Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável: a importância do manejo florestal sustentável para a conservação da floresta amazônica (2014)

June 2, 2017 | Autor: Marcela Maciel | Categoria: Sustentabilidade, Desenvolvimento sustentavel, Manejo Florestal, concessão florestal
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RESPONSABILIDADE SOCIAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: A IMPORTÂNCIA DO MANEJO FLORESTAL SUSTENTÁVEL PARA A CONSERVAÇÃO DA FLORESTA AMAZÔNICA Marcela Albuquerque Maciel1 Resumo: O presente artigo busca analisar em que medida o manejo florestal sustentável representa uma alternativa ambiental e economicamente viável frente a atividades que demandam a substituição da floresta, tendo-se como fundo a questão da responsabilidade social na busca da conciliação do desenvolvimento econômico e da conservação ambiental, especialmente da Floresta Amazônica. Para tanto, foi dividido em duas partes principais. A primeira visa contextualizar o tema no cenário atual da conservação do meio ambiente. A segunda trata no manejo florestal sustentável nesse contexto, isto é, como instrumento de política ambiental que contribua para manutenção da floresta em pé. Ao final, concluiu-se que é necessária a adoção de incentivos à prática do manejo florestal sustentável na Amazônia. Palavras chave: Desenvolvimento sustentável. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Responsabilidade social. Manejo florestal sustentável.

INTRODUÇÃO O termo “desenvolvimento sustentável” foi cunhado historicamente no processo de tentativa de conciliação das agendas do meio ambiente e do desenvolvimento, incorporando a ideia de que este poderia ocorrer de modo que, na relação do homem com o ambiente natural, não restassem esgotadas as bases materiais de reprodução das suas atividades econômicas, sociais e culturais2. A pergunta fundamental é como conciliar o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental, atingindo-se o desenvolvimento sustentável, fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia3. No centro do debate acerca da conciliação do desenvolvimento econômico e da preservação ambiental, tendo-se o desenvolvimento sustentável como meta, questiona-se como e quais atividades humanas podem ser consideradas sustentáveis. O manejo florestal sustentável enquadra-se nesse contexto, ganhando relevo no Brasil, país florestal cuja área ainda coberta por florestas é a segunda maior do mundo, atrás apenas da Rússia4, o que amplia ainda mais sua responsabilidade não só na conservação deste patrimônio, mas também no fomento a atividades que promovam o seu uso sustentado. O presente artigo tem essa questão como fundo, buscando-se analisar em que

Procuradora Federal. Mestra em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília – UnB. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF. 2 LEUZINGER, Márcia, e CUREAU, Sandra. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 11. 3 BLIACHERIS, Marcos Weiss. Manejo Florestal Sustentável: uma perspectiva jurídica. Revista da AGU, Brasília, Ano X, n. 29, jul./set. 2011, p. 205 a 223. p. 207. 4 SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. Florestas do Brasil em resumo. Brasília: SFB, 2013, p. 25. 1

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medida o manejo florestal sustentável representa uma alternativa ambiental e economicamente viável frente às atividades que demandam a substituição da floresta para o chamado uso alternativo do solo. Isto é, como alternativa à exploração predatória dos recursos naturais e instrumento para a manutenção da floresta em pé. Para tanto, o trabalho foi dividido em duas partes principais. A primeira visa contextualizar o tema no cenário atual referente à conservação do meio ambiente, abordando o advento da questão ambiental e das alterações nas relações do Estado e da sociedade em face da temática do meio ambiente ecologicamente equilibrado e do desenvolvimento sustentável. A segunda trata do manejo florestal sustentável no âmbito do cenário apresentado, com foco na análise da sustentabilidade ambiental e econômica da atividade, bem como nos possíveis obstáculos ao seu desenvolvimento. Ao final, apresentam-se as conclusões a que se chegou com o estudo.

