elétrica: Retrospectiva, Situação Atual e Perspectivas Futuras‖, Sara Tânia Mongelli diz que ―em 2005, o número de reatores para geração de eletricidade em operação no mundo era de 441, não muito diferente do número de reatores em 1987‖, que, segundo ela mesma, era de 418 (2006, p. 04). Isso demonstra que após o desastre de Chernobyl, a ser abordado mais adiante, a expansão da energia nuclear no mundo deu-se de forma muito tímida, contrariando as expectativas otimistas das primeiras décadas de implantação dessa fonte de energia na matriz mundial.

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José Goldemberg e Oswaldo Lucon trazem outras estatísticas acerca da geração termonuclear de energia elétrica no mundo e explicam o motivo pelo qual mesmo sendo mais de duas vezes maior que a hidrelétrica, ela acaba contribuindo de forma praticamente igual àquela para a matriz elétrica global ao final: No ano de 2007, cerca de 5,9% da matriz de energia primária mundial provinha de fontes nucleares. Contudo, como a eletricidade de origem nuclear é produzida em usinas térmicas, a energia final produzida é praticamente a mesma que a das hidrelétricas. Isso porque a eficiência do ciclo termelétrico é algo em torno de 30%, enquanto a do hidrelétrico ultrapassa os 90%. Em termos de eletricidade, quase 14% dos 19,8 bilhões de megawatt-hora (MWh) produzidos mundialmente em 2007 vieram da energia nuclear – uma contribuição próxima à da hidreletricidade (GOLDEMBERG; LUCON, 2011, p. 78).

De acordo com o Balanço Energético Nacional do ano de 2012 – BEN –, material publicado anualmente pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE – com a finalidade de apresentar a contabilização relativa à oferta e ao consumo de energia no Brasil, a geração termonuclear contribuiu com 2,7% da Matriz Elétrica Brasileira em 2011, ao passo que a geração hidráulica (incluindo importação) representou 81,9% do total (MME, 2012, p. 31). Como se vê, no Brasil há uma esmagadora predominância da hidroeletricidade, ao passo que, no mundo, esse status cabe ao carvão mineral. Sucede que no Brasil, à revelia da vontade popular, há planos de expansão da planta nuclear existente, assunto que merecerá tratamento em um tópico próprio neste capítulo. Já em âmbito mundial, alguns países decidiram paralisar seus projetos de incremento do parque nuclear, ao passo que outros optaram até mesmo por um abandono paulatino dessa fonte de energia. Trata-se de escolhas políticas bastante complexas que devem ser tomadas com base em ponderações técnicas e com o respaldo da opinião pública para ostentarem um grau mínimo de legitimidade, pelo menos nos países de orientação democrática atualmente, como pretende ser o Brasil. No item a seguir, compilar-se-ão prós e contras dessa polêmica fonte energética, cotejando a argumentação expendida por defensores e opositores. Dado que onde grassa a paixão caminha a irracionalidade, é necessário investigar quais as linhas discursivas que se notabilizam pela isenção, tarefa que exige do intérprete atenção e, sobretudo, apurado senso crítico.

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3.2.1.1 Vantagens e desvantagens

A controvérsia sobre a conveniência da utilização da energia nuclear é bastante acirrada, tendo tomado novo fôlego no cenário pós-Fukushima. Com o objetivo de trazer luzes e serenidade a um debate frequentemente permeado por antagonismos passionais, José Eli da Veiga convidou quatro reconhecidos especialistas da área nuclear para exporem os seus argumentos a favor e contra a utilização desta polêmica fonte de energia, organizando os textos em uma obra de que também participa como coautor com o sugestivo nome de ―Energia nuclear: do anátema ao diálogo‖. Fazem a sua defesa João Roberto Loureiro de Mattos e Leonam dos Santos Guimarães, enquanto os já citados José Goldemberg e Oswaldo dos Santos Lucon advogam a tese de que seus aspectos negativos superam os benefícios que ela proporciona. Procurar-se-á elencar algumas dessas ponderações com recurso não só aos autores aludidos como também a outros igualmente abalizados no tema para, em seguida, fazer-se uma tomada de posição, sem excluir-se a possibilidade de que o leitor chegue a conclusão diversa7. Catalogam-se como vantagens da geração termonuclear o alto suprimento de combustível ainda existente no globo, a baixa emissão de CO2 no processo, credenciando-a como ―energia limpa‖ e evitando a aceleração do aquecimento global, a pouca área necessária para os parques e os depósitos de rejeitos, o baixo risco de acidentes em função de múltiplos sistemas de segurança, a perenidade ou firmeza em contraponto à intermitência ou sazonalidade de outras fontes como a eólica e a solar, entre outras. Luís Paulo Sirvinskas é um defensor das usinas nucleares por considerar que elas emitem pouco CO2, que a nova geração de reatores nucleares é muito mais segura que as anteriores e que o Brasil possui a sexta maior jazida de urânio no planeta (2012, p. 349). Joaquim Francisco de Carvalho objeta que as reservas de minérios nucleares são finitas e ainda que ―a operação de uma central nuclear não provoca emissões de CO2, mas esse é emitido permanentemente em todas as etapas do ciclo de combustível nuclear, da

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Em matéria de tamanha complexidade, seria um tanto quanto pretensioso arvorar-se em guardião da verdade. Aliás, como consabido, não há verdades imutáveis ou definitivas, que se estabelecem e não admitem questionamentos e revisitações. Muito antes, pelo contrário, o progresso mesmo da ciência é todo ele galgado com a superação de arquétipos que, com o passar do tempo, deixam de dar respostas satisfatórias às novas demandas do saber. São as crises dos paradigmas dominantes de Boaventura de Souza Santos, eminente epistemólogo português que trabalha como ninguém as formas e processos de produção de novos conhecimentos na sociedade pós-moderna.

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mineração do óxido de urânio até a fabricação dos elementos combustíveis.‖ (CARVALHO, 2012, p. 295). Na mesma linha, José Goldemberg e Oswaldo dos Santos Lucon alertam para o fato de que o cálculo das emissões deve abranger todo o ciclo do combustível nuclear e não apenas a operação das instalações em si, além dos respectivos descomissionamentos: As usinas nucleares em funcionamento, produzindo eletricidade, praticamente não emitem carbono. Contudo, não se podem esquecer as emissões que ocorrem durante as etapas de mineração do urânio, de preparação e enriquecimento do combustível nuclear a partir de minério de urânio e na futura desmontagem da usina, quando ela concluir sua vida útil. Nessas etapas, são necessárias grandes quantidades de combustível fóssil, gerando consideráveis emissões de gases de efeito estufa (GOLDEMBERG; LUCON, 2011, p. 89).

Quanto à pouca área necessária para os parques, parece haver consenso no sentido de que realmente se trata de uma vantagem competitiva enorme das usinas nucleares. No entanto, no tocante aos depósitos finais de rejeitos, não se pode dizer o mesmo simplesmente porque ainda não há uma solução definitiva para o problema. Já no tocante à segurança das usinas, a própria história é testemunha de que os seus riscos não são negligenciáveis, uma vez que empiricamente já se contabilizam diversos acidentes desde o acionamento do primeiro reator nuclear, alguns bastante marcantes como Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima, assunto que será objeto de um capítulo próprio. Não por outra razão, Ulrich Beck salienta que ―O erro originário a respeito do teor de risco de uma tecnologia reside na desconsideração e subestimação dos riscos nucleares‖ (2011, p. 72). Não se está a duvidar de que as novas gerações de reatores atendem a inúmeras exigências técnicas e tendem, de fato, a se tornarem cada vez mais confiáveis e seguras, mas ainda assim não estão imunes a desastres, mormente aqueles que se originam das imponderáveis forças da natureza. Leonam dos Santos Guimarães e João Roberto Loureiro de Mattos explicam por fim que o fator de capacidade (FC) da energia nuclear, significando a medida de desempenho de uma fonte de energia durante um período, calculada como porcentagem de seu potencial energético total, supera hoje o de qualquer outra fonte (2011, p. 50). Isso se deve principalmente ao fato de que a energia nuclear é considerada uma fonte firme ou perene. Com efeito, a continuidade é uma vantagem irrespondível da energia nuclear, diversamente do caráter de suscetibilidade que grava fontes como a eólica e a solar, totalmente dependentes que são de bons ventos e boa insolação, respectivamente.

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No extremo oposto, inventariam-se como principais desvantagens os altos custos necessários para construir e operar uma usina nuclear, mesmo com o aporte de vultosos subsídios governamentais, o baixo rendimento de energia líquida, a possibilidade real (e não desprezível) de acidentes, confirmada pela história pródiga em desastres dessa natureza, a ausência de solução definitiva e amplamente aceita para o problema dos rejeitos radioativos e para o descomissionamento de velhas usinas, a sujeição a ataques terroristas e a disseminação de conhecimento e tecnologia para a construção de arsenais atômicos. Os aspectos econômicos das centrais nucleares são realmente desfavoráveis8. Thomas Birr, estrategista-chefe de uma das maiores empresas energéticas da Europa, a alemã RWE, disse em entrevista à Agência Deutsche Welle, reproduzida pelo boletim eletrônico Ecodebate de 05 de março de 2013, que A energia nuclear é uma forma muito cara de se produzir energia. Ela possui um período de planejamento, aprovação e construção muito dispendioso. Caso hoje se decida construir, não importa em que lugar do mundo, é preciso no mínimo de 12 a 15 anos para se gerar receita (BIRR apud ECODEBATE, 2013).

Questiona-se também o rendimento líquido da energia nuclear. Ao se considerar todo o processo, desde a mineração de urânio, enriquecimento, transporte, resfriamento das varetas de combustível, descomissionamento das centrais e manutenção dos depósitos de rejeitos sob vigilância por centenas de anos, o resultado poderia ser negativo, a depender da metodologia utilizada. A verdade é que não há dados precisos quanto a tal aspecto, senão apenas conjeturas que serão dimensionadas a maior ou a menor de acordo com o interesse dos atores envolvidos nas projeções. Quanto à sujeição das centrais nucleares a acidentes, remete-se o leitor para o quanto já foi dito em relação ao aspecto de sua segurança no tópico anterior, acrescentando-se que se os reatores mais modernos são melhores que os primitivos nesse quesito – o que não é garantia de imunidade –, ainda há muitos reatores antigos em funcionamento, sobretudo nas antigas repúblicas soviéticas, potencializando assim o risco de novos desastres onde se patenteia a obsolescência. No tocante à armazenagem dos rejeitos de alta radioatividade, passados mais de 50 (cinquenta) anos da instalação das primeiras usinas nucleares no mundo, as pesquisas ainda

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Paulo de Bessa Antunes (2009, p. 881) diz que boa parte da dívida externa brasileira pode ser atribuída, com tranquilidade, à energia nuclear, embasando sua posição em dados do Tribunal de Contas da União.

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não são conclusivas acerca da melhor maneira de fazê-lo. A seguir estão alguns compilados alguns métodos propostos e suas possíveis desvantagens: Enterrar os resíduos profundamente no solo. Essa estratégia favorável está sendo estudada por todos os países que produzem resíduos nucleares e é a opção adotada nos Estados Unidos e em menor ritmo na Finlândia e na Suécia. Lançar os resíduos no espaço ou no sol. Os custos seriam muito altos, e um acidente durante o lançamento – como a explosão da nave espacial Challenger – poderia dispersar altos níveis de resíduos radioativos por grandes áreas da superfície terrestre. Essa estratégia está descartada por enquanto. Enterrar os resíduos sob a calota polar da Antártica ou calota glacial da Groelândia. A estabilidade, em longo prazo, dos lençóis de gelo, é desconhecida. Eles podem ser desestabilizados pelo calor dos resíduos; além disso, recuperar os resíduos seria difícil ou impossível se o método falhasse. Essa estratégia é proibida por lei internacional. Despejar os resíduos nas zonas profundas da crosta terrestre ou no fundo dos oceanos. Os resíduos podem vir a ser expelidos em algum lugar em função da atividade vulcânica e contêineres podem vazar e contaminar o oceano ao serem transportados em direção ao fundo. Além disso, a recuperação seria impossível se o método não funcionasse. Essa estratégia é proibida por lei internacional. Enterrar os resíduos em espessos depósitos de sedimentos no fundo dos oceanos, em áreas que, segundo os testes, permanecem estáveis há 65 milhões de anos. Os contêineres de resíduos seriam corroídos e liberariam conteúdo radioativo. Essa abordagem é proibida por lei internacional. Transformar os resíduos em isótopos inofensivos ou menos nocivos. Atualmente, não há como fazer isso. Mesmo que um método fosse desenvolvido, os custos seriam muito altos e os materiais tóxicos resultantes e os resíduos com baixo nível de radioatividade (mas com vida longa) precisariam ser descartados com segurança (JUNIOR, 2011. p. 343-344).

Nos Estados Unidos, há um projeto antigo de construção de um repositório para armazenar rejeitos de alta radioatividade nas montanhas de Yucca, no Estado de Nevada, a 150 (cento e cinquenta) quilômetros de Las Vegas, com custos vultosos já orçados. Cientistas e ambientalistas têm feito forte oposição, suscitando objeções como o risco de fragmentação das rochas e inundação das águas, o que poderia causar uma grande explosão, bem como a fragilização da segurança nacional. Enquanto o debate é travado, o projeto permanece suspenso. No entanto, é fato notório que os Estados Unidos já enterram rejeitos radioativos no subsolo, como ocorre no Waste Isolation Pilot Plant (WIPP), localizado no Estado do Novo México, desde 1999, conforme noticia José Eli da Veiga (2011, p. 17). O problema, como se vê, está longe de contar com uma solução definitiva. No Brasil, por enquanto, os rejeitos de alta radioatividade estão sendo mantidos em piscinas refrigeradas dentro do próprio complexo de Angra, à espera da construção de um depósito de longo prazo especialmente projetado e construído para esse fim. Chama a atenção que o governo brasileiro pretenda expandir sua planta nuclear, conforme será visto no tópico a seguir, sem que tenha encontrado até agora uma solução definitiva para o problema do lixo atômico de alta radioatividade.

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No que tange à sujeição das centrais a ataques terroristas, há os que afirmam que elas estão preparadas para tanto, como Leonam dos Santos Guimarães e João Roberto Loureiro de Mattos (2011, p. 66), bem como os que colocam tal convicção em dúvida, como José Goldemberg e Oswaldo dos Santos Lucon, que afirmam que atualmente não seria preciso lançar um avião contra as paredes de um reator nuclear, mas tão somente a atuação de outros métodos por terroristas mais sofisticados, como a indução ao erro humano (2011, p. 113). Quanto à disseminação de tecnologia para a construção de arsenais atômicos a partir dos conhecimentos difundidos por meio das centrais nucleares, mais uma vez se coloca em pauta o caráter dual desses saberes, que podem ser aplicados com igual aproveitamento para o bem ou para o mal. Se é verdade que há controle e auditorias sobre os materiais nucleares disponibilizados pelos fornecedores, não há como assegurar que não ocorram desvios. Também aqui, o risco avulta como inarredável protagonista. Confrontando todas essas características, a impressão que fica é a de que a opção pelo uso da energia nuclear na matriz energética de um dado país deve levar em conta as peculiaridades de seu território e a sua demanda interna em dado momento. A avaliação deve focar-se, portanto, na variável geográfica e na temporal. Sendo absolutamente necessário para o funcionamento da economia de determinada nação e não havendo naquele momento nenhuma outra opção ambientalmente menos impactante, cara e arriscada, e somente nessa hipótese, a escolha revelar-se-ia racional. 3.2.1.2 A expansão da planta nuclear brasileira A crescente demanda de ampliação de oferta de energia, resultante de um somatório de fatores entre os quais se notabilizam o crescimento demográfico e a expansão do parque industrial, de um lado, e a falta de planejamento integrado, de outro, que pode ser retratada pelas restrições ao consumo impostas em 2001 e 2002, acenderam o alerta acerca da necessidade de se pensar a política energética nacional em longo prazo. Nesse contexto, foi criada pela Lei nº 10.847, em 15 de março de 2004, a Empresa de Pesquisa Energética – EPE –, vinculada ao Ministério das Minas e Energia – MME –, a fim de conduzir estudos técnicos aprofundados para subsidiar as decisões governamentais, destacando-se, entre seus documentos já produzidos, o já aludido PNE-2030, contendo levantamentos e diretrizes de longo prazo, e os Planos Decenais de Energia – PDEs, elaborados anualmente, contemplando análises e metas a serem alcançadas no horizonte temporal de uma década.

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Além da Usina Nuclear Angra III, que deve ser concluída em 2015, consta nos mencionados documentos que já estão sendo finalizados os estudos para a seleção de sítios propícios à implantação de centrais nucleares nas regiões Sudeste/Centro-Oeste, Sul e Nordeste. Fontes do próprio MME estimam um número de quatro a oito usinas nucleares em funcionamento no parque nacional até o ano de 20309. Coerente com tal planejamento, a Presidenta da República Dilma Rousseff sancionou, em 24 de junho de 2011, a Lei nº 12.431, que, entre outros assuntos, institui o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares (Renuclear), reafirmando a sua intenção de incrementar a geração de energia nuclear no Brasil, na contramão da chamada estratégia de saída adotada por vários países após o desastre de Fukushima, como Bélgica, Espanha, Itália e Alemanha. De acordo com Joaquim Francisco de Carvalho: Na Alemanha, país que detém a tecnologia das usinas de Angra II e Angra III, foram desativadas sete usinas nucleares e o governo já cancelou os planos para a implantação de novas usinas, decidindo, também, que as restantes serão desativadas e descomissionadas até 2022. Atitudes semelhantes são constatadas na Bélgica, na Espanha e na Itália. Cedendo, entretanto, ao lobby da indústria nuclear, as autoridades brasileiras afirmam que o plano de se instalarem outras centrais nucleares além das de Angra dos Reis será integralmente mantido, no que são apoiadas por alguns jornalistas, professores e economistas de valor em suas especialidades – porém leigos em matéria de energia (CARVALHO, 2012, p. 305).

Questiona-se a legitimidade de tal opção política feita pelo governo brasileiro. Na Itália e na Suécia, a política nuclear, pela sua extensão, natureza e gravidade, é submetida a consulta popular, já que a democracia hodiernamente não se satisfaz apenas com as instâncias deliberativas dos representantes eleitos e de corpos burocráticos fiéis aos comandos legais, como bem ensina José Adércio Leite Sampaio (2003, p. 80). Chama atenção, no caso brasileiro, que as escolhas atinentes à política energética não passem pelo crivo da sociedade civil, sendo que os instrumentos de participação existentes, como as consultas públicas feitas em relação aos planos decenais, não asseguram o exercício de uma democracia substantiva, deixando desatendido o princípio da participação tão encarecido pelos ambientalistas. Isso porque as referidas consultas públicas ocorrem com a abertura de prazo pelo Ministério das Minas e Energia para o recebimento, por e-mail, de sugestões de especialistas, acadêmicos e sociedade civil como um todo, algo muito tímido

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Maria Helena Diniz afirma que há planos de usinas atômicas para as cidades de Peruíbe e Iguape (2010, p. 629), mas não foram encontrados dados oficiais confirmando a assertiva.

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para o trato de um assunto tão importante e ainda não discutido com a magnitude desejada. Não por outro motivo é que Paulo de Bessa Antunes observa o seguinte: Ocorre que, desafortunadamente, ainda não atingimos neste País uma estrutura democrática que permita levar a questão nuclear a toda sociedade. A nossa realidade é exatamente inversa, somente pequenos círculos discutem e decidem estas e outras questões fundamentais da vida nacional. Veja-se que isto ocorre, não obstante a existência de uma norma constitucional democratizadora (ANTUNES, 2009, p. 850).

De fato, decisões políticas dessa grandeza não podem ser tomadas no interior dos gabinetes sem levar em conta os clamores e anseios sociais, mormente quando delas resulta a assunção de riscos indesejados, como ocorre quando um governo decide ampliar sua planta nuclear. A crítica do eminente ambientalista é deveras pertinente e remonta à Teoria Discursiva do Direito de Jürgen Habermas, assim comentada pelo constitucionalista Álvaro Ricardo de Souza Cruz: Os direitos à liberdade de expressão e de participação sustentariam o espaço da esfera pública de controlar a legitimidade jurídica por meio de foros permeáveis a uma ampla discussão, na qual, certamente, a racionalidade dos argumentos seria ponto fulcral. Tais ―foros‖ ou ―arenas‖ de discussão far-se-iam presentes tanto na sociedade civil quanto no âmbito do aparato estatal, devendo estar procedimentalmente instaladas para permitir um fluxo organizado de argumentos (CRUZ, 2003, p. 466-467).

O cerne da crítica diz com a ausência de uma estrutura procedimental que somente permitisse a transformação da realidade por meio do discurso democrático. Sem o consenso social, as escolhas governamentais assumem a roupagem da arbitrariedade, mormente quando implicam a assunção de riscos evitáveis. Com base nessas reflexões é que Denise Hammerschmidt sustenta que ―A sociedade, por meio dos mecanismos da democracia participativa, deve ter a possibilidade de assumir ou de excluir determinados riscos‖ (2011, p. 367). Recente pesquisa contratada pela Global Win, por meio do IBOPE, concluiu que 54% dos brasileiros são contrários ao uso de energia atômica para gerar eletricidade no país, dos quais 7 (sete) em cada 10 (dez) são ―totalmente contra‖ e os demais, ―parcialmente contra‖. (2011). A conveniência ou não da manutenção e ampliação desse tipo de energia na matriz brasileira é, deveras, alvo de intensas polêmicas. Patrick Moore (2010), um dos fundadores do Greenpeace, é hoje um entusiasta da energia nuclear, por considerá-la, ao lado da energia hidrelétrica, a tecnologia mais limpa

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existente para produzir eletricidade. Afirma que ―o Brasil tem a rara oportunidade de criar um parque energético baseado nessas duas fontes‖. Já para José Goldemberg (2011), no Brasil ―existe um amplo potencial hidrelétrico a explorar, bem como a possibilidade de cogeração de eletricidade nas usinas de açúcar e álcool‖, além do potencial eólico, o que contraindicaria a realização de investimentos na expansão da planta nuclear. O inglês James Lovelock (2010), pesquisador independente e ambientalista de prestígio na comunidade internacional, a seu turno, defende a energia nuclear como a única forma de conter eficazmente a emissão de gases causadores do efeito estufa, mas entende que ela não é a melhor opção para o Brasil, que pode ampliar sua planta hidrelétrica. Carecem de estudos mais aprofundados e, principalmente, isentos de interesses ocultos, a viabilidade econômica, a segurança e a sustentabilidade da construção de novas usinas nucleares no Brasil, tendo em conta as particularidades de seu território e todas as outras opções existentes. Os subsídios governamentais concedidos pelo ―Renuclear‖, ao sentir de alguns, poderiam ser redirecionados para programas de eficiência energética ou para o incentivo e promoção de energias renováveis como a eólica e a fotovoltaica, considerado o potencial existente. A energia nuclear, na visão de outros, sequer continuaria sendo rotulada de limpa e sustentável, assecuratória do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado referido no caput do art. 225 da Constituição da República de 1988, ao se considerar todo o ciclo do combustível nuclear – mineração de urânio, transporte, enriquecimento, posterior desmontagem da central e processamento e confinamento dos rejeitos radioativos. Não são poucas as dúvidas em torno do tema. O cotejo geral entre vantagens e desvantagens, pelo menos no caso brasileiro, aparenta demonstrar que a construção de novas centrais nucleares não é aconselhável, principalmente pelo fato de existirem outras fontes à disposição no vasto território nacional, mais limpas, mais econômicas e mais seguras. Não se ignora que toda e qualquer fonte de energia possui impacto ambiental. Partindo dessa premissa, a escolha, mesmo de fontes complementares, deve recair prioritariamente sobre a que menor impacto causar entre todas as opções possíveis, conforme já se afirmou. Não parece ser o caso da energia nuclear no Brasil no presente.

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3.2.2 Medicina A medicina se utiliza largamente das possibilidades proporcionadas pelos radioisótopos, tanto para diagnosticar enfermidades (medicina diagnóstica) como para tratálas (medicina terapêutica). O ramo da medicina que lida com a tecnologia em questão, tanto no âmbito diagnóstico quanto terapêutico, é a medicina nuclear10. Para diagnosticar doenças, os radioisótopos são associados a substâncias químicas, formando compostos chamados de radiofármacos. Colocados em contato com o tecido ou órgão do corpo humano pesquisado, eles permitem a identificação de tumores ou mau funcionamento das estruturas avaliadas, por meio de imagens. Existem diversas técnicas de utilização dos radiofármacos com um viés diagnóstico, entre as quais se destaca a cintilografia. Sobre ela, Cínthia Helena Claudino Silvestre et al, em artigo denominado ―A energia nuclear e seus usos na sociedade‖, asseveram que: A cintilografia utiliza a propriedade do radiofármaco de ter um comportamento biológico que é idêntico ao de similares não radioativos, como é o exemplo da concentração de iodo, radioativo ou não, na tireóide. Após o tempo necessário para a fixação do composto no órgão a se pesquisar, imagens são produzidas em câmaras de cintilação ou por outros aparelhos de detecção de radiação. A detecção gera uma imagem, onde os pontos mais claros são aqueles que emitem maior radiação (SILVESTRE et al, 2007).

Outras técnicas utilizadas na medicina diagnóstica e bastante comuns são os aparelhos de raios-X, os de mamografia, os de radiografia dental panorâmica, os de angiografia digital, os de tomografia computadorizada axial (CAT) e os de tomografia por emissão de pósitrons (PET)11. Já no âmbito da medicina nuclear terapêutica, a radioterapia consiste na exposição das células tumorais a radiações, causando a sua morte. Existem duas espécies de radioterapia: a externa, que utiliza uma fonte de radiação com isótopos radioativos (Césio e Cobalto) ou aceleradores lineares emitidos de fora do corpo do paciente, e a braquiterapia, que consiste no

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De acordo com a Eletrobrás, o Brasil não é autossuficiente na produção dos radioisótopos para a medicina nuclear - e importa US$ 32 milhões por ano em Molibdênio 99, a partir do qual se obtém o radiofármaco usado nos exames. (2011, p.127). 11

Como o efeito das radiações recebidas durante esses exames no corpo humano é cumulativo, seria interessante que houvesse uma carteira pessoal de exposição aos radiosótopos, tal como ocorre com os conhecidos cartões de vacinação. A medida poderia ser útil ao profissional da área de saúde na medida em que evitaria pedidos de exames dessa natureza a pessoas que já tivessem recebido doses consideradas significativas, a menos que na hipótese ventilada não existisse outro meio menos gravoso disponível para o diagnóstico visado e ele fosse absolutamente necessário.

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tratamento através da inserção de isótopos radioativos nos tecidos visados dentro do corpo do indivíduo doente, onde então a radiação é administrada. Em ambos os casos as doses ministradas são pré-calculadas para erradicar todas as células tumorais com o menor dano possível às células sãs circunvizinhas, cujo papel na regeneração da área irradiada é imprescindível. A radioterapia pode ainda ser associada a outros métodos terapêuticos, como cirurgia e quimioterapia, para alcançar resultados mais satisfatórios. No extenso território brasileiro há inúmeras clínicas que utilizam equipamentos radiológicos nas aplicações mencionadas. Até um passado recente, a fiscalização exercida, a cargo da CNEN, era absolutamente deficiente. Com o acidente radioativo de Goiânia em 1987, também conhecido como o acidente do Césio-137, do qual se cuidará mais à frente, percebeu-se que era necessária uma remodelagem dos meios de controle exercidos pelo Poder Público sobre essas instalações, momento a partir do qual algumas mudanças passaram a ser implementadas e o sistema foi aprimorado12. 3.2.3 Agricultura A fome é um dos mais graves problemas enfrentados pela humanidade nos dias atuais, colocando-se no mesmo patamar de preocupação que o aquecimento global, talvez por guardarem ambas as aflições em questão a característica inerente da letalidade. De acordo com estatísticas da FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations -, conhecida no Brasil como Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura -, citadas pelo CENA - Centro de Energia Nuclear na Agricultura – (2002), aproximadamente 1 (um) bilhão de pessoas, a maioria residente em países em desenvolvimento, sofrem de desnutrição crônica, enquanto outras milhares sofrem de má nutrição, sazonal ou permanente. A desnutrição de energia protéica faz aproximadamente 13 (treze) milhões de vítimas fatais todos os anos. No entanto, para sanar ou pelo menos mitigar tamanho cenário de desgraça, não basta produzir alimentos em quantidade suficiente para todo esse contingente de famintos. É necessário que haja meios adequados de conservação e distribuição, sem o que o problema mundial só tende a se agravar ainda mais. A conservação de alimentos, com a correlata

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De acordo com o geólogo José Mauro Esteves dos Santos, ―depois do acidente, a CNEN estabeleceu um programa de duas inspeções por ano em instalações dessa natureza, além de intensificar programas de treinamento no país‖. (SANTOS, 1997, p. 57).

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manutenção de suas condições naturais tem sido, assim, objeto de intensa pesquisa nos meios científicos. Podem ser citadas algumas técnicas como a adição de solutos (sal ou açúcar) visando a retenção de água, a defumação, a pasteurização, a esterilização, o congelamento, a refrigeração, a desidratação, a fermentação e o uso de aditivos, e, mais recentemente, a utilização de radiações ionizantes. Segundo ensina Aquilino Senra Martinez, é cada vez mais corrente a utilização da tecnologia atômica na agricultura e na conservação de alimentos, aos quais é direcionada uma quantidade controlada de radiação gama que ―não altera suas propriedades, mas é suficiente para destruir bactérias, fungos e outros microorganismos que causam doenças gastrointestinais e enormes perdas na produção agrícola mundial‖ (2011, p. 28). Ainda segundo o eminente engenheiro, A quantidade de radiação gama utilizada nos alimentos não causa qualquer prejuízo à saúde humana, mas ajuda a minimizar o sério problema da perda por apodrecimento de quase um quarto da produção agrícola. Mais de 40 países aprovaram o uso da radiação, com vistas a preservar quase 50 diferentes tipos de alimentos. A irradiação não torna os alimentos radioativos, tampouco altera suas características, como ocorre com o congelamento e o enlatamento (MARTINEZ, 2011, p. 28).

Na mesma linha, Emico Okuno assevera: Na irradiação de alimentos, promove-se a eliminação de microorganismos, aumentando o tempo de prateleira, pois também inibe-se o brotamento em batatas e cebolas e a infestação de insetos em grãos e cereais. É importante frisar que a radiação utilizada para essas finalidades não deixa radioativos os produtos irradiados (OKUNO, 2011, p. 30).

Como se vê, trata-se de uma aplicação de grande utilidade para a humanidade, não só por seu caráter pacífico, mas sobretudo pelo importante papel que desempenha na luta contra a escassez mundial de alimentos.

3.2.4 Indústria Em interessante material didático intitulado ―Apostila Educativa – Aplicações da Energia Nuclear‖, produzido sob a coordenação de Eliezer de Moura Cardoso pela CNEN, são assim sintetizados os usos da tecnologia nuclear na indústria: A aplicação de radioisótopos mais conhecida na indústria é a radiografia de peças metálicas ou gamagrafia industrial. Gamagrafia é a impressão de radiação gama em um filme fotográfico.

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Os fabricantes de válvulas usam a gamagrafia, na área de Controle da Qualidade, para verificar se há defeitos ou rachaduras no corpo das peças. As empresas de aviação fazem inspeções frequentes nos aviões, para verificar se há ―fadiga‖ nas partes metálicas e soldas essenciais sujeitas a maior esforço (por exemplo, nas asas e nas turbinas) usando a gamagrafia. Para ter-se indicação de nível de um líquido em um tanque, coloca-se uma fonte radiativa em um dos lados e, no lado oposto, um detector ligado a um dispositivo (aparelho) de indicação ou de medição. Quando o líquido alcança a altura da fonte, a maior parte da radiação emitida pela fonte é absorvida por ele e deixa de chegar ao detector, significando que o líquido atingiu aquele nível. O mesmo artifício serve para indicar um nível mínimo de líquido desejado em um tanque. Nesse caso, a fonte e o detector devem ser colocados na posição adequada e, quando o líquido atingir esse ponto, deixará de absorver a radiação, que chegará ao detector com maior intensidade. Em geral, acrescenta-se um sistema de alarme, para soar ao ser atingido esse nível. No caso de indicação de nível máximo ocorrerá o contrário, isto é, a radiação chegará ao detector com menor intensidade. A Indústria Farmacêutica utiliza fontes radioativas de grande porte para esterilizar seringas, luvas cirúrgicas, gaze e material farmacêutico descartável, em geral. Seria praticamente impossível esterilizar, pelos métodos convencionais que necessitam de altas temperaturas, tais materiais, que se deformariam ou se danificariam de tal forma que não poderiam ser mais utilizados (CNEN, p. 12-13).

Aquilino Senra Martinez também discorre sobre as valiosas serventias que os saberes nucleares proporcionam à indústria: A maioria das indústrias utiliza radioisótopos em suas atividades. O processo de irradiação de fios e cabos elétricos melhora suas propriedades térmicas, elétricas e mecânicas. Radiações nucleares também são usadas no controle das espessuras de tecidos e papéis e da qualidade das soldas em estruturas metálicas, na detecção de vazamentos de líquidos poluentes em instalações industriais, bem como no processo de esterilização de diversos tipos de produto, p. ex., seringas e materiais cirúrgicos em geral (MARTINEZ, 2011, p. 28).

Vê-se, portanto, que, no cotidiano, utiliza-se a tecnologia nuclear um sem número de vezes. Um vôo seguro em uma aeronave comercial depende, como visto, de manutenções periódicas realizadas com o auxílio da gamagrafia. A assepsia de uma cirurgia comum também é devedora da tecnologia nuclear, pois os materiais empregados no procedimento são esterilizados com sucesso graças a ela. Enfim, a vida facilitada pelo progresso dos tempos modernos apoia-se fortemente nos referidos saberes, cujas aplicações alcançaram hoje, sem qualquer exagero, o status da mais absoluta imprescindibilidade.

