Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas

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KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas Rodrigo Luís Kanayama1 Introdução Muitos são os estudos doutrinários sobre a obrigação dos agentes públicos despenderem com eficiência e retidão os recursos arrecadados. Igualmente, são constantes as produções jurídicas referentes à responsabilidade fiscal, no sentido de que o agente público tem de justificar atos que possam trazer danos às contas públicas, como, por exemplo, a renúncia de receita em qualquer de suas espécies. Nessa linha, há na doutrina uma tendência a se preocupar com a arrecadação tributária – de impostos, especialmente – e com a despesa – o bom uso do dinheiro arrecadado. Não obstante à necessidade do estudo desses assuntos, há um lado pouco observado: a responsabilidade da atividade financeira. Autores de finanças públicas e de diversos ramos do direito apontam para as receitas públicas como recursos escassos – óbvio –, e, por essa razão, protestam pelo bom uso desses recursos. As análises, contudo, não relacionam receitas e despesas como os dois lados da mesma moeda (atividade financeira), ou seja, o Estado arrecada para atender aos seus fins, mediante despesas públicas. Em outras palavras, o Estado somente institui tributos para sustentar seu funcionamento, na outra ponta, visando ao atendimento das obrigações previstas na Constituição. Portanto, a arrecadação deve possuir motivo. Sob essa premissa, desenvolver-se-á abordagem sobre a relação entre despesas e receitas públicas. Primeiro, serão estudadas as receitas e despesas no Estado fiscal e a imprescindibilidade das receitas tributárias. Depois, estudar-se-á o relacionamento entre as despesas e receitas – qual das duas se define antes da outra. Adiante, observar-se-á a ausência da exigência de autorização anual, por meio das leis orçamentárias, para arrecadar receitas tributárias, o que denota, a priori, descompasso entre receitas e despesas. Em quarto lugar, a análise será promovida sobre os motivos que levam as pessoas a pagar tributos, o que resultará a demonstração de que há, de fato, necessidade da relação entre despesas e receitas. Enfim, virá a conclusão do trabalho, com a exposição dos elementos necessários à relação propugnada. 1. Receitas e despesas no Estado Fiscal A relação entre receitas e despesas públicas é objeto de estudo do Direito Financeiro. Trata-se da atividade financeira, ou seja, a captação e o dispêndio de recursos, a gestão, a adequada aplicação, imprescindíveis para que o Estado alcance os seus fins. Os recursos são, contudo, escassos, e levam o governo a promover processo técnico-político para a correspondente alocação. Afinal, os recursos vêm, em sua maioria, dos sujeitos privados, em forma de tributos, fato que exige responsabilidade na sua utilização. Vive-se, pois, num Estado Fiscal. O Estado Fiscal requer tributos. Como ensina Ricardo Lobo Torres, o Estado não sustenta sua atuação mediante uso de recursos provenientes de seu próprio patrimônio – ou do patrimônio do príncipe – mas depende da contribuição compulsória. 1

Professor Adjunto de Direito Financeiro da Universidade Federal do Paraná. Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Advogado em Curitiba.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

O que caracteriza o surgimento do Estado Fiscal, como específica figuração do Estado de Direito, é o novo perfil da receita pública, que passou a se fundar nos empréstimos, autorizados e garantidos pelo Legislativo, e principalmente nos tributos – ingressos derivados do trabalho e do patrimônio do contribuinte – ao revés de se apoiar nos ingressos originários do patrimônio do príncipe.2

O autor relaciona liberdade e tributo no Estado de Direito. Para ele “não existe tributo sem liberdade, e a liberdade desaparece quando não a garante o tributo. A própria definição de tributo se inicia pela noção de liberdade”3. No Estado Fiscal, a liberdade individual é imprescindível e liga-se à igualdade, legalidade e representação, podendo o Estado cobrar impostos – a maior fatia dos tributos – conforme o consentimento do indivíduo.4 De fato, o preço da liberdade, no Estado Liberal, é o tributo. É o preço que se paga para que o Estado garanta o espaço privado. E esse preço não pode permanecer ao alvedrio de um soberano, mas deve ser determinado pelo próprio povo: pela lei. E não deve ser um fim em si mesmo, mas deve servir a um propósito: manter o funcionamento da máquina estatal, no que se relaciona à satisfação de necessidades públicas, e eventualmente servir para intervir na esfera privada a fim de manter hígida a economia e a sociedade. Compete ao Estado cumprir o disposto na Constituição da República, mesmo que o governo possua discordância quanto ao modo de agir lá previsto. Em outras palavras, direitos sociais têm de ser efetivados: educação, saúde, segurança, entre outros. 2. A imprescindibilidade das receitas públicas tributárias. Como se disse acima, para o Estado prestar os serviços, ações, programas e políticas necessários para alcançar seu intento constitucional — e trata-se, sempre, de um porvir — requer-se dinheiro. Segundo Alexander Hamilton, o dinheiro era fundamental à manutenção do Estado e de seus fins. 5 Atualmente, os pagamentos ocorrem em dinheiro, a moeda corrente de curso legal no país. Algumas tarefas, ditas pertencentes ao mínimo existencial, não podem ser