ESTADO, SOCIEDADE E O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO Estado e meio ambiente Para uma melhor compreensão do papel do Estado e sua atuação perante as questões ambientais, é importante a apresentação, ainda que de forma breve, dos fatos históricos que mais influenciaram a incorporação dos problemas relativos ao meio ambiente nas políticas públicas e, assim, na alteração do seu papel frente às novas atribuições e tarefas públicas que passou a ter que desenvolver e prestigiar, com destaque para a prestação de direitos fundamentais envolvendo a proteção do meio ambiente. O Estado frente ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Até o início do século XX, prevaleceu a concepção liberal de que a promoção do progresso seria realizada pelas forças da economia de mercado, não cabendo ao Estado exercer uma política nesse sentido5. O Estado focava-se na manutenção da tranquilidade e segurança da sociedade, segundo os ideais da “inação” e do “repouso”6, de modo a garantir a segurança jurídica necessária ao desenvolvimento do mercado capitalista. O conceito de desenvolvimento utilizado à época, contudo, foi elaborado em consonância com o de crescimento econômico, pois desenvolver um país significava implantar uma economia de mercado que pudesse incluir ao menos a maior parte dos seus cidadãos. Os países industrialmente avançados representavam modelos a serem seguidos pelos demais7. A partir do final da década de 1960, alguns fatores passaram a tornar evidente a necessidade de compreensão do sistema econômico como imerso num outro maior,

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HEIDERMAN, Francisco G. Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento. In: Francisco G. Heiderman, e José Francisco Salm. (orgs.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: Editora UnB, 2009, p. 23-39. p. 24-25. 6 COMPARATO, Fabio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 138, abr/jun. 1998. p. 39-48. p. 43. 7 HEIDERMAN, Francisco G. 2009. Op. cit. p. 26-27.

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com o qual interagia e se chocava, o sistema ecológico8. Pode-se citar dentre eles9: a acentuação da poluição que acompanhou a prosperidade do período pós 2ª Guerra Mundial nas economias industrializadas; as crises do petróleo da década de 1970; e a publicação, pelo chamado Clube de Roma10, do relatório intitulado “Limites do Crescimento”, também conhecido como “Relatório Meadows”11, em 1972, que propunha o crescimento zero como solução possível para evitar o colapso ambiental anunciado. Até então, o sistema econômico e seu desenvolvimento eram tratados de forma isolada, autocontida, como se o meio ambiente pudesse fornecer recursos naturais como insumos, de forma abundante e ilimitada, e servir como depósito, também ilimitado, aos resíduos e rejeitos desse sistema12. Ainda em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou, em Estocolmo, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, considerada um marco no ambientalismo moderno. Nessa Conferência, tornou-se evidente a resistência dos países do Sul às conclusões do Relatório Meadows13. Também pela primeira vez, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi declarado formalmente como um direito humano fundamental. A resistência dos países do Sul às proposições de crescimento zero do citado Relatório demonstra que a definição dos problemas ambientais, e das soluções escolhidas para enfrentá-los, envolve decisões políticas que refletem os valores e interesses de cada parte, determinando a forma como os custos e benefícios dessas ações serão distribuídos14. Em 1980, num estudo da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN)15, intitulado “Estratégia mundial para a conservação”, foi utilizada, pela primeira vez, a expressão “desenvolvimento sustentável”. Esse termo se difundiu ao ser conceituado, em 1987, no Relatório16 da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, ligada à ONU, como “aquele capaz de satisfazer às necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas próprias necessidades” 17. Na sequência histórica do processo de inserção da temática ambiental no cenário internacional, foi realizada, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), a Rio-92.

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MUELLER, Charles C. Os economistas e as relações entre o sistema econômico e o meio ambiente. Brasília: Finatec, 2007. p. 11-12 e NUSDEO, Fábio. Direito econômico ambiental. In: Curso interdisciplinar de direito ambiental. Arlindo Philippi Jr. e Alaôr Caffé Alves (editores). São Paulo: Manole, 2005b. p. 717738. p. 720. 9 Para maiores informações quanto à cronologia dos fatos que marcaram o advento da questão ambiental no cenário internacional e brasileiro, ver: BURSTYN, Marcel, e PERSEGONA, Marcelo. A grande transformação ambiental: uma cronologia da dialética homem-natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. 10 Surgido, em 1968, de uma reunião informal, de trinta economistas, cientistas, educadores e industriais, em Roma, para discutir a crise daquele momento e as crises futuras da humanidade. (BURSTYN, Marcel, e PERSEGONA, Marcelo. 2008. Op. cit. p. 136.). 11 Por ser de autoria de Denis Meadows, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), e de uma equipe de pesquisadores liderada por ele. (BURSTYN, Marcel, e PERSEGONA, Marcelo. 2008. Op. cit. p. 145). 12 MUELLER, Charles C. 2007. Op. cit. 12. 13 LE PRESTE, Philippe. Ecopolítica internacional. 2ª ed. São Paulo: Senac, 2005. p. 25-26. 14 LE PRESTE, Philippe. 2005. Op. cit. p. 25-26. 15 Em inglês: International Union for Conservation of Nature (IUCN) 16 Esse Relatório foi denominado “Nosso Futuro Comum” é também conhecido como “Relatório Brundtland”, em razão da Comissão ter sido presidida pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Brutland. 17 ONU, Organização das Nações Unidas. Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Our common future. 1986. Disponível em: < http://www.un-documents.net/ocf-01.htm#VIII>; acesso em: março/2012. Capítulo 1, item 49. Tradução livre da autora.