3.3 Atores na área da tecnologia nuclear no Brasil e contornos jurídicos do setor O uso da tecnologia nuclear para fins bélicos é vedado no Brasil, conforme se depreende da leitura a contrario sensu do já mencionado art. 21, inciso XXIII, alínea ―a‖ da

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Constituição Federal de 1988, que dispõe que ―toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos‖. Cumpre indagar então quem são os atores que lidam mais de perto com as suas aplicações pacíficas, abrangendo os aspectos do fomento, controle, fiscalização e desempenho propriamente dito das correlatas atividades. A atribuição de fomentar e controlar as atividades nucleares no Brasil foi inicialmente conferida ao CNPq – Conselho Nacional de Pesquisas pelo art. 5º da Lei nº 1.310/51. Ocorre que, com a edição do Decreto nº 40.110/56, foi criada a CNEN, subtraindo-se do CNPq as atribuições relativas à execução da Política de Energia Nuclear ditada pelo Presidente da República. Com o advento da Lei nº 4.118/62, a CNEN passou a ter a natureza jurídica de autarquia federal e a ser dotada de autonomia administrativa e financeira. Atualmente ela encontra-se vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia e possui competência para atuar na promoção dos usos da energia nuclear, concessão de autorizações e licenças de instalações nucleares e radiativas, regulação das atividades nucleares e fiscalização dos demais agentes atuantes no setor. Conta com as seguintes unidades de pesquisa: Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear – CDTN –; Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste – CRCN –; Instituto de Engenharia Nuclear – IEN –; Instituto de Radioproteção e Dosimetria – IRD –; e Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN. O leque de atribuições da CNEN encontra-se elencado no art. 2º da Lei n° 6.189/74, modificado pela Lei nº 7.781/89. Há autores que enxergam, com razão, impropriedade na acumulação das funções de incentivo ao uso da tecnologia nuclear e de fiscalização nas mãos da CNEN, já que tais atribuições, pelo caráter mutuamente excludente que apresentam, devem se concentrar em órgãos diversos, de acordo com o art. 8º, item 2, da Convenção de Segurança Nuclear 13, que assim dispõe: ―Cada Parte Contratante tomará as medidas apropriadas para assegurar uma efetiva separação entre as funções de órgão regulatório e aquelas de qualquer outro órgão ou organização relacionado com a promoção da energia nuclear‖. Entre eles, perfilam-se Tarcísio Passos Ribeiro Campos e Ana Célia Passos Pereira Campos (2007, p. 419) e Paulo Affonso Leme Machado (2011, p. 963). Este último critica ainda o fato de que a composição colegiada da CNEN, dotada de 5 (cinco) membros, não se submete à aprovação do Congresso Nacional e não permite a participação de entidades científicas de envergadura e representatividade no Brasil e

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O protocolo da Convenção de Segurança Nuclear foi promulgado no Brasil pelo Decreto nº 2.648, de 1º de julho de 1998.

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tampouco a de associações ambientalistas que exercem um importante papel na fiscalização da degradação ambiental (MACHADO, 2011, p. 964). Expostas as críticas acerca do arranjo institucional da CNEN, cumpre assinalar que algumas das atribuições que lhe foram destinadas em lei seriam desempenhadas por sociedades anônimas subsidiárias criadas unicamente para tanto, das quais ela teria participação de 51%. Nesse contexto, foi autorizada a criação da Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear – CBTN – pela Lei nº 5.740/71, posteriormente transformada nas Empresas Nucleares Brasileiras Sociedade Anônima – NUCLEBRÁS - pela Lei nº 6.189/74, com a função de atuar como agente executar da pesquisa e lavra das jazidas de minérios nucleares localizados no território nacional e do comércio dos minérios nucleares e seus concentrados; dos elementos nucleares e seus compostos; dos materiais físseis e férteis, dos radioisótopos artificiais e substanciais e substâncias radioativas das três séries naturais; dos subprodutos nucleares. O art. 5° da Lei n° 5.740/71, com redação dada pelo art. 20 da Lei n° 6.189/74, facultou à NUCLEBRÁS desempenhar suas funções, diretamente ou através de subsidiárias, por convênio com órgãos públicos, por contratos com especialistas e empresas privadas, ou associação com outras entidades, observada a Política Nacional de Energia Nuclear. Por meio de tal permissivo é que foram criadas as sete empresas subsidiárias seguintes: NUCLEP – NUCLEBRÁS Equipamentos Pesados S/A, NUCLAM – NUCLEBRÁS Auxiliar de Mineração S/A, NUCLEN – NUCLEBRÁS Engenharia S/A, NUCLEI – NUCLEBRÁS de Enriquecimento Isotópico S/A, NUCON – NUCLEBRÁS Construtora de Centrais Nucleares S/A, NUCLEMON – NUCLEBRÁS de Monazita e Associados Ltda., e NUSTEP. A NUCLEBRÁS passou a se denominar INB – Indústrias Nucleares do Brasil em 1988, por força do Decreto-lei nº 2.464/1988, ao passo que as subsidiárias, à exceção da NUCLEN e da NUCLEP, foram extintas. As ações da NUCLEN foram transferidas para a ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras em 1989. Em 1997, a NUCLEN passou a se chamar ELETRONUCLEAR – Eletrobrás Termonuclear S/A. Atualmente, a ELETRONUCLEAR tem como objeto social ―a construção e operação de usinas nucleares, a geração, transmissão e comercialização de energia elétrica delas decorrente‖, sendo a responsável, portanto, pelas usinas nucleares de Angra I, II e III. Continuam a existir, outrossim, as INB, sucessoras da NUCLEBRÁS que têm como missão institucional exercer, em nome da União, o monopólio do urânio no País, desenvolvendo as atividades relacionadas ao ciclo do combustível nuclear, que contemplam

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mineração do urânio, beneficiamento primário, produção e montagem dos elementos combustíveis utilizados nos reatores das usinas nucleares. Também continua ativa a NUCLEP, a quem incumbe projetar, desenvolver, fabricar e comercializar componentes pesados relativos a usinas nucleares, bem como equipamentos relacionados à construção naval e offshore, além de outros projetos. Por fim, cumpre destacar que se consideram ainda atores que lidam com a tecnologia nuclear todas as instalações radioativas, a exemplo de clínicas médicas, hospitais, centros de pesquisa e outros. São unidades situadas fora do ciclo do combustível nuclear que também utilizam fontes de radiação e que, como tais, também devem ser controladas e fiscalizadas. Feito esse breve inventário acerca dos atores do universo atômico no Brasil, cumpre tecer algumas notas acerca do contorno jurídico dado a essas atividades. O art. 177, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dispõe que constitui monopólio da União a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas ―b‖ e ―c‖ do inciso XXIII do caput de seu art. 21. A redação do dispositivo a que a norma faz remissão é a seguinte: Art. 21. Compete à União: [...] XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: [...] b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006) c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006) [...] (BRASIL, 1988).

Da redação ora transcrita pode-se concluir que somente existe monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, excepcionadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais e a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas, que podem ser exercidos por particulares sob regime de permissão. Percebe-se, portanto, que não

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se insere no monopólio da União a operação de usinas termonucleares. Nesse sentido são as lúcidas observações de Cláudia Nóbrega de Andrade Amorim: Em relação às instalações nucleares, nem todas as atividades nelas desenvolvidas estão incluídas no regime monopolístico estatal, como por exemplo, a operação de usinas nucleoelétricas. É que a atividade desenvolvida nestas usinas – geração de energia elétrica – não se enquadra no rol de atividades monopolizadas pelo Estado, no setor nuclear, isto é, ―a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados‖. Embora a usina nuclear seja uma instalação na qual há a utilização de material nuclear, trata-se de uma usina termelétrica, assim como a usina a carvão, que se distingue das demais pela utilização de combustível nuclear. Entretanto, a Constituição não relegou ao monopólio a simples utilização do material nuclear, não se podendo interpretar, ampliativamente, o texto constitucional para incluir situações não previstas pelo Constituinte. Nesse sentido, a Lei n° 6.189/74, em seu art. 10, com redação conferida pela Lei n° 7.781/89, determina que a atividade de operação de usinas nucleares será executada em regime de autorização, sujeita à fiscalização da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN e do extinto Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE, hoje substituído pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (AMORIM, 2010, p. 10).

Trata-se, pois, de atividade econômica em sentido estrito que poderá ser desempenhada livremente por empresas concessionárias de energia elétrica em regime de concorrência, desde que devidamente licenciadas para tanto. Se é certo que, atualmente, somente a ELETRONUCLEAR opera usinas nucleares no Brasil, nada impede que as novas usinas contempladas no plano de expansão da planta nuclear brasileira sejam operadas por empresas diversas, inclusive privadas, desde que haja autorização do Congresso Nacional e que localização das centrais seja definida por lei federal, como exigido nos arts. 21, inciso XXIII, alínea ―a‖ e art. 225, § 6°, ambos da Constituição Federal de 1988.

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4 GRANDES ACIDENTES NUCLEARES E RADIOATIVOS NO CURSO DA HISTÓRIA Um dos conceitos de acidente estampados no Dicionário Aurélio é ―acontecimento infeliz, casual ou não, de que resulta ferimento, dano, etc.; desastre‖ (2006, p. 89). Nesse sentido, possui aplicação geral, podendo, entretanto, ser adjetivado para se referir a situações específicas, como ocorre, por exemplo, nas expressões ―acidente aéreo‖, ―acidente automobilístico‖, ―acidente ferroviário‖, ―acidente doméstico‖, ―acidente industrial‖, ―acidente nuclear‖ e ―acidente radioativo‖. O acidente nuclear, como foi visto, é o fato ou sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano nuclear, nos termos do art. 1º, inciso VII, da Lei nº 6.453/77, ao passo que o acidente radioativo, à míngua de uma norma que o conceitue, pode ser entendido como o fato ou sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano radioativo. Para recapitular, o conceito de dano nuclear, de seu turno, também é normativo, encontrando morada no art. 1º, inciso VII, da Lei nº 6.453/77. Já o conceito de dano radioativo se obtém por exclusão: se os danos decorrentes das atividades que se utilizam da tecnologia nuclear não foram nucleares, obrigatoriamente serão danos radioativos, consoante importante diferenciação exposta anteriormente que preparou o terreno para que, neste momento, se exemplifique com casos concretos a ocorrência de uns e outros. Os danos decorrentes de acidentes nucleares e radioativos têm por características o caráter difuso e a dificuldade de valoração, já que é praticamente impossível se aferir até quando e até onde se estendem as sequelas do estrago. É importante que se tenha em mente que existe uma enorme variação na escala de magnitude dos acidentes nucleares ou radioativos, bem como que, quanto maior for a intensidade da ocorrência, tanto maior será a sua repercussão. Isso não torna, absolutamente, os acidentes de pequena monta, não raro abafados pelas autoridades, menos acidentes do que as grandes catástrofes: a diferença aqui é apenas de grau. Nessa esteira de ideias, muitos ignoram que Angra I, por exemplo, já foi alvo de pequenos acidentes nucleares14.

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Particularmente em relação à usina de Angra I, já ocorreram problemas em seus pouco mais de 30 (trinta) anos de funcionamento, sem que a sociedade civil tenha se inteirado deles. Cumpre trazer à baila algumas dessas intercorrências, pela voz de Helita Barreira Custódio (2004, p. 95): ―Partindo da Usina Nuclear de Angra I, para fins energéticos, gravíssimas são as advertências, notadamente de cientistas, técnicos, especialistas, jornalistas da área nuclear, segundo as quais ‗a situação da Usina Nuclear de Angra I é muito mais séria do que se supunha‘, porque, além da ‗quebra do gerador elétrico principal‘, se afirma que ‗a usina sofreu vários vazamentos, até mesmo com perda de água radioativa, e terá de substituir os equipamentos dos geradores de vapor muito antes do

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Sempre que um evento dessa natureza ocorre, questiona-se a eficiência dos instrumentos de governança existentes e provoca-se algum efeito prático visível: seja o aprimoramento dos equipamentos do momento, a reorganização dos órgãos estatais incumbidos do controle e fiscalização, a revisão nos planos de expansão ou mesmo a desistência de implementação de novos empreendimentos tão impregnados do fator risco. Também a eficiência dos planos de emergência (emissão de avisos a outros países, evacuação das pessoas das áreas de risco etc.) é colocada a prova nessas situações, dando ensejo a aperfeiçoamentos caso se constate que eles não funcionaram a contento. Em que pese o fato de já terem ocorrido muitos acidentes nucleares, constatação que se faz lançando-se os olhos sobre o passado, a probabilidade da ocorrência de eventos dessa natureza ainda é tratada como muito pequena pela literatura especializada. Nesse sentido, Roger A. Hinrichs et al afirmam: A técnica para se prever a probabilidade de ocorrência e as consequências de um acidente é chamada de ―avaliação probabilística do risco‖. Ela é utilizada para fornecer uma visão de quais fatores são significativos para a segurança de um reator e quais não são. Para que um reator sofra um acidente grave, muitos elementos essenciais de seu sistema de segurança teriam de falhar simultaneamente. Podemos calcular a probabilidade de tal falha simultânea de muitos componentes (se cada falha for independente de todas as outras) por meio da estimativa da probabilidade de falha de um dos componentes multiplicada pela estimativa de probabilidade de falha de outro componente, e assim por diante. Esse produto de muitas probabilidades pode levar a um número muito pequeno (HINRICHS et al , 2010, p. 556).

No entanto, não é esse o testemunho dado pela história. A seguir, serão referenciados os maiores acidentes nucleares, bem como o mais significativo acidente radioativo, já ocorridos até os dias de hoje, procurando-se elencar as suas principais consequências diretas para o meio ambiente e para as populações diretamente atingidas. No entanto, muitos outros acidentes não mencionados neste capítulo também já ocorreram na curta, porém pródiga, era nuclear, evidenciando, com Ulrich Beck, que ―Não é a falha que produz a catástrofe, mas os sistemas que transformam a humanidade do erro em inconcebíveis forças destrutivas‖ (2011, p. 08). 4.1 Three Mile Island O acidente nuclear de Three Mile Island é tido como o primeiro grande desastre dessa natureza ocorrido na história, notabilizando-se por mostrar ao mundo que a segurança das término do prazo de vida útil especificado no contrato com a Westignhouse‘. [...] Revela-se agora que parte do equipamento de Angra I é sucata de uma usina desativada em Porto Rico‖.

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instalações não era tão primorosa como se imaginava até então. Embora outros acidentes de maior gravidade lhe tenham sucedido, foi o mais expressivo acidente na história da indústria de geração comercial de energia termonuclear norteamericana. Na madrugada do dia 28 de março de 1979, ocorreu um vazamento em uma válvula do sistema de resfriamento do reator nº 2 (dois) da Central Nuclear de Three Mile Island, situada no condado de Dauphin, perto de Harrisburg, no Estado da Pensilvânia, EUA. A partir daí uma sucessão de acontecimentos se desenrolou, felizmente sem o registro imediato de vítimas fatais. Roger A. Hinrichs et al detalham tecnicamente os motivos do desastre: O incidente começou às quatro horas da manhã (com o reator operando em capacidade total), quando uma bomba de água de alimentação parou de funcionar. De acordo com o procedimento, uma bomba auxiliar foi ativada e o reator foi abafado. Porém, a pressão no reator começou a subir porque a remoção de calor nos geradores não tinha a taxa adequada. Para compensar esta situação, uma válvula de escape no vaso do reator foi ativada para liberar um pouco de vapor. Entretanto, essa válvula deixou de fechar quando a pressão retornou ao normal. Além disso, no circuito secundário não havia água de alimentação chegando ao sistema porque uma válvula localizada entre a bomba auxiliar e o gerador estava acidentalmente fechada, e a luz de aviso na sala de controle estava escondida por uma etiqueta. O circuito de refrigeração primário do reator continuou a expelir água e vapor radioativos através da válvula de escape para o interior do edifício de confinamento. O ECCS – Emergency Core Cooling System, ou sistema de refrigeração de emergência do núcleo, foi ativado, mas foi parcialmente fechado pelo operador. Ele só foi totalmente aberto oito minutos mais tarde. A água radioativa do reator continuou a ser despejada no edifício e foi automaticamente bombeada para um edifício auxiliar. O calor do decaimento dos elementos combustíveis continuou a evaporar a água no vaso do reator, levando a danos significativos no núcleo – uma fusão do núcleo do reator. Depois de aproximadamente duas horas, a válvula de escape foi finalmente fechada, mas uma fração significativa do núcleo ficou descoberta. A alta temperatura atingida pelo núcleo antes que o ECCS fosse ativado causou danos nos elementos combustíveis, que liberaram fragmentos de fissão no interior do vaso e do edifício do reator. Nessas elevadas temperaturas, o vapor reagiu com o revestimento de Zircaloy dos elementos combustíveis para formar gás hidrogênio, o que levou à formação de uma bolha de hidrogênio no topo do vaso reator. A bolha permaneceu ali por vários dias, causando uma considerável preocupação dos especialistas nucleares, que temiam que uma explosão do hidrogênio pudesse ocorrer, rompendo o vaso (em retrospecto, hoje sabe-se que este perigo não era tão grande quanto se imaginou). Com certeza, houve uma fusão parcial do núcleo, mas os sistemas de segurança aparentemente funcionaram. Um pouco de gás radioativo foi liberado na atmosfera nos primeiros dias; uma morte adicional por câncer na população em geral é esperada em razão do aumento na dosagem da radiação – estimada em 2 mrem por pessoa. A causa direta do acidente foi determinada como erro do operador. Como consequência do acidente em TMI, muitas modificações foram feitas nos procedimentos e nos treinamentos de operações na indústria nuclear (HINRICHS et al, 2010, p. 549-550).

Já Roger W. Findley não atribui o acidente em questão exclusivamente a uma falha humana, afirmando que a sua deflagração deveu-se, na verdade, a problemas mecânicos: [...] ele começou em decorrência de mau funcionamento mecânico, mas agravou-se pelos erros humanos na resposta ao problema. Embora tal acidente tenha sido o mais

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sério até agora nos Estados Unidos, a quantidade de radiação liberada foi deveras inferior a um por cento daquela expelida por Chernobyl (FINDLEY, 1987, p. 31).

Guilherme José Purvim de Figueiredo traz uma informação interessante sobre a má gestão da crise: ―Somente depois de dois dias do acidente é que as autoridades locais aconselharam a população local à evacuação da área‖ (2011, p. 413). Houve ainda diversidade de enfrentamento do problema pelo governo estadual, que desde o começo afirmava que a situação era grave e que as mulheres grávidas e crianças deveriam abandonar as redondezas da usina, e pelo governo federal, que, em um primeiro momento, relutou em reconhecer a situação de emergência e afirmou que tudo estava sob controle. A postura adotada, no sentido de acobertar ou minimizar riscos de contaminação a que os moradores do entorno da usina estavam sujeitos, típica em situações congêneres, bem como as contradições verificadas nos discursos de autoridades governamentais, acabaram por ocasionar o derretimento da credibilidade das autoridades responsáveis e disseminar o medo15. De acordo com Paulo de Bessa Antunes, as consequências do desastre foram as seguintes: O acidente obrigou a evacuação de 3.170 famílias da região e acarretou a perda do emprego de 636 pessoas. Foi paga uma indenização de 33 milhões de dólares àqueles que foram prejudicados pelo vazamento. Na ocasião do vazamento, não se registraram vítimas fatais (ANTUNES, 2009, p. 874).

Se, por um lado, não houve vítimas fatais no lamentável incidente, o que é motivo de comemoração, por outro, ocorreram grandes perdas financeiras. Não apenas os trabalhadores da usina e os moradores do entorno foram prejudicados, como também os investidores que apostaram naquele empreendimento, duvidando da remotíssima possibilidade de acidentes, experimentaram perdas significativas, conforme aduz G. Tyler Miller Jr. (2011, p. 341): ―Em Three Mile Island, os investidores perderam mais de US$ 1 bilhão em uma hora em equipamentos danificados e reparos; felizmente, não houve perda de vidas humanas‖. Carlos Feu Alvim et al (2007, p. 210-211) colocam em evidência um legado positivo que o acidente de Three Mile Island deixou: o aperfeiçoamento dos reatores do tipo PWR, dos

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Quando o Estado resolve manipular informações e somente dar publicidade aos fatos que lhe convenham em uma situação de emergência como um acidente nuclear, atua como um Estado fantoche, um Estado faz-de-conta, na contramão de um de seus mais importantes objetivos, que é justamente proteger os seus administrados, zelando por suas vidas e integridade física.

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quais já se falou em momento anterior. Segundo eles, não há registros de acidentes que tenham causado danos ambientais significativos com reatores PWR, sendo o de Three Mile Island o mais grave deles, mas, mesmo assim, o incidente levou a indústria nuclear a fazer consideráveis modificações que foram incorporadas na geração seguinte de reatores. 4.2 Chernobyl Na madrugada de 26 de abril de 1986, ocorreu o pior acidente nuclear da história da humanidade. O que era para ser um mero teste no sistema de alimentação automática de combustível dos reatores com o objetivo economizar energia da Central Nuclear Vladimir Ilich Lenin, situada em Pripyat, nordeste da Ucrânia – então pertencente à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – acabou saindo do controle e se transformando em uma grande tragédia. Uma sequência de explosões em um dos reatores (o de número quatro) foi capaz de destruir a barreira de contenção de 1.200 (mil e duzentas) toneladas que o recobria, permitindo, assim, o vazamento de uma enorme nuvem de elementos radioativos que se espalhou rapidamente na atmosfera. Um fluxo fortíssimo de urânio e grafite, em meio a uma chuva de fogo de múltiplas cores, dissipou-se no ar, contaminando uma extensa área da Rússia, de Belarus e da própria Ucrânia. Poucos dias depois, a radiação foi identificada nos céus da Suécia, perto de uma usina nuclear. Passados mais alguns dias, vários outros pontos da Europa também foram atingidos. Nuvens e chuvas tóxicas se espalharam velozmente sobre o sul da Alemanha, norte da Itália, sul da França, Grã-Bretanha, Grécia, contaminando florestas, pastos e plantações e generalizando o medo entre os europeus. A descrição feita por G. Tyler Miller Jr. dá uma boa noção da dimensão da exposição a que se submeteram os moradores daquela região nos dias seguintes: Durante dez dias, nuvens de material radioativo se dispersaram na atmosfera. O ambiente e as pessoas nos arredores foram expostos a níveis de radiação cem vezes maiores que os causados pelas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima, Japão, no final da Segunda Guerra Mundial. Segundo vários estudos da ONU, o desastre, causado por um projeto mal feito do reator e por falha humana, teve consequências devastadores. Pelo menos 31 pessoas nas imediações do acidente morreram de imediato. Mais de meio milhão de pessoas foram expostas a níveis tão perigosos de radioatividade, que poderiam causar a morte prematura de 8 mil a 15 mil pessoas. Mais de 100 mil pessoas tiveram de deixar suas residências. A maioria não tinha sido evacuada até dez dias após o acidente (JUNIOR, 2011, p. 341).

Percebe-se que as autoridades esconderam a gravidade da situação da população local em um primeiro momento para evitar pânico, postura comum nesse tipo de ocorrência. A

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demora para assumir o problema somente aumentou o seu tempo de exposição aos gases radioativos que se alastravam na atmosfera, em mais um lamentável episódio de mau gerenciamento da crise. Quando, finalmente, os habitantes de cidades num raio de 30 (trinta) quilômetros da usina foram declarados refugiados atômicos e compelidos a abandonarem seus lares às pressas, muitos já haviam sido irremediavelmente molestados em sua integridade física. Milhares de pessoas foram arrancadas abruptamente de sua terra natal por causa do inimigo invisível que foi a radioatividade emanada do reator em pane de Pripyat, deixando uma vasta região dizimada, verdadeiras cidades fantasmas. Havia ainda o considerável risco de uma segunda explosão, ainda mais devastadora que a primeira, a reforçar a necessidade do completo abandono da região, em caráter de urgência. A segunda catástrofe somente foi evitada devido a uma intensa mobilização conclamada pelo então presidente Mikhael Gorbachev, que contou com o apoio de cerca de 100.000 (cem mil) militares e 400.000 (quatrocentos mil) civis. A comunhão de esforços foi fundamental para o sucesso da operação. O lixo tóxico foi enfim neutralizado e o reator isolado por um sarcófago de aço, não sem o sacrifício de outro grande número de vidas. A maioria dos sobreviventes, um batalhão de heróis que se arriscaram em prol do bem coletivo, está incapacitada para o trabalho e ainda hoje se trata em hospitais especializados em contaminação radioativa, vivendo de pensões modestas pagas pelo governo. O relato feito pelo jornalista Marcelo Monteiro, em matéria publicada na revista ―Ecologia e Desenvolvimento‖, 10 (dez) anos após o trágico acidente, merece transcrição parcial pela abordagem numérica que contempla acerca das consequências nefastas experimentadas pela população local: O dia do acidente alterou definitivamente a vida de milhares de pessoas, que tiveram que abandonar, de uma hora para outra, locais onde suas famílias residiram, em muitos casos, por gerações, deixando para trás os pertences e as regiões onde tinham suas raízes. O total de evacuados foi de 326 mil, segundo a Conferência de Viena. Um grupo de duas mil pessoas, na maioria idosas, voltou para a área ―proibida‖ – num raio de 30 km em torno da usina -, convivendo hoje com altos índices de radiação sob a ―vista grossa‖ das autoridades ucranianas (MONTEIRO, 1996, p. 07).

Já de acordo com Roger A. Hinrichs et al (200, p. 553), ―aproximadamente 160 mil pessoas foram evacuadas da área vizinha em um raio de 30 km‖. Percebe-se que há algumas divergências gritantes em relação ao número de pessoas evacuadas – o primeiro autor citado menciona 100 (cem) mil, ao passo que o segundo fala em 326 (trezentos e vinte e seis) mil e os últimos em 160 (cento e sessenta) mil.

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Infelizmente a manipulação da contabilidade de vítimas e prejuízos financeiros e à saúde é recorrente nesse tipo de acidente, tanto para mais por parte dos opositores mais ferrenhos à utilização da energia nuclear, quanto para menos por aqueles que a defendem com unhas e dentes. Tal postura desleal acaba por prejudicar o verdadeiro dimensionamento das consequências do evento, bastante útil para a indústria nuclear como um todo e ainda mais para os pools securitários respectivos. No caso de Chernobyl, houve grande manipulação dos números pelo governo russo, já que quanto maiores fossem os números oficiais, maior o encargo que deveria ser suportado no pagamento de pensões e tratamentos médicos às vítimas do infortúnio, onerando pesadamente os cofres públicos. A opção então foi simplesmente contabilizar os casos mais graves, impossíveis de serem negados, e simplesmente ignorar aqueles de menor reverberação, atribuindo-os a causas outras que não a contaminação radioativa. Não se pode deixar de mencionar também alguns efeitos econômicos do acidente. De acordo com Roger A. Hinrichs et al: Durante meses após o acidente, produtos contaminados e laticínios da Europa Ocidental e Oriental foram banidos do mercado. Mesmo as vacas que eram mantidas em ambientes fechados, longe dos pastos contaminados, inalaram material radioativo suficiente para contaminar seu leite. Aproximadamente 30.000 m² de área agrícola foram contaminados. Há ainda uma preocupação com o suprimento de água para milhões de pessoas, em virtude da presença de pequenos sítios onde resíduos radioativos de alto teor foram simplesmente descartados (HINRICHS et al, 2010, p. 553).

O que não é controverso no desastre em exame é que ele teve grandes proporções e demonstrou ao mundo que as chances de ocorrência de acidentes dessa natureza não são tão desprezíveis como se costumava ecoar em alguns fóruns de discussão até então, a despeito de Three Mile Island. Sabe-se que, hoje, centenas de crianças sofrem com os efeitos da radiação de Chernobyl, tais como: cabeças desproporcionalmente agigantadas em relação ao tronco e membros, desproporção entre membros superiores e inferiores, ausência de membros, ausência ou excesso de dedos, entre outras deformidades que são capazes de chocar o mais duro dos corações, para não dizer do preconceito silencioso de que são vítimas no meio social por conta da aparência anômala que ostentam. Há que se ressaltar também que algumas consequências dessa tragédia, notadamente efeitos genéticos tais como as aberrações cromossômicas e mutações gênicas descritas, sequer

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se manifestaram ainda, encontrando-se em um estado de latência, como bem observa Paulo Fernandes Silva: Basta termos em conta que ainda nem sequer nasceram todos os seres humanos afectados por Chernobyl, para surpreendermos a incapacidade operativa, ante tais dimensões de incerteza, do alcance, limites (tanto temporais como espaciais: quando, como e onde acaba um acidente deste tipo?) e mesmo da utilidade de um conceito como o de acidente, bem como da falácia dos princípios industriais de cálculo de riscos e de compensação de perdas e danos (SILVA, 2001, p. 58).

Não se sabe ao certo por quantas dezenas ou centenas de anos os efeitos nefastos de Chernobyl ainda vão perdurar nas gerações futuras. A ciência não pode dar essa resposta ainda; somente o tempo dirá. Tais constatações dizem diretamente com o problema da responsabilidade civil, que tradicionalmente se mostra avessa à indenizabilidade de danos futuros. Despertam reflexões sobre o aparato jurídico de resposta contra um inimigo invisível que age arbitrariamente no curso do tempo e que por muitas vezes tarda a se revelar, colocando em pauta, por exemplo, temas como a imprescritibilidade das correlatas ações reparatórias, remediadora de potencias situações de injustiça. 4.3 Fukushima Foi justamente no Japão, país já bastante castigado no passado com as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, que ocorreu o mais recente acidente nuclear de grandes proporções no mundo. Em março de 2011, quase sete décadas após os trágicos episódios que culminaram com o fim da 2ª Guerra Mundial, os 200 (duzentos) mil moradores do entorno da Central Nuclear de Fukushima I, localizada na cidade de Sendai, ilha de Honshu, se viram em apuros. A sucessão dos acontecimentos ali ocorridos foi assim descrita por Luís Paulo Sirvinskas: No dia 11 de março de 2011, um grande terremoto de magnitude 8,9 na escala Richter, seguido por um tsunami, abalou várias cidades do Japão e causou explosões nos reatores da usina nuclear, denominada Fukushima 1 (com seis reatores), localizada na cidade de Sendai, capital da província de Miyagi, expondo suas radiações a inúmeros cidadãos. Após as explosões, ocorreram danos nos núcleos dos reatores 1, 2, 3 e 4. Os reatores 4, 5 e 6 estavam desligados por ocasião do terremoto. Já o reator 3 funciona com combustível denominado MOX (uma mistura de óxido de urânio e plutônio) que é muito mais radioativo do que o urânio. Essa fissão produz outras substâncias químicas, tais como o césio-137, iodo-131 etc. Há suspeitas ainda de rachaduras na estrutura de contenção dos reatores 2 e 3. As radiações perto da usina chegaram a 8,2 sieverts (medida de intensidade radioativa) e correspondem ao triplo a que alguém pode se exposto por ano. O terremoto cortou a energia da usina, interrompendo o sistema que esfria os reatores. O sistema de emergência começou a operar, mas foi danificado. Houve superaquecimento dos reatores, o que provocou as explosões. Especialistas dizem que ocorreu falha no sistema de resfriamento e o receio é de que haja derretimento parcial do combustível

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nos reatores atingidos, ocasionando novas explosões e o vazamento das radiações em maior quantidade. O terremoto pode ter abalado o eixo dos geradores e deu início ao incêndio. Por isso, foi necessário fazer um resfriamento forçado dos geradores (SIRVINKAS, 2012, p. 347-348).

Os danos ambientais decorrentes desse evento foram rapidamente sentidos: além das densas nuvens tóxicas de gases radioativos lançadas na atmosfera, as águas marítimas do entorno da usina ficaram contaminadas, assim como as algas, cardumes e demais espécies integrantes da fauna marinha, colocando sob risco todos aqueles que dependiam desses recursos para sobreviverem. Com efeito, vários itens que compõem a alimentação do japonês, como peixes, arroz, javalis e vacas receberam consideráveis doses de radioatividade e por isso tornaram-se impróprios para o consumo humano, caracterizando danos ambientais de grandes proporções. Pescadores, agricultores e pecuaristas se viram em situação de ruína da noite para o dia, já que as atividades a que se dedicavam foram diretamente afetadas pela contaminação radioativa. Como não poderia deixar de ser, seus produtos passaram a ser boicotados no mercado internacional, a exemplo da restrição de importação de gêneros alimentícios japoneses imposta em Cingapura, e no próprio mercado interno, o que levou muitos deles a abandonarem seus empreendimentos. Também os japoneses, estigmatizados pelo evento catastrófico, passaram a ser submetidos a testes de níveis de radiação em países da Ásia antes de serem admitidos em seus territórios. A situação se torna ainda mais aguda quando se tem em mira que os impactos referidos não se restringiram ao espaço geográfico em que o infortúnio ocorreu. Também de acordo com Luís Paulo Sirvinskas, O governo dos Estados Unidos detectou, no dia 18 de março de 2011, a presença de ‗minúsculas‘ quantidades de radiação na cidade de Sacramento, na Califórnia. Esta cidade fica a mais de 8.000 quilômetros de Fukushima. Apesar de as radiações não serem nocivas, dá pra imaginar o alcance de suas eventuais consequências (SIRVINKAS, 2012, p. 349).

A problemática que desponta desses dados diz com o caráter transfronteiriço de determinados danos, cujo tratamento jurídico se dá no âmbito do Direito Ambiental Internacional. São deveras intrigantes os mecanismos de composição de conflitos dessa natureza, em geral remetidos a tratados e convenções que vinculam os Estados signatários. Deles não se cuidará neste trabalho para que não sejam ultrapassados os estritos limites a que se propôs a pesquisa, voltada apenas para a análise do direito brasileiro, conforme se enuncia no título. Não se poderia, no entanto, deixar de fazer uma breve alusão a eles, já que se trata

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de um tema sempre atual, cada vez mais presente numa sociedade que vive premida pelos mais diversos riscos advindos do progresso científico-tecnológico experimentado diariamente. O maior legado do acidente nuclear de Fukushima, vale ponderar, foi renovar um intenso debate sobre a conveniência da manutenção e da expansão das plantas nucleares nos países que as têm como fonte componente de suas matrizes energéticas, instando-os a reavaliarem o seu custo-benefício. Na Alemanha, país com forte tradição nuclear e crescente oposição interna a tal fonte de energia, a catástrofe não demorou a repercutir. De acordo com o jornalista Fred Leal, A chanceler do país europeu, Angela Merkel, anunciou na segunda-feira 14 – depois de uma série de manifestações populares – uma moratória nas políticas prónucleares no país, efetivamente impondo revisões de segurança nas usinas alemãs. Um dia depois, Angela paralisou o funcionamento de sete delas, provocando reações indignadas dentro de seu próprio partido, que tem viés conservador. É o primeiro sinal de que o acidente no Japão deve gerar uma queda significativa no uso de uma tecnologia que sempre assombrou o mundo por conta de seu potencial e das catástrofes ligadas a ela (LEAL, 2011, p. 74-75).

