Responsabilidade por exercício de influência sobre a administração de sociedades anónimas — Uma análise de direito material e direito de conflitos (Liability Arising Out of Influence Exercised Over Directors of the Public Limited Liability Company...) [extract]

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RUI MANUEL PINTO SOARES PEREIRA DIAS Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra

RESPONSABILIDADE POR EXERCÍCIO DE INFLUÊNCIA SOBRE A ADMINISTRAÇÃO DE SOCIEDADES ANÓNIMAS Uma análise de direito material e direito de conflitos

Dissertação para o curso de mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

PLANO DA EXPOSIÇÃO Introdução. Delimitação do tema

PARTE I Direito material CAPÍTULO I Relance comparatístico sobre outros ordenamentos jurídicos

1. 2. 3. 4.

Alemanha Áustria Brasil Itália

CAPÍTULO II A responsabilidade por exercício de influência sobre a administração de sociedades anónimas no Código das Sociedades Comerciais

1. Indicação de sequência 2. Os elementos da previsão do art. 83.°, n.° 4 2.1. Autor do exercício de influência 2.1.1. O “sócio” 2.2.1.1.1. Só o “sócio”? 2.1.2. O sócio dominante: a relação de domínio 2.2.1.2.1. Relevância 2.2.1.2.2. Configuração legal. Âmbito pessoal e influência dominante 2.2.1.2.3. Influência dominante: características 2.2.1.2.4. Influência dominante: instrumentos 2.2. Pessoa sujeita ao exercício de influência: o “administrador” 2.3. Posição que demonstra o poder de influenciar: o poder de destituição de administrador 2.3.1. Poder de destituir “membro do órgão de fiscalização”? 2.4. Factos em que se baseia o poder de destituição

10 Responsabilidade por exercício de influência sobre a administração de sociedades 2.4.1. “Disposições contratuais” 2.4.2. Titularidade de “número de votos” 2.2.4.2.1. ”Só por si” 2.2.4.2.2. “Juntamente com pessoas a quem esteja ligado por acordos parassociais” 2.5. Meios de exercício da influência 2.6. Responsabilidade do administrador – ou dano causado pela actuação do administrador? 2.7. Nexos de causalidade 2.8. Propósito de causar o dano? 3. Caracterização da responsabilidade 3.1. Fins normativos, fundamentos, modalidades 3.1.1. O administrador de facto 3.2. Algumas consequências para a verificação dos elementos da previsão da norma 4. Breve referência às situações de responsabilidade previstas no Código do Trabalho: os arts. 378.° e 379.° do CT e a confirmação da análise

PARTE II Direito de conflitos CAPÍTULO I Problemas de qualificação

1. Considerações preliminares. Objecto da indagação e hipótese de partida da parte internacionalprivatística do estudo. Razão de ordem 2. Objecto da conexão do estatuto contratual 3. Objecto da conexão do estatuto delitual 4. Objecto da conexão do estatuto societário 4.1. Outras delimitações: referência aos estatutos da insolvência, da desconsideração da personalidade colectiva e dos valores mobiliários 5. Conclusão

CAPÍTULO II Determinação da lei aplicável ao estatuto societário

1. Razão de ordem. O regime legal 2. Consequências da liberdade de estabelecimento para a determinação da lei aplicável às sociedades intra-comunitárias 3. Relevo da vontade: possibilidade de escolha de lei?

Plano da Exposição

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CAPÍTULO III Determinação do regime das relações intersocietárias