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Ao contrário de Estocolmo, a inter-relação entre meio ambiente e desenvolvimento não foi mais uma questão posta em discussão18. Com a introdução do conceito de desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente tornou-se elemento fundamental do processo, pois toda forma de crescimento não sustentável seria oposta ao conceito de desenvolvimento em si. Com isso, o crescimento econômico, ainda que acelerado, não significa desenvolver um país, não sendo suficiente maximizar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). O objetivo maior deve ser a redução da pobreza e atenuação das desigualdades, sem depreciação da força de trabalho e dos recursos naturais19. Várias dimensões passaram, assim, a ser agregadas aos poucos à ideia de desenvolvimento, como a social, a ambiental, a cultural, a política, a econômica e a territorial, o que exigia medidas que as promovessem em equilíbrio20. A questão ecológica incita um grande desafio para o seu enfrentamento, pois os instrumentos de associação e comparabilidade com o existente não são suficientes para a busca de soluções, revelando-se de suma importância o apelo à criatividade, à invenção e à imaginação, voltadas para a realização de algo futuro, e não para o condicionamento do passado. Não se pode olvidar, também, que nesse futuro, o desenvolvimento não visa apenas à resolução de questões ambientais, já que, como o próprio Relatório da Comissão Brundtland, “Nosso Futuro Comum”, anteriormente tratado, evidenciou, a pobreza e a destruição do meio ambiente são questões conexas21. Em que pese a dificuldade de se chegar a um consenso quanto ao significado da sustentabilidade — já que se trata de termo por definição ambíguo —, entende-se que deve o desenvolvimento sustentável ser considerado como diretriz a orientar as políticas públicas ambientais, pois oferece critérios para a intervenção pública no domínio do meio ambiente, a traduzirem-se em decisões econômicas e ações políticas. Para fazer frente a essa nova realidade, desde o surgimento dos primeiros direitos de cunho social até o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, os modelos de Estado que se configuraram então passaram a ter como característica a intervenção, em maior ou menor grau, na esfera privada22. As cartas constitucionais do século XX deixaram de apenas organizar as clássicas atribuições do Estado, impondo ao legislador e ao governante uma série de deveres e programas, com o objetivo de criar condições para a efetividade dos direitos fundamentais. Tais constituições, carregadas de programaticidade, chamadas também de dirigentes23, originaram o modelo no qual se insere a Constituição Brasileira de 1988. Uma das grandes questões referentes a essas constituições diz respeito a como assegurar a realização do programa proposto, cujos pressupostos, especialmente os

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LE PRESTE, Philippe. 2005. Op. cit. p. 233-234. SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. p.14. 20 SACHS, Ignacy. 2004. Op. cit. p.14 e 15. 21 GARCIA, Maria da Glória F. P. D. O lugar do direito na protecção do ambiente. Coimbra: Almedina, 2007. p. 261 e 328. 22 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 246. 23 Nesse sentido ver: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2ª ed. Coimbra, PT: Coimbra Editora, 2001. 19