Já na Itália, houve suspensão dos planos para a construção de novas fábricas, da mesma forma que na Espanha e Bélgica, como já se disse, postura que está sendo vista como uma estratégia de saída ou abandono gradual dessa polêmica fonte de energia, ao passo que a Grã-Bretanha e a França pretendem manter suas plantas inalteradas. No Brasil, muito embora a dotação de recursos energéticos disponíveis permita também a adoção de uma estratégia de saída, aproveitando-se os potenciais hidráulicos remanescentes, os ventos abundantes, a ampla oferta de biomassa, mormente de bagaço de cana, e até mesmo a opção da geração fotovoltaica, conectada à rede de distribuição, não houve qualquer revisão no já mencionado plano de expansão da planta nuclear. Como já se disse alhures, a insistência no incremento quantitativo dessa perigosa fonte ressente-se de respaldo popular, razão pela qual não se legitima como uma opção feita pelos brasileiros. Os rumos da política energética brasileira, historicamente, têm sido definidos de forma impositiva, cenário que não se alterou com a transição do regime ditatorial para o democrático. Curiosamente, no entanto, em nenhuma das difusas manifestações populares realizadas nas ruas em junho de 2013, em diversas cidades em todo o país, foi levantada a bandeira anti-nuclear. Espera-se que não seja necessária a ocorrência de um acidente tão grave como o de Fukushima para que a sociedade civil se mobilize e exija, no mínimo, que seja consultada (substancial e não apenas formalmente) sobre assuntos dessa relevância previamente às deliberações tomadas em gabinete.

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4.4 Goiânia Abandono de material de alta periculosidade, ausência de fiscalização, ignorância e a inquietante necessidade que tem o ser humano de desvendar o desconhecido. Foram esses os ingredientes que, somados, resultaram no acidente de Goiânia, também conhecido como o caso do Césio-137, o maior acidente radioativo já registrado no mundo até hoje. A sucessão de fatos que culminou no lamentável episódio foi assim descrita por Guilherme José Purvim de Figueiredo: Em 13 de setembro de 1987, a cidade de Goiânia, no Brasil, é que seria palco de novo acidente, desta feita envolvendo contaminação radioativa decorrente do descarte a céu aberto pelo Instituto Goiano de Radioterapia de equipamento utilizado em radioterapia. Catadores de sucata, acreditando tratar-se de material inofensivo, desmontaram o aparelho para retirada do chumbo que, como se veio a saber, revestia cápsula contendo substância química altamente radioativa (cloreto de césio 137). Somente dezesseis dias mais tarde é que as autoridades alertaram a população sobre a contaminação radioativa. As duas primeiras vítimas faleceram quarenta dias depois do acidente. Calcula-se que mais de 110 mil pessoas foram expostas aos efeitos da substância radioativa (FIGUEIREDO, 2011, p. 414).

Note-se que, enquanto nos acidentes nucleares de Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima, a contaminação se deu pela propagação de nuvens tóxicas de gases na atmosfera, no acidente radioativo de Goiânia o problema se circunscreveu à dispersão de Césio-137 (isótopo radioativo artificial do Césio) em pó, ou seja, na forma sólida. Disso decorre que o âmbito espacial de sua ocorrência não só foi significativamente menor que o daqueles eventos, como também que foi possível delimitar com maior acerto os pontos em que a ação do material radioativo se estendeu, possibilitando assim maior sucesso nas medidas de resposta adotadas. Os efeitos da contaminação se fizeram sentir imediatamente nas pessoas que tiveram contato direto com o material após a violação da cápsula, que foram as que o manusearam. Alguns ainda transportaram o material em ônibus, enquanto outros guardaram pequenas porções. Também as pessoas que trabalharam na contenção do acidente, muitas das quais sequer sabiam dos riscos a que estavam sendo expostas, foram contaminadas. Por onde o pó radioativo passou, deixou seu rastro maligno, com o favor da ignorância quase generalizada da população até então sobre as suas deletérias consequências. A exposição radiológica causou danos físicos que provocaram a morte de quatro pessoas e atingiu, direta ou indiretamente, outras centenas.

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Outra descrição do acidente, digna de menção pelo maior grau de detalhamento que contempla, foi feita em matéria publicada na revista Ciência Hoje, dez anos após o evento, assinada pela jornalista Maria Ignez Duque Estrada: Foi nesse dia, há dez anos, que os catadores Wagner Mota Pereira e Roberto Santos Alves descobriram, nas ruínas de uma clínica, um pequeno cilindro de metal que despertou sua curiosidade. A muito custo conseguiram arrebentá-lo. Dentro do cilindro havia uma pedra e um pó luminescente. Eram 19 gramas de césio-137, elemento altamente radioativo que, uma vez liberado, espalhou o medo e a morte num bairro pobre da cidade. Lá moravam as vítimas de um acidente que mostrou ao país a negligência da fiscalização sanitária e a falta de informação pública sobre tecnologias de uso corriqueiro. Entre a retirada da bomba da clínica abandonada e a descoberta do fato pelas autoridades, dezenas de moradores de Goiânia conviveram com um material cuja periculosidade desconheciam. Atraídos pela cintilação do césio, adultos e crianças o manipularam e distribuíram entre parentes e amigos, que se transformaram involuntariamente em personagens centrais de um enredo infeliz. O saldo dessa experiência foi a morte de quatro pessoas, a mutilação de outra e a contaminação, em maior ou menor grau, de 200 (ESTRADA, 1997, p. 52).

Mais uma vez, chama a atenção o fato de que o aviso à população tenha ocorrido tardiamente – dezesseis dias após, mais precisamente –, aumentando assim a sua exposição à contaminação radioativa, tão nefasta para a saúde humana. Somente após o reconhecimento formal do grave problema é que começou a mobilização de batalhões de técnicos para evitar o alastramento da contaminação. Diversas casas foram isoladas e ruas inteiras tiveram que ser interditadas, impedindo a circulação de pedestres e motoristas. Os focos principais foram sendo paulatinamente descontaminados por meio da remoção de grandes quantidades de solo contendo fragmentos do material e da demolição de construções igualmente atingidas. Filas enormes de pessoas se formaram para fazer o teste do teor de radiação. Àqueles que tiveram detectadas doses superiores às aceitáveis no corpo, foi ministrado um quelante denominado ―azul da Prússia‖, que é uma substância destinada à expulsão de partículas de Césio do organismo por meio da urina e das fezes. Como decorrência natural da disseminação da contaminação por meio de uma teia de relações pessoais, os produtos provenientes não só de Goiânia como de todo o Estado de Goiás passaram a ser boicotados no cenário nacional, além da discriminação a que os seus residentes passaram a se submeter. Nesse sentido é o relato de Tânia Mara Alves Barbosa, em rica dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Economia de Lisboa, intitulada ―A resposta a acidentes tecnológicos: o caso do acidente radioativo em Goiânia‖: Mas a discriminação não era apenas pessoal e local, tornou-se nacional, através do boicote às compras de mercadorias provenientes de Goiás e da dificuldade na deslocação de pessoas para outros locais, tanto no Brasil como para o exterior, tendo

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alguns países, como a Itália, exigido atestado de não contaminação radioativa para pessoas oriundas de Goiânia (BARBOSA, 2009, p. 48).

Evidentemente, o aludido boicote gerou incalculáveis prejuízos à economia goianiense e também à goiana como um todo, com repercussões em série: demissões, falências etc. A remoção de todo o material contaminado com o Césio-137 rendeu alguns milhares de toneladas de lixo radioativo, posteriormente acondicionados em um depósito construído na cidade de Abadia de Goiás, a 23 (vinte e três) quilômetros de Goiânia, local onde se estima que deva permanecer por cerca de 150 (cento e cinquenta) anos, aos cuidados da CNEN. Somente após o transcurso desse elástico lapso temporal é que tais rejeitos deixarão de representar uma ameaça ao meio ambiente e à integridade física das pessoas. O problema dos depósitos de rejeitos radioativos no Brasil acabaria por merecer a atenção do legislador, tendo posteriormente a Lei nº 10.308, de 20 de novembro de 2001, disposto sobre eles, conforme se verá no Capítulo 8 deste trabalho. O que ficou claro nesse dorido acontecimento é que houve falhas gritantes na fiscalização que o Poder Público deveria ter exercido antes de sua eclosão. Como costuma acontecer em eventos catastróficos de grande apelo popular, os atores envolvidos na trama procuraram esquivar-se de seus compromissos legais, éticos e morais, atribuindo-se mutuamente os deveres jurídicos que nela nasceram. Em interessante artigo intitulado ―De quem é a culpa?‖, Iêda Rubens Costa faz uma análise de matérias jornalísticas reunidas sobre o acidente de Goiânia para demonstrar a enorme dificuldade enfrentada para definir responsabilidades. Segundo ela, no discurso das pessoas enredadas, verificou-se um verdadeiro ―jogo de empurra‖ entre os representantes da CNEN e do Instituto Goiano de Radioterapia-IGR (2003). No âmbito do Estado de Goiás, foi sancionada a Lei Estadual nº 10.977/89, que dispõe sobre concessão de pensões especiais às vítimas do acidente radioativo de Goiânia e dá outras providências. Após muita discussão, finalmente também no âmbito da União foi sancionada a Lei nº 9.425/96, dispondo sobre a concessão de pensão especial às vítimas do acidente radioativo de Goiânia, equivocadamente chamado de acidente nuclear em sua ementa. Desses diplomas legislativos já despontava entendimento que os tribunais viriam a consolidar mais tarde, relativo à solidariedade entre a União e o Estado de Goiás na responsabilização pelo acidente em questão, uma vez que ambas concorreram para a sua eclosão, cada um a seu modo. O acidente de Goiânia é riquíssimo para o estudo proposto neste trabalho, já que contempla diversos desdobramentos na temática da responsabilidade civil que serão alvo de

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maior aprofundamento no capítulo próprio, como o relativo à omissão estatal no seu dever de controlar e fiscalizar as atividades radioativas e bem assim o atinente à conduta administrativa que determinou a alguns particulares o abandono definitivo de suas casas em razão da contaminação16. Nesse mister, serão analisadas as abordagens dadas pela jurisprudência ao caso, perscrutando-se méritos ou desacertos da fundamentação jurídica que amparou as decisões respectivas, enfocando-a sob o feixe das luzes solidárias dos novos tempos. Por ora, é importante apenas repisar que se cuida de acidente radioativo (e não nuclear) que teve o mérito de provocar uma série de questionamentos inéditos na cultura jurídica brasileira até aquele momento, desde a definição de quem deve exercer o poder de polícia sobre as atividades em questão até o regime de responsabilização aplicável.

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De acordo com Tania Mara Alves Barbosa, ―no tocante à radiação, foram contaminadas cerca de 46 residências. Algumas foram totalmente demolidas e transformadas em rejeitos radioativos, outras foram contempladas com o processo de descontaminação, que foi realizado através de remoção de piso e de revestimento e da tentativa de descontaminação de objetos móveis por procedimento químico ou abrasivo. A contaminação estava presente em partes como piso, parede, portas, roupas, mobílias, eletrodomésticos, objetos de uso pessoal e, na área externa às residências, em porções contaminadas de solo – tanto na área residencial como também em áreas públicas‖. (BARBOSA, 2009, p. 71).

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5 TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL É interessante notar que o fenômeno atômico, dotado de caráter nitidamente transdisciplinar, espraia seus efeitos nas mais diversas áreas do saber, entre as quais se destaca o Direito. A ciência jurídica, por sua vez, o capta normativamente em diferentes estratos, como no Direito Internacional Público, no âmbito do qual vicejam tratados atômicos sobre assuntos tão diversos como a responsabilidade civil por danos nucleares e a não proliferação de arsenais dessa natureza. O Direito Constitucional, já no âmbito interno, também não lhe é indiferente: a ele se reporta ao tratar das repartições de competências entre os entes federativos, tanto administrativas quanto legislativas, aos princípios aplicáveis às atividades de tal espécie, entre outras menções. O Direito Administrativo também não se furta de regular alguns aspectos de tema de tão relevante envergadura: cuida dos procedimentos de licenciamento das atividades nucleares e radioativas, incumbindo-se também da fiscalização de tais empreendimentos com o intuito de velar pela segurança coletiva. O Direito Penal também comparece ao coquetel: tipifica em lei específica condutas potencialmente lesivas à saúde humana e ao meio ambiente que são engendradas no exercício de atividades daquela natureza. O Direito Civil, por sua vez, dele cuida ao prever mecanismos de reparação de danos oriundos do manejo da tecnologia nuclear. Como se pode perceber desse rápido recorte transversal, a temática nuclear é deveras bastante espargida nos mais variados ramos do Direito17. Não é intenção deste trabalho aprofundar em cada uma dessas ramificações, mas apenas naquelas que guardem pertinência, direta ou indireta, com o assunto central eleito para a pesquisa, anunciado logo em seu título.

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Para Walter T Álvares, todas as relações jurídicas decorrentes do fenômico atômico mencionadas acima poderiam ser agrupadas em um bloco que se poderia chamar de Direito Nuclear ou Direito Atômico. Para ele, a energia nuclear e tudo o que ela causa ou motiva ―é tema de Direito Atômico, ainda que, metodologicamente, o objeto do Direito Atômico seja o fato nuclear revelado através da energia nuclear e a tecnologia de fissão e fusão nucleares, trabalhando sobre elementos nucleares, mediante reatores e outros equipamentos específicos‖. (ÁLVARES, 1975, p. 74).

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Com tais considerações, cumpre destacar que, nesta altura do trabalho, já foram esmiuçados os conceitos indispensáveis para a compreensão da tecnologia nuclear, bem como as suas diversas aplicações, tanto bélicas como pacíficas. Foram examinados também alguns dos mais importantes acidentes nucleares e o mais importante acidente radioativo já ocorridos na história mundial, de modo que se preparou terreno, de forma lógica e ordenada, para tratar-se da responsabilidade civil por danos nucleares e radioativos, e bem assim, pelos danos causados pelos respectivos rejeitos produzidos em todas as aplicações possíveis da tecnologia. No entanto, não se poderia adentrar nesses temas sem antes fazer uma abordagem introdutória acerca da responsabilidade civil, contemplando seu conceito, funções, dimensões, espécies, classificações, requisitos e excludentes, sendo este o propósito do presente capítulo. Trata-se, em suma, de uma verdadeira ponte entre os temas tratados nos Capítulos 2, 3 e 4 com os que serão objeto dos Capítulos 6, 7 e 8. 5.1 Conceito, classificações, funções e dimensões da responsabilidade civil De início, é importante gizar que a temática da responsabilidade civil é uma das mais ricas da ciência jurídica, contando com inúmeras obras já produzidas e muitas páginas em branco ainda a preencher, tamanha é a sua interface com o dinamismo que a realidade apresenta. Desse traço deflui a exigência de sua contínua oxigenação, não só por meio de inovações legislativas, como também pelas valiosas atualizações interpretativas feitas pela doutrina e pela jurisprudência. Maria Helena Diniz (2010, p. 33) ensina que, etimologicamente, ―O vocábulo ‗responsabilidade‘ é oriundo do verbo latino respondere, designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo‖. A responsabilidade civil ocupa destacada posição no mundo jurídico por traduzir com perfeição a ideia de justiça, já que se assenta na premissa de que, se alguém causar um dano a outrem, deverá reparar integralmente os prejuízos causados. José Carlos Van Cleef de Almeida Santos e Luís de Carvalho Cascaldi assim a conceituam: Define-se a responsabilidade civil como sendo a obrigação de reparar os danos materiais e morais que alguém, direta ou indiretamente, causar a outrem ou pela qual responda em razão de lei ou contrato. Consiste, portanto, no dever de, na medida do possível, tornar indene (sem dano – daí a ideia de indenizar) os prejuízos acarretados por determinado fato jurídico (SANTOS; CASCALDI, 2011, p. 297).

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No plano legal, esboça-se um conceito de responsabilidade civil, ainda que incompleto, na letra do art. 186 do Código Civil: ―Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito‖. O conceito em questão afina-se com a responsabilidade subjetiva, mas deixa de fora sua manifestação objetiva, tratada no art. 927 do mesmo estatuto. A responsabilidade pode ser classificada em subjetiva quando a demonstração da culpa em sentido lato for necessária para fazer nascer a obrigação de reparar o dano, ao passo que ela é tida como objetiva quando se prescinde da demonstração daquela, caso em que seu fundamento passa a ser o risco. Noutro giro, reputa-se contratual a responsabilidade quando ela for derivada do descumprimento de uma obrigação contratual, ao passo que ela é considerada extracontratual quando o agente infringir apenas um dever legal, inexistindo vínculo entre vítima e causador do dano, ou mesmo quando não infringir dever algum, mas, ainda assim, em razão da periculosidade da atividade desenvolvida, causar danos a terceiros. A responsabilidade extracontratual pode decorrer tanto de atos ilícitos, o que é a regra, como do exercício lícito de atividades perigosas, hipótese em que o fundamento será o risco. As aplicações pacíficas da tecnologia nuclear, diga-se de passagem, são lícitas, mas perigosas, razão pela qual os correlatos regimes de responsabilização civil assentam-se fundamentalmente no risco. É importante ressaltar que a principal função da responsabilidade civil é proporcionar o retorno das situações onde aflora o dano ao estado anterior à sua ocorrência, o status quo ante. No entanto, há casos em que não há como se ressarcir a vítima devido à impossibilidade de se desfazer o dano: nessas hipóteses, a responsabilidade civil terá por função a de compensá-la com um bem correspondente, geralmente uma soma em dinheiro. Há ainda um terceiro viés trabalhado modernamente pela doutrina, além do ressarcitório e do compensatório: o punitivo (punitive damages), que diz respeito ao acréscimo de uma soma ao quantum indenizatório com o objetivo de desestimular o ofensor a incidir na mesma conduta novamente e de servir como exemplo no meio social para que outros também sejam desencorajados a seguir a mesma trilha de ilicitude. Essa função punitiva tem sido alvo de atenção da jurisprudência nos dias atuais, que a vem aplicando cada vez mais, não obstante a ausência de previsão legal. Fala-se ainda em dimensões da responsabilidade civil, apontando-se a repressiva como aquela que se verifica após a ocorrência do dano, mediante o ressarcimento ou a compensação

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da lesão, e a preventiva como aquela que pretende evitar a própria ocorrência do dano, sendo, por tal razão, preferível em relação à primeira.

5.2 Pressupostos da responsabilidade civil

Não há uniformidade doutrinária a respeito dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil. Sendo díspares as posições a respeito do assunto, este trabalho se apropriará dos ensinamentos de Maria Helena Diniz, para quem tais requisitos são a ação, o dano e o nexo de causalidade (2010, p. 37-38). Nesse diapasão, passa-se a analisar cada um deles, a seguir.

5.2.1 Ação

A ação representa uma conduta humana voltada à concretização de um fim determinado. Disso decorre que os animais não são capazes de conduta, mas tão somente de comportamentos. A ação é o primeiro pressuposto da responsabilidade civil e possui algumas classificações didáticas muito importantes que não podem ser sonegadas. Pode-se rotulá-la de comissiva ou omissiva, própria ou de terceiros, por culpa ou por risco, a depender do caso. Acerca da primeira diferenciação (conduta comissiva ou omissiva), pontua Maria Helena Diniz (2010, p. 40): ―A comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se‖. No tocante à distinção entre conduta própria ou de terceiros, lúcidos são os apontamentos de Sérgio Cavalieri Filho: De regra, só responde pelo fato aquele que lhe dá causa, por conduta própria. É a responsabilidade direta, por fato próprio, cuja justificativa está no próprio princípio informador da teoria da reparação. A lei, todavia, algumas vezes faz emergir a responsabilidade do fato de outrem ou de terceiro, a quem o responsável está ligado, de algum modo, por um dever de guarda, vigilância e cuidado. Nos termos do art. 932 do Código Civil, os pais respondem por atos dos filhos menores que estiverem sob o seu poder e em sua companhia; o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados; o patrão por seus empregados etc. Pode, ainda, alguém ser responsabilizado por dano causado por animal ou coisa que estava sob sua guarda (fato da coisa), conforme previsto nos arts. 936, 937 e 938 do Código Civil (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 26).

Finalmente, cumpre separar conceitualmente a ação por culpa em sentido lato, que se bifurca em dolo e culpa em sentido estrito, daquela por risco. Tradicionalmente, somente se

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concebia a responsabilidade civil fundada na culpa em sentido lato. A distinção entre dolo e culpa em sentido estrito e as repercussões dessa diferenciação para o Direito Civil foram assim percebidas por Romualdo Baptista dos Santos: Quando a conduta é qualificada pela intenção de lesionar, há dolo; quando a conduta é destituída dessa intenção, há culpa em sentido estrito. Em suma, o dolo se caracteriza pela vontade dirigida à produção de um resultado ilícito, ao passo que a culpa tem por característica o descumprimento de um dever de cuidado. A distinção entre dolo e culpa em sentido estrito tem grande importância para o Direito Penal, que pune de maneiras diversas cada uma dessas espécies de conduta. Na vigência do Código Civil de 1916, considerava-se irrelevante essa distinção para fins de responsabilidade civil, dado que o agente respondia igualmente pela conduta, desde que fosse culposa em sentido amplo. Mas o Código atual restabeleceu a importância do debate, ao estabelecer que o juiz poderá reduzir equitativamente o valor da indenização tendo em vista o grau de culpa do agente (CC, art. 944, parágrafo único) (SANTOS, 2008, p. 38).

A culpa em sentido estrito comporta três modalidades, a saber: a imprudência, espécie que se manifesta por um proceder comissivo; a negligência, que se expressa por um proceder omissivo em relação ao dever objetivo de cuidado do agente; e a imperícia, que tem lugar quando o resultado, conquanto não querido pelo agente, acaba por ocorrer em razão de sua inaptidão ou despreparo para o exercício de determinada atividade técnica. Há, ainda, outras classificações dignas de nota. Quanto à gravidade, a culpa em sentido estrito pode ser classificada como grave, leve ou levíssima. Na grave, chamada também de culpa consciente, o agente prevê o resultado, mas acredita na sua não ocorrência. Na leve, o resultado não chega a ser previsto: o dano ocorre por inobservância de um dever objetivo de cuidado ordinário, ao passo que na levíssima, ocorre tão somente um pequeno descuido, gerador do resultado danoso. A consequência prática dessa diferenciação pode ser extraída do art. 944, parágrafo único, do Código Civil, que permite ao julgador reduzir equitativamente o valor da indenização quando restar caracterizada excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Fala-se, ainda, em concorrência de culpas quando mais de um evento concorrer para a causação do dano, devendo a indenização, nesse caso, ser distribuída entre todos os agentes que a ele tenham dado causa, de forma proporcional à gravidade do proceder de cada um. A própria vítima pode concorrer para o dano por ela suportado, caso em que o art. 945 do Código Civil determina que a indenização deverá ser fixada levando-se em consideração a sua culpa em confronto com a do autor do dano. A par da culpa em sentido lato, pressuposto da responsabilidade subjetiva, existe ainda o risco, hoje perfeitamente admitido pela lei, doutrina e jurisprudência. A sua aceitação,

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todavia, partiu de um processo lento e gradativo que foi se desenrolando com a percepção de que a responsabilidade calcada apenas no dolo e na culpa não trazia respostas satisfatórias para novas situações de danos que passaram a surgir. O Código Civil de 1916 tinha inspiração liberal, e por essa razão mesma, não reconhecia a teoria do risco de forma expressa. No entanto, nas suas disposições acerca do direito de vizinhança já se via autorização implícita para a incidência de uma responsabilidade objetiva, leitura que também era feita pela doutrina em relação a alguns atos praticados em legítima defesa e estado de necessidade que causassem danos a terceiros, configurando hipóteses em que, malgrado a licitude do proceder do causador do dano, nascia o dever de indenizar. Também no regramento da responsabilidade por atos ilícitos havia hipóteses em que ocorria uma presunção de culpa, a qual passou a ser considerada pela jurisprudência, pouco a pouco, como um mecanismo de objetivação do dever de indenizar18. Concomitantemente aos incansáveis esforços da jurisprudência no sentido de aplicar a responsabilidade objetiva a hipóteses que inicialmente eram compreendidas apenas como presunções de culpa, a legislação esparsa foi sendo paulatinamente acrescida de diplomas que a contemplaram de forma expressa, das quais são exemplos o já revogado Decreto Legislativo nº 3.724/19, que tratava da responsabilidade civil por acidentes do trabalho, a Lei nº 6.453/77, que trata da responsabilidade civil por danos nucleares e constituirá a base sobre a qual se apoiará o estudo desenvolvido no próximo capítulo, a Lei nº 6.938/81, que trata da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que trata da responsabilidade nas relações de consumo. Como se vê, o ordenamento jurídico brasileiro assistiu a um processo de expansão das hipóteses de responsabilidade objetiva em detrimento da responsabilidade subjetiva, fenômeno que pode ser explicado pela gradual superação da perspectiva patrimonialista que por muitos anos o orientou. A guinada começou a acontecer a partir do momento em que começaram a despontar casos concretos que descambavam para a injustiça, exatamente porque a ausência dos elementos subjetivos do dolo e da culpa impedia que as vítimas de 18

Tecnicamente, no entanto, presunção de culpa não é sinônimo de responsabilização objetiva. A esse respeito, são precisas as colocações de Felipe Peixoto Braga Netto: ―É comum a utilização indistinta dessas estruturas conceituais, embora, sob o prisma teórico, não se confundam. A responsabilidade por culpa presumida é objetiva. A referência à culpa já evidencia que estamos diante de uma modalidade de responsabilidade subjetiva. No entanto, nesses casos, a legislação (ou a jurisprudência), com o intuito de facilitar a reparação, inverte o ônus da prova, presumindo a culpa do causador do dano. É um expediente técnico, portanto – inversão do ônus da prova. A vítima larga em vantagem, pois a culpa do agressor já é presumida. Não é preciso que a vítima prove a culpa do agressor; basta que prove o dano e o nexo causal‖. (BRAGA NETTO, 2008, p. 82).

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alguns eventos danosos fossem devidamente indenizadas. O paradigma do patrimônio passou a ceder lugar ao paradigma da pessoa, ao passo que as codificações passaram a conviver cada mais com os princípios abertos que informam todo o sistema. O Código Civil também previu a responsabilidade objetiva em seu art. 927, parágrafo único, para os casos em que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Esse dispositivo, autêntica cláusula geral de responsabilidade objetiva, será novamente visitado no capítulo que tratar da responsabilidade por danos radioativos. José Jairo Gomes explica com clareza a fundamentação de ordem ético-filosófica que orientou a construção do modelo objetivo de responsabilidade civil: Os valores ínsitos na solidariedade, ao lado da equidade, dos ideais de paz social e bem comum figuram entre as justificativas da tese da responsabilidade objetiva. Expressa ela um aspecto da socialização do direito privado, na medida em que considera os riscos – a que todos estamos expostos – como inerentes à essencial condição gregária do homem (GOMES, 2005, p. 234).

A teoria do risco, concebida sob uma perspectiva igualmente filosófica para fundamentar a responsabilidade objetiva, procura esmiuçar os casos em que os referidos valores devem incidir e prevalecer sobre os interesses individuais, muitos deles dotados de um traço egoístico, tão inerente à espécie humana. Toda atividade arriscada carrega em si uma possibilidade de causar dano, um perigo ínsito da deflagração do evento indesejado, ainda que sejam tomadas cautelas preventivas pelo agente. Por essa razão é que se diz em sede doutrinária que o risco, diferentemente da culpa em sentido lato, não possui um nexo psicológico com quem desenvolve a atividade perigosa, muito antes, pelo contrário: ele é impessoal e objetivo. A teoria do risco comporta subteorias, que podem ser assim categorizadas: risco proveito, risco profissional, risco excepcional, risco criado e risco integral. De acordo com Carolina Bellini Arantes de Paula, A teoria do risco-proveito entende ser responsável aquele que tira proveito da atividade danosa, com base no princípio de que onde está o ganho reside o encargo – ubi emolumentum, ibi onus. O dano deve ser reparado por aquele que retira algum proveito ou vantagem do fato lesivo. Quem colhe os frutos da utilização de coisas ou atividades perigosas deve experimentar as conseqüências prejudiciais que decorrem dela. Todavia, a dificuldade anunciada por seus opositores encontra-se na conceituação do proveito. Emergiram, assim, vários questionamentos: Quando se pode dizer que uma pessoa tira proveito de uma atividade? Será necessário obter um proveito econômico, lucro, ou bastará qualquer tipo de proveito? (PAULA, 2007, p. 30).

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A par do problema apontado pela autora, no sentido de se definir qual o tipo de proveito deve ser exigido para que incida a subteoria em questão, outro, ainda maior, salta aos olhos: ao se exigir que a vítima prove que o causador do dano auferiu proveito da atividade por ele desenvolvida (estritamente econômico ou não necessariamente econômico, a depender da orientação adotada), transfere-se a ela um ônus probatório que acaba por assimilar a subteoria do risco proveito à teoria da culpa. Por essa singela razão, ela representa pouco avanço em relação ao sistema subjetivo. A subteoria do risco profissional, por sua vez, tem incidência quando o dano sofrido pela vítima se relaciona com a sua atividade ou profissão. Tem por objetivo primordial responsabilizar objetivamente o empregador pelos eventos danosos que seus empregados sofrerem no arriscado trato com a máquina. De fato, sem esse mecanismo de facilitação, a vítima, no mais das vezes hipossuficiente, encontraria grandes dificuldades para demandar em juízo e produzir provas contra uma parte normalmente muito bem assistida e abastada financeiramente. A subteoria do risco excepcional é explicada de forma bastante clara por Sérgio Cavalieri Filho: Para os adeptos da teoria do risco excepcional, a reparação é devida sempre que o dano é consequência de um risco excepcional, que escapa à atividade comum da vítima, ainda que estranho ao trabalho que normalmente exerça. A título de exemplo, podem ser lembrados os casos de rede elétrica de alta tensão, exploração de energia nuclear, materiais radioativos etc. Em razão dos riscos excepcionais que essas atividades submetem os membros da coletividade de modo geral, resulta para aqueles que as exploram o dever de indenizar (CAVALIERI FILHO, 2012, p.154).

Como se vê, é nessa subteoria que o aludido autor enxerga, a princípio, a responsabilização objetiva do operador de instalações nucleares e também daqueles que lidam com materiais radioativos, causando danos dessa natureza. No mesmo sentido se posiciona Romualdo Baptista dos Santos (2008, p. 42). No entanto, o primeiro diz textualmente em outra parte de sua obra, transcrita oportunamente no corpo deste trabalho, que a subteoria adotada em relação aos danos nucleares no Brasil foi a do risco integral. A contradição é apenas aparente, já que, em análise mais detida, percebe-se que foi cogitada pelos autores em questão a adoção da subteoria do risco excepcional para os danos nucleares em tese, ao passo que o primeiro, ao examinar o direito positivo brasileiro, concluiu que foi adotada a subteoria do risco integral. Embora se esteja tratando ainda da teoria geral da responsabilidade, convém fixar esse ponto, considerada a notória relevância que apresenta.

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Já a subteoria do risco criado representa uma ampliação da teoria do risco proveito, pois a partir dela se pode compelir aquele que põe em funcionamento uma atividade de risco a indenizar os danos por ela causados a quem quer que seja, não importando se houve proveito de natureza econômica ou qualquer outro benefício ao empreendedor. Como se vê, a subteoria do risco criado resolve o problema que se apontou ao se tratar da subteoria do risco proveito: a vítima não se incumbirá de demonstrar proveito algum por parte do causador do dano – bastará deixar claro que a atividade desenvolvida criou um risco que veio a se concretizar. Ocorre, assim, a imputação da responsabilidade em razão apenas da potencialidade danosa da atividade. Por fim, a subteoria do risco integral propugna que o responsável por determinada atividade arcará com as eventuais indenizações por quaisquer danos ocorridos, até mesmo ante a ausência de nexo causal. Representa, portanto, uma espécie exacerbada ou extremada da teoria do risco em que nenhuma excludente é capaz de fazer desaparecer o dever de indenizar.

5.2.2 Dano

O dano consiste no prejuízo experimentado pela vítima em razão da conduta do agente, sendo, pois, o resultado da violação de um valor juridicamente protegido. Abrange qualquer diminuição ou alteração de bem destinado à satisfação de um interesse, de sorte que a ofensa perpetrada pelo agente frustra uma expectativa da(s) pessoa(s) lesada(s). Brunno Pandori Giancoli lista como seus requisitos a violação de um interesse jurídico protegido, a certeza, a subsistência e a imediatidade, abordando-os da seguinte forma:

a) Violação de um interesse jurídico protegido Trata-se da diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou extrapatrimonial, pertencente a uma pessoa natural ou jurídica. Hoje já se cogita de uma violação de um bem da coletividade, a exemplo dos danos ambientais. b) Certeza Ninguém poderá ser obrigado a compensar a vítima por um dano abstrato ou hipotético. A certeza do dano refere-se à sua existência. A certeza do dano não se confunde com a ideia de atualidade. A atualidade ou futuridade do dano é atinente à determinação do conteúdo do dano e ao momento em que ele se produziu. O dano pode ser atual ou futuro, isto é, potencial, desde que seja consequência necessária, certa, inevitável e previsível da ação. c) Subsistência O dano deve subsistir no momento de sua exigibilidade em juízo. Se o dano já foi reparado pelo responsável, o prejuízo é insubsistente, mas se o foi pela vítima, a lesão subsiste pelo quantum da reparação; o mesmo se diga se terceiro reparou o dano, caso em que ele ficará sub-rogado no direito do prejudicado. d) Imediatidade

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A imediatidade significa que, como de regra, só se indenizam os danos diretos e imediatos. Trata-se de uma aplicação do disposto no art. 403 do CC/2002. Este dispositivo afirma que as perdas e danos só incluem os prejuízos e os lucros cessantes por efeito direto da inexecução (GIANCOLI, 2012, p. 218-219).