1. O âmbito espacial de aplicação do regime das sociedades coligadas: primeira referência às normas relevantes. Indicação de sequência 2. O art. 481.°, n.° 2, c), e o sentido da remissão para os arts. 83.° e 84.° 3. A introdução do art. 481.°, n.° 2, d), na reforma de 2006: em busca de um sentido para a nova regra 4. Problemas suscitados pela exclusão das sociedades de estatuto pessoal estrangeiro. Indicação de sequência 4.1. Vantagens e desvantagens para as sociedades de estatuto pessoal estrangeiro decorrentes da autolimitação espacial do regime legal das sociedades coligadas 4.2. Exclusão das sociedades de estatuto pessoal estrangeiro extra-comunitárias: a sua compatibilidade com a Constituição portuguesa 4.2.1. Avaliação da compatibilidade com as normas jurídico-constitucionais em questão 2.4.2.1.1. O artigo 81.°, f), da CRP: a equilibrada concorrência empresarial 2.4.2.1.2. O artigo 13.° da CRP: o princípio da igualdade 2.2.4.2.1.2.1. As possíveis justificações da exclusão das sociedades com sede no estrangeiro 4.3. Exclusão das sociedades de estatuto pessoal estrangeiro intra-comunitárias: a sua incompatibilidade com o direito comunitário e a Constituição portuguesa 4.3.1. Direito comunitário relevante: o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade (art. 12.° do TCE) e a liberdade de estabelecimento (arts. 43.° a 48.° do TCE) 4.3.2. Discriminação às avessas e ausência de justificação das restrições à liberdade de estabelecimento 4.3.3. Consequências para o direito interno: de novo o princípio da igualdade 4.4. Conclusão sobre a exclusão das sociedades de estatuto pessoal estrangeiro

INTRODUÇÃO Delimitação do tema A estrutura societária típica em Portugal, como nos países do continente europeu, passa pela existência de sócios de controlo, detentores da possibilidade de intervir activamente na condução da vida da sociedade, ao contrário do que sucede no caso anglo-americano, em que há uma maior separação entre a propriedade e o controlo, em virtude de uma também maior disseminação do capital1. No modelo continental, são os sócios que usualmente se perpetuam (é o chamado shareholder entrenchment, em contraste com o management entrenchment do ambiente anglo-americano). As possíveis consequências de um controlo mal exercido são óbvias: o prejuízo dos credores sociais, por diminuição (ou extinção) da garantia patrimonial dos seus créditos; o prejuízo da sociedade, em virtude de um desvio ao seu interesse, com efeitos nocivos sobre o projecto societário inicialmente traçado em conjunto; o prejuízo dos sócios não controladores, que vêem a sua participação diminuir de valor devido ao dano causado, ou podem sofrer directamente um dano em virtude da instrumentalização da sociedade em seu desfavor, e que, antes de tudo isso, vêem frustrados os seus direitos de participação na vida societária. Também é de relevar este último facto, porquanto esses direitos seriam em princípio garantidos pela atribuição de competências a um órgão executivo, em teoria independente do interesse exclusivo de um dos membros do grémio, e em cuja eleição, com mais ou menos poder2, têm uma palavra. São, pois, do maior interesse as relações que se estabelecem entre aquele sócio, detentor de uma posição privilegiada no concreto contexto 1

JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Governação das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 12-15. 2 Em regra; cfr., porém, os arts. 341.° ss. do CSC.

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societário, e o titular do órgão de administração, que procura equilibrar-se entre o cumprimento dos deveres que lhe são genericamente impostos e a não frustração das especiais expectativas de quem, muito provavelmente, tem o poder de o manter ou retirar do lugar. A necessidade de circunscrever o tema dentro de fronteiras aceitáveis levou-nos a centrar o estudo na sociedade anónima: é ela, no nosso direito, o paradigma das sociedades de capitais3. E é sem dúvida nestas que impende decisivamente sobre os sócios o “dever de não influenciar a administração da sociedade senão nos órgãos para isso apropriados”4. Tomaremos como Leitmotiv a responsabilidade do sócio, por exercício de influência sobre a administração da sociedade anónima, perante a sociedade e perante os outros sócios, tal como resulta da opção feita pelo legislador societário português no art. 83.° do CSC5, através do seu n.° 4. A esses casos circunscreveremos as nossas tomadas de posição, o que todavia não nos impedirá de referirmos as questões que se nos colocam a partir do cotejo de outras disposições, em que a delimitação dos sujeitos e situações relevantes seja diversa (do lado passivo e/ou activo, i.e., quer porque sancionam sujeitos não-sócios, quer porque os sancionam não só perante a sociedade e sócios mas também perante terceiros). É por esse