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TORRES, Ricardo Lobo. A ideia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 97 3

TORRES, Ricardo Lobo. A ideia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 109 4

TORRES, Ricardo Lobo. A ideia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 109 Money is, with propriety, considered as the vital principle of the body politic; as that which sustains its life and motion, and enables it to perform its most essential functions. A complete power, therefore, to procure a regular and adequate supply of it, as far as the resources of the community will permit, may be regarded as an indispensable ingredient in every constitution. From a deficiency in this particular, one of two evils must ensue; either the people must be subjected to continual plunder, as a substitute for a more eligible mode of supplying the public wants, or the government must sink into a fatal atrophy, and, in a short course of time, perish. (HAMILTON, Alexander. Concerning the General Power of Taxation (Federalist, n. 30). In.: MADISON, James. HAMILTON, Alexander. JAY, John. The Federalists Papers. http://thomas.loc.gov/home/histdox/fed_30.html, 1787, acesso em 28 de abril de 2014. 5!

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

ignoradas pelo Estado, segundo lição de Ricardo Lobo Torres. São os impostos que sustentam essas tarefas. A proteção positiva dos direitos da liberdade em geral e do mínimo existencial em particular projeta sérias consequências orçamentárias, pois vincula a lei de meios, que obrigatoriamente deve conter as dotações para os gastos necessários, financiados pela arrecadação genérica de impostos. Holmes e Sunstein afirmar que ‘um direito legal existe, na realidade, apenas quando e se tiver custos orçamentários (budgetary costs)’.6

Em regra, as obrigações do Estado iniciam-se pelas atividades que servem à satisfação das necessidades públicas, que não são passíveis de serem divididas entre os usuários. Assim são a segurança interna e externa, ou conservação de parques e praças. Outras necessidades, embora públicas, são também privadas, mas podem importar aos interesses da coletividade. Por exemplo, a educação. Mas reduzir algum grau de pobreza, visando ao nível de manutenção do mínimo existencial, é, igualmente, importante, embora constitua atividade tipicamente intervencionista (a redistribuição de renda) e, sob a Constituição da República, promulgada em 1988, tornou-se uma das tarefas primordiais. Porém, o Estado não pode exigir que o usuário, o beneficiário do serviço, pague por ele. Utiliza-se dos impostos arrecadados dos sujeitos com maior capacidade contributiva para o seu funcionamento. Nesse contexto, fica evidente que o Estado, para atender o que expõe o texto constitucional, depende dos recursos públicos, especialmente dos impostos. E a sua arrecadação é necessária e justificada. A norma jurídica, em primeiro lugar, a justifica. De um lado, o Estado deve arrecadar; do outro, despender. E, de um lado, o contribuinte deve pagar; do outro, receber benefícios, diretos ou indiretos. A vinculação entre ambas as faces da atividade financeira (captação e dispêndio) deve ser sempre ressaltada. 3. O que vem antes: a previsão da receita ou a fixação da despesa? Não se estudará, neste artigo, se o Estado deve prestar serviços, nem qual a quantidade deles. A análise curvar-se-á sobre a existência ou não da relação entre as receitas públicas necessárias e as despesas públicas correspondentes, a fim de fazer funcionar a máquina estatal. A atividade financeira – a captação das receitas e a execução de despesas – é a engrenagem que permite o Estado cumprir suas tarefas descritas acima. Assim, é relevante perguntar: o Estado define, primeiro, as despesas para, após, prever as receitas? Ou seria o inverso? De acordo com Irene S. Rubin, depende do momento. Ordinariamente, o Estado pode manter sua austeridade e, antes, prever as receitas e, somente em seguida, fixar as despesas. Mas, talvez, situações fáticas emergenciais conduzam o Estado para o outro lado, no qual as despesas são fixadas primeiramente.7

6 7

TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 116

“Governmental budgeting, too, may concentrate first on revenues and later on expenditures, or first on expenditures and later on income. Like individuals or families, during emergencies such as floods or hurricanes or wars governments will commit the expenditures first and worry about where the money come from later” (RUBIN, Irene. S. The Politics of Public Budgeting, 6ª ed. Washington D.C.: CQ Press, 2010, p. 7).