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econômicos, escapam ao poder da determinação normativa24 e dependem de uma atuação positiva do Estado, pois o fato de ser dirigente não torna a constituição capaz de, “só por si, operar transformações emancipatórias”25. A questão ambiental enseja, assim, um problema econômico, evidenciado na discussão sobre quem deve pagar os “custos marginais resultantes da produção de bens necessários à economia de bem-estar que a modernidade criou”26. As propostas de solução para tal equação sinalizam dois extremos: de um lado o Estado interventor, que tudo controla, e do outro o mercado que tudo resolve, dispensando a intervenção estatal27. Ocorre que a responsabilidade pela realização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é tarefa que não pode ser retirada do Estado e transferida ao mercado28. Não se pode esquecer, contudo, que se deve ter sempre em conta as restrições financeiras e orçamentárias para melhor direcionar os esforços para a preservação ambiental. Para tanto, o Estado utiliza-se de instrumentos de política ambiental, com o objetivo tanto de coibir as atividades nocivas ao meio ambiente, como incentivar as que guardem pertinência com o desenvolvimento sustentável. 2.1.2 Instrumentos de política ambiental Os instrumentos de política ambiental mais comumente adotados pelo Estado, no exercício da função ambiental pública a ele imposta constitucionalmente, podem ser divididos em três grupos principais: a) regulatórios; b) econômicos; e c) educação ou informação. Os instrumentos regulatórios consistem no estabelecimento de normas visando ordenar os processos de exploração ou características de produtos e limitar o acesso a bens29. Esse tipo de regulação caracteriza-se, basicamente, por um “conjunto de normas, regras, procedimentos e padrões a serem obedecidos pelos agentes econômicos de modo a adequar-se a certas metas ambientais, acompanhado de um conjunto de penalidades previstas para os recalcitrantes”30. Em razão do exercício do poder de polícia que lhes é subjacente, visando ressaltar a ideia de que a norma seja aprovada e confirmada pela autoridade ambiental, são também chamados de instrumentos de comando e controle31. Contudo, deve-se ressaltar que não basta o poder de polícia, já que tais mecanismos somente serão efetivos se o órgão ambiental competente possuir estrutura e poder político para fazer valer sua autoridade32. Ademais, não é suficiente a existência de normas para que as políticas ambientais sejam implementadas. O sucesso do instrumento dependerá, assim, do funcionamento eficaz e coordenado dos papéis de regulação e

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BUCCI, Maria Paula Dallari. 2002. Op. cit. p. 249. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. 2001.Op. cit. p. XXIX. 26 GARCIA, Maria da Glória F. P. D. 2007. Op. cit p. 159 e 172. 27 GARCIA, Maria da Glória F. P. D. 2007. Op. cit., p. 244. 28 BENJAMIN, Antônio Herman. O meio ambiente na constituição federal de 1988. In: Sandra Akemi Shimada Kishi et al (orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 363-398. p. 387-388. 29 LE PRESTE, Philippe. 2005. Op. cit. p. 46-47. 30 MARGULIS, Sérgio. A regulamentação ambiental: instrumentos e implementação. Texto para Discussão nº 437. Rio de Janeiro: IPEA, 1996. p. 5. 31 MOTA, José Aroudo. O valor da natureza: economia e política dos recursos naturais. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.p. 125. 32 MOTA, José Aroudo. 2009. Op. cit. p. 125-126. 25

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de polícia, ou seja, do poder político e da capacidade do órgão de controle ambiental de assegurar a obediência à lei e fazer com que os poluidores se conformem aos padrões, punindo os infratores33. Os instrumentos econômicos, por sua vez, que objetivam “assegurar um preço apropriado para os recursos ambientais, de forma a promover seu uso e alocação, o que permite garantir aos ativos/serviços ambientais tratamento similar aos demais fatores de produção”34, a exemplo das taxas, licenças de mercado e subvenções35. Visam influenciar a decisão econômica, refletindo nos preços dos bens e serviços, a fim de que a opção adotada seja a mais adequada do ponto de vista ambiental, constituindo-se em alternativa às políticas repressivas de comando e controle. Apesar de, atualmente, os instrumentos econômicos serem amplamente considerados como uma opção economicamente eficiente e ambientalmente eficaz para complementar a abordagem repressiva, deve-se ter o cuidado de não os considerar substitutos imediatos dos mecanismos regulatórios, já que não fornecerão “uma rápida panaceia para os problemas frequentemente associados aos procedimentos do tipo”36 comando e controle. Teoricamente, os instrumentos econômicos permitem que o custo social do controle ambiental seja menor e ainda podem servir como um meio de provisão de recursos. No entanto, os custos administrativos associados a esses mecanismos devem ser também levados em consideração para a sua implementação, a exemplo das exigências de monitoramento, e das mudanças institucionais e de projeto que podem implicar37. Ao lado dos instrumentos de comando e controle e dos econômicos, destacam-se também os de educação e informação, ou de comunicação, que objetivam prover a população de dados necessários à compreensão e avaliação dos riscos ambientais envolvidos nas diversas atividades, tecnologias menos agressivas, produtos mais sustentáveis e atitudes preventivas. Visam, com isso, possibilitar a adoção de medidas adequadas a evitar ou minimizar os efeitos indesejáveis e promover a cooperação entre os agentes econômicos e consumidores na busca de soluções para o desafio da sustentabilidade38. Por fim, cabe ressaltar que a profusão e inconsistência de normas ambientais e a insuficiência na sua aplicação efetiva causam descrédito institucional, aumento dos custos burocráticos, além de elevada incerteza nas regras a serem aplicadas39. Outrossim, muitas vezes, as políticas ambientais não estão integradas com as políticas de incentivos e regras para os setores econômicos, culminando em contradições40 que aumentam a insegurança quanto à norma aplicável, e na eficácia dessa aplicação. Essa tem sido uma das principais críticas do setor empresarial