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Referimo-nos, pois, àquilo que é chamado entre nós um tipo doutrinal societário [v. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial – Vol. II – Das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2002 (4.ª reimpr., 2005), pp. 66-71], por contraposição aos tipos legais. É interessante notar o caso italiano, onde a reforma de 2003 deu significado legal e não apenas doutrinal à expressão “sociedade de capitais”, agregando, em tanto que protótipo, a società per azioni, a que se juntam as sociedades a responsabilità limitata e in accomandita per azioni: cfr. FRANCESCO GALGANO, Diritto Civile e Commerciale – Volume Terzo – L’Impresa e le Società – Tomo Secondo – Le Società di Capitali e le Cooperative, Quarta Edizione, Cedam, Padova, 2004, p. 1. Sobre a distinção entre sociedades de pessoas e sociedades de capitais, v. tb. PEDRO MAIA, Tipos de sociedades comerciais, in J. M. COUTINHO DE ABREU (coord.), “Estudos de Direito das Sociedades”, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pp. 27-30; referindo-se às raízes da diferenciação, RUI MANUEL DE FIGUEIREDO MARCOS, As Companhias Pombalinas – Contributo para a História das Sociedades por Acções em Portugal, Almedina, Coimbra, 1997, p. 13. 4 COUTINHO DE ABREU, Curso…, cit., vol. II, pp. 68 e 309. 5 Como supra adiantado, é assim que abreviaremos a menção ao Código das Sociedades Comerciais. Dele são as disposições legais que citaremos, quando desacompanhadas da indicação da sua pertença, sempre que algo diferente não resulte do contexto da citação. Não obstante, reiteraremos a sua proveniência quando a prevenção de equívocos na leitura nos pareça justificá-lo.

Introdução. Delimitação do tema

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motivo que o desenredo interpretativo do art. 83.°, n.° 4, desempenhará o papel fundamental da parte material do nosso estudo, sem que, todavia, deixemos de procurar não desatentar nas situações próximas que se nos afigurem relevantes. Na parte internacionalprivatística, que se lhe seguirá, os horizontes ultrapassarão as fronteiras lusitanas, em busca de soluções para problemas que o contacto relevante com outros ordenamentos jurídicos levanta. Dado apenas o mote, o caminho far-se-á à medida que o percorrermos, porquanto a impossibilidade realista de abordarmos, com a detenção que pretenderíamos, as inúmeras questões mais ou menos imediatamente associadas ou associáveis ao tema central eleito, obrigará a escolhas – sempre difíceis e por definição discutíveis, mas cuja congruência tentaremos previamente aferir e deixar expressa.

PARTE I

DIREITO MATERIAL

CAPÍTULO I Relance comparatístico sobre outros ordenamentos jurídicos Ocorre-nos por ora, tanto mais que nos confrontaremos mais tarde neste estudo com certos problemas levantados pelo carácter internacional das relações jurídico-societárias de que cuidamos, averiguar sobre o modo como a questão tem sido encarada noutros ordenamentos jurídicos, concentrando-nos, nesta abordagem preliminar, essencialmente, no modo como a lei desses ordenamentos jurídicos procura dar-lhe uma resposta. Claro que, em face de concepções jurídicas por vezes tão distintas, haverá que fazer uma limitação, que acaso pecará por excesso: a verdade é que certos ordenamentos poderão não prever e estatuir algo de mais ou menos imediatamente assimilável ao previsto no nosso CSC, mas, por outra via, responsabilizar um sujeito, designadamente um sócio, através de outros mecanismos [entre os quais: a sua consideração como administrador de facto; um entendimento que relativize a atribuição de personalidade (e, antes ou para lá disso, de subjectividade) jurídica à sociedade, desconsiderando-se essa personalidade para imputar uma conduta formalmente desta ao sócio e responsabilizá-lo por ela (o famoso lifting ou piercing the veil6); ou mesmo expedientes comuns do direito privado, como o abuso de 6 Ou ainda, em geral, entendimentos da ideia de limitação de responsabilidade, primordialmente inerente (embora não de modo genético: COUTINHO DE ABREU, Curso…, cit., vol. II, pp. 77-82, 170) às sociedades de capitais, que não se reconduzam à referida figura do Durchgriff. Sobre este, em Portugal, v. principalmente COUTINHO DE ABREU, Da empresarialidade – as empresas no direito, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 205-210; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, Almedina, Coimbra, 2000; ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Da personalidade e capacidade jurídicas das sociedades comerciais, in J. M. COUTINHO DE ABREU (coord.), “Estudos de Direito das Sociedades”, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pp. 81-84; RICARDO

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direito (aliás, também este útil ao nível do funcionamento do mecanismo anterior7)]. Para que o pecado não seja, ele próprio, excessivo, tentaremos em compensação referir-nos ao longo do texto a figuras deste cariz, quando a compreensão do problema possa passar por aí em determinada cultura jurídica (haverá alusões muito breves a Espanha, Inglaterra, Estados Unidos da América). Numa amostra que tem por critério a mais estreita proximidade ou afinidade ao nosso sistema8, não esquecendo os casos que exerceram uma importante influência na configuração normativa do nosso instituto, reportar-nos-emos de seguida aos exemplos da Alemanha, Áustria, Brasil e Itália.