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Diante das necessidades que deverão ser satisfeitas, o Estado deve planejar e definir se a receita precede à despesa ou não. Deve promover, sempre que possível, o desejável equilíbrio entre as receitas e despesa públicas, evitando a gestão deficitária das contas. Compare-se à realidade das empresas privadas. Semelhantes ao Estado, pois requerem receitas e realizam despesas, diferenciam-se por vários motivos. De acordo com Philip Taylor, embora afirme-se que o Estado pode impor a arrecadação às pessoas, essa afirmação não é sempre verdadeira. Na realidade, ambos precisam de empréstimos para equilibrar seus orçamentos. Por evidente, há diferenças. Segundo Philip Taylor, as empresas determinam suas despesas quase que exclusivamente em vista de receitas (lucro), enquanto que o Estado visa a promover bem-estar, que não produzirá receitas (ao menos, diretamente). Ademais, o Estado pode impingir sua vontade, coercivamente, às pessoas privadas.8 Nesse passo, Gunnar Myrdal escreve que o fundamento à motivação da Fazenda Pública não se iguala às empresas privadas, pois está vinculado ao orçamento público. De acordo com o autor, os ingressos são determinados pelos gastos na Fazenda Pública, ao contrário do que ocorre com a vida econômica privada.9 Para José Joaquim Teixeira Ribeiro, embora as finanças privadas não sejam iguais às públicas, há limites para o Estado se financiar por meio dos impostos. É que os impostos, não obstante serem um poderoso meio de financiamento, não têm uma elasticidade praticamente infinita. Nada disso. À medida que o Estado os aumenta, vai também aumentando a resistência dos contribuintes e não só dos contribuintes dos grupos ou classes sociais dominadas, como de contribuintes, em número cada vez maior, dos grupos ou classes sociais dominantes.10

A razão para apresentação das diferenças entre a esfera pública e a esfera privada, no tocante ao modo como gerenciam suas finanças, foi para demonstrar que a relação entre as duas pontas da atividade financeira do Estado nem sempre é pacífica. De um lado, e devido às disposições constitucionais, deve – é um dever – o Estado fornecer bens; do outro, deve – novamente, um dever – o Estado conhecer o montante requerido de receitas e qual o impacto que causará na sociedade. Em outras palavras, se quer despender mais, terá de arrecadar mais (ou emprestar mais, cujo resultado, no longo prazo, será, novamente, mais arrecadação). De qualquer modo, fica claro o motivo pelo qual o Estado hodierno arrecada impostos. Não se presta à simples sustentação de sua máquina administrativa, mas serve para efetuar alterações sócio-econômicas, na linha do disposto na Constituição da República. Mesmo diante dessa constatação, do Estado não é exigida a demonstração, nas normas tributárias, da relação entre a arrecadação e o dispêndio, exceto se houver renúncia 8

TAYLOR, Philip E. The Economics of Public Finance, 3ª ed. New York: The Macmillan Company, 1963, p. 6-7 9

MYRDAL, Gunnar (BECKER, Bengt – trad.). Los efectos economicos de la politica fiscal. Madrid: M. Aguilar, 1948, p. 22-23. 10

RIBEIRO, José Joaquim Teixeira. Lições de Finanças Públicas, 5ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 37.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

de receita (art. 14, Lei Complementar 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal).11 A única exigência, no atual contexto constitucional, é a de equilíbrio orçamentário, a nominal correspondência entre despesas e receitas na peça orçamentária (art. 167, II, Constituição). Mas não se exige justificativa pela majoração tributária, ou criação de novo tributo, especialmente dos impostos e, especificamente, no tocante aos impostos fiscais, que têm fim arrecadatório, somente. Simples concluir que não há necessária relação, definida pela norma jurídica brasileira, entre os impostos criados e arrecadados e as despesas que deverão ser executadas no decorrer do exercício financeiro. Então, é lícito dizer que a Constituição prevê, unicamente, o chamado princípio da anualidade orçamentária (o orçamento público será anual), mas não o princípio da anualidade tributária. Porém, nem sempre foi assim. 4. O princípio da anualidade tributária O princípio da anualidade tributária difere-se do da anualidade orçamentária. Neste, requer-se que, para que o Estado possa despender recursos, é preciso uma peça orçamentária aprovada anualmente.12 No Brasil, tal pressuposto consubstancia-se na lei orçamentária anual (art. 165, III, Constituição). Já o princípio da anualidade tributária combina a anterioridade da lei com a prévia inclusão orçamentária, impondo, como condição necessária à arrecadação dos tributos, não somente a publicação anterior da lei que instituir ou majorar tributos, como também a previsão da respectiva receita no orçamento.13