O dano pode ser individual ou coletivo, patrimonial ou extrapatrimonial e, ainda, direto ou indireto. O dano individual representa uma lesão experimentada por uma vítima determinada, ao passo que o dano coletivo atinge bem pertencente a toda a coletividade, como o macrobem ambiental, por exemplo. O patrimônio é o complexo de bens, direitos e interesses pertencentes a uma determinada pessoa, natural ou jurídica, passível de aferição econômica, excetuados aqueles destituídos de conteúdo econômico. Dessa forma, o dano patrimonial ou material pode ser descrito como aquele que provoca diminuição no patrimônio dessa pessoa (dano emergente), ou, ainda, que impeça que ele cresça (lucro cessante). Por essa razão é que os danos morais, entendidos como aqueles que são lesivos à dignidade da pessoa humana e não a seu patrimônio, não se amoldam ao conceito de danos patrimoniais. Atualmente, prefere-se a expressão danos extrapatrimoniais a danos morais. Por fim, dano direto é aquele que deflui imediatamente de uma ação lesiva a bem jurídico alheio, ao passo que o dano indireto consiste nas consequências remotas ou perdas patrimoniais mediatas decorrentes do evento lesivo. 5.2.3 Nexo de causalidade O conceito de nexo de causalidade não é jurídico; ao contrário, decorre da simples observação do que ocorre na natureza. Nexo de causalidade nada mais é, pois, que uma relação entre causa e efeito. Dele se apropriam as mais diversas ciências, como a Física, a Química, a Sociologia, e como não poderia deixar de ser, também o Direito. No âmbito da ciência jurídica, o nexo de causalidade pode ser descrito como o liame que liga a conduta do agente ao dano experimentado pela vítima. É requisito da responsabilidade penal e, em regra, também da responsabilidade civil. Uma grande dificuldade existente em relação ao nexo causal diz respeito às hipóteses em que mais de um antecedente concorre para a produção do dano. Nesse caso, é preciso encontrar meios de se aferir qual ou quais dos antecedentes teve ou tiveram efetiva relevância para que o resultado viesse a se concretizar.

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Para tanto, surgiram algumas teorias no âmbito doutrinário, a saber: a teoria da equivalência dos antecedentes, a teoria da causa próxima, a teoria da causalidade adequada, entre outras. A teoria da equivalência dos antecedentes, também conhecida como teoria da conditio sine qua non, não distingue como preponderante ou prevalente qualquer dos antecedentes de um determinado resultado. Demanda a realização de um juízo hipotético de eliminação, devendo o intérprete indagar se, excluída a conduta, o resultado ainda assim ocorreria. Em caso afirmativo, ela não será reputada causa e, logicamente, em caso negativo, assim será considerada. O grande inconveniente dessa teoria é que não há limitações à regressão, de modo que a pesquisa da causa pode dar-se ad infinitum, o que acaba por provocar uma exasperação da causalidade. A teoria da causa próxima é a mais simplista de todas: resume a questão da causalidade a uma mera questão cronológica, considerando como causa apenas aquela que, em meio aos diversos antecedentes identificados, comparecer em último lugar. O derradeiro antecedente é tido como causa, em detrimento de todos os outros. Sua notória desvantagem consiste em ignorar que a real deflagração do resultado pode ter se originado em outro antecedente que não o último da série. A teoria da causalidade adequada, por outro lado, tem o mérito de limitar a causalidade ao considerar como causa, tão somente, o antecedente tido como o mais adequado à produção do resultado danoso. A idoneidade ou aptidão da causa para provocar o resultado deverá ser aferida em abstrato. Embora não haja regra expressa acerca do nexo de causalidade no Código Civil, a doutrina enxerga a adoção implícita da teoria da causalidade adequada na letra do art. 403, que estabelece que ―Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato [...]‖. Por todos, confira-se o escólio de Roberto Senise Lisboa: A teoria da causalidade adequada é aplicável aos casos de responsabilidade civil no direito brasileiro. Com isso, estabelece-se o dever de reparação do dano patrimonial ou extrapatrimonial em desfavor do agente que de forma adequada e suficiente contribuiu para que o evento danoso viesse a ocorrer. Ganham realce na apreciação dos fatos, destarte, as causas e as concausas, ou seja, os fatos que se relacionam com o evento que acarretou o dano. Confere-se relevância, no entanto, apenas para as causas que contribuíram de forma adequada para que o dano viesse a ocorrer. Assim, eventual ruptura no vínculo causal que impeça se concluir a ligação entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima importa em irresponsabilidade civil daquele que foi tido como causador do dano (LISBOA, 2010, p. 285).

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Tecidos em breves linhas os contornos das teorias sobre a causalidade, importa salientar que, encontrado o responsável, há casos ainda em que outras causas podem concorrer para a produção do mesmo evento danoso. É o problema da concausalidade, que pode resultar da culpa concorrente da própria vítima, da interferência de terceiros ou de condições fáticas preexistentes, concomitantes ou supervenientes. A culpa concorrente da vítima ocorre quando o seu comportamento se soma ao do agente para produzir o resultado. Tal comportamento pode mitigar ou até mesmo excluir a responsabilidade do agente, a depender do quão grave e relevante foi a sua participação para a eclosão do desfecho final. A conduta culposa concorrente de terceiros, que pode ser simultânea à do agente ou sucessiva, resolve-se com a regra da solidariedade, ditada pela parte final do art. 942 do Código Civil: ―[...] se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação‖. As condições fáticas que concorrem para o resultado podem ser preexistentes, concomitantes ou supervenientes. As preexistentes, como o próprio vocábulo já deixa entremostrar, são aquelas que já estão presentes mesmo antes da conduta do agente, fazendo com que esta encontre uma situação já fragilizada que acaba por agravar. Pode-se exemplificar com o caso de uma pessoa cardiopata que vem a sofrer um infarto agudo do miocárdio que deixa sequelas em decorrência de uma discussão no trânsito, na qual é xingado, ofendido, agredido e humilhado. Em hipóteses tais, o agente responde integralmente pelos danos causados, independentemente de ter ou não conhecimento da concausa preexistente agravadora do ato, tendo em conta que a sua conduta foi causa determinante do resultado indesejado ocorrido. As concomitantes são contemporâneas à conduta do agente, ao passo que as supervenientes lhe sucedem no tempo. Exemplo das primeiras é o caso do indivíduo que sofre um acidente vascular cerebral no exato momento em que, vitimado por um assalto, é alvejado por um projétil no peito, vindo a falecer instantaneamente. Para ilustrar as segundas, pode-se mencionar o caso imaginado por Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 63), da vítima de um atropelamento que não é socorrida a tempo, perde muito sangue e vem a falecer. Em ambas as situações, há que se perquirir se a concausa pode se erigir em causa autônoma, idônea por si só à produção do resultado, ou se, ao contrário, ela apenas se somou à conduta do agente para agravar ou acelerar o resultado, situação em que a sua

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responsabilidade será mantida. No exemplo do AVC, somente um laudo médico apontando a causa mortis pode solucionar o problema. Já no exemplo da vítima do atropelamento, é nítido que a falta de socorro não produziu o resultado por si só, mas apenas o precipitou, de modo que o condutor que atropelou a vítima deverá ser responsabilizado. Por fim, cumpre tratar da causas gerais de exclusão do nexo causal, separadores da conduta causal do resultado produzido como efeito, a saber: fato exclusivo da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior. A importância delas é enorme dentro da teoria geral da responsabilidade civil, uma vez que, quando presentes, afastam um dos pressupostos ou requisitos da responsabilização, qual seja, o nexo causal, do que decorre a exclusão da própria responsabilidade. Sobre a excludente do fato exclusivo da vítima, Romualdo Baptista dos Santos, com propriedade, assim discorre: Decorre do próprio conceito de nexo causal a necessidade de fazer ligação direta entre o dano e a conduta daquele a quem se imputa a responsabilidade. Se ficar demonstrado que o evento danoso teve como causa adequada a conduta da própria vítima, desaparece essa ligação entre o dano e a conduta daquela outra pessoa; desaparece o nexo de causalidade. O exemplo típico e freqüente é o da vítima de atropelamento, em que se procura responsabilizar o motorista do veículo atropelante, mas apura-se que, em realidade, houve suicídio. Nesse caso, o veículo em trânsito foi mero instrumento para a ação da própria vítima em seu intento de cometer suicídio (SANTOS, 2008, p. 51).

É deveras intuitivo que, se a culpa concorrente da vítima atenua a responsabilidade do agente, a culpa exclusiva eliminará por completo o dever de reparação. O mesmo raciocínio aplica-se ao fato de terceiro quando este, por si só, for a causa do dano, caso em que também haverá uma ruptura do nexo causal. Assim, restando comprovado que o resultado decorreu exclusivamente de fato de terceira pessoa diversa da vítima e do agente, a responsabilidade será afastada pelo rompimento do nexo causal. É importante ressalvar que há casos em que o legislador quis manter a responsabilidade de determinadas pessoas juridicamente qualificadas por fato de terceiros, em caráter excepcional: é o caso dos pais pelos filhos, do curador pelo curatelado, do tutor pelo pupilo, do empregador pelo empregado, dos donos de hotéis por seus hóspedes etc., conforme dispõe o art. 932 do Código Civil. As excludentes do caso fortuito e força maior estão previstas no art. 393 do Código Civil, que dispõe que ―O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado‖, afirmando ainda, em

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seu parágrafo único, que ―O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir‖. A distinção entre um e outra é muito discutida na doutrina, sem que ainda se haja atingido um grau razoável de consenso na avaliação do seu conteúdo semântico. Maria Helena Diniz (2010. p. 116-117), atribui a força maior a fato da natureza, chamando-a, por isso, de Act of God, ao passo que liga o caso fortuito a causa desconhecida ou a fato de terceiro, sempre atribuível a um determinado indivíduo; já Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 71) se vale de outro critério de distinção, afirmando que a imprevisibilidade é o elemento indispensável do caso fortuito enquanto o da força maior é a irresistibilidade. José Aguiar Dias (2006, p. 935), a seu turno, afirma que as expressões são sinônimas. Não obstante a polêmica demonstrada, este trabalho parte da premissa de que a força maior diz respeito a um fato inevitável externo ao causador do dano, ao passo que o caso fortuito relaciona-se, de alguma forma, à ação humana, muito embora seja pequena a relevância prática da distinção, já que ambos são tratados pelo Código Civil, como se viu, como fatos necessários que, como tais, rompem o nexo causal.

5.3 Excludentes da responsabilidade civil

As excludentes gerais do nexo de causalidade não encerram em si todas as causas excludentes da responsabilidade civil. A ausência dos demais pressupostos ou requisitos, quais sejam, a conduta e o dano, também a excluem, como não poderia deixar de ser, e bem assim o fazem as causas de justificação (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito e estrito cumprimento de dever legal), a prescrição, a decadência, a cláusula de não indenizar e a renúncia da vítima à reparação. A ausência de conduta dispensa maiores comentários: se o demandado em ação reparatória provar que não praticou qualquer ação, seja comissiva ou omissiva, dolosa ou culposa, estará isento da obrigação de reparar. A ausência de dano segue a mesma lógica: se não há uma lesão a ser reparada, seja patrimonial ou extrapatrimonial, não há que se falar em responsabilidade. Essa é a visão doutrinária clássica. No entanto, há quem questione acerca da possibilidade de indenizar danos futuros, como Felipe Peixoto Braga Netto (2008, p. 61), que responde a indagação mencionando um julgado do Superior Tribunal de Justiça, a saber, o Recurso Especial 183.508-RJ, relatado pelo então Ministro Sálvio de Figueiredo, em que foi concedida uma pensão a um jovem estudante de engenharia que, após ser violentamente agredido, ficou

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paraplégico e pleiteou em juízo uma pensão que refletia a média salarial dos engenheiros. A corte em questão houve por bem acatar o pedido do autor, entendendo que o dano não era hipotético, e sim certo e concreto, já que o bom senso, a vivência e as máximas de experiência levavam a crer que a vítima viria a desenvolver atividade remunerada. Embora não se concorde com a caracterização do dano aludido como certo e concreto, é de se reconhecer que a reflexão é bastante interessante e pode auxiliar na investigação sobre a possibilidade de ser indenizar danos decorrentes de contaminação radioativa, notadamente os genéticos, que somente se manifestarão muito tempo depois da eclosão do sinistro. Há ainda outros casos de exclusão da responsabilidade que inviabilizam a imputação da conduta ao agente, quais sejam, a legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício regular de um direito e o estrito cumprimento de dever legal. Com efeito, o art. 188 do Código Civil dispõe, em seu inciso I, que não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, ao passo que o seu inciso II exclui a ilicitude do ato praticado em estado de necessidade ao prever que a deterioração ou destruição da coisa alheia ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente, não constitui ato ilícito. Assim, não obstante a regra seja a responsabilidade civil por atos ilícitos, nada impede que uma atividade lícita dê azo, também, à responsabilidade civil. Na legítima defesa, o indivíduo reage contra outrem que lhe agride injustamente. Tal reação, no entanto, deve ser proporcional e razoável, sob pena de gerar responsabilidade para a vítima em relação aos eventuais excessos cometidos. O mesmo ocorre em caso de erro na execução (aberratio ictus) que cause danos a terceiros: haverá o dever de reparar. O estado de necessidade, a seu turno, pode ser praticado contra coisas e pessoas com o objetivo de afastar um perigo iminente. Se a pessoa lesada não for culpada pelo perigo, deve ser indenizada, conforme a dicção do art. 929 do Código Civil, que reza que ―Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram‖. Eis aqui, pois, uma hipótese em que mesmo a licitude do ato não elide o dever de indenizar. No entanto, quando a vítima for culpada do perigo, a responsabilidade deixará de existir, conclusão a que se chega por meio de uma interpretação a contrario sensu do referido dispositivo. O exercício regular de um direito exime o agente do dever de indenizar, mas se há abuso no exercício desse mesmo direito, outra é a sorte, nos termos do art. 187 do Código Civil, que assim preceitua: ―Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercêlo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes‖.

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O estrito cumprimento de dever legal não foi mencionado expressamente pela lei como excludente, mas assim também é encarado pela doutrina, que nele enxerga uma forma de exercício regular de direito, pois quem cumpre a lei realmente, em tese, exerce legitimamente um direito. Além das causas de justificação mencionadas, excluem ainda a responsabilidade civil a prescrição e a decadência, a cláusula de não indenizar e, bem assim, a renúncia da vítima à reparação. A prescrição, compreendida como um obstáculo ao exercício do direito, e a decadência, entendida como a perda mesma do direito, evidentemente impedem a vítima de obter êxito em eventual ação de reparação de danos, sendo, portanto, causas que também excluem a responsabilidade civil. A cláusula de não indenizar, por fim, resulta de acordo de vontade entre as partes, somente sendo aplicável em relação à responsabilidade contratual. Não incide, portanto, na responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Sobre elas, assim discorre Romualdo Baptista dos Santos: Cláusulas de não indenizar são disposições estabelecidas pelas partes em contrato, modificando o dever de reparar os danos que no futuro possam recair sobre determinada pessoa. Podem ser de exclusão, quando impedem o nascimento do dever de indenizar; ou de limitação, quando restringem o valor da indenização devida (SANTOS, 2008, p. 58).

A renúncia da vítima à reparação consiste na abdicação por parte dela ao que teria direito, de forma unilateral, informal e irrevogável, desde que ela seja capaz. Traçadas essas linhas básicas, resta apenas distinguir entre as espécies de responsabilidade civil para então, finalmente, adentrar-se na análise específica de temas correlatos ligados à tecnologia nuclear.

5.4 Espécies de responsabilidade civil

A responsabilidade civil comporta classificações didáticas dignas de menção, cada qual ligada a um critério diferenciador próprio. Pode ela ser, quanto ao fato gerador, contratual ou extracontratual; quanto ao fundamento, subjetiva ou objetiva; quanto ao agente, direta ou indireta e, finalmente, quanto à natureza da atividade causadora do dano a ser reparado, não perigosa e perigosa.

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A responsabilidade contratual ou negocial decorre da inobservância de algum dever contratual, ao passo que a responsabilidade extracontratual, também chamada de aquiliana ou extranegocial, decorre da infringência a um dever legal. Normalmente, quando a doutrina se refere à responsabilidade civil sem adjetivá-la, está tratando da extracontratual. Simples também é a distinção entre a responsabilidade objetiva e a subjetiva, já referida no item 5.2.1. Na responsabilidade subjetiva, faz-se necessário demonstrar a culpa em sentido lato do agente, que, como visto, comporta o dolo e a culpa em sentido estrito. Na responsabilidade objetiva, por sua vez, a demonstração da culpa é dispensada, bastando a mera demonstração do nexo causal entre conduta e resultado danoso. No Código Civil consta uma cláusula geral de responsabilidade civil objetiva, a saber, o parágrafo único do art. 927, assim redigida: ―Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem‖. Alguns doutrinadores afirmam que a responsabilidade civil subjetiva é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, como Leonardo de Faria Beraldo (2008, p. 65), Sílvio de Salvo Venosa (2004, p. 19) e Brunno Pandori Giancoli (2012, p. 249), mas há quem discorde, como Roger Silva Aguiar (2007, p. 104). A distinção entre responsabilidade direta e indireta já foi de certa forma adiantada quando se falou da excepcional responsabilidade por fato de terceiro, que nada mais é do que a responsabilidade indireta, ao passo que a direta diz respeito a fato próprio, devendo o autor do dano arcar com os prejuízos por ele mesmo causados. De modo a evitar o enriquecimento ilícito do terceiro no lugar de quem o responsável indireto foi demandado, pode este, em regra, voltar-se contra aquele, em ação regressiva, conforme preceitua o art. 934 do Código Civil: ―Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz‖ [sic]. Por último, mas não menos importante, a distinção entre responsabilidade civil por atividades não perigosas e por atividades perigosas. As atividades não perigosas suplantam em número as atividades perigosas e por isso recebem o influxo das normas gerais de responsabilidade civil de matiz subjetivo, que possuem caráter residual. Já as atividades perigosas normalmente são reguladas em leis próprias, como é o caso das atividades nucleares. Não havendo lei específica a regular determinada atividade perigosa, não há uma automática submissão sua ao regime fundado na culpa, como se poderia imaginar irrefletida e

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precipitadamente. Muito antes, pelo contrário, quase sempre se poderá submetê-la à disciplina do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, desde que a atividade em questão, arriscada por natureza, for desenvolvida normalmente pelo autor do dano, amoldando-se com perfeição à letra do dispositivo. A opção do legislador, portanto, foi por uma inovadora disciplina geral e não mais casuística em relação à responsabilidade civil pelo exercício de atividades perigosas. Carolina Bellini Arantes de Paula bem explica os motivos que conduziram à demonstrada mudança de paradigma, orientada pela objetivação da responsabilidade calcada no vetor da socialização dos riscos: As atividades perigosas são atividades lícitas, como a produção de energia elétrica, a produção de gás, a produção de fogos de artifícios e a exploração pacífica dos átomos. Embora a sociedade as aceite e usufrua dos bens e produtos advindos delas, o ordenamento jurídico prescreve aos seus exploradores que os danos ocorridos em razão da periculosidade inerente a elas serão suportados objetivamente por eles. Portanto, os agentes assumem conscientemente os riscos de os prováveis danos ocorrerem. A tipificação da atividade como perigosa é condicionada à sua ―notável potencialidade danosa em relação ao critério da normalidade média e revelada por meio de estatística, elementos técnicos e da própria existência comum‖. Já o conceito de atividade perigosa é relativo, pois em determinado momento ou sob certas condições a atividade pode perder ou assumir esse caráter. O explorador de atividade perigosa deve responder objetivamente pelo risco de ocasionar o dano; no entanto, cabe à vítima demonstrar o nexo causal entre o dano suportado e a atividade perigosa desenvolvida por aquele (PAULA, 2007, p. 80-81).

Feitas essas importantes distinções, pode-se finalmente adentrar na responsabilidade civil por danos decorrentes de atividades nucleares e radioativas, espécies de atividades perigosas que serão objeto de estudo aprofundo nos capítulos seguintes. Adianta-se, desde já, que, em relação às primeiras, há lei específica, qual seja, a Lei nº 6.453/77, ao passo que, no tocante às últimas, diversa é a sorte, pelo que cumpre investigar se é possível o seu encaixe no art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Reservou-se, ainda, um capítulo derradeiro para se analisar a responsabilidade civil por danos causados pelos rejeitos radioativos oriundos de ambas as espécies de atividades perigosas mencionadas, para os quais há também uma lei específica, a Lei nº 10.308/01. De fato, não se poderia deixar de fora do presente trabalho a responsabilidade civil pelo lixo atômico, principal impacto ambiental causado pelo uso da tecnologia nuclear, sob pena de, caso assim se procedesse, deixar espaço aberto à pecha da incompletude.

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6 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NUCLEARES 6.1 Responsabilidade civil por danos nucleares no âmbito do Direito Internacional Público A Convenção de Paris foi fruto de debates travados no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE –, mais especificamente, da Agência Europeia de Energia Nuclear (European Nuclear Energy Agency - ENEA), tendo sido assinada em 29 de julho de 1960 pelos seguintes países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Holanda, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia. Referida avença internacional foi aditada pela Convenção Complementar de Bruxelas, de 31 de janeiro de 1963, para aumentar o limite da indenização, inicialmente fixado em 15 (quinze) milhões de unidades de conta, para 120 (cento e vinte) milhões de unidades de conta. A Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares nasceu de estudos realizados por um comitê constituído pela Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA –, os quais serviram de base para as discussões travadas na Conferência Internacional sobre Responsabilidade Nuclear, evento que culminou na assinatura do documento em 21 de maio de 1963 por nove países: Argentina, Bolívia, Cuba, Egito, Filipinas, Trinidad e Tobago, Camarões e Iugoslávia. No entanto, ela só entrou em vigor em novembro de 197719. O Brasil depositou a sua carta de adesão em 23 de dezembro de 1992 e somente promulgou a Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por danos nucleares no ano seguinte, o que fez por meio do Decreto nº 911, de 3 de setembro de 1993. As Convenções de Paris e de Viena são muito próximas em seus princípios, conceitos e normas, prestando-se rigorosamente ao mesmo fim, que é o de fornecer elementos para que os países possam regulamentar internamente a responsabilidade civil por danos nucleares de forma uniforme e coesa. Tampouco há entre elas distinção de importância. A única diferença substancial se dá no tocante ao valor limite de indenização. Curiosamente, no entanto, as referidas convenções deixaram de lado a questão da responsabilidade civil por danos decorrentes de acidentes ocorridos em instalações

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O longo tempo trancorrido entre a assinatura do documento e sua entrada em vigor tem uma explicação: de acordo com o seu art. XXIII da convenção, ela somente entraria em vigor três meses depois do depósito do quinto instrumento da ratificação, o que efetivamente só veio a acontecer em novembro de 1977.

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radioativas, ignorando o fato de que também nelas são desenvolvidas atividades de manifesta periculosidade e risco20. Como o Brasil ratificou apenas a Convenção de Viena, cumpre fazer uma breve análise de seu texto, colocando em destaque os mais importantes princípios nele consagrados. Logo em seu artigo II, item 1, está prevista a responsabilidade do operador da instalação nuclear pelos danos nucleares causados por acidente nuclear, o que conforma o princípio da canalização da responsabilidade para o operador. Já outro princípio também de grande importância se extrai de dispositivos diversos, a seguir detalhados: o da limitação da responsabilidade do operador. No art. IV, item 3, ―a‖, estão previstas excludentes de responsabilidade, a saber: danos nucleares causados por acidente nuclear devido diretamente a conflito armado, hostilidades, guerra civil ou insurreição. Assim, a primeira vertente desse princípio se relaciona com hipóteses excepcionais em que o operador se exonera da obrigação de indenizar. Naturalmente, esta, como qualquer outra disposição posta na convenção, deve passar pelo exame da conformidade com a Constituição de cada um dos Estados signatários, para somente então verificar-se a sua aplicabilidade no âmbito interno. Em seu artigo V, está disposto que o Estado signatário poderá limitar a responsabilidade do operador da instalação nuclear a uma importância não inferior a 5 (cinco) milhões de dólares por acidente nuclear. O texto convencional estabelece, assim, um piso para as somas destinadas ao ressarcimento das vítimas, a partir do qual qualquer valor estipulado como teto pelos Estados será válido. A limitação do valor da indenização poderá ser fixada, portanto, na própria soma referida (cinco milhões de dólares por acidente) ou em qualquer quantia superior, a critério dos legisladores internos, e tem por escopo minimizar a canalização da responsabilidade a que se sujeita o operador, bem como o gravame da dispensa da prova de sua culpa. Tem como vantagem, ainda, o estímulo à indústria nuclear, que poderia deixar de realizar os altos investimentos que o setor requer em razão da iminência de, a qualquer momento, sujeitar-se ao pagamento de indenizações incalculáveis, consideradas as inúmeras possíveis repercussões patrimoniais que um acidente de tal natureza pode acarretar. Os fundamentos da limitação quantitativa das indenizações são assim trabalhados por Renato Guimarães Júnior: 20

Isso não impediu que a Espanha, signatária apenas da Convenção de Paris, tratasse no mesmo diploma tanto da responsabilidade civil por danos nucleares como radioativos. Com efeito, a Lei 12, de 27 de maio de 2011, já em seu preâmbulo enuncia que ela se destina a regular a responsabilidade civil por danos nucleares ou produzidos por materiais radioativos, ao passo que, em seu artigo 16, dispõe textualmente sobre a responsabilidade dos operadores de instalações radioativas.

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Desde o início da utilização da energia nuclear para a geração elétrica percebeu-se que seria condição essencial para a viabilidade econômica de semelhante aplicação técnica certa modificação sem precedentes no elementar princípio segundo o qual aquele que prejudica direitos alheios, deve ressarcir os danos causados. A tecnologia nuclear, então desconhecida em escala industrial, ensejava determinados riscos que, remotíssimos embora, poderiam causar a terceiros prejuízos pessoais e patrimoniais de vultos tais que, exigidos em juízo, seriam insuportáveis para o florescente ramo. Mesmo o formidável parque securatório americano não disporia de reservas capazes de assumir tais consequências. A probabilidade de acidente, repita-se, seria mínima, mas os eventuais sinistros enormes demais. Diante desse quadro, concebeu-se um arranjo jurídico original: toda a responsabilidade por eventuais danos nucleares seria limitada [...] (JUNIOR, 2011, p. 1268).

Questiona-se, no entanto, a justiça da limitação em comento, já que ela proporciona situações de desamparo a vítimas de acidentes cujos danos ultrapassam a soma proposta na convenção e assimilada pelos Estados signatários em suas legislações internas, na contramão das diretrizes modernas da responsabilidade civil que colocam em relevo a posição do lesado em detrimento do causador do fato danoso. Já no seu art. VI, item 1, está previsto um prazo prescricional de 10 (dez) anos a contar de quando se der o acidente nuclear, para o exercício do direito à indenização respectiva, mas ressalva-se que se a responsabilidade do operador estiver coberta por seguro ou outra garantia financeira, ou por fundos públicos, por um período superior a dez anos, a legislação poderá dispor que o prazo prescricional seja também superior a dez anos, desde que não exceda o período em que a responsabilidade estiver coberta, segundo a legislação do Estado-parte. Há ainda a previsão de um prazo prescricional de até 20 (vinte) anos para os danos nucleares causados por acidente nuclear em que estejam envolvidos materiais nucleares que, no momento em que ocorreu o acidente, tenham sido objeto de roubo, perda, alijamento ou abandono, conforme dicção do item 2 do mesmo dispositivo. Tem-se, ainda, a previsão de que o Estado-parte pode fixar o prazo não inferior a 3 (três) anos nem superior aos períodos já aludidos – 10 (dez) ou 20 (vinte) anos, conforme o caso - que nessa hipótese será contado a partir da data em que a vítima dos danos nucleares tiver ou deva ter conhecimento deles e da identidade do operador por eles responsável. Questiona-se também a justiça dessas limitações temporais, já que os danos nucleares podem tardar muito a se caracterizar, como é o caso de um câncer desenvolvido por uma vítima anos após a sua exposição à radiação ou ainda da prole que nasce com deformidades muito tempo depois da exposição de seus ascendentes à contaminação.

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Como se vê, o princípio da limitação da responsabilidade do operador no âmbito da Convenção de Viena tem projeções diversas, algumas bastante controversas. Expressa-se por meio do apontamento de cláusulas exonerativas, do estabelecimento de valor máximo de indenização (mesmo que os danos efetivos superem o patamar convencional), e da previsão de limites temporais para que as indenizações sejam pagas às vítimas. Outro princípio que aflora do texto da convenção é o da obrigatoriedade de seguro ou de outra garantia prévia por parte do operador. Ele está previsto em seu art. VII e preconiza basicamente que o operador da instalação nuclear deverá manter seguro ou outra garantia financeira que lhe cubra a responsabilidade pelos danos nucleares. De fato, de nada adiantaria a canalização da responsabilidade para o operador se este não pudesse pagar as indenizações devidas, pelo menos até o limite legal. Sobre ele, assim discorre Ana Cristina Venosa de Oliveira Lima: A adoção da obrigatoriedade do seguro ou de outra garantia financeira visou, fundamentalmente, proteger as vítimas de um acidente nuclear contra a possível insolvência daquele considerado responsável pelo ocorrido. Por outro lado, a obrigatoriedade do seguro também beneficiou o próprio operador da instalação nuclear. De fato, através do contrato de seguro, por exemplo, o operador – objetivamente responsável – paga uma quantia em dinheiro periodicamente (prêmio) ao segurador, de modo que, caso ocorra um acidente nuclear, o operador não necessitará ter disponível, de imediato, o dinheiro para efetuar o pagamento da indenização, já que este será feito pela seguradora que possui recursos financeiros para tal fim (LIMA, 1999, p. 51).

Não fosse o princípio da limitação da responsabilidade do operador em sua vertente que permite estipular um teto para as indenizações, dificilmente seria possível encontrar uma seguradora disposta a oferecer no mercado um seguro dessa natureza, considerando-se a absoluta impossibilidade de se calcular de antemão a magnitude de um acidente nuclear em todas as suas nuances. Exatamente nesse sentido são as considerações de Joaquim Francisco de Carvalho:

E os acidentes nucleares têm dimensões que os outros não têm. Eles se propagam pelo espaço (regiões inteiras ficam contaminadas e têm que ser evacuadas e interditadas) e pelo tempo (muitas décadas). Um desastre de avião, por exemplo, atinge os passageiros e, por mais traumático que seja, é um acidente que termina no local e no instante em que acontece. Um acidente em central nuclear apenas começa no instante e no local em que ocorre. Alguns anos depois centenas de pessoas sofrerão males induzidos por exposição a radiações ionizantes, como acontece até hoje com as populações que permaneceram nas cidades próximas a Chernobyl, em consequência do acidente - e prevê-se que o mesmo deverá acontecer no caso de Fukushima. Assim, na hipótese de desastres graves como esses, o risco (probabilidade versus gravidade) de danos a pessoas e a propriedades públicas e privadas é incalculável. Por isso as companhias de seguro não cobrem integralmente

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tais seguros, ficando os prejuízos sempre com as populações atingidas (CARVALHO, 2012, p. 296).

Com efeito, se por um lado as projeções atuariais se baseiam na incerteza dos danos segurados, que podem vir a ocorrer ou não, certo é que não há, em regra, imprecisão no montante dos valores cobertos em caso de sinistro, de modo que, na sistemática tradicional, uma vez ocorrido o dano, as seguradoras já sabem de antemão quanto deverão desembolsar. Já nos danos nucleares, com repercussões imponderáveis por natureza, como acontece, de resto, com os danos ambientais de uma forma geral, não havendo como precisar o montante dos prejuízos suportados pelo segurado, abrem-se dois caminhos: a apuração pontual dos danos por evento sem limitação de valor, que pode atingir somas astronômicas, ou a fixação de um teto, caminho viabilizado pela Convenção de Viena ao permitir aos Estados signatários que assim procedam, como forma de resguardar o setor securitário e garantir condições reais de implementação do princípio da obrigatoriedade de seguro ou de outra garantia prévia por parte do operador. Pode ocorrer, no entanto, que o seguro contratado não cubra o valor máximo estipulado em lei, hipótese em que o próprio Estado arcará com a diferença: é o princípio da responsabilidade civil subsidiária do Estado por danos nucleares. Ele está previsto na parte final do item 1 do art. VII e configura uma medida de garantia ou cautela em favor da vítima, de modo a não deixá-la desamparada caso o seguro não alcance o teto legal. Evidentemente, o Estado será chamado a responder subsidiariamente apenas quando não for ele próprio o operador da instalação nuclear, já que, nesse caso, ele será acionado diretamente pelas vítimas. Pode-se afirmar, em síntese, que os mais importantes princípios vazados na Convenção de Viena são, pois, os seguintes: princípio da canalização da responsabilidade para o operador; princípio da limitação da responsabilidade do operador, em sua tríplice conformação - cláusulas exonerativas, valor máximo de indenização e limites temporais; princípio da obrigatoriedade de seguro ou de outra garantia prévia por parte do operador; e princípio da responsabilidade civil subsidiária do Estado por danos nucleares. Cada Estado signatário bebe dessa fonte norteadora para elaborar a sua legislação interna, embora o próprio texto convencional contemple várias cláusulas de abertura, traduzidas em expressões como ―se assim o dispuser a legislação do Estado da Instalação‖ (art. I, item 1, K, III); ―o Estado da Instalação poderá dispor por via legislativa que de acordo com as condições estipuladas em sua legislação nacional‖ (art. II, item 2); ―exceto na medida em que o Estado da Instalação dispuser de modo contrário‖ (art. IV, n. 3, b). Essas cláusulas

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permitem que cada Estado disponha a seu critério em relação a alguns temas, já que determinadas particularidades nacionais podem justificar exceções à uniformidade pretendida pelo texto convencional. O Brasil elaborou a sua lei em 1977, sugestionado principalmente pela Convenção de Viena, embora não estivesse formalmente obrigado a adotar quaisquer de suas diretrizes. Isso porque, àquela altura, o Brasil não havia manifestado, ainda, a sua adesão ao documento. Cerca de quinze anos mais tarde é que isso ocorreria: o Congresso Nacional somente aprovou a Convenção em 1992, por meio do Decreto Legislativo nº 93, de 23 de dezembro de 1992. No entanto, esse ato isoladamente ainda não era suficiente, já que faltava outra etapa complementar, qual seja, a ratificação do chefe do Poder Executivo. Apenas em 1993 é que o texto convencional em questão foi promulgado finalmente no Brasil, por meio do Decreto nº 911, de 3 de setembro de 1993, conforme se adiantou, passando, a partir de então, a integrar o ordenamento jurídico pátrio. Convém, por oportuno, fazer uma breve digressão afeta ao campo do Direito Internacional Público, ou Direito das Gentes, sobre a maneira ou o iter pelo qual as convenções, entendidas como tratados que criam normas gerais, se incorporam ao ordenamento jurídico brasileiro, para o que não se pode prescindir das lições de Uadi Lammêgo Bulos: Celebrado o ato ou tratado internacional, pelo Chefe do Executivo, aprovado pelo Congresso Nacional, promulgado via decreto presidencial e publicado no Diário Oficial da União, em idioma português (CF, art. 13), a norma de Direito das Gentes passa a integrar a ordem jurídica interna, estando apta a ser aplicada e cumprida. Mas a mera aprovação do ato ou tratado internacional, por meio de decreto legislativo, solenemente promulgado pela Presidência do Congresso Nacional, com a sua respectiva publicação, não é o bastante para que a incorporação seja efetivada na ordem jurídica interna. Apenas com a ratificação do Presidente da República é que se dará a aplicação da norma de Direito das Gentes (BULOS, 2011, p. 1206).