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MARGULIS, Sérgio. 1996. Op. cit. p. 5. MOTA, José Aroudo. 2009. Op. cit. p. 129. 35 MOTA, José Aroudo. 2009. Op. cit. p. 123-124. 36 MOTTA, Ronaldo Seroa da.; RUITENBEEK, Jack; e HUBER, Richard. 1996. Op. cit. p. 2. 37 MOTTA, Ronaldo Seroa da.; RUITENBEEK, Jack; e HUBER, Richard. 1996. Op. cit. p. 1-2. 38 IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O uso do poder de compra para a melhoria do meio ambiente. Sustentabilidade Ambiental no Brasil: biodiversidade, economia e bem-estar humano. Série: eixos do desenvolvimento. Comunicados do Ipea nº 82, mar. 2011 . p. 4. 39 MOTTA, Ronaldo Seroa da; RUITENBEEK, Jack; e HUBER, Richard. O uso de instrumentos econômicos na gestão ambiental da América Latina e Caribe: lições e recomendações. Texto para Discussão nº 440. Rio de Janeiro: IPEA, 1996. p. 55. 40 MARGULIS, Sérgio. 1996. Op. cit. p. 18. 34

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quanto aos instrumentos de política ambiental41. Não se deve, portanto, ao tratar dos instrumentos de política ambiental, deixar num segundo plano a questão institucional, de governabilidade e também de governança, pois de nada adianta normas impondo mecanismos que não serão amparados em sua execução por órgão ou entidade com meios para tanto, inclusive financeiros. Sociedade e meio ambiente Vejamos, agora, a responsabilidade do titular do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou seja, do povo — presentes e futuras gerações — com a proteção desse mesmo ambiente. A positivação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ocorreu, no Brasil, com a edição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) (Lei nº 6.938/1981). Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 — a primeira a tratar da proteção ambiental —, o direito adquiriu status constitucional, alçado à categoria de direito fundamental. O capítulo dedicado ao meio ambiente na CF/88 encontra-se inserido no título da “Ordem Social” e é composto por apenas um artigo, o 225, apesar de a questão ambiental permear todo o texto constitucional. O caput do artigo, ao estabelecer que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, além de reconhecer a solidariedade intergeracional — parte relevante do conceito de desenvolvimento sustentável —, outorga a função ambiental não apenas ao Estado, destacando a dimensão pública e privada dessa responsabilidade42. A realização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não está ligada, deste modo, exclusivamente à figura do Estado, pois depende também da coletividade, já que se trata de um direito de terceira dimensão que exige esforços compartilhados, consoante os princípios da participação, da informação e da cooperação. Nesse contexto, destaca-se que o princípio da participação decorre diretamente do necessário cumprimento da obrigação imposta a toda a coletividade pela Constituição, no sentido de buscar a realização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em observância à função ambiental privada43. Desse modo, é exigência inerente à própria natureza difusa do direito que visa efetivar, e expressão da democracia participativa44, retirando os cidadãos do estado passivo de beneficiários. Significa, assim, a garantia de participação ativa de todos os cidadãos na tomada de decisão em matérias relativas ao meio ambiente, e não apenas de modo consultivo, impondo-se a interlocução necessária entre Estado e sociedade, para que as políticas públicas ambientais tenham efetividade. A participação é também essencial na definição da prioridade dos problemas ambientais e da busca por soluções, especialmente em nível local, o que requer um envolvimento próximo