1. Alemanha Na Alemanha, o direito das sociedades por acções tem como diploma fundamental a Aktiengesetz de 1965, ulteriormente objecto de alterações, a última das quais em 2005. Na nossa doutrina, o § 117 AktG é frequentemente apontado como a fonte inspiradora da regra de responsabilidade por influência sobre a administração, constante do CSC: o art. 83.°, n.° 49, inovação deste Código no ALBERTO SANTOS COSTA, A Sociedade por Quotas Unipessoal no Direito Português – Contributo para o estudo do seu regime jurídico, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 653-676; PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais, AAFDL, Lisboa, 1989; A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais, in Adelino da Palma Carlos et al., “Novas perspectivas do direito comercial”, Almedina, Coimbra, 1988, pp. 289-311. V. tb. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Liability of Corporate Groups – Autonomy and Control in Parent-Subsidiary Relationships in US, German and EU Law – An International and Comparative Perspective, Kluwer, Deventer, Boston, 1994, pp. 237-258, mas referindo-se ao direito estadunidense. 7 Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso…, cit., vol. II, p. 175; GALGANO, Diritto Civile e Commerciale…, cit., Tomo Secondo, esp. pp. 114-118. 8 Com o que cremos não fugir fundamentalmente aos cânones metodológicos aconselháveis: cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Introdução ao Direito Comparado, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1998, pp. 28-30. 9 Assim, entre outros, COUTINHO DE ABREU, Da empresarialidade…, cit., p. 254; ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos de Sociedades – estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2002, p. 589, n. 1147; COUTINHO DE ABREU e ELISABETE RAMOS, Responsabilidade Civil de Administradores e de Sócios

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direito português das sociedades10. Contudo, no direito alemão, acresce a esta regra geral uma outra, o § 317 AktG, que se aplica às relações de grupo de facto11. Vejamo-las:12 § 117 Dever de indemnização (1) 1Quem, intencionalmente utilizando a sua influência sobre a sociedade, determinar um membro do órgão de administração ou do órgão de fiscalização, um procurador ou um gestor geral de negócios a actuar em detrimento da sociedade ou dos seus accionistas, é responsável para com a sociedade pelos prejuízos resultantes dessa acção. 2É ainda obrigado a indemnizar os accionistas dos prejuízos que daí lhes resultarem, se eles, independentemente dos prejuízos que lhes tenham advindo através do prejuízo da sociedade, também forem prejudicados. (2) 1Respondem ainda solidariamente os membros do órgão de administração ou de fiscalização, se houverem agido em violação dos seus deveres. 2Caso seja discutível se eles usaram da diligência de um gestor ordenado e consciencioso, incumbe-lhes o ónus da prova. 3Não existe dever de indemnizar a sociedade ou os accionistas, por parte dos membros do órgão de administração ou de fiscalização, quando a actuação se baseie numa deliberação válida da assembleia geral. 4O consentimento do órgão de fiscalização para a prática do acto não exclui o dever de indemnizar. (3) Responde também solidariamente aquele que através do acto prejudicial tiver obtido uma vantagem, desde que tenha propositadamente determinado o exercício da influência. (4) À exclusão do dever de indemnizar a sociedade aplica-se, com as devidas adaptações, o § 93, parágrafo (4), 3.ª e 4.ª frases. (5) 1O direito de indemnização da sociedade pode também ser exercido pelos seus credores, desde que estes não consigam obter desta a satisControladores – (Notas sobre o Art. 379.° do Código do Trabalho), in IDET, Miscelâneas, n.° 3, Almedina, Coimbra, 2004, p. 53, n. 89; TERESA SAPIRO ANSELMO VAZ, A responsabilidade do accionista controlador, in O Direito, 1996, III-IV, p. 376. 10 TERESA ANSELMO VAZ, A responsabilidade…, cit., p. 401; ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Sociedades comerciais, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 43. 11 Para uma exposição sumária da sistematização desta lei alemã no que respeita a relações de dependência e grupos, RAÚL VENTURA, Grupos de sociedades – Uma introdução comparativa a propósito de um Projecto Preliminar de Directiva da C.E.E., in ROA, 1981, I, pp. 38-41. 12 Em ordem a evitar repetidas indicações ao longo de todo o texto que seguirá, assente-se que os sublinhados em disposições legais, totais ou parciais, serão sempre nossos.