A análise pormenorizada da Lei nº 6.453/77 será objeto do próximo tópico, promovendo-se um estudo sistematizado de como as diretrizes convencionais serviram de norte para o legislador pátrio nesse assunto de tão complexa ordenação. No entanto, como não poderia deixar de ser, seus dispositivos serão examinados sob o aspecto da justiça e, sobretudo, sob a perspectiva de sua conformidade com a Constituição Federal de 1988, dado que alguns deles sequer foram por ela recepcionados.

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6.2 Responsabilidade civil por danos nucleares no Brasil: uma análise da Lei nº 6.453/77

6.2.1 Fato gerador da responsabilidade

Inicialmente, é importante consignar que alguns dos conceitos trabalhados no Capítulo 2, mormente os de instalações nucleares e instalações radioativas, danos nucleares e danos radioativos e acidentes nucleares e radioativos, são de suma importância para a compreensão da temática da responsabilidade civil tratada na Lei nº 6.453/77, pelo que se remete novamente o leitor a ele em caso de eventuais dúvidas, já que a repetição aqui seria cansativa e redundante. Antes de mergulhar em seu texto, todavia, cumpre destacar algumas peculiaridades dos danos nucleares – também aplicáveis aos danos radioativos-, que são importantes para a construção de um sistema específico de responsabilização. Ana Cristina Venosa de Oliveira Lima pondera que, se no plano conceitual, como visto, danos nucleares não se confundem com danos radiológicos (espécie de danos radioativos), do ponto de vista prático os efeitos por eles produzidos podem se revestir de características muito similares:

Observa-se que os danos causados por acidente radiológico em uma instalação radioativa não foram definidos como sendo danos nucleares. Nesses casos, deveríamos considerar esses danos como sendo ―danos radiológicos‖. Todavia, os efeitos concretos desses danos – nucleares e radiológicos – são basicamente os mesmos. Pode-se dizer que tanto os danos nucleares, quanto os radiológicos, podem ser produzidos em pessoas e nos bens. Além disso, ambos afetam o meio ambiente a podem ser causados pela exposição às radiações (irradiação) ou pela contaminação. A diferença fundamental está no fato de que a contaminação resulta de um contato direto com a substância radioativa, ao passo que na irradiação tal ocorre à distância. Dentre os efeitos produzidos pelos danos nucleares ou radiológicos, interessa serem analisados, em primeiro lugar, os efeitos biológicos no ser vivo. Os efeitos biológicos podem ser somáticos ou genéticos. O efeito genético se diferencia do efeito somático das radiações, pois o primeiro é transmissível às gerações subseqüentes, enquanto o segundo se restringe ao organismo afetado. O efeito somático das radiações pode ser imediato ou retardado. O limite temporal, estabelecido em convenções, é de 60 dias. De fato, o efeito imediato de maior relevância é aquele que, após uma exposição de corpo inteiro a doses elevadas de radiação, produz a denominada DAR, ou seja, doença aguda de radiação. Já o efeito tardio de maior importância é o câncer, que surge somente após vários anos da ocorrência da irradiação. Especificamente, a exposição às radiações produz: alergias, eritemas, queda de cabelos, formação de bolhas, vômitos, diarréias, ulceração e infecções na bexiga, esterilidade reversível ou não (dependendo das doses de radiação), cataratas e mais inúmeras consequências. Os efeitos genéticos podem ser divididos em: aberrações cromossômicas e mutações gênicas. Há também a contaminação ambiental que pode se dar através dos efluentes radioativos, da contaminação do lençol freático, do ar, da absorção das substâncias

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radioativas pelas plantas (raízes, caule, galhos, folhas e frutos), da própria movimentação horizontal do solo, transporte por pessoas ou animais, etc. Genericamente, um acidente nuclear/radiológico que cause danos nucleares/radiológicos produz, ainda, efeitos de caráter econômico, político e social, não somente nas populações diretamente atingidas, mas também, em toda a comunidade mundial (LIMA, 1999, p. 46-47).

Dessas observações, podem-se extrair algumas conclusões. Uma é que o dano radioativo pode atingir pessoas, causando-lhes danos genéticos ou somáticos, e também o meio ambiente. Nesses casos, conforme se verá no capítulo seguinte, a responsabilidade será objetiva, mas variará o fundamento legal conforme o dano seja à pessoa ou ao meio ambiente. Outra, de grande importância neste momento, é que o dano nuclear, diferentemente do dano radioativo, como dano nuclear será tratado no plano normativo, independentemente de ter havido lesão patrimonial ou extrapatrimonial a vítimas individualmente consideradas ou ao meio ambiente, não sendo possível, na última hipótese, transmudar-lhe a natureza para a de dano ambiental, em razão da especialidade da norma. Dito isso, passa-se à análise específica do capítulo II do mencionado diploma (Lei nº 6.453/77), começando pelo fato gerador da responsabilidade. O fato gerador da responsabilidade civil por danos nucleares é o acidente nuclear, conforme consta do caput do art. 4º da Lei nº 6.453/77. Está excluído, repita-se, o acidente radioativo do âmbito de incidência da norma, opção legislativa que, embora se coadune com as diretrizes propugnadas na Convenção de Viena, mereceu a reprovação de Carlos Alberto Bittar: Observa-se, assim, infelizmente, que a nossa lei opta pelo sistema fechado de delimitação das atividades nucleares, circunscrevendo-as, apenas e expressamente, às realizadas nas instalações nucleares – nos termos indicados no tópico anterior – com projeção externa apenas em relação ao transporte de substâncias nucleares de uma instalação para outra. Traça, pois, linhas bem restritas para as atividades nucleares, inclinando-se, em conseqüência, por um sistema mínimo de proteção às eventuais vítimas. Com efeito, face à citada orientação e em consonância com a diretriz interpretativa anotada, escapam de seu contexto as demais atividades nucleares que se não enquadram no circuito enunciado- e, portanto, sem as suas garantias especiais – ficando subordinadas aos princípios e regras da teoria geral da responsabilidade civil e, quando muito, conforme o caso, aos das atividades perigosas, se possível o encarte, em função dos parâmetros à ocasião expostos (assim, por exemplo, as aplicações feitas nos diferentes campos possíveis, como industriais, em laboratórios, em institutos e outros locais em que se empregam substâncias radioativas). Não nos parece tenha o nosso legislador acolhido o posicionamento mais adequado – expresso, em nosso entender, na lei espanhola – pois, conforme salientamos, se, por uma parte, devem ser incrementadas essas atividades – face ao extenso leque de novas utilidades proporcionado – há que se garantir, como valores maiores na sociedade, a vida e a saúde das pessoas que nela se integram, as quais ficam à mercê dos infinitos riscos defluentes de qualquer atividade relacionada à utilização de materiais nucleares (BITTAR, 1985, p. 162-163).

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Com efeito, não se pode concordar com a opção normativa em debate, já que as mesmas razões que militam em favor de um sistema agravado de responsabilidade civil em relação aos danos nucleares comparecem igualmente em relação aos danos radioativos. O esteio filosófico é similar para ambos os casos: tanto as atividades nucleares como as radioativas são inquestionavelmente perigosas, sendo-lhes comum a existência do risco de eclosão de efeitos imponderáveis. O exercício da atividade nuclear, arriscada por natureza, o dano nuclear e o nexo causal são os pressupostos ou requisitos para a responsabilidade civil por danos nucleares. O acidente nuclear, conceituado pelo art. 1º, inciso VIII, do diploma em comento como ―o fato ou sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano nuclear‖, contempla, portanto, causa e efeito, atividade nuclear e resultado danoso, bem como o implícito nexo causal. Por reunir todos os pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil nuclear é que se pode afirmar, dessa forma, que o acidente nuclear é seu fato gerador.

6.2.2 Delimitação subjetiva e espacial da responsabilidade

O caput do art. 4º da Lei nº 6.453/77, ao indicar como responsável civil pela reparação de dano nuclear causado por acidente nuclear o operador da instalação nuclear, consagra a adoção do princípio da canalização jurídica da responsabilidade, repetindo a dicção do artigo II, item 1, da Convenção de Viena. Tal opção pela indicação expressa em lei de quem deve figurar no polo passivo da demanda, ao lado da desnecessidade de se provar a sua culpa, a ser tratada no próximo item, constitui mecanismo que favorece a posição da vítima, facilitando a pretensão ressarcitória. Considerando bastante o mero exercício de atividades nucleares pelo operador da instalação nuclear, o legislador acabou por suprimir a necessidade de demonstração do nexo causal entre ele e o resultado danoso. A regra da responsabilização do operador é válida para os acidentes ocorridos dentro das instalações nucleares, mas pode ser imputada também para acidentes ocorridos durante o transporte dos materiais nucleares, assim entendidos como o combustível nuclear e os produtos ou rejeitos radioativos, na conceituação dada pelo art. 1º, inciso IV, da Lei nº 6.453/77. Disso é possível concluir que o âmbito espacial de ocorrência de danos nucleares indenizáveis pode ser a própria instalação nuclear como também, de igual forma, o ponto do percurso dos materiais nucleares transportados entre uma e outra instalação nuclear, onde ocorrer o acidente nuclear.

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Com a anunciada expansão da planta nuclear para breve, é possível que os operadores das novas usinas planejadas sejam diversos do atual operador do complexo de Angra dos Reis, hipótese em que incidirá a norma em comento caso ocorra acidente durante o transporte de materiais nucleares de uma central para a outra. Adentrando no problema do dano nuclear durante o transporte, impende ressaltar que se ele ocorrer antes que o operador da instalação nuclear a que se destine tenha assumido, por contrato escrito, a responsabilidade por acidentes nucleares causados pelo material em trânsito, será responsabilizado o operador da instalação de origem, conforme previsto no inciso II, alínea ―a‖, do artigo 4º da Lei nº 6.453/77. Caso não exista contrato algum entre o operador remetente e o operador destinatário do material, a responsabilidade também será do operador remetente, nos termos do preceituado no inciso II, alínea ―b‖, do artigo 4º da Lei nº 6.453/77. Mutatis mutandis, o inciso III, alíneas ―a‖ e ―b‖ do dispositivo em questão dispõe que será exclusiva do operador da instalação nuclear de destino a responsabilidade por acidente provocado por material nuclear a ela enviado depois que a responsabilidade lhe houver sido transferida, por contrato escrito, pelo operador da outra instalação nuclear, e que, na falta de contrato, o operador da instalação nuclear de destino somente será responsabilizado depois que houver assumido efetivamente o encargo do material a ele enviado. Como se vê, a rigor, o inciso III é desnecessário, porquanto tudo que ele prevê já pode ser deduzido do inciso II, sem grande esforço interpretativo. Trata-se, como visto, de um sistema de proteção à vítima tal que pretende não deixá-la desguarnecida quanto a quem responsabilizar nem mesmo no momento do transporte de materiais nucleares entre operadores: ou haverá a continuidade da responsabilidade civil do operador remetente do material ou a transferência contratual ao operador destinatário, mas jamais terá lugar um hiato em que a nenhum deles a responsabilidade possa ser legalmente atribuída. Nos termos do art. 5º da Lei nº 6.453/77, haverá responsabilidade solidária entre os operadores se for impossível apurar-se a parte dos danos atribuível a cada um. Trata-se de uma solução que mais uma vez tem por norte a necessidade da vítima de se ver ressarcida independentemente da demonstração precisa da parcela de culpa atribuível a cada operador. Abraçou-se integralmente o disposto no item nº 3, ―a‖, do artigo II, da Convenção de Viena, que dispõe que ―Quando a responsabilidade por danos nucleares recair sobre mais de um operador, os operadores envolvidos, quando não for possível determinar com certeza que

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parte dos danos deverá ser atribuída a cada um deles, serão conjunta e solidariamente responsáveis‖. Impende ressaltar, no entanto, que o regime da Lei nº 6.453/77 não se aplica aos danos sofridos pela própria instalação nuclear, pelos bens encontrados na área da instalação, destinados ao seu uso e pelo meio de transporte no qual se encontrar o material que os ocasionar, por expressa exclusão ditada pelo seu art. 18. Maria Helena Diniz (2010, p. 632) afirma que tais danos foram deixados de fora por constituírem risco da própria atividade empresarial. A previsão direcionada aos danos relativos à própria instalação nuclear e seus próprios bens de uso, a rigor, é desnecessária, já que seria um contrassenso responsabilizar o operador da instalação pelos danos nela causados, hipótese em que credor e devedor se confundiriam na mesma pessoa. Já a exclusão dos danos sofridos por bens de uso e pelo meio de transporte, se de propriedade de terceiros, faz sentido: o empresário que se aventura na locação de equipamentos para instalações nucleares ou no ramo de transporte de materiais nucleares sabe que a atividade é arriscada e mesmo assim opta por desenvolvê-la. Logo, caso haja dano aos bens locados ou aos veículos utilizados nessa atividade, não poderá ele se valer do regime agravado de responsabilização ora em comento, devendo fundamentar eventuais pretensões ressarcitórias no Código Civil. É importante consignar, por fim, que as indenizações pelos danos causados aos que trabalhem com material nuclear ou em instalação nuclear, nos termos do art. 17, serão reguladas pela legislação especial sobre acidentes do trabalho, não estando regidas, portanto, pela Lei nº 6.453/77.

6.2.3 Desnecessidade de demonstração de culpa

Ainda o caput do art. 4º da Lei nº 6.453/77 estabelece que a responsabilidade civil pela reparação de dano nuclear causado por acidente nuclear, exclusiva do operador da instalação nuclear, independerá da existência de culpa. Maria Helena Diniz assim discorre sobre a redação do dispositivo: [...] a simples exploração dessa atividade já torna o explorador responsável civilmente, devido à periculosidade decorrente do desenvolvimento de tal atividade. Logo, não haverá que se falar em ato ilícito para a responsabilização civil dos danos nucleares, visto que a atividade nuclear é lícita e regulada. O simples exercício da atividade gera a responsabilidade do explorador, independentemente da existência de culpa (art. 4º). Nossa lei reconhece, expressamente, a responsabilidade objetiva por dano nuclear. Assim, o explorador deverá arcar com o ônus decorrente de acidente nuclear porque é ele quem retira proveito econômico dessa atividade (DINIZ, 2010, p. 630).

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Vale lembrar que é a própria Constituição Federal de 1988 que dita, em seu art. 21, inciso XXIII, alínea ―d‖, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006, que a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa. A noção de culpa cede lugar, portanto, à noção de risco, ficando o operador da instalação com a qual obtém lucro em posição mais fragilizada em relação ao tradicional sistema de responsabilidade subjetiva, já que se flexibilizam os requisitos para a sua sujeição à reparação do dano. José Jairo Gomes trabalha bem a questão dos fundamentos filosóficos que norteiam a responsabilidade civil em geral: A despeito de a responsabilidade civil ter de reportar-se à previsão legal, que estabelece seus contornos, o sentido valorativo e filosófico que ela exprime prendese à solidariedade e à cooperação que devem presidir qualquer sociedade humana; caso o autor do dano não se solidarize com a vítima, procurando reparar ou minorar as consequências do seu comportamento, impõe a lei esse comportamento cooperativo-solidário, transformando-o em obrigação legal reparatória ou ressarcitória. Destarte, se se buscar o fundamento estritamente jurídico da responsabilidade civil, encontrar-se-ão os dispositivos legais que a prevêem; entretanto, se se indagar sobre o seu fundamento jurídico-filosófico-cultural, certamente serão a solidariedade e a cooperação que despontarão, combinadas, é claro, com a ideia de justiça (GOMES, 2005, p. 221-222).

O substrato ético-filosófico da opção legislativa vazada no dispositivo em comento é, com maior razão, a solidariedade, já que deve responder pelos prejuízos aquele que colhe os proveitos da arriscada atividade nuclear – o operador da instalação –, não deixando as eventuais vítimas desamparadas em caso de acidente. Ulrich Beck trabalha minuciosamente o problema do risco na sociedade pós-moderna, qualificando-a como uma sociedade de risco. Em várias passagens de sua já mencionada obra ―Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade‖, ele ilustra o quão suscetível todas as pessoas atualmente se encontram às ameaças tecnológicas que acompanharam o progresso da técnica, sem que delas possam se distanciar ou fazer face, independentemente de sua posição na escala social. Transcrevem-se a seguir algumas dessas passagens, absolutamente aplicáveis à temática nuclear: A miséria pode ser segregada, mas não os perigos da era nuclear. E aí que reside a novidade de sua força cultural e política. Sua violência é a violência do perigo, que suprime todas as zonas de proteção e todas as diferenciações da modernidade (BECK, 2011, p. 07). Na modernidade desenvolvida, que surgiu para anular as limitações impostas pelo nascimento e para oferecer às pessoas uma posição na estrutura social em razão de suas próprias escolhas e esforços, emerge um novo tipo de destino “adscrito” em função do perigo, do qual nenhum esforço permite escapar. Este se assemelha mais

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ao destino estamental da Idade Média que as posições de classe do século XIX. Apesar disso, não se vê nele a desigualdade dos estamentos (nem grupos marginais, nem diferença entre campo e cidade ou de origem nacional ou étnica, e por aí afora). Diferente dos estamentos ou das classes, ele não se encontra sob a égide da necessidade, e sim sob o signo do medo; ele não é um ―resíduo tradicional‖, mas um produto da modernidade, particularmente em seu estágio de desenvolvimento mais avançado. Usinas nucleares – o auge das forças produtivas e criativas humanas – converteram-se também, desde Chernobyl, em símbolos de uma moderna Idade Média do perigo. Elas designam ameaças que transformam o individualismo moderno, já levado por sua vez ao limite, em seu mais extremo contrário (BECK, 2011, p. 08). Em sua disseminação, os riscos apresentam socialmente um efeito bumerangue: nem os ricos e poderosos estão seguros diante deles. Os anteriormente ―latentes efeitos colaterais‖ rebatem também sobre os centros de sua produção. Os atores da modernização acabam, inevitável e bastante concretamente, entrando na ciranda dos perigos que eles próprios desencadeiam e com os quais lucram (BECK, 2011, p. 44).

Se os perigos ínsitos às instalações nucleares não podem ser segregados, ameaçando de igual forma os indivíduos independentemente de seu pertencimento a qualquer das classes sociais, não há mesmo como deles fugir por completo, o que só reforça a ideia de que o causador do dano nuclear deve se solidarizar com as vítimas atingidas por seu empreendimento, mesmo não tendo concorrido sequer culposamente para tanto.

6.2.4 Cláusulas exonerativas

O art. 6º da Lei nº 6.453/77 contempla uma causa exonerativa da obrigação de indenizar, qual seja, a causação do dano por culpa exclusiva da vítima. No entanto, a excludente é válida somente em relação a ela. Nesse sentido, danos nucleares advindos de um acidente causado pelo ataque de um terrorista que adentrasse uma instalação nuclear e provocasse, após a detonação de uma granada lançada no reator, uma explosão de que decorresse vazamento de material radioativo na atmosfera, por exemplo, seriam indenizáveis a todos os afetados pela aludida poluição radioativa, mas não ao terrorista causador do evento, por maior que fossem os danos por ele suportados, já que por exclusiva culpa sua toda a infeliz trama teria ocorrido. Nessa mesma linha de raciocínio, Carolina Bellini Arantes de Paula não considera a causação dolosa do dano nuclear por terceiro uma excludente geral da responsabilidade do operador da respectiva instalação: A Lei nº 6.453/1977, que regra a responsabilidade civil por danos nucleares em nosso ordenamento, estabelece que o explorador da atividade nuclear tem direito de regresso contra a pessoa física que, dolosamente, deu causa ao acidente. O fato de terceiro está, em face dessa prescrição legal, entre as cláusulas excludentes da atividade nuclear? Acreditamos que não. As características da excludente do fato de terceiro, em síntese, acarretam o rompimento do nexo causal e a liberação do

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agente supostamente responsável. O fato de terceiro é distinto da solidariedade e do direito de regresso. Por tal razão, a singular lei não o acolhe entre as excludentes, já que não lhe atribui os efeitos da excludente (PAULA, 2007, p. 114).

No exemplo dado, o operador ainda teria direito de regresso contra o terrorista. Isso porque o art. 7º da Lei nº 6.453/77 preceitua que o operador somente tem direito de regresso contra a pessoa física que, dolosamente, deu causa ao acidente, ou ainda contra quem admitiu, por contrato escrito, o exercício desse direito. Aqui é de se ressaltar que se houver culpa em sentido estrito por parte do causador do acidente, em qualquer de suas modalidades (imprudência, negligência ou imperícia), ele não poderá ser acionado regressivamente pelo operador da instalação. O art. 8º da Lei nº 6.453/77 contempla assunto de grande interesse doutrinário, a saber, as excludentes gerais de responsabilidade civil por danos nucleares. Por sua dicção, o operador não responde pela reparação do dano resultante de acidente nuclear causado diretamente por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza. Cumpre divagar sobre cada uma delas, anotando-se-lhes as peculiaridades. O conflito armado, como a própria expressão já anuncia, é aquele no qual os grupos que contendem se utilizam de armamentos bélicos, submetendo os envolvidos a um estado de tensão permanente que dura até o cessar-fogo. As hostilidades são sentimentos negativos nutridos por membros de um determinado grupo em relação a membros de outro grupo rival, fundados em diferenças de cunho religioso, étnico, racial ou equivalente que causam instabilidade na convivência entre eles, podendo dar azo a agressões verbais, físicas e até mesmo a conflitos armados. A guerra civil, de seu turno, é uma espécie de conflito armado que ocorre entre grupos rivais que se organizam e contendem dentro de um mesmo Estado-Nação, visando à assunção do poder político no âmbito interno ou tão somente à adoção de medidas normalmente de índole econômica ou social que rompam com as políticas impopulares adotadas pelo governo que está no poder, sem a sua destituição. O excepcional fato da natureza é, para Carolina Bellini Arantes de Paula (2007, p. 131), a única das excludentes mencionadas que não se autocaracteriza, ―em razão da vagueza de seu conceito, que, em uma leitura superficial, equipara-se à força maior‖. Apesar da existência de certa polêmica doutrinária acerca da distinção entre caso fortuito e força maior, conforme destacado no capítulo anterior, este trabalho trata a força maior como o fato inevitável externo ao causador do dano e o caso fortuito como algo relacionado à conduta

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humana. Nessa ordem de ideias, o excepcional fato de natureza, por ser externo ao agente e inevitável, é realmente uma espécie de força maior, se bem que adjetivada. Assim, um fato da natureza comum, como uma chuva de verão anunciada previamente pelos meteorologistas, não seria excepcional, mas, de outra banda, um tsunami de grande magnitude não previsto e sem precedentes bem poderia ser entendido como um fato natural incomum e caracterizar a excludente de responsabilidade por dano nuclear em exame. Questiona-se em sede doutrinária, contudo, acerca da recepção ou não dessas excludentes pela Constituição Federal de 1988. Sérgio Cavalieri Filho é enfático ao afirmar que elas não foram recepcionadas: O art. 8º da Lei nº 6.453/1977 exclui a responsabilidade do operador pelo dano resultante de acidente nuclear causado diretamente por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza. A base jurídica da responsabilidade do explorador da atividade nuclear, entretanto, passou a ser a Constituição a partir de 1988, e esta, em seu art. 21, XXIII, ―d‖, não abre exceção alguma, pelo que entendemos não mais estarem em vigor as causas exonerativas previstas na lei infraconstitucional (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 165).

Filia-se o autor à corrente que entende ter sido adotada a teoria do risco integral na Constituição Federal de 1988 em relação às atividades nucleares. Com efeito, a posição por ele assumida passa necessariamente pela rejeição das excludentes previstas na Lei nº 6.453/77, já que, sendo a teoria do risco integral uma teoria extremada em que não se admitem cláusulas exonerativas de qualquer natureza, não se poderia cogitar de sua adoção para as atividades nucleares caso se entendesse que o conflito armado, hostilidades, a guerra civil, a insurreição ou o excepcional fato da natureza pudessem afastar a responsabilidade. Seria um contrassenso. Nessa linha de raciocínio, mesmo o advento de fatores externos como os indicados, provocadores do rompimento do nexo causal, não possui o condão de afastar a responsabilidade do operador da instalação nuclear, para quem ela foi juridicamente canalizada. Percebe-se, pois, que o sistema legal de responsabilidade civil por danos nucleares, por não compactuar sequer com o caso fortuito ou a força maior, acaba por abrir mão do nexo causal, como bem anota Roberto Senise Lisboa: Possibilita-se, na responsabilidade civil por danos nucleares, que o explorador da atividade venha a indenizar a vítima, pela simples ocorrência do dano. Torna-se prescindível, portanto, a prova do nexo de causalidade. O explorador responde pelo fato da simples exploração da atividade (LISBOA, 2010, p. 388).

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A consequência lógica da adoção da teoria do risco integral em razão da exacerbada carga de risco manifestada na atividade nuclear é, de fato, a flexibilização do requisito da demonstração do nexo causal, que nos casos excepcionais de conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza desaparece e, nem por isso, deixa de ensejar a responsabilidade civil do operador da instalação.

6.2.5 Limitação do valor da indenização

A limitação do valor da indenização configura, como visto, uma das vertentes do princípio da limitação da responsabilidade civil por danos nucleares, quiçá a mais significativa delas. O art. 9º da Lei nº 6.453/77 prescreve que a responsabilidade do operador pela reparação do dano nuclear é limitada, em cada acidente, ao valor correspondente a um milhão e quinhentas mil ORTNs - Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional21, não estando compreendidos nessa soma os juros de mora, os honorários de advogado e as custas judiciais, nos termos de seu parágrafo único. De acordo com a ferramenta de conversão disponibilizada online pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia em seu sítio eletrônico, o valor unitário da ORTN em setembro de 2013 é de R$ 51,45 (cinquenta e um reais e quarenta e cinco centavos). Multiplicando esse valor por 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil), é possível encontrar o teto das indenizações por danos nucleares no Brasil na atualidade: R$ 77.175.000,00 (setenta e sete milhões, cento e setenta e cinco mil reais). O grande problema que se coloca é que essa limitação pode acabar por se traduzir em injustiça, já que o acidente pode causar danos em valores muitos superiores ao teto legal, hipótese em que as vítimas não seriam completamente indenizadas pelos prejuízos sofridos. Nessa conjetura, é a própria Lei nº 6.453/77 que determina, em seu art. 10, que será feito um rateio entre os credores, na proporção de seus direitos, pagando-se primeiramente as 21

A ORTN – Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional era um título emitido pelo Tesouro Nacional que servia como indexador no mercado, já que tinha como característica básica o pagamento de remunerações corrigidas pelos índices inflacionários oficiais. Existiu de 1964 a 1986, quando então, em razão do Plano Cruzado, foi substituída pela OTN – Obrigação do Tesouro Nacional –, que tinha a mesma finalidade. A OTN duraria até 1989, quando então, em razão do advento do Cruzado Novo, foi substituída pelo BTN – Bônus do Tesouro Nacional. O BTN foi extinto em 1991. Diversos outros índices foram utilizados como indexadores de lá para cá, a exemplo da UFIR – Unidade Fiscal de Referência –, que servia para atualizar o valor de tributos e da TR – Taxa Referencial –, utilizada no cálculo do rendimento de títulos públicos, caderneta de poupança e outros investimentos, bem como mútuos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) etc. Ainda hoje a TR é bastante utilizada, ao lado de outros índices como o IGP – Índice Geral de Preços, calculado pela Fundação Getúlio Vargas com base na variação de preços de um conjunto determinado de bens e serviços, e o INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor, calculado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – para medir a evolução do custo de vida nas principais cidades brasileiras.

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indenizações por danos pessoais e só depois, se ainda houver saldo, as indenizações por danos materiais. Nada mudará se a União, organização internacional ou qualquer outra entidade fornecer recursos financeiros para ajudar na reparação dos danos nucleares até o limite previsto no art. 9º da Lei nº 6.453/77: o rateio, nessa hipótese, seguirá os mesmos critérios apontados, devendo as indenizações por danos pessoais gozar de preferência sobre aquelas por danos materiais, nos termos do § 2º do art. 10 da Lei nº 6.453/77. O desejável, no entanto, seria que todos os danos, pessoais e materiais, fossem indenizados em sua integralidade, mesmo que para isso acorressem recursos oriundos de outras fontes que não o próprio operador causador do dano. Fato é que a norma, tal como posta, mais se preocupa com a proteção do patrimônio do operador da instalação nuclear do que com a reparação do dano sofrido pela vítima, na contramão do novo enfoque solidarista da dogmática civilista moderna no tema da responsabilidade civil. Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2012, p. 404) sustenta que a limitação é inconstitucional, mesmo entendimento adotado por Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 165). Com efeito, a redação do já assaz mencionado art. 21, inciso XXIII, alínea ―d‖ não permite que a responsabilidade civil por danos nucleares seja restringida, não podendo lei infraconstitucional reduzir a sua amplitude.

6.2.6 Prazo prescricional

A prescrição nada mais é do que a perda da pretensão reparatória do direito violado, em razão da inércia de seu titular dentro dos prazos previstos em lei. O conceito pode ser extraído da letra do art. 189 do Código Civil, que reza que, ―Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206‖. Naturalmente, leis especiais podem estipular prazos prescricionais específicos para as matérias que regulam, afastando assim a incidência dos prazos gerais previstos nos artigos 205 e 206 do Código Civil. Em total consonância com o art. VI, item 1, da Convenção de Viena, o art. 12 da Lei nº 6.453/77 dispõe que o direito de pleitear indenização por danos nucleares prescreve em 10 (dez) anos, contados da data do acidente nuclear. Já o seu parágrafo único prevê que se o acidente for causado por material subtraído, perdido ou abandonado, o prazo prescricional contar-se-á do acidente, mas não excederá a 20 (vinte) anos contados da data da subtração, perda ou abandono.

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Quando a União for demandada em caráter subsidiário por danos nucleares, nos casos adiante examinados, não será aplicada a prescrição quinquenal que é a regra nas ações contra a Fazenda Pública, conforme acentua Guilherme José Purvim de Figueiredo: Não se aplica, assim, a regra geral estabelecida pelo Dec. 20.910/32, segundo a qual (art. 1º), as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem (FIGUEIREDO, 2011, p. 418).

Não poderia mesmo ser diferente, já que há danos que demoram muitos mais de 5 (cinco) anos para se caracterizarem. Ulrick Beck afirma com muita propriedade que a radioatividade escapa completamente à percepção humana imediata, explicando a sua assertiva da seguinte maneira: Muitos dos novos riscos (contaminações nucleares ou químicas, substâncias tóxicas nos alimentos, enfermidades civilizacionais) escapam inteiramente à capacidade perceptiva imediata. Cada vez mais estão no centro das atenções ameaças que com frequência não são nem visíveis nem perceptíveis para os afetados, ameaças que, possivelmente, sequer produzirão efeitos durante a vida dos afetados, e sim na vida de seus descendentes, em todo caso ameaças que exigem os ―órgãos sensoriais‖ da ciência – teorias, experimentos, instrumentos de medição – para que possam chegar a ser visíveis e interpretáveis como ameaças (BECK, 2011, p. 32).

Também Jacques Demajorovic (2003, p. 39) pontua que os riscos nucleares não podem ser limitados no tempo e espaço. Nessa linha de raciocínio, é forçoso reconhecer que os próprios prazos de 10 (dez) e 20 (vinte) anos previstos no art. 12 da Lei nº 6.453/77 podem configurar óbices ao ressarcimento de danos que tardarem interregno superior para aflorarem. Com efeito, há danos nucleares de caracterização diferida no tempo que a prescrição só pode sufocar no plano jurídico, sem lhes aniquilar, todavia, a inevitável ocorrência no plano fático. Exemplos típicos desses danos não imediatos são o aparecimento do câncer em uma vítima do acidente nuclear anos após a contaminação ou, ainda, o comprometimento da saúde de seus descendentes, conforme explicam Roger A. Hinrichs et al: Uma célula danificada pode crescer de maneira nova e descontrolada, passando a invadir e destruir as células ao seu redor, tornando-se um câncer. Câncer é uma doença provavelmente causada por diversos fatores, o que inviabiliza explicações muito simplificadoras. Um fator que pode estar envolvido com o aparecimento de um câncer é o ataque de vírus às células normais, fazendo que elas passem a se reproduzir descontroladamente. A radiação e outros agentes carcinogênicos (químicos e físicos) podem comprometer a resistência de uma célula saudável a esse vírus. Danos genéticos nas células reprodutivas produzem mutações que serão transmitidas aos descendentes do indivíduo afetado, apesar de, em muitos casos, isto não se tornar visível por algumas gerações (HINRICHS et al, 2010, p. 579).