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MOTTA, Ronaldo Seroa da.; RUITENBEEK, Jack; e HUBER, Richard. 1996. Op. cit. p. 55. LEUZINGER, Márcia. Meio ambiente: propriedade e repartição constitucional de competências. Rio de Janeiro: Esplanada, 2002. p. 51-53; e BENJAMIN, Antônio Herman. Função ambiental. In: Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. Antônio Herman Benjamin (coord.). São Paulo: RT, 1993. p. 9-82. p. 82. 43 LEUZINGER, Márcia, e CUREAU, Sandra. 2008. Op. cit. p. 18. 44 FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Direito ambiental brasileiro: princípio da participação. Recife: Nossa Livraria, 2006. p. 25 e 29. 42

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dos indivíduos diretamente afetados45. A participação da sociedade na elaboração e implementação de políticas públicas ambientais, contudo, só é possível quando as informações necessárias forem disponibilizadas pelas autoridades públicas46. Nesse contexto, destacam-se a Lei nº 10.650, de 16 de abril de 2003, que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), e a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula o acesso a informações públicas. O princípio da cooperação, por seu turno, impõe a atuação conjunta e solidária entre todos os interessados na preservação do meio ambiente, sejam países ou organismos internacionais, entes federativos, organizações sociais, ou mesmo indivíduos, sem o que não é possível a realização do desenvolvimento em bases sustentáveis. A previsão do meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, por seu turno, tem sido interpretada em face da caracterização do meio ambiente como macrobem, distinto do microbem que o compõe, o que enseja a dupla afiliação aos regimes público e privado47. O meio ambiente como macrobem, além de incorpóreo e imaterial, seria bem de uso comum do povo, não podendo o proprietário dispor do seu equilíbrio ecológico48. Com isso, mesmo que uma floresta nativa esteja localizada em propriedade privada, pelo ângulo ambiental, será um bem público de uso comum, pois “integrante do conglomerado abstrato que compõe a qualidade ambiental”49, ainda que, para outros fins, como a possibilidade de alienação ou exploração, seja regida por regime próprio de direito privado. Nessa esteira, destaca-se, também, o conteúdo da função social da propriedade, constitucionalizado no art. 186, cuja dimensão ambiental é parte integrante do próprio núcleo do direito. Assim, o proprietário de um bem ambiental, ou seja, do bem essencial à manutenção da qualidade da vida, fica obrigado a adotar um comportamento ativo, no sentido de defender, reparar e preservar o meio ambiente.

FLORESTA AMAZÔNICA EM NÚMEROS Com a finalidade de analisarmos a importância do manejo florestal sustentável para a economia da região amazônica, bem como para a manutenção da floresta em pé, é relevante a apresentação, ainda que breve, do seu panorama florestal. Como visto, o Brasil é um país florestal, com a segunda maior área de florestas do mundo, com cerca de 463 milhões de hectares de florestas naturais50 e plantadas (aproximadamente 54% do seu território), perdendo apenas para a Rússia51. Contudo, em termos de biodiversidade, é o país que detém o maior número de

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MARGULIS, Sérgio.1996. Op. cit. p. 2 LEUZINGER, Márcia, e CUREAU, Sandra. 2008. Op. cit. p. 18 47 BENJAMIN, Antônio Herman. 1993. Op. cit. p. 70. 48 LEITE, José Rubens Morato, e AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 4ª ed. São Paulo: RT, 2011. p. 84-85. 49 BENJAMIN, Antônio Herman. 1993. Op. cit. p. 70. 50 As naturais representam 98% deste total. In: SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. Florestas do Brasil em resumo. Brasília: SFB, 2013, p. 25. 51 SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. 2013. Op. cit. p. 25. 46