Mister anotar que a anualidade do orçamento é elemento fundamental para a concepção do orçamento brasileiro, como observa-se na Constituição da República (que nomeia a peça orçamentária de orçamentos anuais – art. 165), na Lei 4.320/64 (que define: art. 2°. A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Govêrno, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade) e na jurisprudência14. Essa é a realidade em Portugal, pois
 A regra da anualidade regressou ao texto constitucional, por força da redação do art. 106º, n.º 1, dada pela revisão constitucional de 1997. Desde a restauração desta regra orçamental básica, fica dissipada

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Sobre a importância na arrecadação dos impostos para fins de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, conferir texto de: GRUPENMACHER, Betina Treiger. Responsabilidade Fiscal, Renúncia de Receitas e Guerra Fiscal. In.: SCAFF, Fernando Facury. CONTI, José Maurício (coords.). Lei de Responsabilidade Fiscal. 10 anos de vigência. Questões Atuais, 1ª ed. São José/SC: Editora Conceito Editorial, 2010. 12

Cf. SAMPAIO, Nelson de Souza. O Processo Legislativo. São Paulo: Saraiva 1968, p. 115. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 29ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 623. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 329-330. 13 14

FURTADO, J. R. Caldas. Direito Financeiro, 4ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 89.

Como exemplo, vide voto do Relator na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 612, STF, Relator: Ministro Celso de Mello, julgada em 21 de novembro de 1991.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

qualquer dúvida que pudesse subsistir quanto à inconstitucionalidade directa da violação da anualidade orçamental. 15

Adiante, verdadeiro dizer que a regra da anualidade envolve uma dupla exigência: votação anual do Orçamento pelo Parlamento e execução anual do Orçamento pelo Governo e Administração Pública.16.

Mas, tal qual o caso brasileiro, os portugueses não contemplam a anualidade tributária. Para se exigir tributos é prescindível sua presença em lei orçamentária. É mera previsão, servindo à justificar despesas orçamentárias – dotações orçamentárias devem possuir correspondente receita –, porém não criando obrigações ou competências ao Estado. Basta, para impor tributos e exigir seu pagamento, de lei tributária, em nada interferindo na execução da receita (arrecadação e recolhimento) a previsão na lei orçamentária anual. 4.1. O princípio da anualidade no ordenamento jurídico brasileiro A anualidade tributária foi comum nas Constituições pretéritas. Na Constituição de 182417 e na Constituição de 194618 se previa a necessidade de autorização legislativa anual para que se cobrassem os tributos já criados em leis específicas. Na Constituição de 1891 não havia previsão, mas o Código de Contabilidade (Decreto nº 4.536/22) trazia a hipótese.19 Sob essa racionalidade, Aliomar Baleeiro elaborou exemplar conceito do orçamento público: orçamento é considerado o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.20

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MARTINS, Guilherme d’Oliveira et al. A Lei de Enquadramento Orçamental, 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 57 16

Idem, p. 57. Ver também: CANOTILHO, J. J. Gomes. MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada, v. 1, 1ª ed. brasileira, 2007, p. 1.106 17 Art.

171. Todas as contribuições directas, á excepção daquellas, que estiverem applicadas aos juros, e amortisação da Divida Publica, serão annualmente estabelecidas pela Assembléa Geral, mas continuarão, até que se publique a sua derogação, ou sejam substituidas por outras. 18

art. 141, §34 – Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra. 19 Art.

27. A arrecadação da receita proveniente de imposto dependerá sempre da inserção deste na lei de orçamento. Qualquer outra fonte de receita, porém, creada em lei ordinaria, deverá ser arrecadada, embora não contemplada na referida lei de orçamento. 20

BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2008, 493.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