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fação dos seus créditos. 2Relativamente aos credores, o direito de indemnização não pode ser excluído, nem através de renúncia ou transacção da sociedade, nem pela circunstância de o acto se basear numa deliberação da assembleia geral. 3Se tiver sido iniciado processo de insolvência sobre o património da sociedade, o direito dos credores é exercido pelo administrador da insolvência na sua pendência. (6) Os direitos resultantes destes preceitos prescrevem no prazo de cinco anos. (7) Estes preceitos não se aplicam, se o membro do órgão de administração ou de fiscalização, procurador ou gestor geral de negócios foi determinado à prática do acto prejudicial através do exercício 1. do poder de direcção com base em contrato de subordinação ou 2. do poder de direcção de uma sociedade principal [Hauptgesellschaft] (§ 319), na qual a sociedade esteja integrada [eingegliedert]. § 317 Responsabilidade da empresa dominante e seu representante legal (1) 1Se uma empresa dominante determinar uma sociedade dependente, com a qual não tenha qualquer contrato de subordinação, a praticar um negócio jurídico prejudicial para esta, ou a tomar ou a deixar de tomar uma medida em prejuízo desta, sem que o prejuízo seja efectivamente compensado até ao fim do exercício, nem seja concedido à sociedade dependente o direito a uma determinada vantagem compensatória, é obrigada a indemnizar a sociedade pelos prejuízos daí resultantes. 2É ainda obrigada a indemnizar os accionistas dos prejuízos que daí lhes resultarem, se eles, independentemente dos prejuízos que lhes tenham advindo através do prejuízo da sociedade, também forem prejudicados. (2) Não existe obrigação de indemnizar se um gestor ordenado e consciencioso de uma sociedade independente tivesse efectuado o negócio jurídico, ou tivesse tomado, ou deixado de tomar, as medidas. (3) Em conjunto com a empresa dominante respondem, solidariamente, os representantes legais da empresa que levaram a sociedade ao negócio jurídico ou à medida. (4) O § 309, (3) a (5), é aplicável com as devidas adaptações.13

13 Algumas notas de tradução: ela segue de perto, embora com alterações, a de ALBERTO PIMENTA, A nova lei alemã das sociedades por acções [tradução e notas], in BMJ, n.° 176, pp. 211-213 (as alterações são mais visíveis na tradução do § 317, onde a ob. cit. é, em alguns passos, equívoca). Mas optámos, designadamente, e ainda por referência a esta tradução, com vista a simplificar e facilitar a leitura, por traduzir as palavras Vorstand