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espécies de plantas, mamíferos, anfíbios e de peixes de água doce52, com altas de endemismo53, abrigando entre 10 a 20% das espécies, e 30% das florestas tropicais54. Isso se dá em razão do chamado gradiente de diversidade latitudinal, ou seja, “a tendência, generalizada, mas não universal, entre plantas e animais, no sentido de uma maior diversidade quando se avança das regiões polares para o equador”55, encontrando-se o território brasileiro nessa região. Já o termo floresta, é conceituado pela FAO56 como a área medindo mais de 0,5 hectares com árvores maiores que 5 metros de altura e cobertura de copa superior a 10%, ou árvores capazes de alcançar estes parâmetros in situ, o que não inclui a terra que está predominantemente sob uso agrícola ou urbano57. Utilizando-se este conceito, calcula-se que a área estimada de florestas naturais no bioma amazônico é de 325 milhões de hectares58, da qual 91% é formada por florestas públicas59, cuja definição legal é “florestas, naturais ou plantadas, localizadas nos diversos biomas brasileiros, em bens sob o domínio da União, dos Estados, dos Municípios, do Distrito Federal ou das entidades da administração indireta”60. Uma grande parte dessas florestas públicas na Região Norte é ocupada por florestas ainda não destinadas — cerca de 163 milhões de hectares para florestas públicas61 — o restante está sob alguma forma de destinação, seja como unidade de conservação, de uso sustentável ou de proteção integral, terras indígenas, territórios quilombolas, projetos de assentamento diferenciados (como os agroextrativistas, florestais ou de desenvolvimento sustentável), áreas militares, etc. Destaca-se que parte do que hoje é considerado floresta pública federal não destinada está sofrendo processo de privatização, nos termos da Lei nº 11.952/2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal, que também pode ser aplicada pelos Estados. A demanda mundial e brasileira por produtos florestais para energia, celulose e papel, madeira sólida e seus derivados, tem aumentado. Nesse contexto, ganha destaque a demanda nacional ante programas governamentais que enfatizam a infraestrutura e a construção civil, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)62. Calcula-se uma demanda média de madeira em tora, conservadoramente, em 21 milhões de m3/ano63. Tendo em conta a necessidade de proteção do bem

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SCARIOT, Aldicir. Panorama da biodiversidade brasileira. In: Conservação da biodiversidade: legislação e políticas públicas. Roseli Senna Ganem (org.). Brasília: Câmara dos Deputados, 2010. p. 111-130. p. 116. 53 Endêmica é “uma espécie ou raça nativa de um determinado lugar e só encontrada ali. Se ela se originou no mesmo lugar por meio da evolução, também é dita autóctone”: WILSON, Edward O. Diversidade da vida. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 417. 54 GANEM, Roseli Senna, e DRUMMOND, José Augusto. Biologia da conservação: as bases científicas da proteção da biodiversidade. In: Conservação da biodiversidade: legislação e políticas públicas. Roseli Senna Ganem (org.). Brasília: Câmara dos Deputados, 2010. p. 11-46. p. 23. 55 WILSON, Edward O. 1994. Op. cit. p. 420. 56 Food and Agriculture Organization of the United Nations 57 SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. 2013. Op. cit., p. 23. 58 SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. 2013. Op. cit., p. 27. 59 SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. 2013. Op. cit., p. 33. 60 Lei nº 11.284/2006, art. 3º, I 61 SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. 2013. Op. cit., p. 33. 62 SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. Florestas nativas de produção brasileira: relatório técnico. Brasília: SFB, 2011. p. 4. 63 SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. 2011. Op. cit. p. 4.

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ambiental, imposta como dever constitucional tanto ao poder público quanto à sociedade, deve-se cuidar para que o atendimento dessa demanda não se dê de forma insustentável, de modo a comprometer a existência da própria floresta. Como visto, necessário conciliar a preservação das funções ecológicas do ecossistema, com a produção florestal, gerando benefícios locais e globais. Importa ressaltar que mesmo as floretas voltadas à produção madeireira exercem relevante papel na manutenção do equilíbrio ecológico, atuando no regime regional de chuvas e do clima global, e representando um significativo estoque de carbono64 e desmatamento evitado. Para que a demanda por madeira em tora possa ser sustentavelmente atendida, o que se dá por meio do manejo florestal sustentável, estima-se a necessidade de uma área de 36 milhões de hectares em um ciclo de 30 anos65. Com isso, não há como prover o mercado de forma sustentável, mantendose a floresta em pé, sem inserir as florestas públicas na equação, o que envolve especialmente as florestas nacionais — espécie de unidade de conservação que tem a produção florestal sustentável como finalidade — e parte das florestas públicas ainda não destinadas. Lembremos que quando se trata da ocupação do território sem o cuidado com a preservação do bem ambiental, a história da devastação da mata atlântica é emblemática66. Como cenário dos ciclos de extração do pau-brasil, da plantação da cana-de-açúcar e do café, da mineração e da centralidade da industrialização, da área inicialmente coberta pela floresta, quando dos primeiros processos de ocupação, restam hoje apenas cerca de 7% com fragmentos conservados acima de 100 hectares67. É hoje considerado um dos biomas mais ameaçados do planeta, incluindo diversas espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, com biodiversidade superior a de alguns continentes, ainda que reduzida e fragmentada68. Pode-se, contudo, aprender com as consequências desse processo para que não sejam repetidos os mesmos erros, de redução irresponsável e perdulária, com relação à floresta amazônica, que atualmente passa por nova onda de ocupação69 dos espaços ainda pouco antropizados, com a retomada de políticas de estabelecimento e ampliação de projetos de infraestrutura70, como rodovias, hidrovias e usinas hidrelétricas, além do incentivo ao agronegócio voltado à exportação, e da expansão das áreas de mineração, priorizando-se o crescimento econômico, em detrimento das outras dimensões do desenvolvimento.