A Súmula 66 do Supremo Tribunal Federal, de 13 de dezembro de 1963, define que “é legítima a cobrança do tributo que houver sido aumentado após o orçamento, mas antes do início do respectivo exercício financeiro”. O Supremo Tribunal Federal julgou, assim, que não existe relação entre o orçamento público – o valor a ser despendido pelo Estado – e o montante da receita pública arrecadada em forma de tributos. Nada obstante, a Lei 4.320/1964 determinou, novamente, em seu art. 51, que “nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça, nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvados a tarifa aduaneira e o impôsto lançado por motivo de guerra”, providência que, mais uma vez fortaleceu a anualidade tributária. Acompanhando a tendência inaugurada no Supremo Tribunal Federal, a Emenda Constitucional 18/65 revogou, no art. 25, o art. 141, §34 da Constituição de 1946, jogando a norma da Lei 4.320/1964 por terra. Contudo, novamente restabeleceu-se a anualidade na Constituição de 196721 e, mais uma vez, a Emenda Constitucional 1/69 suprimiu a exigência, mantendo a anterioridade tributária e anualidade orçamentária, apenas.22 Finalmente, na Constituição de 1988 não existe a anualidade tributária, mas apenas a anterioridade (art. 150, III). Segundo explicação de Ricardo Lobo Torres: Parece-nos, contudo, que é uma demasia a manutenção da anualidade tributária, eia que se torna insustentável a teoria da eficácia modificativa do orçamento com relação às leis dos tributos e que tal garantia não se inscreve no quadro dos princípios sensíveis do constitucionalismo hodierno, que o pudesse tornar indene ao discurso do constituinte. Com o desmantelamento das finanças brasileiras e com o fato inusitado de não haver sido aprovado a tempo o orçamento para 1994 a tese da permanência da anualidade tributária levaria à impossibilidade de cobrança dos tributos federais naquele exercício.23

Contudo, não obstante não haver a condição de autorização em lei orçamentária para a cobrança de tributos, é adequado afirmar, em razão da finalidade do Estado demonstrada anteriormente, e a despeito da ausência de norma jurídica, que há necessidade de relação entre a receita tributária – especialmente de impostos – e as despesas públicas a serem realizadas. A demonstração dessa afirmação virá adiante. Ao justificar a finalidade da instituição ou majoração de tributos, o Estado cumpre com seu dever de transparência e permite o controle do uso dos recursos, expondo que a arrecadação servirá ao fim público. Nesse passo, apresentar-se-ão os motivos pelos quais os indivíduos concordam em pagar os tributos. 21 Art.

150, § 29 - Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvados a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra. 22 Art.

153, § 29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei o houver instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o impôsto sôbre produtos industrializados e o imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição. 23

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 332.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

5. Os motivos pelos quais as pessoas aceitam tributos (ou sua majoração) Tributos não são agradáveis ao contribuinte. As pessoas podem reconhecer a importância da contribuição, mas preferem não prestar a obrigação tributária. Dentre os tributos, os impostos são ainda mais insatisfatórios, pois não se observam resultados imediatos de sua prestação. O pagamento ocorre e os benefícios – em geral, atendendo a interesses públicos (de satisfação passiva, no dizer de José Joaquim Teixeira Ribeiro)24 – são diluídos no seio da população.25 De fato, as pessoas contribuiriam satisfeitas se elas próprias definissem o destino do dinheiro. Nesse contexto, estariam mais predispostas à contribuição se houvesse a relação entre as receitas e as despesas públicas, se elas soubessem, com facilidade e com detalhes, como o dinheiro será utilizado. Nesse sentido, é possível aprimorar a arrecadação tributária – ou reduzir o desconforto dos contribuintes –, evitando que pareça desnecessária. Dentro da ideia da relação entre despesas e receitas públicas, pode-se elencar: (a) sentimento de que haverá bom uso do dinheiro; (b) Afetação (ou vinculação ou earmarking) ou redução da discricionariedade; e (c) accountability. 5.1. Sentimento de que haverá bom uso do dinheiro A percepção de que a arrecadação de impostos é para uma boa finalidade pode incentivar que as pessoas contribuam para as despesas públicas. A relação mais clara entre o valor que se arrecada e como se gasta pode trazer benefícios à atuação estatal. Irene S. Rubin explica o caso de Dayton, no Estado de Ohio, nos Estados Unidos. 26 Em março de 1984, a cidade americana aprovou um pacote que, entre outras medidas, incluía o aumento de impostos. Para que houvesse aceitação popular, os agentes públicos promoveram campanha de três anos, que incluía relatórios quadrimestrais ao conselho da cidade, eliminação de cargos públicos e reuniões com empresários para pedir apoio. O prefeito expôs publicamente os problemas financeiros e conversou pessoalmente com a população. 27 Essa política requer planejamento de longo prazo. Contudo, ainda é possível sugerir outras medidas para justificar e suportar o tributo. 5.2. Afetação (ou vinculação ou earmarking) ou redução da discricionariedade