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Até fim de Outubro de 2005, o § 117 (7) AktG continha três números, e não apenas dois: o antigo n.° 1 previa como circunstância excludente da aplicação destes preceitos que a determinação à prática do acto prejudicial fosse feita “através do exercício do direito de voto na assembleia geral”. A revogação do preceito14 inseriu-se numa reforma do direito alee Aufsichtsrat, o que fizemos, respectivamente, com as expressões “órgão de administração” e “órgão de fiscalização”. Se é certo que a manutenção dos termos originais ganharia em precisão, não menos certo nos parece que a tradução como antecede é suficientemente fiel, desde que concomitantemente se alerte para a impossibilidade de se proceder a um decalcamento literal para os conceitos homólogos de direito português, mesmo nas acepções correspondentes ao modelo de governo das sociedades mais próximo do alemão, por sinal apelidado “de tipo germânico”: cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso…, cit., vol. II, pp. 59-60; Governação das Sociedades Comerciais, cit., p. 34. Assumimos, por fim, nesta assimilação, o Aufsichtsrat, à semelhança do que se entende para o conselho geral, como “órgão não só mas sobretudo de fiscalização”: COUTINHO DE ABREU, Curso…, cit., vol. II, p. 60; v. tb. M. NOGUEIRA SERENS, Notas sobre a sociedade anónima, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 84; PEREIRA DE ALMEIDA, Estrutura Organizatória das Sociedades, in “Problemas do Direito das Sociedades”, IDET, Almedina, Coimbra, 2002 (reimpr. 2003), pp. 115-116; Sociedades comerciais, cit., p. 466; JOSÉ DE FARIA COSTA e MARIA ELISABETE RAMOS, O crime de abuso de informação privilegiada (insider trading) – A informação enquanto problema jurídico-penal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 69. No parágrafo (2), 4.ª frase, a razão por que preferimos “consentimento” a “autorização” é a de assim mais nos aproximarmos dos termos do CSC [a propósito das competências e poderes de gestão do conselho geral e de supervisão: cfr. arts. 442.°, n.° 1, e tb. 441.°, r); e, em geral – mas pensando nesse órgão –, o art. 72.°, n.° 6]. Pareceu-nos ainda curial indicar, no parágrafo (7), n.° 2, certos termos originais, dada a fragilidade da tradução dos mesmos, em se tratando de figura (a da Eingliederung) desconhecida do nosso direito [HANS-GEORG KOPPENSTEINER, Os grupos no direito societário alemão, in IDET, Miscelâneas, n.° 4, Almedina, Coimbra, 2006, reconhecendo embora que “não há termo técnico em português”, traduz por “integração ou incorporação” (p. 16) e define-a como “uma operação que economicamente equivale a uma fusão, mas distingue-se desta pela manutenção das sociedades existentes” (p. 11, n. 4)]. Por último no que toca a traduções, e agora com respeito a todo o estudo, verificarse-á que não optaremos exclusivamente por traduzir todas as citações em língua estrangeira, com o que se ganharia em facilidade de leitura, ou por apresentá-las no original, com o que se ganharia em rigor. Não obstante, seguiremos mais frequentemente a primeira orientação quando o idioma se distancie sensivelmente do nosso (pensamos no alemão), e mais vezes a segunda quando os significantes originais sejam com toda a probabilidade de mais fácil compreensão, pela maior proximidade da língua portuguesa ou pelo seu comum entendimento (pensamos no espanhol, francês, italiano; e no inglês). 14 Referida entre nós, ainda em face do Entwurf, por COUTINHO DE ABREU e ELISABETE RAMOS, Responsabilidade Civil…, cit., p. 51, n. 84.

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mão das sociedades anónimas, de título Gesetz zur Unternehmensintegrität und Modernisierung des Anfechtungsrechts (ou simplesmente UMAG)15, que incidiu sobre o regime de responsabilidade dos órgãos sociais [entre outros, introduziu-se a chamada business judgement rule16 no § 93 (1) AktG17] e vários aspectos ligados à assembleia geral de accionistas [direito de participação, comunicação electrónica entre accionistas de pedidos ou requerimentos a formular à assembleia (num intitulado Aktionärsforum), direito de informação, impugnação de deliberações]18. Neste contexto, a alteração do § 117 AktG não é das mais faladas19. Não obs-