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O estabelecimento de prazos para as reclamações relativas às indenizações por danos decorrentes de acidentes nucleares ignora o fato de que a saúde, a integridade física e a vida se inserem no rol dos direitos da personalidade, imprescritíveis por natureza. Dessa forma, melhor andaria a lei se estabelecesse a imprescritibilidade dos danos em comento, ou, ainda, um arranjo condizente com a teoria da actio nata, que apregoa que o termo inicial do prazo prescricional para a ação de indenização só ocorre quando o lesado toma conhecimento do fato ou de suas consequências, já que não se pode exigir que ele reclame de um fato desconhecido. Somente uma orientação tal seria capaz de corrigir os inconvenientes do modelo atual, desenhado para beneficiar o operador da instalação nuclear em detrimento da vítima, em total descompasso com o que propugna a dogmática civilista moderna.

6.2.7 Obrigatoriedade do seguro ou outra garantia

Acolhendo a diretriz contida no art. VII da Convenção de Viena, o art. 13 da Lei nº 6.453/77 dispõe que o operador da instalação nuclear é obrigado a manter seguro ou outra garantia financeira que cubra a sua responsabilidade pelas indenizações por danos nucleares. De acordo com Walter Polido, Os riscos nucleares são mundialmente ressegurados em pools atômicos, especialmente constituídos para tal finalidade, pois certamente esse segmento de risco não poderia ser coberto de maneira convencional, dada a sua natureza catastrófica. Também os riscos brasileiros são aceitos e retrocedidos ao exterior, aderindo ao sistema internacional (POLIDO, 2005, p. 289).

No Brasil, a CNEN tem autonomia para determinar quais seriam a natureza e o valor da garantia prestada no ato da licença de construção ou da autorização para a operação, levando em conta o tipo, a capacidade, a finalidade, a localização de cada instalação, bem como os demais fatores previsíveis. Trata-se, pois, de uma condição para o exercício da atividade pelo operador. Existe a possibilidade de que a CNEN dispense o operador de prestar garantia em razão dos reduzidos riscos decorrentes de determinados materiais ou instalações nucleares, bem como de que a natureza e o valor daquela sejam modificados, tanto para mais como para menos, de acordo com eventuais alterações sofridas pela instalação, conforme os parágrafos do dispositivo em comento. Assim, o que fica claro é que existe uma clara relação de direta proporcionalidade entre a garantia prestada e a magnitude dos riscos envolvidos.

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As condições gerais de apólice específica para os seguros de riscos nucleares estão previstas na Circular nº 26, de 22 de julho de 1982, da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP22. É interessante observar que, nos termos de sua cláusula 4ª, a apólice não responderá por prejuízos decorrentes, direta ou indiretamente, de guerra, invasão, ato de inimigo estrangeiro, hostilidade ou operações bélicas, guerra civil, insurreição, rebelião, revolução, conspiração ou ato de autoridade militar ou de usurpadores de autoridade, bem como quaisquer outros que visem a instigar a queda do Governo de fato ou de direito, por meio de atos terroristas ou de violência; de desapropriação permanente ou temporária, decorrente de confisco, nacionalização, intimação por ordem de qualquer autoridade legalmente constituída e de qualquer perda, destruição, dano ou responsabilidade legal direta ou indiretamente causados por armas nucleares, ou para os quais tenham elas contribuído. Como se pode perceber, é possível que, em certos casos, o operador da instalação nuclear seja demandado pelo dano nuclear despido de qualquer garantia. Essa é uma das razões pelas quais a União poderá ser chamada a responder por tal dano, de forma subsidiária, até o limite legal - ou mesmo além dele, a depender do juízo que se faça acerca da constitucionalidade do dispositivo que estipula um teto para o valor das indenizações -, tema que, por sua inegável importância, desafia a abertura de um novo tópico.

6.2.8 Responsabilidade civil subsidiária da União até o limite legal

Em consonância com a parte final do item 1 do art. VII da Convenção de Viena, o art. 14 da Lei nº 6.453/77 coloca a União como garante do pagamento das indenizações até o limite legal quando insuficientes os provenientes do seguro ou de outra garantia, hipótese em que ela arcará com os recursos complementares necessários. O art. 15 da Lei nº 6.453/77, de seu turno, também coloca a União na mesma posição em relação aos danos decorrentes de acidentes provocados por material nuclear ilicitamente possuído ou utilizado e não relacionado a qualquer operador. É claro que a ideia de responsabilização subsidiária da União só terá lugar quando não for ela própria a operadora, caso em que será responsabilizada em primeiro plano.

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A SUSEP é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda. Criada pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que também instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, ela tem como atribuições controlar e fiscalizar os mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro.

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Na verdade, como a limitação do valor das indenizações é inconstitucional, é necessário encontrar uma resposta para o seguinte questionamento: a União pode ser acionada subsidiariamente para arcar com as indenizações que extrapolem o limite legal? Maria Helena Diniz (2010, p. 631) pensa que sim, e o fundamento que utiliza para tal posicionamento é o da socialização dos riscos: uma vez que as atividades nucleares interessam a toda a coletividade, nada mais justo que a União assuma os riscos de eventuais acidentes, assegurando assim uma proteção eficaz às vítimas. José Jairo Gomes, de seu turno, aprofunda no estudo da socialização dos riscos referida, assinalando o seguinte: A socialização supõe a progressiva imersão do indivíduo no corpo social. Essa concepção sustenta que o dever de ressarcir todo e qualquer dano há de ser carreado ao Estado, e, pois, à sociedade em geral – e não ao seu autor – porquanto todas as pessoas são beneficiárias dos riscos criados pela vida social. O homem, por outro lado, não pode deter o progresso e o avanço das ciências, pois tal equivaleria a barrar sua própria evolução (GOMES, 2005, p. 235).

Dessa forma, é possível afirmar, em síntese, que a responsabilidade subsidiária da União não se submete ao inconstitucional limite indenizatório posto na lei. Antes, pelo contrário, vai até onde se fizer necessário para indenizar por completo o dano experimentado pela vítima. Responsabilizando-se de tal forma o ente público, nada mais se estará fazendo do que socializando o risco da atividade com a distribuição do ônus entre os membros da coletividade, destinatários dos benefícios proporcionados pelo funcionamento das instalações nucleares. Com tais considerações, encerra-se o estudo proposto sobre o sistema legal brasileiro de responsabilidade civil por danos nucleares. Tendo em vista que o art. 16 da Lei nº 6.453/77 dispõe que ela não é aplicável às hipóteses de dano causado por emissão de radiação ionizante quando o fato não constituir acidente nuclear, cumpre então indagar qual será o regime de responsabilização civil aplicável, questão que desafia a abertura de um novo capítulo.

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7 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS RADIOATIVOS 7.1 A não submissão dos danos radioativos à disciplina da Lei nº 6.453/77 Conforme já se adiantou, o sistema de responsabilidade civil da Lei nº 6.453/77 é restrito aos danos nucleares, já que o art. 16 do diploma em questão exclui expressamente do seu âmbito de alcance as hipóteses de danos causados por emissão de radiação ionizante quando o fato não constituir acidente nuclear. Sobre o assunto, assim discorre Carlos Alberto Gonçalves: A Lei nº 6.453/77, no entanto, restringe o conceito de dano nuclear àquele que envolva materiais nucleares existentes em ―instalação nuclear‖, ou dela procedentes ou a ela enviados, deixando a descoberto de seu rígido e adequado sistema protetivo os eventos relativos às instalações radioativas‖, que em outros países também se encontram sob a égide da responsabilidade nuclear (GONÇALVES, 2012, p. 116).

Dessa forma, restando indene de dúvidas que os danos radioativos não são por ela abrangidos, há que se proceder a uma perquirição cuidadosa acerca de qual sistema irá regêlos, inquietação que desafiou a abertura deste novo capítulo. Percebendo a imperfeição de tal opção legislativa, Carlos Alberto Bittar assinala o seguinte: Observa-se, assim, infelizmente, que a nossa lei opta pelo sistema fechado de delimitação das atividades nucleares, circunscrevendo-as, apenas e expressamente, às realizadas nas instalações nucleares – nos termos indicados no tópico anterior – com projeção externa apenas em relação ao transporte de substâncias nucleares de uma instalação para outra instalação. Traça, pois, linhas bem restritas para as atividades nucleares, inclinando-se, em consequência, por um sistema mínimo de proteção às eventuais vítimas. Com efeito, face à citada orientação e em consonância com a diretriz interpretativa anotada, escapam de seu contexto as demais atividades nucleares que não se enquadram no circuito enunciado – e, portanto, sem as suas garantias especiais – ficando subordinadas aos princípios e regras da teoria geral da responsabilidade civil e, quando muito, conforme o caso, das atividades perigosas, se possível o encarte, em função dos parâmetros à ocasião expostos (assim, por exemplo, as aplicações feitas nos diferentes campos possíveis, como industriais, em laboratórios, em institutos e outros locais em que se empregam as substâncias radioativas). Não nos parece tenha o nosso legislador acolhido o posicionamento mais adequado – expresso, em nosso entender, na lei espanhola – pois, conforme salientamos, se, por uma parte, devem ser incrementadas essas atividades – face ao extenso leque de novas utilidades proporcionado – há que se garantir, como valores maiores na sociedade, a vida e a saúde das pessoas que nela se integram, as quais ficam à mercê dos infinitos riscos defluentes de qualquer atividade relacionada à utilização de materiais nucleares (BITTAR, 1985, p. 162-163).

As críticas transcritas realmente procedem. Se modernamente a vítima é o foco central da responsabilidade civil e se, do ponto de vista prático, os efeitos produzidos pelos danos

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nucleares são muito parecidos com aqueles produzidos pelos danos radioativos, não há mesmo razão convincente para conferir-se tratamento desigual a tais situações. Carlos Roberto Gonçalves é partidário de um tratamento isonômico para os danos nucleares e os radioativos, ao afirmar que [...] com a uniformidade de solução para as diversas situações, ajustar-se-ão ao espírito protetivo da legislação especial as atividades desenvolvidas nas ‗instalações radioativas‘, assim consideradas aquelas em que existam riscos de contaminação pelo grau de perigo que as substâncias empregadas concentrem, em face do respectivo espectro (GONÇALVES, 2012, p. 116).

Paulo Affonso Leme Machado (2011, p. 971) afirma que ―Em caso de acidente radioativo, aplica-se a responsabilidade civil objetiva prevista na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31.8.1981)‖, sem explicar o fundamento dessa posição. Não se pode concordar integralmente com a assertiva: ela é parcialmente verdadeira, já que, se por um lado, é pertinente no tocante aos danos ambientais radioativos, não serve para os danos radioativos pessoais e nem para os patrimoniais que não implicarem ofensa a microbens ambientais, conforme será visto a seguir.

7.2 A incidência do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, nas atividades radioativas Não estando as atividades radioativas submetidas à regência da Lei nº 6.453/77, é preciso examinar se elas podem ser caracterizadas como atividades normalmente desenvolvidas que, por sua natureza, implicam risco para os direitos de outrem, de maneira a amoldarem-se à letra do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, atraindo assim a responsabilização objetiva nele contemplada. Para tanto, é necessário analisar, em um primeiro momento, a estrutura semântica do dispositivo, tido como uma verdadeira cláusula geral de responsabilidade objetiva, que ora se transcreve novamente ―Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem‖. Com o desiderato de se fixar os contornos da norma, fixando-lhe o alcance exato, convém destrinchar o dispositivo em duas partes. A primeira, a dispor que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, não apresenta maiores dificuldades, já que ratifica os vários diplomas especiais já existentes que cominam a responsabilidade objetiva a

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determinadas atividades para as quais o regime tradicional da responsabilidade subjetiva seria insuficiente, além de deixar em aberto a possibilidade de que novas leis do mesmo gênero venham a ser editadas. A rigor, nem seria necessária essa previsão, já que, mesmo antes dela, diversas leis esparsas já previam sistemas específicos de responsabilidade, sem sofrer qualquer contestação, a exemplo do Decreto Legislativo nº 2.681/12 (responsabilidade das estradas de ferro); do Decreto Legislativo nº 3.7247/19 (responsabilidade civil por acidentes do trabalho); do Decreto-lei nº 227/67, também conhecido como Código de Minas (responsabilidade pelos danos causados à propriedade onde ocorre a exploração do minério); Decreto-lei nº 483/38, também conhecido como Código Brasileiro do Ar (responsabilidade por danos causados a terceiros no solo); da própria Lei nº 6.453/77 (responsabilidade civil por danos nucleares), da Lei nº 6.938/81 (responsabilidade por danos causados ao meio ambiente); da Lei 8.078/90, também conhecida como Código de Defesa do Consumidor (responsabilidade nas relações de consumo); e da Lei nº 8.884/94, também conhecida como Lei Antitruste (responsabilidade por infrações contra a ordem econômica), quase integralmente revogada pela Lei nº 12.519/01. A segunda parte, todavia, apresenta alguns desafios, a saber: identificar o que se contém na expressão ―atividade normalmente desenvolvida‖ e também o que significa ―implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem‖. Quanto à primeira, Sérgio Cavalieri Filho bem fundamenta o seu entendimento, centrando sua análise no termo ―atividade‖: Em que sentido o Código teria empregado, aqui, a palavra ―atividade‖? Esta é a questão nodal. Não nos parece que tenha sido no sentido de ação ou omissão, porque essas palavras foram utilizadas no art. 186 na definição do ato ilícito. Vale dizer: para configurar a responsabilidade subjetiva (que normalmente decorre da conduta pessoal, individual) o Código se valeu das expressões ―ação‖ ou ―omissão‖. Agora, quando quis configurar a responsabilidade objetiva em uma cláusula geral, valeu-se da palavra ―atividade‖. Isso, a toda evidência, faz sentido. Aqui não se tem em conta a conduta individual, isolada, mas sim a atividade como conduta reiterada, habitualmente exercida, organizada de forma profissional ou empresarial para realizar fins econômicos. Reforça essa conclusão o fato de que a doutrina e a própria lei utilizam a palavra ―atividade‖ para designar serviços. No Direito Administrativo, por exemplo, define-se serviço público com o emprego da palavra ―atividade‖ (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 186-187).

Quanto ao restante da expressão –―normalmente desenvolvida‖- não há dificuldades ou celeumas doutrinários: diz respeito à regularidade com que o serviço é prestado, à habitualidade referida por Sérgio Cavalieri Filho no trecho transcrito, em oposição a seu

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exercício extraordinário. Nessa última hipótese, a atividade deixaria então de ser normalmente desenvolvida pelo agente para se caracterizar como algo excepcional, não corriqueiro. No tocante à segunda expressão, há espaço para polêmica ao se buscar aferir quando é que a atividade implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Poder-se-ia enxergar essa natureza somente nas atividades que possuem um risco notoriamente acentuado, filiando-se à subteoria do risco excepcional abordada no Capítulo 5, ou concebê-la também em atividades que apresentem riscos que lhe são inerentes, conquanto sejam moderados. A depender do caminho trilhado, estar-se-ia dando um caráter restritivo ou extensivo à expressão. Para os efeitos do estudo proposto, contudo, tanto faz a inclinação por uma ou outra diretriz, já que as atividades radioativas, dotadas de riscos intrínsecos, estarão inquestionavelmente colhidas pela expressão em comento. Assim é que a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas em instalações radioativas, se dotada de regularidade ou habitualidade, será considerada atividade radioativa que implica, por sua natureza, risco para os direitos de outras pessoas, atraindo, assim, a disciplina do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, e subordinando-se, por consequência, à responsabilização objetiva nele contemplada. 7.3 A especificidade da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente causados pelas atividades radioativas O recurso ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil, de modo a tornar objetiva a responsabilidade civil pelos danos decorrentes das atividades radioativas, somente se aplica àqueles de natureza pessoal ou patrimonial que não se caracterizarem como danos ao meio ambiente, uma vez que estes contam com um sistema específico de responsabilidade, desenhado na Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. A Lei nº 6.938/81, em seu art. 14, § 1º, contempla também a responsabilidade objetiva, assim prevista: Art. 14 [...] § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (BRASIL, 1981).

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Poder-se-ia indagar então qual é a relevância de se distinguir entre, de um lado, os danos radioativos pessoais e patrimoniais (excetuados os que simultaneamente também se caracterizarem como danos ambientais) e, de outro, os danos radioativos ambientais ou danos ambientais radioativos, já que em ambos os casos a responsabilidade será igualmente objetiva, prescindindo assim da demonstração de culpa. A resposta é simples: o fundamento utilizado em um ou outro caso arrastará consigo a incidência das demais disposições normativas de cada um dos respectivos sistemas, acarretando importantes consequências de ordem prática. Em excelente estudo sobre o dano ambiental, José Rubens Morato Leite e Patrick de Araújo Ayala (2011, p. 99-101) listam como algumas características do dano tradicional o fato de eles atingirem pessoas (pessoalidade) ou seus bens, a certeza, a atualidade, a subsistência, a anormalidade, a existência de um nexo causal definido, a prescritibilidade, a relativa facilidade na produção probatória, entre outras, ao passo que, relativamente ao dano ambiental, que pode ser puro (quando atinge componentes ambientais) ou reflexo (quando incide nas esferas individuais), elencam como alguns traços possíveis a impessoalidade, a incerteza, a futuridade, a gradatividade, a tolerância social, a indefinição do nexo de causalidade, a imprescritibilidade, a maior complexidade na produção de provas etc. Nessa ordem de ideias, os danos ambientais decorrentes do exercício desastrado das atividades radioativas serão regidos pelo sistema da Lei nº 6.938/81, sendo necessário identificar, no entanto, no caso concreto, se o dano ambiental radioativo experimentado pela vítima do acidente radioativo foi puro ou reflexo, já que há consequências práticas no campo da prescrição. Quando se trata de um dano ambiental radioativo puro, entendido como aquele que molesta o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na sua acepção difusa de macrobem, imaterial e incorpóreo, a agressão a esse bem pertencente a toda coletividade não pode ser regida pelas regras clássicas de prescrição do Direito Civil. Na falta de regras específicas quanto à prescrição do dano ambiental no Brasil, sustenta-se tanto em âmbito doutrinário quanto jurisprudencial, sem polêmicas, que tal espécie de dano há de ser reputada imprescritível, já que a fixação de limites temporais poderia aniquilar a fruição metaindividual do referido direito. No entanto, em se tratando de um dano ambiental radioativo reflexo, que atinge interesses individuais relacionados à propriedade sobre elementos ambientais em sua acepção particularizada de microbem, com projeção apenas incidental sobre o macrobem ambiental, aí sim pode incidir a regra clássica de prescrição contida no art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, que dispõe que prescreve em 3 (três) anos a pretensão de reparação civil. No entanto,

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nada impede que seja ajuizada uma ação civil pública pelo Ministério Público ou por quaisquer dos demais legitimados em defesa do macrobem ambiental atingido, caso em que a demanda não estará sujeita a prazos prescricionais. Em conclusão, verifica-se que o mesmo acidente radioativo pode afetar o meio ambiente tanto em sua dimensão de macrobem quanto de microbem, dando ensejo, por conseguinte, a pretensões reparatórias coletivas em sentido lato e a pretensões individuais, que serão gravadas, respectivamente, pela imprescritibilidade ou pela prescritibilidade.

7.4 Estudo de caso: o acidente radioativo de Goiânia sob o ângulo da responsabilidade civil Os contornos fáticos do acidente radiológico de Goiânia, que é uma espécie de acidente radioativo, já foram abordados no item 4.4, de modo que, neste momento, não se tenciona repeti-los. Pretende-se analisá-lo, desta feita, sob o prisma jurídico, dando-se especial destaque para o tema de responsabilidade civil. A localização deste tópico no presente capítulo justifica-se por permitir avaliar com um caso concreto a incidência (ou não) das linhas teóricas adrede mencionadas, perquirindo-se criticamente se houve acerto nas decisões judiciais que enfrentaram o problema nos tribunais. Nesse iter, optou-se por se reportar, num primeiro momento, a uma das várias demandas de caráter individual propostas, nas quais as vítimas experimentaram perdas patrimoniais relacionadas a elementos ambientais em sua acepção particularizada de microbem, para, em seguida, dar-se notícias de uma demanda coletiva em que foram pedidas indenizações destinadas ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, relativas à agressão ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na sua conformação de macrobem. Para fechar a análise jurisprudencial do enfrentamento do acidente pelos tribunais, abordou-se mais uma demanda individual, desta feita relacionada a danos pessoais sofridos por algumas vítimas em razão do desastre. De início, cumpre proceder-se então à transcrição da ementa de um acórdão relacionado a uma demanda individual, cujos detalhes serão adiante expostos: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DEMOLIÇÃO DE IMÓVEL. CÉSIO 137. PRESCRIÇÃO. 1. Tendo a área onde situada a casa dos Autores sido evacuada e isolada, a construção demolida e sobre o terreno colocado um bloco de concreto para isolar o lixo radioativo que ali permanecerá por 150 anos, evitando a propagação da radiação pelos terrenos vizinhos, a conduta administrativa equivale, em seus efeitos, a uma desapropriação indireta, justificando-se a aplicação do prazo de prescrição ditado pela Súmula 119 do STJ.

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2. Apelação a que se nega provimento. Remessa oficial parcialmente provida. (TRF1, Apelação Cível nº 1997.35.00.009798-3/GO, 6ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Julgado em 28/04/2006 e publicado no D.J em 15/05/2006, p. 92).

Na origem, os Autores Euleriano Antônio dos Santos, Euglogina dos Santos, Genoveva Lázaro dos Santos, Reginer Ribeiro Santos, Otaílio Teodoro Valadão e Sandra Regina Valadão postularam, na qualidade de herdeiros, indenização por danos morais e materiais contra a União Federal, a CNEN, o Estado de Goiás, o Instituto da Previdência e Assistência dos Servidores do Estado de Goiás – IPASGO –, e as pessoas naturais Criseide Castro Dourado, Flamarion Barbosa Goulart, Júlio José Rozental, Sebastião Ferreira de Carvalho, por terem perdido a casa em que sua mãe vivia em virtude da sua contaminação pelo Césio-137. Na petição inicial distribuída ao juízo a quo, os autores alegaram que, a partir de 1º de outubro de 1987, foi isolada uma área de 2.000 m2 (dois mil metros quadrados), compreendendo 25 (vinte e cinco) casas, que foram evacuadas para que fosse desenvolvido o trabalho de remoção de resíduos radioativos, sendo que, entre as casas mencionadas, encontrava-se a da mãe deles, que teve que ser demolida. De acordo com os autores, no terreno onde se situava a casa, foi em seguida colocado um bloco de concreto para bloquear o lixo radioativo, evitando assim a propagação da radiação, que, por questões de segurança, ali deverá ficar por 150 (cento e cinquenta) anos. Ainda segundo a inicial, eles e sua mãe tiveram que ser afastados compulsoriamente do imóvel aludido. Como a ação de indenização somente foi ajuizada em 1997, entendeu-se na primeira instância pela ocorrência da prescrição quinquenal em favor da União e da CNEN, deixandose de reconhecê-la em favor do Estado de Goiás apenas por ausência de arguição. Irresignado, o Estado de Goiás interpôs recurso de apelação. Na apreciação do caso em segunda instância, a 6ª Turma do Tribunal Regional da 1ª Região afastou logo de início a incidência dos prazos prescricionais previstos na Lei nº 6.453/77, considerando acertadamente que ela somente se aplica aos danos nucleares e não aos danos radioativos. Em seguida, considerou não ser possível a aplicação da prescrição quinquenal de demandas contra a Fazenda Pública no caso concreto, tendo em vista que a ação proposta objetivou recompor o prejuízo causado por desapossamento que se caracteriza como desapropriação indireta, a justificar a invocação da Súmula 119 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a ação de indenização por desapropriação indireta prescreve em 20

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(vinte) anos. O valor da indenização foi quantificado de modo a abranger o valor do terreno e respectivas construções, acrescido de juros compensatórios de 12% (doze por cento) ao ano desde a data do desapossamento e de juros moratórios de 6% (seis por cento) ao ano. Na mesma decisão, deu-se parcial provimento à remessa oficial para submeter a questão, via Recurso Especial, à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, sempre por unanimidade. Naquela corte, o Recurso Especial recebeu o número 930.589, estando ainda pendente de julgamento. Veja-se que a solução dada pela 6º Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região foi juridicamente irretocável. Se por um lado, a demanda, por possuir um caráter individual, não é imprescritível, por outro, não poderia mesmo ser regida pelo exíguo prazo prescricional das demandas contra entes públicos quando, na verdade, o desapossamento da casa aniquilou o exercício dos principais atributos de sua propriedade pelos autores, caracterizando inequivocamente a hipótese de desapropriação indireta, prescritível em 20 (vinte) anos. Dando prosseguimento à análise das repercussões jurídicas do acidente, cumpre agora enfocar a fundamentação de outra decisão judicial em uma ação coletiva por meio da qual se buscou a tutela do meio ambiente na sua acepção de macrobem. Tendo em vista o vultoso corpo da respectiva ementa, optou-se por transcrever, neste momento, apenas o seu caput, remetendo-se o leitor para os anexos caso queira ter acesso à sua íntegra:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE. ACIDENTE RADIOLÓGICO EM GOIÂNIA COM BOMBA DE CÉSIO 137. DANO AMBIENTAL E PESSOAL. PRESCRIÇÃO. PODER DE POLÍCIA, FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS. VIGILÂNCIA SANITÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO DE CLÍNICA MÉDICA. RESPONSABILIDADE DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE. ABANDONO DE MATERIAL RADIOATIVO POR PROPRIETÁRIO DA CLÍNICA. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. OBRIGAÇÃO DE FAZER (PRESTAÇÃO DE ATENDIMENTO MÉDICO HOSPITALAR ÀS VÍTIMAS), OBRIGAÇÃO DE DAR (PAGAMENTO AO FUNDO DE DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS). (TRF1, Apelação Cível nº 2001.01.00.014371-2 / GO, 5ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Julgado em 27/07/2005 e publicado no D.J em 15/08/2005).

O julgado ora analisado diz respeito a ação civil pública proposta na origem pelo Ministério Público Federal, em litisconsórcio ativo facultativo com o Ministério Público do Estado de Goiás (posteriormente excluído da lide), contra a União Federal, a CNEN, o Estado de Goiás, o IPASGO, e as pessoas naturais Carlos de Figueiredo Bezerril, Criseide Castro

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Dourado, Orlando Alves Teixeira e Flamarion Barbosa Goulart, proprietários e físico, respectivamente, do IGR, e Amaurillo Monteiro de Oliveira, responsável pela demolição do prédio em que se encontrava o equipamento, com base em inquérito civil público instaurado em razão do acidente radiológico com a bomba de Césio-137. Na extensa petição inicial que inaugurou o feito, os autores narraram em minúcias as circunstâncias em que se deram os fatos e, ao final, requereram a responsabilização civil, mediante condenação: a) da União Federal, posto que titular do monopólio da exploração dos materiais nucleares e seus derivados, ao pagamento de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) ao Fundo Estadual do Meio Ambiente; b) da CNEN, cujas atribuições relativas ao poder de polícia e controle dos materiais radioativos não foram preventivamente exercidas, ao pagamento da importância de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a ser revertida ao Fundo Estadual do Meio Ambiente; c) do Estado de Goiás, a quem competia a fiscalização das unidades hospitalares, ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Fundo Estadual do Meio Ambiente; d) do IPASGO, proprietário do terreno em que se situava o antigo edifício do IGR, por não haver promovido as medidas necessárias à vigilância do local, até a remoção dos equipamentos ali abandonados, ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Fundo Estadual do Meio Ambiente; e) dos demais réus, médicos proprietários do IGR e físico supervisor da manipulação do material relativo, pela inobservância das regras afetas à respectiva licença de utilização do aparelho radiológico, ao pagamento individual de R$ 100.000,00 (cem mil reais), destinados ao Fundo Estadual do Meio Ambiente. Foram pleiteadas, ainda, cominações em várias obrigações de fazer relativamente à União, Estado de Goiás e CNEN, entre as quais algumas destinadas a satisfazer interesses individuais das vítimas. Encerrada a instrução e proferida a sentença, foi reconhecida a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal em relação aos últimos pedidos, bem como se promoveu a exclusão da relação processual, por ilegitimidade passiva, da União Federal, de Carlos Figueiredo Bezerril, de Criseide Castro Dourado e de Orlando Alves Teixeira. Foi reconhecida a prescrição quinquenária do pedido de condenação do Estado de Goiás, mas incoerentemente condenou-se a CNEN ao pagamento de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei nº 7.347/85 e Decreto nº 1.306/94, bem como a sujeição a diversas obrigações de fazer. Também o IPASGO, assim como Flamarion Barbosa Goulart e Amaurillo Monteiro de Oliveira, foram condenados ao pagamento individual de R$ 100.000,00 (cem mil reais), cada um, ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

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Irresignados, cada qual por seu motivo, apresentaram recurso de apelação o Ministério Público Federal, a CNEN, o IPASGO e Amaurillo Monteiro de Oliveira. Na análise das preliminares, considerou-se não haver prescrição a ser decretada em relação a quaisquer dos réus ao argumento de que o dano ambiental, por ser de ordem pública, é indisponível e insuscetível de prescrição, embora patrimonialmente aferível. Nesse ponto, ficou implícito que a referência foi dirigida ao meio ambiente na acepção de macrobem e não na de microbem, como não poderia deixar de ser em uma demanda de natureza coletiva. No mérito, manteve-se a sentença apelada para o efeito de considerar a União parte ilegítima, ao argumento de que a fiscalização das clínicas que utilizem aparelhos de radiologia compete apenas às Secretarias de Saúde dos Estados, e não também ao Ministério da Saúde, de forma concorrente. Nesse particular, laboraram em erro os julgadores, conforme será demonstrado mais à frente. Com base no Decreto nº 77.052, de 19 de janeiro de 1976, que dispõe sobre a fiscalização sanitária e sua execução e estabelece, em seu artigo 1º, que compete às Secretarias de Saúde dos Estados verificar a adequação das condições do ambiente onde se processa a atividade profissional, a existência de instalações, equipamentos e aparelhagem, meios de proteção capazes de evitar efeitos nocivos e técnicas de utilização dos equipamentos, reformou-se a sentença monocrática para condenar o Estado de Goiás a pagar ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos nos termos da Lei nº 7.437/85 e Decreto nº 1.306/94 a indenização de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e a cumprir obrigações de fazer diversas, relacionadas principalmente ao atendimento especial médico-hospitalar às vítimas e a seu devido acompanhamento. Reformou-se a sentença ainda no ponto em que excluíra da lide Carlos Figueiredo Bezerril, Criseide de Castro Dourado e Orlando Alves Teixeira, sócios proprietários do IGR, declarando-se sua legitimidade passiva ad causam. Reputou-se que eles agiram com culpa porque deixaram de prever o previsível ao transferiram a sede da clínica para outro endereço, abandonando no antigo prédio a bomba de Césio-137 sem comunicar o fato à CNEN ou à Secretaria de Estado de Saúde. Fixou-se a condenação deles de forma solidária a pagarem ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos a indenização de R$ 100.000,00 (cem mil reais). No tocante à CNEN, considerou-se que à época dos fatos já era atribuição sua a de esclarecer a população sobre o perigo dos rejeitos radioativos, razão pela qual se entendeu que existiu nexo de causalidade entre a sua omissão e o fato danoso, embora não tão imediato quanto o nexo de causalidade entre a omissão da autoridade sanitária do Estado de Goiás e o mesmo evento. Considerando não haver motivos para a fixação da condenação da CNEN em

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patamares superiores àquela imposta ao Estado de Goiás, reduziu-se o seu valor para R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos e reformou-se ainda a sentença para dela decotar algumas obrigações de fazer impostas à CNEN estranhas às suas atribuições, tais como a prestação de assistência médico-hospitalar, transporte de ambulância, manutenção de sistema de notificação epidemiológica e de centro de atendimento a médicos. Quanto ao IPASGO, manteve-se a sua condenação ao pagamento de indenização de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos com os mesmos argumentos da sentença recorrida, ou seja, considerou-se que a inobservância de seus deveres civis de proprietário fez com que o referido instituto deixasse transcorrer in albis a última chance de evitar o acidente, omitindo-se quando lhe era imposto agir. Nenhum reparo tampouco foi feito em relação a Amaurillo Monteiro de Oliveira, pelo que novamente se considerou que o seu comportamento foi imprudente, já que ele demoliu parte do prédio sem tomar providências para retirar a bomba de Césio-137 do imóvel que ficou devassado, o que permitiu que catadores de sucata nele adentrassem e se apoderassem do temido artefato e o partissem ao meio. Por tais motivos, manteve-se a sua condenação ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Como se vê, o julgado analisou com vagar a responsabilidade civil de cada um dos atores envolvidos na trama nefasta. No entanto, na análise pormenorizada das condutas deflagradoras do resultado danoso ao macrobem ambiental, quer comissivas ou omissivas, nem sempre houve acerto. A conduta omissiva da União no sentido de fiscalizar, por meio do Ministério da Saúde, as instalações guarnecidas de equipamentos radiológicos, em concorrência com a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, foi indevidamente desconsiderada ao argumento de que a atribuição legal para tanto competia apenas e tão somente ao último órgão aludido. No entanto, em outra oportunidade, ao analisar nova demanda, esta de cunho individual, a 6ª Turma do Tribunal Regional da 1ª Região entendeu de forma diversa. Os catadores de sucata Roberto Santos Alves e Wagner Mota Pereira, pessoas que descobriram a peça contendo o pó brilhante de Césio-137 e posteriormente a venderam a um ferro velho, dando início a toda a tragédia, foram severamente contaminados: Roberto sofreu grave lesão no braço direito, a qual culminou com a amputação desse membro, ao passo que Wagner teve radiolesões não cicatrizadas nas mãos e pés com alterações hematológicas. Na ação de reparação de danos pessoais, eles acionaram os mesmos réus mencionados no julgado anterior, tendo então o referido órgão fracionário da corte, por ocasião da apreciação de um agravo retido, reconhecido a legitimidade passiva ad causam da União. Novamente, em razão

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do tamanho do julgado, optou-se por transcrever apenas o caput de sua ementa, remetendo-se o leitor aos anexos para ter acesso ao seu inteiro teor: ADMINISTRATIVO E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE RADIOATIVO. BOMBA DE CÉSIO 137. DANOS PESSOAIS. AGRAVO RETIDO. NÃO REQUERIMENTO EXPRESSO DE SUA APRECIAÇÃO NAS RAZÕES DO APELO. NÃO CONHECIMENTO. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO RECONHECIDA. CONEXÃO E LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADAS. ABONDONO DO APARELHO DE RADIOTERAPIA. FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS CIVIS. (TRF1, Apelação Cível nº 2003.01.00.038194-4/GO, 6ª Turma, Relatora Convocado Juiz Federal David Wilson de Abreu Pardo, Julgado em 22/10/2007 e publicado no D.J. em 07/12/2007).