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RIBEIRO, José Joaquim Teixeira. Lições de Finanças Públicas, 5ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 19-28. 25

Possível justificar a ausência da predisposição de pagar tributos por vários fundamentos. Um deles é que a demanda e o consumo de bens não são coincidentes na esfera pública. Escreveu Viti de Marco: “From this conclusion results a difference between Private Economics and Public Finance which has noteworthy consequences: namely, that demand and consumption coincide in Private Economics, whereas they do not coincide in Public Finance. Public goods are consumed by those who did not demand them, as well as by those who did”. (VITI DE MARCO, Antonio de (Trad. MARGET, Edith). First Principles of Public Finance. London: Butler & Tanner, 1950, p. 124). 26

RUBIN, Irene S. RUBIN, Irene. S. The Politics of Public Budgeting, 6ª ed. Washington D.C.: CQ Press, 2010, p. 39. 27

RUBIN, Irene S. RUBIN, Irene. S. The Politics of Public Budgeting, 6ª ed. Washington D.C.: CQ Press, 2010, p. 39.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

A afetação de tributos, no Brasil, possui regime próprio estudado pelo Direito Tributário e Financeiro. Em síntese, entre os tributos, os impostos são tributos não vinculados (a uma despesa, órgão ou fundo, na letra do art. 167, IV, Constituição da República), enquanto as taxas são vinculadas à prestação de um serviço público específico e divisível, efetivo ou potencial, ou pelo exercício do poder de polícia (art. 145, II, Constituição). Por natureza, as taxas têm destinação certa. Servem para sustentáculo financeiro do serviço que é prestado (ou deixado à disposição) aos consumidores. Pelo fato de ser visível o destino dos recursos arrecadados por meio de taxa, torna-se relativamente simples justificar sua exigência. Porém, para que o Estado consiga prestar serviços públicos universais, não excluíveis, ou promover, mediante produção e entrega de bens e serviços, redistribuição, necessita dos impostos. E esses tributos são desvinculados ou, segundo Roque Antonio Carrazza, são "tributo sem causa”28. Inconstitucional, no Brasil, a vinculação a órgão, fundo ou despesa. Existem algumas exceções, como as previstas no próprio art. 167, IV29, Constituição da República, mas que, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal 30, devem sempre ter previsão no texto constitucional. E mais: com a definição das competências originárias tributárias para legislar, os entes federativos ficam impossibilitados de criar novos impostos, fato que reduz a liberdade do administrador público. A saída encontrada pelo Constituinte foi a criação de contribuições (art. 149, Constituição da República). Como anota Roque Antonio Carrazza, são elas verdadeiros tributos (embora qualificados pela finalidade que devem alcançar). Conforme as hipóteses de incidência e bases de cálculo que tiverem, podem revestir a natureza jurídica de imposto ou de taxa.31

Entretanto, a competência para instituição deste tributo, nos termos da Constituição, é limitada à União, não podendo ser exercida pelos demais entes federativos. Na doutrina norte-americana, uma das formas de incentivo à arrecadação de impostos se dá pela afetação (earmarking) da receita arrecadada. Arrecadam-se impostos para produzir determinados bens voltados à satisfação das necessidades públicas. A medida

28

"Sem causa não porque ele não tenha fato imponível, mas porque não há necessidade de a entidade tributante oferecer qualquer contraprestação direta a quem paga" – Curso de Direito Constitucional Tributário, 24ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 517 29

“(…) a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo [art. 167]”. 30

Por exemplo, a decisão na ADI 4102 MC-REF, Rel. Min. Carmen Lúcia, Julg. 26 de maio de 2010.

31

Curso de Direito Constitucional Tributário, 24ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 576.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