15 A proposta de alteração é acessível no sítio do Bundesministerium der Justiz alemão, sob a ligação http://www.bmj.bund.de/media/archive/797.pdf (pela última vez acedido em 25.10.2006). 16 V. PEDRO CAETANO NUNES, Responsabilidade Civil dos Administradores perante os Accionistas, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 23-26; MANUEL A. CARNEIRO DA FRADA, Direito Civil – Responsabilidade Civil – O método do caso, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 118-123 (esp. pp. 121-123); e já JOÃO SOARES DA SILVA, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades: os deveres gerais e os princípios da corporate governance, in ROA, 1997, II, pp. 624-626. 17 Neste § 93 AktG, manteve-se inalterado o seu parágrafo 4, para onde remete o § 117 (4) AktG, de onde resulta que a sociedade não poderá renunciar à indemnização (ou sobre ela transaccionar) antes de decorridos três anos do seu surgimento, por deliberação da assembleia geral contra a qual não votem accionistas que representem (pelo menos) um décimo do capital social, com a excepção do que possa resultar de processos de insolvência. 18 Para um panorama geral da reforma, em língua “mais próxima”, v. FERNANDO JUAN Y MATEU, La reforma de la Aktiengesetz alemana por la UMAG de 22 de septiembre de 2005, in RdS, 2005-2, n.° 25, pp. 187-202. 19 Totalmente ausentes de uma referência a esta alteração, apesar de tratarem a reforma, consultámos, entre muitos outros, PETER ULMER, Haftungsfreistellung bis zur Grenze grober Fahrlässigkeit bei unternehmerischen Fehlentscheidungen von Vorstand und Aufsichtsrat? – Kritische Bemerkungen zur geplanten Kodifizierung der business judgment rule im UMAG-Entwurf (§ 93 Abs. 1 Satz 2 AktG), in DB, 2004, Heft 16, pp. 859-863; HERIBERT HIRTE, Die Reform der Anfechtungsklage im italienischen Recht: Vorbild für das UMAG?, in ZIP, 2004, pp. 1091-1093; H. DIECKMANN e D. LEUERING, Der Referentenentwurf eines Gesetzes zur Unternehmensintegrität und Modernisierung des Anfechtungsrechts (UMAG), in NZG 2004, pp. 249-257; CARSTEN SCHÜTZ, Neuerungen im Anfechtungsrecht durch den Referentenentwurf des Gesetzes zur Unternehmensintegrität und Modernisierung des Anfechtungsrechts (UMAG), in DB, 2004, pp. 419-426; RODERICH C. THÜMMEL, Organhaftung nach dem Referentenentwurf des Gesetzes zur Unternehmensintegrität und Modernisierung des Anfechtungsrechts (UMAG), in DB, 2004, pp. 471-474; WIENAND MEILICKE e THOMAS HEIDEL, UMAG: “Modernisierung“ des Aktienrechts

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tante, ainda no período de discussão da proposta, fizeram-se sentir críticas a esta modificação, todas elas viradas para a articulação com a outra regra acima transcrita (§ 317 AktG), e que não deixam de ter interesse no paralelo com o direito português. Na verdade, várias tomadas de posição20 perante a proposta, apesar de aplaudirem genericamente a abolição do “privilégio geral do grande accionista ao nível da responsabilidade”21, chamaram a atenção para as dificuldades surgidas da revogação do § 117 (7) 1 AktG na articulação entre este § 117 e os §§ 311-318 AktG, que estabelecem uma disciplina específica para os grupos de facto, maxime no que toca ao § 317 AktG. E se uns se ficavam pela sugestão da clarificação das relações entre os preceitos por causa da referida derrogação22, outros23 preconizavam uma alteração à proposta, excluindo-se por essa via dos efeitos da revogação as faktische Konzernverhältnisse, porquanto a responsabilidade de sociedades dominantes seria francamente alargada, juntando-se, à Haftung perante a própria dominada e eventualmente outros sócios (§ 317 AktG), uma responsabilização mais frequente perante os credores da dominada [cfr. § 117 (5) AktG]24. O preceito, porém, foi alterado como proposto, e está em vigor nesses termos desde 1 de Novembro de 2005.

durch Beschränkung des Eigentumsschutzes der Aktionäre, in DB, 2004, pp. 1479-1487; HANS-ULRICH WILSING, Der Regierungsentwurf des Gesetzes zur Unternehmensintegrität und modernisierung des Anfechtungsrechts – Neuerungen für die aktienrechtliche Beratungspraxis, in DB, 2005, pp. 35-41. 20 Stellungnahme des Deutschen Aktieninstituts; Stellungnahme des Deutschen Anwaltsvereins (durch den Handelsrechtsausschuss) – a de Abril de 2004, porquanto existe uma segunda de Março de 2005, contudo omissa quanto a este problema; e Gemeinsame Stellungnahme Bundesverband der Deutschen Industrie/Bundesvereinigung der Deutschen Arbeitgeberverbände/Deutscher Industrie- und Handelskammertag/Gesamtverband der Deutschen Versicherungswirtschaft/Bundesverband deutscher Banken. Os documentos referidos foram acedidos (pela última vez em 25.10.2006) por meio das ligações disponibilizadas no sítio de uma universidade alemã (Augsburg), onde se poderão ainda encontrar outras referências pertinentes: http://www.jura.uni-augsburg.de/prof/moellers/materialien/4_gesellschaftsrecht/200_umag/. 21 Nas palavras da Begründung do Entwurf, acima citado, p. 25 (“generelle Haftungsprivilegierung für Großaktionäre”). 22 Assim a primeira das Stellungnahmen citadas. 23 Assim as duas restantes. 24 Agora de acordo com a última tomada de posição citada.