Em mais um desdobramento do feito, por ocasião da interposição de Recurso Especial, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reapreciou a questão, corroborando então o entendimento da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no sentido da responsabilidade concorrente da União pela fiscalização dos equipamentos de radioterapia:

ADMINISTRATIVO. DIREITO NUCLEAR. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ACIDENTE RADIOATIVO EM GOIÂNIA. CÉSIO 137. ABANDONO DO APARELHO DE RADIOTERAPIA. DEVER DE FISCALIZAÇÃO E VIGILÂNCIA SANITÁRIO-AMBIENTAL DE ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO E DOS ESTADOS. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social. 2. O art. 8º do Decreto 81.394⁄1975, que regulamenta a Lei 6.229⁄1975, atribuiu ao Ministério da Saúde competência para desenvolver programas de vigilância sanitária dos locais, instalações, equipamentos e agentes que utilizem aparelhos de radiodiagnóstico e radioterapia. 3. Cabe à União desenvolver programas de inspeção sanitária dos equipamentos de radioterapia, o que teria possibilitado a retirada, de maneira segura, da cápsula de Césio 137, que ocasionou a tragédia ocorrida em Goiânia em 1987. 4. Em matéria de atividade nuclear e radioativa, a fiscalização sanitário-ambiental é concorrente entre a União e os Estados, acarretando responsabilização solidária, na hipótese de falha de seu exercício. 5. Não fosse pela ausência de comunicação do Departamento de Instalações e Materiais Nucleares (que integra a estrutura da Comissão Nacional de Energia Nucelar – CNEN, órgão federal) à Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, o grave acidente que vitimou tantas pessoas inocentes e pobres não teria ocorrido. Constatação do Tribunal de origem que não pode ser reapreciada no STJ, sob pena de violação da Súmula 7. 6. Aplica-se a responsabilidade civil objetiva e solidária aos acidentes nucleares e radiológicos, que se equiparam para fins de vigilância sanitário-ambiental. 7. A controvérsia foi solucionada estritamente à luz de violação do Direito Federal, a saber, pela exegese dos arts. 1º, I, ―j‖, da Lei 6.229⁄1975; 8º do Decreto 81.384⁄1978; e 4º da Lei 9.425⁄96.

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8. Recurso Especial não provido. (STJ, Recurso Especial nº 1.180.888 - GO (2010⁄0030720-3); Relator Ministro Herman Benjamin; STJ, 2ª Turma, Julgado em 17/06/2010 e publicado no DJE em 28/02/2012).

O Recurso Especial em tela foi manejado pela União, que alegou, entre outras teses, não possuir legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, pelo que requereu a extinção do feito sem julgamento de mérito, uma vez que os recorridos, a seu sentir, não haviam comprovado culpa ou dolo por parte dos agentes estatais, não se aplicando o art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988. Insurgiu-se ainda contra o entendimento abraçado pela corte de origem, no sentido de que é dever da União "fiscalizar e vasculhar todos os imóveis nos quais já tenham se instalado clínicas radioterápicas para verificar a existência de equipamentos potencialmente danosos à comunidade local que tenham sido abandonados por seus antigos proprietários", a exemplo do IGR, que era de propriedade do Instituto de Previdência do Estado de Goiás à época do acidente. Ao analisar a argumentação expendida nas razões recursais, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concluiu, por unanimidade, pela existência de nexo de causalidade entre a omissão da União e o resultado danoso experimentado pelos recorridos, tanto pela ausência de pronta resposta da CNEN quanto ao destino que deveria ter sido dado ao equipamento após o desligamento do IGR, como ainda por meio do Ministério da Saúde, que não desenvolveu plano de programas de vigilância sanitária dos locais, instalações, equipamentos e agentes que utilizem aparelhos de radiodiagnóstico e radioterapia, em afronta ao disposto no art. 8º do Decreto nº 81.384/1978, regulamentador da Lei nº 6.229/1975, vigente à época dos fatos. Laborou em acerto a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao confirmar a legitimidade passiva ad causam da União e a condenação sofrida pelo referido ente público no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, não só porque essa é a melhor exegese da legislação infraconstitucional em vigor, que prevê a concorrência de competências fiscalizatórias nesse campo entre União e Estados, como também porque, em se tratando de atividades tão arriscadas como as que envolvem o uso de equipamentos radiológicos, a inviolabilidade do direito à segurança da coletividade, prevista no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988, é mais bem resguardada com um duplo controle, realizado por órgãos integrantes de entes estatais diversos. Conclui-se, de um modo geral, que o enfrentamento do acidente radioativo de Goiânia pelos tribunais foi tecnicamente adequado com a responsabilização de seus causadores de forma objetiva, embora não se possa deixar de lamentar o grande atraso na prestação jurisdicional que se constata ao lançar os olhos sobre as datas das respectivas decisões.

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Tecidos esses apontamentos, resta apenas analisar a questão da responsabilidade civil por danos causados por rejeitos radioativos, tema que desafia a abertura de um novo e propositalmente derradeiro capítulo. Considerando que os rejeitos despontam no final do ciclo do combustível nuclear e também já na etapa de descartes das aplicações dos materiais radioativos na agricultura e em indústrias, clínicas médicas, hospitais, centros de pesquisa etc., nada mais adequado do que tratar dos danos eventualmente causados por eles no fecho do presente trabalho.

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8 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DOS REJEITOS RADIOATIVOS 8.1 Classificação dos rejeitos e dos depósitos

Os rejeitos radioativos, também chamados de rejeitos atômicos ou ainda de lixo radioativo ou atômico são uma fonte de ameaça para toda a humanidade, como bem anota Ulrich Beck: É certo que os riscos não são uma invenção moderna. Quem – como Colombo – saiu em busca de novas terras e continentes por descobrir assumiu riscos. Estes eram, porém, riscos pessoais, e não situações de ameaça global, como as que surgem para toda a humanidade com a fissão nuclear ou com o acúmulo de lixo nuclear. A palavra ―risco‖ tinha, no contexto daquela época, um tom de ousadia e aventura, e não o da possível autodestruição da vida na Terra (BECK, 2011, p. 25).

São geradas e estocadas, anualmente, toneladas de rejeitos radioativos em todo o mundo, sem que, até hoje, tenha sido encontrada uma solução definitiva acerca do destino de todo esse lixo, perigoso por natureza. Paulo de Bessa Antunes bem contextualiza a questão do lixo atômico no caso brasileiro, basicamente identificando-a como proveniente de três fontes: Os problemas mais significativos existentes no Brasil referentes aos rejeitos radioativos são aqueles causados pelo Césio 137, na cidade de Goiânia, capital do Estado de Goiás; pelos rejeitos da usina nuclear de Angra dos Reis e por mineradoras que trabalham como material radioativo na extração mineral e, simplesmente, deixam o rejeito decorrente de sua atividade para que a sociedade e o Poder Público o tratem (ANTUNES, 2009, p. 865).

A Lei nº 10.308, de 20 de novembro de 2001, dispõe sobre a seleção de locais, a construção, o licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a indenização, a responsabilidade civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos radioativos, e dá outras providências. Na dicção do art. 1º, inciso III, da Lei nº 6.453/77, produtos ou rejeitos radioativos são os materiais radioativos obtidos durante o processo de produção ou de utilização de combustíveis nucleares, ou cuja radioatividade se tenha originado da exposição às irradiações inerentes a tal processo. Ainda de acordo com o art. 1º, inciso IV, do referido diploma, os rejeitos radioativos são considerados materiais nucleares, ao passo que o art. 1º, inciso VI, alínea ―c‖ dispõe que são consideradas instalações nucleares os locais de armazenamento de materiais nucleares. O dispositivo exclui do conceito os radioisótopos que tenham alcançado o

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estágio final de elaboração e que possam ser utilizados para fins científicos, médicos, agrícolas, comerciais ou industriais. Ocorre que, para os fins da Lei nº 10.308/2001, também os rejeitos relacionados à utilização científica, médica, agrícola, comercial ou industrial são considerados rejeitos radioativos. Isso porque o parágrafo único do seu art. 1º dispõe que ―Para efeito desta Lei, adotar-se-á a nomenclatura técnica estabelecida nas normas da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN‖. A norma CNEN-NE 6.06, de novembro de 1989, em seu item 17, dispõe que rejeito radioativo (ou simplesmente rejeito) é ―qualquer material resultante de atividades humanas, que contenha radionuclídeos em quantidades superiores aos limites de isenção de acordo com Norma da CNEN, e para o qual a reutilização é imprópria ou imprevista‖. Dessa forma, no sistema da Lei nº 10.308/2001, rejeitos radioativos não se restringem àqueles oriundos do ciclo do combustível nuclear, abrangendo também os rejeitos derivados das demais formas de aplicação da tecnologia nuclear mencionadas. Estabelecida essa premissa, cumpre então salientar que os rejeitos radioativos podem ser classificados quanto ao estado físico em líquidos, sólidos e gasosos; quanto à natureza da radiação, que pode ser de raios alfa, beta e/ou gama e ainda quanto à concentração, que pode ser de baixa, média ou alta radioatividade23. Cada tipo de rejeito demandará cuidados específicos e por essa razão será destinado a um local apropriado para a sua natureza, denominado depósito, em nome do resguardo da segurança. Os depósitos são classificados em provisórios, iniciais, intermediários e finais. Os depósitos provisórios são construídos a critério exclusivo da CNEN, em situações excepcionais, nos casos de acidentes radiológicos ou nucleares. A seleção do local, projeto, construção, operação e administração dos depósitos provisórios, ainda que executados por terceiros devidamente autorizados, são de exclusiva responsabilidade da CNEN, bem como a assunção de todos os custos, inclusive os relacionados à remoção de rejeitos e descomissionamento, e bem assim a fiscalização deles, no campo de competência específica atribuída por lei à CNEN. Independem de licenciamento 24 e devem ser desativados, com a 23 24

No Brasil, apenas a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto produz rejeitos de alta radioatividade.

Malgrado a ausência de previsão no corpo da lei em comento, Paulo Affonso Leme Machado diz que a construção de depósito provisório está sujeita a licenciamento ambiental. Segundo ele, ―Os prazos podem ser diminuídos, mas não as medidas de precaução, pois a provisoriedade não pode significar agressão à saúde e à segurança dos indivíduos, da sociedade e da natureza‖ (2011, p. 983-984). A visão do autor em questão é um tanto quanto ingênua, já que, na prática, ocorrendo um acidente radioativo (radiológico ou não) ou nuclear, a urgência de se guardar temporariamente os rejeitos gerados em um depósito provisório é tanta que não há tempo para submetê-lo a qualquer tipo de licenciamento. Pensar em sentido contrário aumentaria a possibilidade de agressão à saúde, à segurança dos indivíduos, da sociedade e da natureza e não o contrário, como sustenta o mencionado ambientalista.

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transferência total dos rejeitos para depósito intermediário ou depósito final, segundo critérios, procedimentos e normas especialmente estabelecidos pela CNEN. Os depósitos iniciais destinam-se ao armazenamento dos rejeitos radioativos no espaço físico da instalação nuclear que os tenha gerado ou no local de extração ou de beneficiamento de minério, por um período definido de tempo, ao passo que os depósitos intermediários são aqueles destinados a receber e, eventualmente, acondicionar rejeitos radioativos, objetivando a sua futura reutilização ou remoção para depósito final, em observância aos critérios de aceitação e outros definidos pela CNEN. Já os depósitos finais25, também designados repositórios, são aqueles destinados a receber, em observância aos critérios estabelecidos pela CNEN, os rejeitos radioativos provenientes de depósitos ou armazenamentos iniciais, depósitos intermediários e depósitos provisórios. Todos esses conceitos estão contidos na norma CNEN-NE-6.06, de dezembro de 1989. À exceção dos depósitos provisórios, todos os demais (iniciais, intermediários e finais) serão construídos, licenciados, administrados e operados segundo critérios, procedimentos e normas estabelecidos pela CNEN (sem prejuízo das licenças ambientais e outras legalmente exigíveis), sendo vedado, nos depósitos finais, o recebimento de rejeitos radioativos na forma líquida ou gasosa. Importa destacar que é da União, com base nos arts. 21, inciso XXIII, e 22, inciso XXVI, da Constituição Federal de 1988, por meio da CNEN, no exercício das competências que lhe são atribuídas pela Lei nº 6.189, de 16 de dezembro de 1974, modificada pela Lei nº 7.781, de 27 de junho de 1989, a responsabilidade pelo destino final dos rejeitos radioativos gerados em território nacional, competência reforçada pelo art. 2º da Lei nº 10.308/2001. Indaga-se então: onde serão construídos os depósitos? Esse é um assunto que demanda a abertura de um novo tópico.

8.2 Localização dos depósitos

A definição dos locais onde serão construídos os depósitos é problemática do ponto de vista prático, já que ser vizinho do perigo não é interessante para quem quer que seja. Não se pode imaginar que alguém, em sã consciência e no perfeito gozo de suas faculdades mentais, acharia bom que a CNEN construísse um depósito de rejeitos radioativos, seja provisório,

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Os terrenos selecionados para depósitos finais serão declarados de utilidade pública e desapropriados pela União, quando já não forem de sua propriedade, nos termos do parágrafo único do art. 6º da Lei nº 10.308/01.

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inicial, intermediário ou final no quintal de sua casa. Aqui ocorre mais uma manifestação do que o Direito Ambiental chama de síndrome do NIMB – not in my backyard, ou seja, não no meu quintal. Tal qual se passa em relação às usinas nucleares26, os depósitos de rejeitos radioativos, pelos inerentes riscos que apresentam, ocasionam desvalorização imobiliária, apreensão da população, que passa a viver sob estado de alerta, entre outros efeitos que explicam a pouca simpatia de que gozam na opinião pública. Somente sob o crivo das normas regularmente editadas é possível viabilizar essas escolhas, sem embargo das naturais contestações que podem ocorrer, bastante frequentes ao redor do mundo. De acordo com a dicção dos arts. 5º e 6º da Lei nº 10.308/2001, a seleção de locais para depósitos iniciais obedecerá aos critérios estabelecidos pela CNEN para a localização das atividades produtoras de rejeitos radioativos, ao passo que a seleção de locais para instalação de depósitos intermediários e finais obedecerá não só aos critérios estabelecidos pela CNEN, como também a seus procedimentos e normas. Assim é que, no caso dos depósitos intermediários e finais, a opção pelos locais em que serão instalados deve estar de acordo também com norma CNEN-NE-6.06. Em qualquer das hipóteses, contudo, é a CNEN que fará a escolha do Município que receberá o depósito. Considerando-se que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 6º, dispõe que as usinas que operem com reator nuclear deverão ter a sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas, questiona-se se a norma vale também para a localização dos depósitos de rejeitos radioativos. Paulo Affonso Leme Machado entende que sim, ao argumento de que pelo menos no tocante aos rejeitos provenientes de usina com reator nuclear, deve haver lei federal específica, já que, como não existe consulta ao Estado e ao Município27 escolhido, a manifestação dos parlamentares federais é necessária (2011, p. 986). De fato, esse seria um caminho que conferiria um grau mínimo de legitimidade a uma intervenção tão violenta e indesejada pelas comunidades locais como essa. Já em relação aos rejeitos provenientes de instalações radioativas, se distintos daqueles oriundos das instalações nucleares, poder-se-ia admitir a dispensa de lei prévia ao se analisar o ordenamento jurídico posto, embora não se possa deixar de reconhecer que a chancela parlamentar também seria bem-vinda nesses casos, em que pese a sua não obrigatoriedade. 26

Ulrick Beck observa com precisão que ―Onde quer que uma usina nuclear ou termoelétrica seja construída ou planejada, caem os preços dos terrenos‖. (2011, p. 45). 27

Goza de consenso o entendimento de que o Município não pode vedar a construção de depósitos de rejeitos radioativos em seu espaço geográfico. No entanto, se determinada área estiver destinada a uma finalidade específica no plano diretor, a CNEN, em tese, não poderia utilizá-la para a construção daqueles. Caberia a ela, nessa hipótese, escolher outra área adequada sem o embaraço apontado.

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Feitas essas ponderações, cumpre perquirir-se acerca do destino dado aos rejeitos radioativos nos dias atuais, tarefa que exige uma diferenciação didática entre rejeitos relacionados à utilização científica, médica, agrícola, comercial ou industrial da tecnologia nuclear e rejeitos do ciclo de combustível. Os rejeitos da primeira categoria, compreendidos como aqueles gerados na produção de radioisótopos e na sua aplicação na indústria, clínicas médicas, hospitais, centros de pesquisa, agricultura etc., estão sendo atualmente armazenados nas unidades administradas pela CNEN, conforme aponta Goro Horimoto: No Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, em São Paulo, onde são tratados os rejeitos gerados no próprio instituto e aqueles recolhidos de hospitais, clínicas, indústrias, universidades e centros de pesquisa localizados principalmente na região sul do país, além do Estado de São Paulo; No Instituto de Engenharia Nuclear, no Rio de Janeiro, onde são tratados os rejeitos gerados no próprio instituto e aqueles recolhidos de hospitais, clínicas, indústrias, universidades e centros de pesquisa localizados no Estado do Rio de Janeiro; No Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, em Belo Horizonte, onde são tratados os rejeitos gerados no próprio instituto e aqueles recolhidos de hospitais, clínicas, indústrias, universidades e centros de pesquisa localizados nos demais estados brasileiros (HORIMOTO, 1999, p. 15).

Já quanto aos rejeitos do ciclo de combustível, gerados durante as etapas de fabricação e utilização do combustível nuclear, retrocedendo-se desde a mineração até o reprocessamento ou armazenamento do combustível queimado, novamente Goro Horimoto (1999, p. 15) tece esclarecimentos sobre o local onde são depositados:

Na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em Angra dos Reis, onde estão armazenados os rejeitos gerados na própria usina. No Complexo Industrial de Poços de Caldas, onde estão armazenados os rejeitos gerados na purificação de concentrados de urânio e tório. Nos depósitos da antiga Usina Santo Amaro, já desativada, em São Paulo e Botuxim (SP), onde estão armazenados os rejeitos gerados na purificação de terras raras extraídas da monazita (HORIMOTO, 1999, p. 15).

O alvo de maior preocupação, evidentemente, são os rejeitos de alta radioatividade produzidos nas usinas nucleares em funcionamento no Brasil, sobre os quais vale conferir a síntese feita por José Eli da Veiga: Finalmente, a dor de cabeça mais séria: os rejeitos radioativos, apelidados de lixo radioativo ou lixo atômico. São classificados em três categorias: os de baixa radioatividade, podem ser manipulados sem necessidade de blindagem; os de média, exigem blindagens para proteção dos operadores; e os de alta radioatividade, contidos no combustível usado, requerem, além da blindagem, o resfriamento por longos períodos, para remover o calor que geram continuadamente. Nas usinas de Angra dos Reis, após tratamento (conforme o tipo: compactação, incineração, evaporação, filtração, lavagem de gases, etc.), os rejeitos das duas

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primeiras categorias são acondicionados em tambores de 200 litros e estocados em depósitos iniciais, especialmente projetados e construídos para esse fim, na própria central, estando à espera de implantação, no Brasil, de um repositório definitivo, prometido para 2018. Já os elementos combustíveis usados, que contêm os de alta radioatividade, são inicialmente mantidos dentro das usinas, em piscinas refrigeradas, para posterior armazenagem de longo prazo em depósito especialmente projetado e construído para esse fim. No Brasil, esse depósito de longo prazo está prometido para 2026, prevendo posterior decisão quanto ao aproveitamento do plutônio e urânio residual (reprocessamento e reciclagem) (VEIGA, 2011, p. 16-17).

No Relatório do Grupo de Trabalho Fiscalização e Segurança Nuclear da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, foi explicitada a razão pela qual está ocorrendo tanta demora na construção de um depósito definitivo:

No Brasil, todo combustível nuclear usado até agora está acondicionado em estruturas inseridas em uma piscina de água purificada no próprio sítio da região de Angra dos Reis, onde ficam os dois reatores nucleares de potência [...]. A adoção de um depósito definitivo vem sendo postergada devido à rejeição dos governos estaduais e municipais: eles não querem receber esse material em seu território (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2007, p. 142-143).

Justamente para vencer essa resistência é que o art. 34 da Lei nº 10.308/2001 prevê uma compensação financeira aos Municípios não inferior a 10% (dez por cento) dos custos pagos à CNEN pelos depositantes finais de rejeitos nucleares, que serão recebidos e transferidos mensalmente. Nos depósitos iniciais e intermediários em que não houver pagamento à CNEN, o titular da autorização da operação da instalação geradora de rejeitos pagará diretamente a compensação ao Município, em valores estipulados pela CNEN, levando em consideração valores compatíveis com a atividade da geradora e os parâmetros estabelecidos no § 1º do art. 18, conforme preceitua o § 3º do art. 34, todos da Lei nº 10.308/2001. Trata-se de uma medida de estímulo ao Município para receber em seus domínios tão delicado empreendimento, cuja manutenção, no tocante aos resíduos altamente radioativos, pode chegar até dez mil anos. Se no plano interno se busca estimular, como visto, que Municípios se candidatem a essa incômoda presteza mediante o pagamento de generosas compensações financeiras, por outro lado se proíbe expressamente em lei que, no plano internacional, o Brasil aceite receber rejeitos radioativos de outros países, por mais tentadores que sejam os estímulos financeiros oferecidos, ainda mais atrativos em períodos de crise econômica. Nesse sentido é que o art. 36 da Lei nº 10.308/2001 dispõe que é proibida a importação de rejeitos radioativos,

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proporcionando assim um antídoto legal para que o Brasil se resguarde contra eventuais investidas externas, vindas principalmente de países desenvolvidos.

8.3 Atribuições legais para a concepção do projeto, construção, instalação, administração e operação dos depósitos No art. 8º da Lei nº 10.308/2001, ressalva-se que o projeto, a construção e a instalação de depósitos iniciais de rejeitos radioativos são de responsabilidade do titular da autorização outorgada pela CNEN para operação da instalação onde são gerados os rejeitos. A ele também competirão sua administração e operação, consoante dispõe o art. 12 da Lei nº 10.308/2001, bem como os custos relativos à seleção de locais, projeto, construção, instalação, licenciamento, administração, operação e segurança física dos depósitos iniciais, nos termos do art. 16 da Lei nº 10.308/2001. No entanto, no que tange ao projeto, construção e instalação de depósitos intermediários e finais de rejeitos radioativos, a responsabilidade é da CNEN, o que não obsta a delegação desses serviços a terceiros, hipótese em que será mantida a responsabilidade integral da CNEN, nos termos do art. 9º e seu parágrafo único da Lei nº 10.308/2001. Idêntico raciocínio se aplica à administração e operação desses depósitos: também cabem à CNEN e podem ser delegados a terceiros, sem exclusão da responsabilidade daquela, nos termos do art. 13 da Lei nº 10.308/2001. Os custos relativos à seleção de locais, projeto, construção, instalação, licenciamento, administração, operação e segurança física dos depósitos intermediários e finais, na mesma toada, serão suportados pela CNEN, mas ela poderá celebrar com terceiros convênios ou ajustes de mútua cooperação relativos à efetivação total ou parcial dessas atividades, tampouco se isentando, com isso, de sua responsabilidade, consoante o disposto no art. 17 da Lei nº 10.308/2001. No entanto, o serviço de depósito intermediário e final de rejeitos radioativos não é gratuito, como a norma pode aparentar à primeira vista: os seus respectivos custos deverão ser indenizados à CNEN pelos depositantes, conforme tabela aprovada pela Comissão Deliberativa da CNEN, a vigorar a partir do primeiro dia útil subsequente ao da publicação no Diário Oficial da União, como dispõe o art. 18 da Lei nº 10.308/2001, havendo isenção apenas para os projetos vinculados à Defesa Nacional.

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8.4 Licenciamento e fiscalização dos depósitos

A tão almejada sustentabilidade ambiental, traduzida numa equidade intergeracional, conta com valiosos instrumentos de garantia, sendo talvez o mais corpulento deles o instituto do licenciamento ambiental, vocacionado a conferir efetividade aos princípios da precaução e da prevenção, tão caros à disciplina do Direito Ambiental. Sua importância é enfatizada pelo simples fato de que, por meio dele, o Estado atua antes da ocorrência de perturbações de toda sorte ao meio ambiente, buscando controlar e limitar as atividades potencialmente degradadoras. Em relação ao licenciamento dos depósitos iniciais, intermediários e finais, a competência é da CNEN, no que respeita especialmente aos aspectos referentes ao transporte, manuseio e armazenamento de rejeitos radioativos e à segurança e proteção radiológica das instalações, sem prejuízo da licença ambiental e das demais licenças legalmente exigíveis, nos termos de seu art. 10 da Lei nº 10.308/2001, ao passo que a fiscalização deles será exercida pela CNEN, no campo de sua competência específica, sem prejuízo do exercício por outros órgãos de atividade de fiscalização prevista em lei, conforme dispõe o seu art. 11. Vê-se, portanto, que tal como ocorre com as instalações nucleares, também em relação aos depósitos de rejeitos radioativos, independentemente da categoria, são necessárias pelo menos duas licenças: uma a cargo da CNEN e outra a cargo do IBAMA. Noutro giro, importa destacar que os órgãos responsáveis pela fiscalização desses depósitos enviarão anualmente ao Congresso Nacional relatório sobre a sua situação, conforme dispõe o art. 35 da Lei nº 10.308/2001. Nesse ponto, a lei se coaduna perfeitamente com o quanto previsto no art. 21, XXIII, ―a‖, e no art. 49, XVI, da Constituição Federal de 1988, que preconizam, respectivamente, que toda atividade nuclear somente será admitida com aprovação do Congresso Nacional e que é de sua competência exclusiva aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares. Não se previu, contudo, qualquer sanção para o descumprimento dessa obrigação por parte da CNEN, IBAMA e outros órgãos porventura dotados, por lei, de competência fiscalizatória. Nesse cenário, como bem ressalta Paulo Affonso Leme Machado, ―o Ministério Público Federal tem uma grande tarefa em fazer cumprir essa obrigação de informar, através de recomendações, inquéritos civis e propositura de ação civil pública‖. (2011, p. 944). Com efeito, em matérias tão comumente tratadas com a insígnia do sigilo, como tudo o que diz respeito ao universo da energia nuclear, é deveras salutar que o aparato institucional

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do Estado possa se movimentar dentro de uma dinâmica de freios e contrapesos para exigir transparência quando ela é sonegada, em nome do interesse público. Luís Paulo Sirvinskas discorre com maestria sobre o direito correlato a essa obrigação, que é o direito à informação: O direito à informação é extremamente importante para o cidadão (art. 5º, XXXXIII, da CF). Todo cidadão tem o direito de receber as informações necessárias de seu interesse particular ou coletivo para poder tomar as medidas adequadas. Assim, não é lícito o sigilo pura e simplesmente. É necessário que o cidadão tome conhecimento do pedido de licenciamento da instalação nuclear, bem como do material radioativo produzido e dos rejeitos que serão eliminados ou estocados na área (SIRVINSKAS, 2012, p. 355).

Em síntese, pode-se afirmar que não há melhor fiscal da regularidade do exercício de uma atividade do que o povo; no entanto, sem a prestação das devidas informações pelos órgãos estatais incumbidos da fiscalização e controle dos depósitos de rejeitos radioativos, a sociedade fica impedida de cobrar o cumprimento da lei, com inquestionável prejuízo para a democracia.

8.5 Responsabilidade civil pelos danos causados por rejeitos radioativos propriamente dita Enfim, o assunto que mais de perto interessa ao trabalho dentro do presente capítulo: a temática da responsabilidade civil pelos danos causados pelos rejeitos radioativos. Inicialmente, há que se dizer que os rejeitos provenientes de instalações nucleares dão ensejo à eclosão de danos que são enquadrados na categoria de danos nucleares, já que os depósitos de rejeitos dessa natureza são locais de armazenamento de materiais nucleares e, como tais, amoldam-se ao conceito de instalações nucleares vazado na Lei nº 6.453/77, atraindo, assim, a incidência desse mesmo diploma. Já os rejeitos oriundos das instalações radioativas, embora não dêem azo à ocorrência de danos nucleares, também serão regidos pela Lei nº 6.453/77, já que o art. 32 da Lei nº 10.308/01 dispõe textualmente que ―A responsabilidade civil por danos decorrentes das atividades disciplinadas nesta Lei será atribuída na forma da Lei nº 6.453, de 1977‖. Dessa forma, a distinção tem apenas valor acadêmico, mas pouca relevância prática, já que tanto os danos provocados por rejeitos oriundos do ciclo de combustível nuclear como os provenientes de usos ligados à indústria, clínicas médicas, hospitais, centros de pesquisa, agricultura etc. são submetidos à mesma disciplina, acrescida das particularidades previstas na

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especial regulação da Lei nº 10.308/01. Naturalmente, a mesma sorte toca aos depósitos que recebam rejeitos de ambas as origens. É importante destacar ainda que tal diploma, a Lei nº 10.308/01, utiliza a terminologia ―danos radiológicos‖ impropriamente, já que os rejeitos que aportam nos depósitos não são provenientes apenas de clínicas de radiologia, mas de toda e qualquer fonte de emissões que manipula a tecnologia nuclear. Melhor seria que o legislador tivesse optado por uma expressão compreensiva de todos os usos da tecnologia nuclear28. A lei em comento prevê, em seu art. 19, que nos depósitos iniciais, a responsabilidade civil por danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados por rejeitos neles depositados, independente de culpa ou dolo, é do titular da autorização para operação daquela instalação, ao passo que, nos depósitos intermediários e finais, a responsabilidade civil, também independente de culpa ou dolo, é da CNEN, nos termos do art. 20. Da cláusula de remissão contida no art. 32, já mencionada, resulta que também haverá limitação da responsabilidade do titular da operação ao art. 9º da Lei nº 6.453/77, que reza que ―A responsabilidade do operador pela reparação do dano nuclear é limitada, em cada acidente, ao valor correspondente a um milhão e quinhentas mil Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional‖. Como já se asseverou alhures, a limitação do valor da indenização não passa pelo filtro do exame de constitucionalidade, já que, como dito, o art. 21, inciso XXIII, alínea ―d‖, da Constituição Federal de 1988 não permite que a responsabilidade civil por danos nucleares seja restringida, valendo o mesmo para os danos causados por rejeitos, sejam de qual espécie forem. A rigor, em relação aos danos ambientais causados pelos rejeitos, nem seria necessário taxar a limitação contida no regime da Lei nº 6.453/77 de inconstitucional, já que, em relação a eles, há um sistema especial de responsabilidade, já tratado neste trabalho, qual seja, o da Lei nº 6.938/81, que não compactua com limitações no quantum indenizatório. Paulo Affonso Leme Machado critica, com razão, a técnica legislativa utilizada nesses dispositivos, já que, em vez de dizer ―independente de culpa ou dolo‖, bastaria consignar ―independente de culpa‖ que já estaria bem dito, caminho trilhado, aliás, pela Lei nº 6.453/77, que em seu art. 4º utiliza a expressão ―independentemente da existência de culpa‖. (2011, p. 981).

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Muito embora o termo ―radioativo‖ não se confunda com o termo ―nuclear‖, conforme importante diferenciação já trabalhada, a ementa do diploma sugere que o adjetivo ―radioativos‖ utilizado para qualificar os rejeitos oriundos tanto de instalações nucleares como radioativas foi empregado em uma acepção lata. Nessa toada, ainda que cometendo deslize terminológico, haveria coerência no corpo do texto se, em vez da expressão ―danos radiológicos‖, fosse utilizada a expressão ―danos radioativos‖.

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Com efeito, a acepção lata do termo culpa abrange tanto o dolo como a culpa em sentido estrito, sendo suficiente para expressar ambos os elementos subjetivos. De toda forma, ainda que pecando na redação, o legislador seguiu a diretriz propugnada no art. 21, XIII, alínea ―d‖, da Constituição Federal de 1988, para estabelecer a responsabilidade objetiva em relação a esses danos.

8.6 O transporte e a remoção dos rejeitos radioativos entre os depósitos sob o enfoque da responsabilidade civil Quando se fala em transporte de rejeitos entre depósitos, obrigatoriamente se está dizendo que o veículo empregado para tanto utiliza a via pública. Aliás, é nesse ponto que repousa a distinção entre transporte e remoção. Na remoção, os rejeitos são levados dos depósitos iniciais para os intermediários ou para os finais dentro do próprio complexo nuclear, sem que seja necessário se recorrer a vias públicas para o deslocamento em questão. O transporte dos rejeitos entre um tipo de depósito e outro, como é intuitivo, também apresenta riscos, e é exatamente por tal motivo que se afigura desejável que as distâncias envolvidas sejam as menores possíveis. A logística dos rejeitos deve priorizar a minimização dos riscos, sendo este, inclusive, um critério técnico importante a ser levado em conta no momento de seleção do local onde o depósito será construído. A lei cuidou de disciplinar as competências relativas à remoção do lixo atômico entre os depósitos mencionados – de iniciais para intermediários e finais e de intermediários para finais –, abrangendo ainda, em sua dicção, a questão dos custos respectivos. No transporte de rejeitos dos depósitos iniciais para os depósitos intermediários ou de depósitos iniciais para os depósitos finais, a responsabilidade civil por danos ―radiológicos‖ pessoais, patrimoniais e ambientais causados por rejeitos radioativos é do titular da autorização para operação da instalação que contém o depósito inicial, conforme preceitua o art. 21 da Lei nº 10.308/2001, ao passo que no transporte de rejeitos dos depósitos intermediários para os depósitos finais, a responsabilidade civil é da CNEN, que continuará integralmente responsável mesmo que delegue o referido serviço de transporte, conforme estipula o art. 22 da Lei nº 10.308/200129. A remoção de rejeitos de depósitos iniciais para depósitos intermediários ou de depósitos iniciais para depósitos finais, a seu turno, sempre precedida de autorização 29

O art. 177, § 3º, da Constituição Federal, prevê que a lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional.