parece ser reconhecida pela sua eficácia, embora não recomendada aos agentes públicos, pois existe o risco de faltar recursos em áreas prioritárias.32 Como se explicou, no Brasil não há impostos afetados, exceto nas hipóteses constitucionais. Talvez não seja, a afetação, solução ao problema da ausência de relação entre receitas e despesas públicas. Não é satisfatório que sejam os impostos previamente vinculados a uma finalidade, sob pena de excluir qualquer deliberação política que deva ocorrer anualmente, na elaboração da lei orçamentária anual. A deliberação é salutar e autoriza que diversos grupos de interesse na sociedade civil possam participar e fazer com que recursos sejam aplicados em diferentes finalidades todos os anos. Não há um engessamento prévio da política, por meio de vinculações legais ou constitucionais. Preserva-se, pois, o debate democrático. 5.3. Accountability A terceira sugestão para que se preserve a relação entre as despesas e receitas tem bastante relação com a primeira – sentimento de que haverá bom uso do dinheiro – e pouca com a segunda – afetação. Consiste na necessidade de promover transparência, incentivar o controle, acompanhar a execução das receitas e despesas do Estado. E, devido ao fato de o sujeito que toma a decisão de criar tributos e o indivíduo contribuinte serem pessoas diferentes, é importante que exista accountability. Accountability não possui tradução para o português. A despeito de autores como Anna Maria Campos33, José Antonio Gomes de Pinho e Ana Rita Silva Sacramento34 enfrentarem o debate, remanesce o termo sem correspondente na língua lusófona. Pode-se dizer que accountability aproxima-se de transparência, controle e responsividade – a necessidade de o agente público prestar contas. Nesse sentido, afirma Ilton Norberto Robl Filho: Estruturalmente, accountability significa a necessidade de uma pessoa física e jurídica que recebeu uma atribuição ou delegação de poderes prestar informações e justificações sobre suas ações e seus resultados, podendo ser sancionada política e/ou juridicamente pelas sua atividades.35

32

"In much the same way that people often prefer mitigation measures to monetary compensation for an injury, they also commonly want funds collected as user fees or other special-purpose levies used for a purpose related to the levy, rather than have such monies put into general or consolidated revenue accounts. The use of such dedicated funds, or earmarking of funds, is widely denounced in public finance texts and handbooks, and is frequently discouraged by official policies on roughly the same grounds as favoring compensation over mitigation, the alleged greater efficiency of putting the money into central coffers to be used for whatever purpose is judged most valuable rather than directed to a single, possibly less valued, purpose". (KNETSCH, John. Policy Analysis and Design of Losses Valued More Than Gains and Varying Rates of Time Preference. In.: GOWDA, Rajeev. FOX, Jeffrey C. Judgements, Decisions, and Public Policy. New York: Cambridge University Press, 2002, p. 102) 33 Accountability:

quando poderemos traduzi-la para o português? In.: Revista de Administração Pública Rio de Janeiro, 24(2)30-50 fev/abr.1990. 34 Accountability: 35

já podemos traduzi-la para o português? Rio de Janeiro: FGV, nov./dez. 2009

ROBL FILHO, Ilton Norberto. Conselho Nacional de Justiça. Estado Democrático de Direito e Accountability. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 30.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

Conforme Irene S. Rubin, a separação entre o contribuinte e o sujeito que decide as despesas torna imprescindível a política simbólica (que exige a transparência).36 A prestação de contas e a divulgação de dados, de preferência em tempo real, permite ao sujeito privado consultar como sua contribuição vem sendo usada. Hodiernamente, os dados são divulgados, nos lindes da legislação infraconstitucional (Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei da Transparência), mas não é evidente a relação dos dispêndios com a contribuição do indivíduo. Existe uma massa disforme de entradas (ingresso de dinheiro no Tesouro do Estado), sem identificar, com clareza, a proporção da contribuição do contribuinte para com as obrigações estatais.37 O apoio ao pagamentos dos impostos, mesmo que volátil, pode ter alguma consistência se houver a demonstração dos fins – que o dinheiro não está sendo desperdiçado, ou usado ilicitamente. Por isso, é importante que o Estado seja accountable, e esteja à disposição do indivíduo. Segundo lição de Mariana Mota Prado, ao estudar a Administração Pública e a corrupção, existiriam estratégias alternativas de reforma das estruturas do Estado, destacando ser necessário, sempre, accountability para evitar corrupção, clientelismo e para incentivar a responsividade, a necessidade de o agente público prestar contas. 38 Ora, nessa toada, todo agente deve expor como aplica os recursos públicos, justificando, a todo momento, o motivo pelo qual institui tributos. 6. A necessária relação entre receitas e despesas públicas Disse-se, no início, que a arrecadação deve ter um motivo, uma razão. O Estado não arrecada como um fim em si mesmo, mas porque visa à efetivação das tarefas previstas constitucionalmente. E, por óbvio, as receitas tributárias, principalmente os impostos, são imprescindíveis no Estado Fiscal. Afirma Othon Sidou que “a idéia de Estado [é] inerente à idéia de tributo”39. Tem razão. Desde que, evidente, o Estado tenha a função de produzir bens que não possam ser produzidos pelos particulares (no caso, para atender às necessidades públicas, que são satisfeitas por serviços universais, não divisíveis) e, excepcionalmente, bens que satisfaçam necessidades privadas. O Estado deve fixar, em situações ordinárias, as despesas após a previsão da receita. Eventualmente, a situação inverte-se e as despesas são definidas primeiramente. Essa é a lógica do orçamento público equilibrado, devendo o Estado evitar déficit e, por consequência, sobrecarregar as gerações futuras, cuja obrigação será o pagamento da dívida resultante. Esse é mais um forte argumento da necessária relação entre receita e 36