30 Responsabilidade por exercício de influência sobre a administração de sociedades

Por seu turno, o § 317 AktG actua apenas quando uma empresa (societária ou não) exerce uma influência dominante sobre a sociedade por acções. A relação entre os §§ 117 e 317 AktG não é absolutamente clara (como aliás se confirma pelas diversas tomadas de posição acima citadas a propósito da UMAG): vendo certa doutrina o último como lex specialis em face daquele25, é contudo mais frequente encontrar-se a opinião de que, na falta de uma devida compensação do prejuízo causado, como imposta pelo § 311 AktG (cuja violação desencadeia a aplicação do § 317), possam actuar paralelamente as duas mencionadas regras26. E há ainda quem admita, ao supor uma aplicação do § 117 AktG também aos “grupos de facto”, que a compensação do prejuízo (Nachteilsausgleich), operada em respeito aos §§ 311 (2) e 317 (1) AktG, valha para afastar o dever de indemnizar do § 117 (1) AktG27.

25 GERT BRÜGGEMEIER, Die Einflußnahme auf die Verwaltung einer Aktiengesellschaft – Zur Struktur und zum Verhältnis der §§ 117 und 317 AktG, in AG, 1988, Heft 4, p. 102: leges speciales são aqui, para o Autor, os §§ 311, 317 e 318. Diferentemente, BRUNO KROPFF, in Bruno Kropff, Johannes Semler (Hrsg.), Münchener Kommentar zum Aktiengesetz, 2. Aufl., Band 3, C. H. Beck/Franz Vahlen, München, 2004, p. 1297, aceita apenas o § 311 AktG como lex specialis, na medida em que a compensação dos danos causados pelo acto prejudicial afasta a aplicação do § 117 AktG. 26 O exemplo de HANS-JOACHIM MERTENS, in Wolfgang Zöllner (Hrsg.), Kölner Kommentar zum Aktiengesetz, Band 1 (§§ 1-147 AktG), Carl Heymanns Verlag, Köln, Berlin, Bonn, München, 1985, p. 1131, é o de o acto ser considerado objectivamente não desconforme à actuação do “gestor ordenado e consciencioso”, dentro do espaço de risco empresarial que essa noção coenvolve, assim se desculpando o acto por via do § 317 (2) AktG, mas, concomitantemente, fazer-se prova de que o sócio agiu com intenção de causar o prejuízo, aplicando-se por isso o § 117 AktG. A favor da conjugabilidade, v. ainda KOPPENSTEINER, in Wolfgang Zöllner, Ulrich Noack (Hrsg.), Kölner Kommentar zum Aktiengesetz – §§ 15-22 AktG, §§ 291-328 AktG und Meldepflichten nach §§ 21 ff. WpHG,SpruchG, 3. Aufl., Heymann, Köln, Berlin, München, 2004, p. 1136; UWE HÜFFER, Aktiengesetz, 6. Aufl., Verlag C. H. Beck, München, 2004, p. 582; MICHAEL KORT, in Klaus J. Hopt, Herbert Wiedemann (Hrsg.), AktG – Großkommentar, 24. Lieferung (§§ 95-117), 4. Aufl., De Gruyter Recht, Berlin, 2005, p. 1516; JOACHIM MEYER-LANDRUT, in Carl Hans Barz et al., Aktiengesetz – Großkommentar, Erster Band, 2. Halbband (§§ 76-147), 3. Auflage, De Gruyter, Berlin, New York, 1973, pp. 919-920; KROPFF, Münchener Kommentar…, cit., p. 1297. A propósito do risco empresarial, v., com referências, CAETANO NUNES, Responsabilidade Civil dos Administradores…, cit., pp. 92-93. 27 HANS-CHRISTOPH VOIGT, Haftung aus Einfluss auf die Aktiengesellschaft (§§ 117, 309, 317 AktG), Verlag C. H. Beck, 2004, pp. 358-359.

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