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específica da CNEN, é da responsabilidade do titular da autorização para operação da instalação geradora dos rejeitos, que arcará com todas as despesas diretas e indiretas decorrentes, nos termos do art. 14 da Lei nº 10.308/2001. Já a remoção de rejeitos dos depósitos intermediários para os depósitos finais é de responsabilidade da própria CNEN, que arcará com todas as despesas diretas e indiretas decorrentes, sendo possível também a delegação a terceiros sem exoneração de sua responsabilidade, conforme preceitua o art. 15 da Lei nº 10.308/2001. Como se pode perceber, a lei coerentemente tratou o transporte e a remoção dos rejeitos radioativos de maneira uniforme. Seria deveras inconcebível conferir disciplina diversa a atividades tão similares, razão pela qual o diploma legal, neste particular, é digno de encômios. 8.7 A necessidade de seguro ou outra garantia financeira para a operação dos depósitos O mesmo seguro ou outra garantia financeira que deve ser mantido obrigatoriamente pelo operador da instalação nuclear para cobrir a sua responsabilidade pelas indenizações por danos nucleares é necessário para que possam ser concedidas as autorizações para operação de depósitos iniciais, intermediários ou finais, nos termos do art. 23 da Lei nº 10.308/2001, mesmo que eles não se enquadrem tecnicamente no conceito de instalação nuclear, como é o caso daqueles que recebem apenas rejeitos derivados das formas de aplicação da tecnologia nuclear que não estejam inseridas no ciclo de combustível nuclear. A regra não se aplica aos depósitos provisórios, já que a situação emergencial que dá ensejo à construção deles não compactua com a contratação de um seguro ou garantia congênere. Com efeito, a flexibilização das exigências para a edificação de depósitos dessa natureza, também exemplificada pela dispensa de licenciamento, melhor resguarda o interesse público, consubstanciado na necessidade de solução imediata para o urgente problema dos rejeitos resultantes de acidentes nucleares ou radiativos. Como o titular da autorização para operar a atividade geradora dos rejeitos é o responsável pela operação e administração dos depósitos iniciais, é dele a obrigação de prestar seguro ou outra garantia financeira. Noutro giro, decorre da redação do art. 23 da Lei nº 10.308/2001 que a própria CNEN deve prestar garantia para que ela mesma possa se licenciar no tocante aos depósitos intermediários ou finais, sem prejuízo da licença a cargo do órgão ambiental e das demais licenças exigidas em lei.

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É importante lembrar que a lei permite ainda que a operação e o descomissionamento dos depósitos intermediários e finais sejam delegados a terceiros. Nessa hipótese, o prestador de serviços deverá oferecer garantia para cobrir as indenizações por danos radiológicos, o que não afasta a responsabilidade da CNEN. Ocorre que a CNEN, após ser acionada em eventual demanda indenizatória, poderá voltar-se contra os terceiros que receberam a delegação para atuar em seu nome e o fizeram sem a observância das devidas cautelas. A garantia em questão favorece a CNEN, já que, podendo ela ser demandada em primeiro plano pela vítima, não poderia se ver alijada de mecanismos para se ressarcir posteriormente perante o prestador de serviço que tenha agido culposa ou dolosamente. Cumpre ressaltar que o direito de regresso em relação a prestadores de serviço só poder ser exercido pela CNEN quando eles tenham agido, no mínimo, de forma culposa, conforme exige o art. 33 da Lei nº 10.308/2001. Pode-se afirmar, em balanço, que a obrigatoriedade da prestação de garantias para a operação dos depósitos deu-se de tal abrangente forma que todas as suas espécies e possíveis operadores foram contemplados no texto legal, do que se extrai, também neste particular, o seu inegável mérito.

8.8 A obrigatoriedade de fornecimento de guarda policial pelo Estado para garantia da segurança física e inviolabilidade dos depósitos provisórios: uma abordagem à luz da Constituição Federal de 1988

O art. 30 da Lei nº 10.308/2001 estabelece que o Estado em cujo território ocorrer o acidente e a consequente instalação dos depósitos provisórios será responsável pelo fornecimento de guarda policial para a garantia da sua segurança física e inviolabilidade. Andou mal o legislador nesse ponto, já que o art. 21, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, diz competir à União explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza. Ora, sendo os depósitos provisórios uma espécie de serviço nuclear, não se concebe como pode a Polícia Militar do Estado onde ocorrer o acidente ser compelida a exercer tal múnus, nem tampouco como o Estado em questão pode ser responsabilizado civilmente em caso de falha na segurança física deles, como estipula o parágrafo único do art. 31 da Lei nº 10.308/2001. A inconstitucionalidade dos dispositivos em questão é manifesta, restando caracterizada clara afronta à repartição de competências materiais trazidas pelo texto magno.

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Faz-se mister ponderar, todavia, que razões de ordem prática recomendam que o encargo da segurança seja realmente atribuído ao Estado até que a União, por meio de seus órgãos competentes, tenha acesso ao local da instalação e a partir daí assuma o ônus em questão. Seria deveras um atentado contra a razoabilidade deixar-se de recorrer, temporária e excepcionalmente, às corporações dos Estados, maciçamente presentes na grande maioria dos Municípios brasileiros, para atuar nessas situações calamitosas até o momento da chegada da Polícia Federal ou do Exército. O interesse público exige que elas atuem, não deixando hiatos de submissão da população aos riscos de contaminação em razão da completa ausência do Poder Público. Apenas durante esse curto período em que as Polícias Militares dos Estados estiverem incumbidas da inviolabilidade dos depósitos provisórios é que se pode pensar em responsabilizar o Estado por eventuais falhas ou omissões; fora dele, a previsão legal aludida não faz sentido. Somente o arranjo ora sugerido (possibilidade de responsabilização dos Estados unicamente até a chegada dos órgãos competentes da União) é capaz de garantir a segurança física e inviolabilidade dos depósitos provisórios sem ultrajar o pacto federativo. Por fim, impende gizar que o art. 31, caput, da Lei nº 10.308/2001, dispõe que a responsabilidade civil por danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados por rejeitos nos depósitos provisórios ou durante o transporte do local do acidente para o depósito provisório e deste para o depósito final é da CNEN. Veja-se que aqui o dano não está relacionado à falha na segurança física dos depósitos, cuja responsabilidade respectiva, como se viu, foi atribuída ao Estado, não sem a mácula da incostitucionalidade. 8.9 A titularidade dos direitos sobre os rejeitos radioativos O art. 26 da Lei nº 10.308/2001 dispõe sobre a titularidade dos direitos sobre os rejeitos radioativos: pelo simples ato de entrega para armazenamento nos depósitos intermediários ou finais, o titular da autorização para operação da instalação geradora transfere à CNEN todos os direitos sobre os rejeitos entregues. A esse respeito, lúcidas são as considerações de Paulo Affonso Leme Machado: Na transferência para a CNEN dos rejeitos existentes em um depósito inicial transfere-se a obrigação de uma sadia e segura gestão do rejeito, mas não se transfere o ―passivo ambiental‖, pois se houvesse tal transferência ocorreria o enriquecimento ilícito do primeiro gestor dos rejeitos – o titular da autorização da atividade gestora de rejeitos (MACHADO, 2011, p. 985)

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Sem dúvida alguma, o passivo ambiental não é transferido para a CNEN, não só pela vedação ao enriquecimento ilícito que funciona como diretriz principiológica que incide sobre todo o ordenamento jurídico, como também pela obediência devida ao princípio do poluidor pagador, que apregoa, em termos bem concisos, que o causador da deterioração no meio ambiente deve arcar com os custos exigidos para recuperar a área poluída e prevenir novas perturbações da mesma ordem. Com tais considerações, encerra-se a análise do sistema normativo contemplado na Lei nº 10.308/2001, concluindo-se que, apesar da inconstitucionalidade de alguns dispositivos e da imprecisão terminológica de outros, é louvável a preocupação do legislador em regular a responsabilidade civil por danos provocados pelos rejeitos. Já é, sem dúvida, um ponto de partida para ulteriores aprimoramentos.

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9 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa não poderia adentrar na análise dos sistemas de responsabilidade civil afetos ao universo nuclear ou atômico propriamente dita sem antes pavimentar-lhes as trilhas de acesso com a bagagem conceitual indispensável para a assimilação do assunto. Assim é que o Capítulo 2 partiu da constatação de que as normas jurídicas sofrem cada vez mais o influxo de terminologias que habitualmente lhes eram estranhas, próprias das ciências naturais construtivas do progresso tecnológico, na tentativa de acompanhar o extraordinário avanço científico experimentado pela sociedade pós-moderna. Tomou-se por base o fato de que, pouco a pouco, os textos legislativos passam a incorporar nomenclaturas técnicas com as quais o operador do Direito precisa se familiarizar para atuar com destreza e desembaraço. Nesse cenário, foram esmiuçados os conceitos de radioatividade, meia-vida, fissão e fusão nuclear, bem como, já com recurso ao plano normativo, os de reatores e combustíveis nucleares, assim como os de instalações e danos nucleares, em contraponto aos de instalações e danos radioativos. De mais relevante nessa empreitada, concluiu-se que dano nuclear é o dano - pessoal ou material - produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados, ao passo que o dano radioativo ou radiativo, por exclusão, é aquele produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, de sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem fora de uma instalação nuclear e que dela não sejam procedentes ou não sejam a ela enviados. Após deixar bem assentada essa diferença, o Capítulo 3 cuidou de demonstrar o quão dependente da tecnologia nuclear é a vida na sociedade pós-moderna. Ao destrinchar os mais diversos campos de sua aplicação, demonstrou-se que, na atualidade, todos estão sujeitos aos perigos inerentes a esses usos, independentemente de sua posição na escala social. No tocante à utilização da energia nuclear, inferiu-se que a opção por seu uso na matriz energética de um dado país deve levar em conta as peculiaridades de seu território e a sua demanda interna em dado momento e que, no caso brasileiro, o anunciado incremento do parque nuclear não seria razoável pelo fato de existirem outras fontes à disposição no vasto território nacional, mais limpas, mais econômicas e mais seguras. Já na análise empreendida com relação aos atores na área da tecnologia nuclear no Brasil, concluiu-se que o arranjo institucional pátrio peca ao concentrar nas mãos do mesmo órgão, a CNEN, as atribuições de incentivo ao uso da

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tecnologia nuclear e de fiscalização das respectivas atividades. Com semelhante introspecção, verificou-se que não existe monopólio da União no tocante à operação de usinas termonucleares, do que decorre que as novas usinas contempladas no plano de expansão da planta nuclear brasileira podem ser operadas pela iniciativa privada, atendidos os requisitos legais e constitucionais. Já o Capítulo 4, ao investigar as circunstâncias em que ocorreram os acidentes de Three Mile Island, Chernobyl, Fukushima e Goiânia, permitiu concluir que a contabilidade das vítimas e prejuízos financeiros decorrentes de desastres dessa natureza é alvo de intensa manipulação, mas independentemente de super ou sub estimativas, os danos verificados em concreto possuem características muito semelhantes, notabilizando-se entre elas o caráter predominantemente difuso de suas manifestações. No Capítulo 5, destinado a percorrer a dogmática civilista da teoria geral da responsabilidade civil sob uma perspectiva histórica, concluiu-se que o ordenamento jurídico brasileiro assistiu a um processo de expansão das hipóteses de responsabilidade objetiva em detrimento da responsabilidade subjetiva, entre as quais passou a figurar a responsabilidade civil por danos nucleares versada na Lei nº 6.453/77. Deduziu-se ainda que a maior importância dada ao risco, erigindo-o ao status de fundamento de objetivação da responsabilidade, pode ser explicada pela gradual superação do paradigma do patrimônio pelo paradigma da pessoa. Adentrando finalmente no problema posto de antemão, o Capítulo 6 cuidou de esmiuçar os dispositivos da Lei nº 6.433/77. Firmou-se, logo de início, que o dano nuclear que se projeta sobre o meio ambiente não terá a sua natureza transmudada para a de dano ambiental em respeito à especialidade da norma. Mais adiante, depois de maturada reflexão, concluiu-se que as excludentes gerais de responsabilidade civil por danos nucleares, consubstanciadas em conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988, já que seu art. 21, XXIII, ―d‖, não abre exceção alguma ao preconizar que a responsabilidade civil por danos nucleares será objetiva em qualquer hipótese. Também se inferiu que o teto das indenizações por danos nucleares no Brasil, quantificado atualmente em R$ 77.175.000,00 (setenta e sete milhões, cento e setenta e cinco mil reais), para além de injusto, já que deixaria desamparadas as vítimas que sofressem danos superiores a tal soma, também não resiste ao cotejo com o art. 21, XXIII, ―d‖, da Constituição Federal de 1988, cujo conteúdo não pode ser restringido por lei infraconstitucional. Assim é que se defendeu que a responsabilidade civil subsidiária da União também não se submete ao inconstitucional limite indenizatório posto na lei, impondo-

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se, no particular, a socialização dos riscos da atividade. No tocante ao estabelecimento de prazos prescricionais para as demandas voltadas a responsabilizar os operadores das instalações pelos danos nucleares causados, conquanto não se tenha encontrado, em princípio, motivação suficiente para taxá-lo de inconstitucional, deduziu-se que ela é injusta por ignorar que determinados danos podem tardar lapso temporal superior ao prazo prescricional para se manifestarem, casos em que as vítimas ficariam relegadas à própria sorte. Pontuou-se que melhor andaria a lei se estabelecesse a imprescritibilidade dos danos em comento, ou, ainda, um arranjo condizente com a teoria da actio nata. Ante a expressa exclusão das atividades radioativas da regência da Lei nº 6.453/77, concluiu-se, já no Capítulo 7, pela possibilidade de se submetê-las, em regra, à disciplina do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, atraindo assim a responsabilização objetiva nele contemplada. Ponderou-se ainda que, diferentemente dos danos nucleares, os danos radioativos que atingirem o meio ambiente serão caracterizados como danos ambientais, atraindo assim a incidência da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Foi encarecida, todavia, a necessidade de se distinguir o dano ao meio ambiente enquanto macrobem daquele em que ele é molestado na qualidade de microbem, já que as pretensões daí decorrentes serão gravadas, respectivamente, pela imprescritibilidade ou pela prescritibilidade. Adentrando no estudo do acidente de Goiânia, fez-se a leitura de que, de um modo geral, o seu enfrentamento pelos tribunais foi tecnicamente adequado com a responsabilização de seus causadores de forma objetiva, ficando a nota desabonadora apenas por conta da grande demora na prestação jurisdicional. Por fim, no Capítulo 8, destinado a tratar da responsabilidade civil por danos causados por rejeitos radioativos, pontuou-se acerca da necessidade de prestação das devidas informações pelos órgãos estatais incumbidos da fiscalização e controle dos respectivos depósitos, sem o que o exercício legítimo do controle democrático sobre tais atividades resta comprometido. Acentuou-se ainda que, embora os rejeitos oriundos das instalações radioativas não dêem azo à ocorrência de danos nucleares, também eles, tanto quanto os rejeitos provenientes de instalações nucleares, devem ser submetidos ao sistema de responsabilidade civil previsto na Lei nº 6.453/77 por expressa remissão contida no art. 32 da Lei nº 10.308/01. Concluiu-se, assim, que a limitação do valor da indenização por danos causados por rejeitos também não passa pelo filtro do exame de constitucionalidade, já que, como dito, o art. 21, inciso XXIII, alínea ―d‖, da Constituição Federal de 1988 não permite que a responsabilidade civil por danos nucleares seja restringida, valendo o mesmo para os danos causados por rejeitos, sejam de qual espécie forem. Reputou-se igualmente

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inconstitucional a obrigatoriedade de fornecimento de guarda policial pelo Estado para garantia da segurança física e inviolabilidade dos depósitos provisórios, vertida no art. 30 da Lei nº 10.308/2001, já que se o art. 21, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, diz competir à União explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza, as Polícias Militares dos Estados não podem ser compelidas ao exercício de tal atividade no lugar da Polícia Federal ou do Exército sem ferir o pacto federativo, senão excepcional e temporariamente até a chegada dos aludidos órgãos competentes ao local, em nome do interesse público evidente nessas situações emergenciais. O minucioso exame dos dispositivos legais mencionados ao longo de todo o trabalho permitiu finalmente alcançar uma resposta para a instigante pergunta anunciada na introdução: os sistemas de responsabilidade civil relacionados ao universo nuclear ou atômico no Direito Brasileiro estão em conformidade com o texto da Constituição Federal de 1988 apenas em parte, já que alguns preceitos dela destoam frontalmente. Quanto aos que se revistam dessas características e estiverem albergados na Lei nº 6.453/77, tem-se que simplesmente não foram recepcionados. Quanto aos que também destoem do texto magno e que estiverem previstos na Lei nº 10.308/2001, é de rigor se considerá-los materialmente inconstitucionais. Por outro lado, no tocante à sujeição das demandas relacionadas à reparação civil por danos nucleares a prazos prescricionais (excluídas as hipóteses de danos ao meio ambiente na sua acepção de macrobem), há que se ponderar que, muito embora ela aparentemente não contrarie qualquer dispositivo da Constituição Federal de 1988, evidenciase que ela acaba por dar azo a situações de injustiça, pelo que se revela incapaz de proporcionar soluções satisfatórias às eventuais vítimas. A perfeição não é mesmo atributo que se aplique às obras humanas, estando apenas circunscrita à ordem do divino. A máxima é inteiramente aplicável aos sistemas de responsabilidade civil relacionados ao universo nuclear ou atômico no Direito Brasileiro, já que, conforme o estudo realizado no decorrer deste trabalho permitiu enxergar, muito ainda há que se caminhar para aperfeiçoá-los de sorte a proporcionar às vítimas dos acidentes nucleares e radioativos possibilidades normativamente respaldadas de se verem inteiramente compensadas pelas perdas sofridas.

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ANEXOS ANEXO A – EMENTA DA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.01.00.014371-2/GO, JULGADA PELA 5ª TURMA DO TRF DA 1ª REGIÃO

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE. ACIDENTE RADIOLÓGICO EM GOIÂNIA COM BOMBA DE CÉSIO 137. DANO AMBIENTAL E PESSOAL. PRESCRIÇÃO. PODER DE POLÍCIA, FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS. VIGILÂNCIA SANITÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO DE CLÍNICA MÉDICA. RESPONSABILIDADE DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE. ABANDONO DE MATERIAL RADIOATIVO POR PROPRIETÁRIO DA CLÍNICA. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. OBRIGAÇÃO DE FAZER (PRESTAÇÃO DE ATENDIMENTO MÉDICO HOSPITALAR ÀS VÍTIMAS), OBRIGAÇÃO DE DAR (PAGAMENTO AO FUNDO DE DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS). 1. Embora o acidente com os radioisótopos de utilização médica tenham sido expressamente excluídos da disciplina da Lei 6.453/77, que dispõe sobre a responsabilidade civil sobre danos nucleares, o dano ambiental por ser de ordem pública é indisponível e insuscetível de prescrição enquanto seus efeitos nefastos continuam a produzir lesão. 2. A configuração do dano ambiental causado pelo maior acidente radiológico do mundo com a destruição da bomba de césio 137,na cidade de Goiânia, no ano de 1987, é fato público e notório e também fartamente documentado nos autos. 3. O direito à reparação do dano (actio nata) não surge com o acidente, mas com a lesão por ele causada, isto é, com o conhecimento pela vítima da lesão sofrida. Se após o dano ambiental inicial decorrente do acidente radiológico com a bomba de césio 137, anos depois, o efeito do dano ambiental continua provocando lesão nas vítimas e fazendo novas vítimas, não há se falar em prescrição qüinqüenal contra a Fazenda Pública. 4. A pessoa natural não se confunde com a pessoa jurídica. A responsabilidade pela reparação do dano é atribuível a quem explora a atividade que teria dado ensejo ao acidente. Se o dano é resultante de ato ilícito, todos os que concorrem para o resultado são responsáveis na reparação dos efeitos lesivos. 5. O acidente radiológico com o césio 137, em setembro de 1987 na cidade de Goiânia, insere-se no conceito legal de dano ambiental, eis que implicou em lançar na atmosfera e no solo substância química desencadeadora de processo de radiação que atingiu pessoas e animais. 6. O acidente radiológico gerou a contaminação de vários locais naquela cidade e ocasionou a coleta de quatorze toneladas de material radioativo. O desastre ambiental produziu dano no passado, está a produzi-los no presente e poderá continuar a produzi-los no futuro, pois

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diversas conseqüências físicas poderão atingir pessoas que tiveram contato com a radiação ou que a recebeu indiretamente pela ascensão à atmosfera de átomos que se desintegraram no ar. 7. O dano ambiental decorrente da exposição radiológica provocou danos físicos que causaram a morte de quatro pessoas e atingiu, direta ou indiretamente, outras centenas, das quais foram assim distribuídas: a) Grupo I - 57 pessoas envolvidas diretamente no acidente, com maior grau de contaminação interna e externa, com queimaduras na pele e radiodermites; Grupo II - 50 pessoas também contaminadas, porém sem queimaduras de pelo ou radiodermites e Grupo III - outras 514 pessoas acompanhadas anualmente com dosimetria baixa ou não detectada (familiares das vítimas dos Grupos I e II, profissionais que trabalharam no acidente e funcionários da Vigilância Sanitária Estadual). 8. O césio não é substância nuclear e sim um radioisótopo e, em conseqüência, o acidente ocorrido em Goiânia não foi um acidente nuclear, mas radiológico em proporção gigantesca. 9. Poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade de degradação ambiental (art. 3º, IV da Lei 6.938/81). 10. A identificação do nexo causal requer que se verifique em cada caso concreto quem ou o que é a causa imediata ou mediata do dano e que teve condições de impedi-lo para que o resultado não ocorresse. 11. Tratando-se de ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade é subjetiva, pelo que se exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três modalidades - negligência, imperícia e imprudência, não sendo necessário individualizá-la, dada que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. 12. A falta do serviço (faute du service) não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer o nexo de causalidade entre a omissão atribuída ao Poder Público e o dano causado. 13. Não é da competência da União manter a fiscalização das clínicas radiológicas, sendo parte ilegítima ad causam. 14. O Decreto nº 77.052, de 19.01.76, dispõe sobre a fiscalização sanitária e seu art. 1º estabelece que a verificação das condições de profissões e ocupações técnicas e auxiliares relacionadas diretamente com a saúde compete às Secretarias de Saúde dos Estados (adequação das condições do ambiente, o estado de funcionamento de equipamentos e aparelhos e meios de proteção capazes de evitar efeitos nocivos à saúde dos agentes, clientes, pacientes e dos circunstantes). 15. Compete à Secretaria de Saúde dos Estados a fiscalização de serviços que utilizem aparelhos e equipamentos geradores de raio X, substâncias radioativas ou radiações ionizantes. 16. Constitui infração sanitária a utilização de serviço que utilizem aparelhos de raio X e outras substâncias radioativas fora dos parâmetros legais (art. 10, inciso III, do Decreto 77.052/76). Constatada a infração sanitária praticado pelo Instituto Goiano de Radiologia (IGR), deveria a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás comunicar o fato à autoridade policial. 17. Agiu com negligência a autoridade sanitária estadual que não fiscalizou o IGR nos termos do decreto regulamentar e da lei 6.437/77 (art. 10). O caso sub judice não diz respeito ao monopólio de comércio radioisótopos artificiais e substâncias radioativas, mas de uso indevido (abandono) de um aparelho radiológico em local de acesso a transuentes.

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18. É dever do Estado de Goiás prestar assistência médica especializada às vítimas da radiação do césio 137, vez que os problemas de saúde a elas acometidos são graves e sinistros exigindo atendimento especial. 19. Se uma ou mais pessoas concorreram culposamente para que se produzisse o resultado, respondem solidariamente pelos danos. E responsabilidade solidária, significa que todos são responsáveis pela dívida, conforme se encontra expresso no parágrafo único do art. 896 do Código Civil. A sentença atenta ao fato ao dispor que "a imputação da responsabilidade aos figurantes do pólo passivo deu-se na forma solidária (CC art. 1518)". 20. Como conseqüência na natureza solidária das atribuições resultantes do ato ilícito é possível a atribuição ao Estado de Goiás prestar assistência médica às suas vítimas e: (a) fazer atendimento especial médico-hospitalar, técnico-científico, odontológico, psicológico às vítimas diretas e indiretas, reconhecidamente atingidas, até a 3ª geração, como estava sendo feita pela extinta Fundação Leide Neves; (b) fazer o transporte das vítimas em estado mais grave (do Grupo I) para realização dos exames, caso necessário, em ambulâncias; (c) prosseguir o acompanhamento médico da população de Abadia de Goiás - GO, vizinha ao depósito de rejeitos radioativos, bem como prestar eventual atendimento médico, em caso de contaminação; (d) efetivar sistema de notificação epidemiológica sobre câncer; (e) fazer o trabalho de monitoramento epidemiológico na população de Goiânia; (f) manter na cidade de Goiânia centro de atendimento específico para as vítimas do césio 137, com médicos especializados como era feito pela extinta FUNLEIDE; (g) desenvolver um programa de saúde especial para crianças vítimas diretas ou indiretas da radiação. 21. A competência da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, nos termos do art. 2º da Lei 6.189/74, vigente à época dos fatos, era fiscalizar o reconhecimento e o levantamento geológico de minerais nucleares; a pesquisa; a lavra e a industrialização de minérios nucleares; a produção e o comércio de materiais; a indústria de produção de materiais e equipamentos destinados ao desenvolvimento nuclear. A CNEN não possui atribuição legal de fiscalizar a utilização de aparelhos de radioisótopos artificiais ou de hospitais que utilizem substâncias radioativas. 22. Segundo legislação vigente ao tempo do acidente com a bomba de césio 137, a competência da CNEN era circunscrita a expedir normas referentes ao tratamento e à eliminação de rejeitos radioativos (art. 2º da Lei 6.189/74). Os rejeitos radioativos precisam ser tratados antes de serem liberados para o meio ambiente, se for o caso. O acidente de Goiânia envolveu uma contaminação radioativa, isto é, a existência de material radioativo onde não deveria estar presente. 23. Compete à CNEN expedir regulamentos e normas de segurança e proteção relativos ao tratamento e a eliminação de rejeitos radioativos e não há demonstração de que a autarquia tenha feito o trabalho de esclarecimento necessário. 24. Não se houve a CNEN com a diligência necessária após o acidente no sentido de prevenir e esclarecer aos bombeiros que fizeram a limpeza do local que deveriam usar roupas apropriadas.

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25. O IPASGO, mesmo não sendo o responsável pelo abandono da bomba de césio em seu imóvel, tinha o dever de zelar para que ele não desse causa a transtornos a saúde e segurança da vizinhança (art. 554 do CC). O art.1.528 do CC também estabelece a responsabilidade do dano pelos danos decorrentes da ruína do imóvel. Ainda que não tenha sido o IPASGO quem demoliu o prédio, ao tornar-se seu proprietário e possuidor, deveria cuidar de repará-lo, pois o alojamento da substância radiológica assim o exigia. 26. Amaurillo Monteiro de Oliveira, ex-sócio do IGR, agiu com imprudência ao demolir parte do imóvel e nele deixar abandonada a bomba de césio 137 que foi objeto de subtração e depois destruída a marteladas, dando início ao desastre. 27. Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida para declarar a legitimidade passiva ad causam dos médicos Carlos de Figueiredo Bezerril e Criseide Castro Dourado e condenar os réus ao pagamento individual de R$ 100.000,00 em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e para condenar o Estado de Goiás ao pagamento de R$ 100.000,00 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e as seguintes obrigações de fazer: (a) fazer atendimento especial médico-hospitalar, técnico-científico, odontológico, psicológico às vítimas diretas e indiretas, reconhecidamente atingidas, até a 3ª geração, como estava sendo feita pela extinta Fundação Leide Neves; (b) fazer o transporte das vítimas em estado mais grave (do Grupo I) para realização dos exames, caso necessário, em ambulâncias; (c) prosseguir o acompanhamento médico da população de Abadia de Goiás - GO, vizinha ao depósito de rejeitos radioativos, bem como prestar eventual atendimento médico, em caso de contaminação; (d) efetivar sistema de notificação epidemiológica sobre câncer; (e) fazer o trabalho de monitoramento epidemiológico na população de Goiânia; (f) manter na cidade de Goiânia centro de atendimento específico para as vítimas do césio 137, com médicos especializados como era feito pela extinta FUNLEIDE; (g) desenvolver um programa de saúde especial para crianças vítimas diretas ou indiretas da radiação. 28. Apelação da CNEN parcialmente provida para diminuir para R$ 100.000,00 a condenação ao pagamento ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e isentá- la da obrigação de prestar assistência médico-hospitalar e epidemiológica da competência do Estado de Goiás. 29. Apelação do médico Amaurillo Monteiro de Oliveira improvida. Mantida a sentença que o condenou ao pagamento de R$ 100.000,00 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. 30. Apelação do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado de Goiás improvida. Mantida a sentença que condenou o IPASGO ao pagamento de R$ 100.000,00 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. 31. Remessa oficial prejudicada. (TRF1, Apelação Cível nº 2001.01.00.014371-2 / GO, 5ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Julgado em 27/07/2005 e publicado no D.J em 15/08/2005).

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ANEXO B – EMENTA DA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.01.00.038194-4/GO JULGADA PELA 6ª TURMA DO TRF DA 1ª REGIÃO

ADMINISTRATIVO E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE RADIOATIVO. BOMBA DE CÉSIO 137. DANOS PESSOAIS. AGRAVO RETIDO. NÃO REQUERIMENTO EXPRESSO DE SUA APRECIAÇÃO NAS RAZÕES DO APELO. NÃO CONHECIMENTO. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO RECONHECIDA. CONEXÃO E LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADAS. ABONDONO DO APARELHO DE RADIOTERAPIA. FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS CIVIS. 1. Não se conhece de agravo retido, se a parte não requerer, preliminarmente, nas razões ou contra-razões de apelação, a sua apreciação pelo Tribunal (CPC, art. 523, § 1º). 2. Tratando-se de ação de conhecimento na qual se busca a reparação pelos danos pessoais oriundos do acidente radiológico com o Césio 137, em Goiânia/GO, e não de execução da sentença penal condenatória, afasta-se a preliminar de carência de ação. 3. Se as ações não têm identidade de partes, causa de pedir e pedido, não se configura a litispendência, tampouco conexão, por não serem comuns os respectivos objetos ou causas de pedir. 4. O Decreto 81.394/1975, em seu art. 8º, ao regulamentar a Lei 6.229/1975, atribuiu ao Ministério da Saúde a competência para desenvolver programas objetivando a vigilância sanitária dos locais, instalações, equipamentos e agentes que utilizem aparelhos de radiodiagnóstico e radioterapia, resultando, dessa competência, a legitimidade passiva da União. 5. Já havendo decisão transitada em julgado sobre a existência do fato e os seus autores, no Juízo criminal, não mais se admite a discussão sobre essas questões (art. 1525 do Código Civil de 1916 e 935 do Código Civil atual), no Juízo cível. 6. Os Réus Carlos de Figueiredo Bezerril, Criseide Castro Dourado, Orlando Alves Teixeira, proprietários do Instituto Goiano de Radiologia - IGR, que, juntamente com Flamarion Barbosa Goulart, físico responsável pela Bomba de Césio 137, ao abandonarem o equipamento na antiga sede da referida clínica, bem como Amaurillo Monteiro de Oliveira, ao mandar ―demolir‖ o prédio para retirar o material de construção nele empregado e do qual se julgava dono, devem ser considerados responsáveis pelo maior acidente radiológico do mundo, ocorrido na cidade de Goiânia/GO, em setembro de 1987, em razão da negligência e imprudência, respondendo, solidariamente, pelos danos pessoais causados aos Autores. 7. A responsabilidade do IPASGO em indenizar as vítimas do acidente radiológico decorre de sua obrigação de zelar pelo bom estado de conservação do prédio de sua propriedade, no qual foi abandonada a bomba de Césio 137 e em que foi emitido na posse muito antes da retirada do equipamento. 8. A responsabilidade da União decorre da circunstância de não ter observado a sua obrigação de desenvolver programas destinados à vigilância sanitária dos equipamentos de radioterapia, como determina o art. 8º, do Decreto 81.384/1978, proporcionando a retirada da cápsula de

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Césio 137 de um desses aparelhos. 9. A competência para manter a fiscalização sanitária se distribuía entre os entes da Federação, particularmente entre a União e os Estados federados. Na falta de regras legais mais claras e precisas em contrário, ambos os entes estavam obrigados a evitar o incidente, pois, no fundo, as regras legais claramente estabeleciam essa obrigação também à União, por meio do Ministério da Saúde, não somente de maneira programática. 10. A sentença, a par de não ter violado o disposto no art. 4º, da Lei 9.425/96, está em consonância com as motivações humanitárias que inspiraram a concessão de pensão especial às vitimas do acidente com o Césio 137, pela referida norma legal. 11. Considerando o valor arbitrado e a quantidade de réus condenados, os honorários advocatícios foram fixados em valor módico, todavia, devendo ser mantidos, em razão de os Autores não terem se insurgido contra a sentença. 12. Presentes os pressupostos legais, deve ser mantida antecipação dos efeitos da tutela concedida na sentença. 13. Agravos retidos que não se conhece. Apelações e remessa oficial a que se nega provimento. (TRF1, Apelação Cível nº 2003.01.00.038194-4/GO, 6ª Turma, Relatora Convocado Juiz Federal David Wilson de Abreu Pardo, Julgado em 22/10/2007 e publicado no D.J em 07/12/2007).

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