“The separation between taxpayer and budgetary decision maker highlights the importance of symbolic politics – that is, the way expenditures are presented and viewed. Expenditures that benefit some narrow group may survive if they are represented as being for the collective good” (RUBIN, Irene. S. The Politics of Public Budgeting, 6ª ed. Washington D.C.: CQ Press, 2010, p. 18). 37

Basta, para tanto, acessar portais da transparência. Estão presentes dados da captação de tributos, pormenorizadamente, mas faltam dados simples, como, por exemplo, o percentual de despesas suportadas pela contribuição tributária. Todos as informações que demonstrem o bom uso do dinheiro são necessárias. Por isso, o artigo cuida da relação entre as receitas e despesas públicas. 38

TREBILCOCK, Michael. PRADO, Mariana Mota. What makes poor countries poor. Cheltenham: Edward Elgar, 2011, p. 167-175. 39

SIDOU, J. M. Othon. A Natureza Social do Tributo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 9.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Responsabilidade da atividade financeira e necessária relação entre receitas e despesas públicas. In.: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação e Liberdade. Rio de Janeiro: Noeses, 2014, p. 479-501.

despesa pública (o Estado arrecada porque precisa despender em alguma finalidade pública). O princípio da anualidade tributária, que hoje não vige no sistema constitucional, impõe ao Estado que, para captar tributos, a autorização deverá ocorrer ano a ano, na lei orçamentária. Uma das finalidades dessa medida seria, nos argumentos revelados, a de impor a obrigação ao Estado para apresentação dos motivos para a arrecadação tributária. Não vige tal norma no Direito Pátrio. Porém, não se tornou desnecessária a demonstração da arrecadação com o fim público. Decorre, logicamente, da regra da publicidade, da transparência e, enfim, da accountability. Considerando que o Estado arrecada para alcançar um objetivo público; considerando que as pessoas são instadas a prestar a obrigação tributária (sob um rol extenso de sanções); considerando que o dinheiro arrecadado deve ser utilizado adequadamente, de acordo com os fins do Estado – da Constituição e das normas infraconstitucionais; considerando que o sentimento de boa utilização do dinheiro e a accountability reforçam as razões do Estado para exigir os tributos e essas mesmas providências podem incentivar a prestação da obrigação tributária; e tendo em vista que a Lei de Responsabilidade Fiscal condiciona à justificativa e motivação a validade dos atos de renúncia de receita (o que reforça a exigência de justificativa pela majoração ou instituição de tributos); é de se afirmar que compete ao Estado sempre apresentar os motivos, pública e claramente, pelos quais o levou a instituir ou majorar tributos. E esses motivos devem ser: (a) verdadeiros e sinceros; (b) legítimos; e (c) legais e constitucionais. O Estado, ordinariamente, deve despender de acordo com a disponibilidade das receitas, sem impor aos particulares esforços desarrazoados. Tem de manter sua função de acordo com suas forças financeiras. Qualquer alteração no cenário ordinário – como uma situação de calamidade pública – que exija do Estado a majoração ou instituição de tributos, levará à imprescindível a apresentação dos motivos, com descrição das razões fáticas e técnicas. Enfim, deverá existir, sempre, relação entre receitas e despesas públicas. Referências bibliográficas BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2008 CAMPOS, Ana Maria. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português? In.: Revista de Administração Pública Rio de Janeiro, 24(2)30-50 fev/abr.1990. CANOTILHO, J. J. Gomes. MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada, v. 1, 1ª ed. brasileira, 2007. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 24ª ed. São Paulo: Malheiros FURTADO, J. R. Caldas. Direito Financeiro, 4ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. GRUPENMACHER, Betina Treiger. Responsabilidade Fiscal, Renúncia de Receitas e Guerra Fiscal. In.: SCAFF, Fernando Facury. CONTI, José Maurício (coords.). Lei de Responsabilidade Fiscal. 10 anos de vigência. Questões Atuais, 1ª ed. São José/SC: Editora Conceito Editorial, 2010, p. 99-115.

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