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SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. 2011. Op. cit. p. 4. SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO. 2011. Op. cit.p. 4. 66 Sobre os processos de ocupação e destruição da área ocupada pela mata atlântica desde o início da colonização até os dias atuais, ver: DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das letras, 1996. 67 Disponível em: , acesso em: 18/12/2013. 68 Disponível em: , acesso em: 18/12/2013. 69 DEAN, Warren. 1996. Op. cit. 6. p. 380. 70 ZHOURI, Andréa, LASCHEFSKI, Klemens, e PEREIRA, Doralice Barros. Desenvolvimento, sustentabilidade e conflitos socioambientais. In: A insustentável leveza da política ambiental: desenvolvimento e conflitos socioambientais. Andréa Zhouri, et al (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 11-24. p. 11. 65

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DO MANEJO FLORESTAL SUSTENTÁVEL: SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E ECONÔMICA DA ATIVIDADE Dentre as mais diferentes atividades humanas que buscam conciliar o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental encontra-se o manejo florestal sustentável, apontado como alternativa à exploração predatória dos recursos florestais71. Como tal, é objeto de atenção do direito, com regulamentação legal e infralegal, possuindo o manejo, inclusive, sede constitucional, nos termos do art. 225, § 1º, I, ao estabelecer que, para efetivar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado incumbe ao Poder Público promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas72. Para o objetivo do presente trabalho, vejamos agora em que medida o manejo florestal é atividade sustentável ambiental e economicamente, a fim de respondermos a questão acerca da sua importância como instrumento de política ambiental que possa, efetivamente, contribuir para manutenção da floresta em pé. O uso da exploração madeireira como um possível veículo para a conservação das florestas tem sido defendido, com frequência, por ecologistas e ambientalistas, de modo a criar empregos e gerar receitas, sem, contudo, comprometer a base de recursos da floresta73. Por outro lado, há quem entenda que a exploração madeireira é antagônica à conservação ambiental, permanecendo como simples questão de desenvolvimento econômico74. A coexistência de visões tão diversas sobre o tema da exploração florestal aponta no sentido de que não estão, de fato, referindo-se à mesma questão. Na realidade, a exploração florestal, em si, pode se dar de modo sustentável ou não. A atividade do manejo florestal implica exatamente na assimilação de práticas sustentáveis à exploração, a fim de que não seja degradada a floresta e seus componentes, e de que a atividade possa ocorrer em ciclos, mantendo-se a floresta para as futuras gerações. O manejo florestal é, assim, oposto ao desmatamento ou à supressão da vegetação — ainda que essas atividades possam, em alguns casos, ser praticadas legalmente —, pois visa à conservação da floresta em pé, e não a sua substituição para o exercício de outras atividades econômicas. O manejo sustentável encontra-se definido no art. 3º, VII, da Lei nº 12.651/2012 como a “administração da vegetação natural para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras ou não, de múltiplos produtos e subprodutos da flora, bem como a utilização de outros bens e serviços”. O manejo florestal sustentável pode, assim, tratar de produtos madeireiros e não-madeireiros, tais como cipós, frutos, folhas e sementes. Para que a exploração de produtos florestais não madeireiros seja considerada sustentável deve-se observar o disposto no art. 21 da citada Lei, ainda que independa de licença ou autorização (ou seja, independe de plano de manejo florestal sustentável). Os requisitos são: a) observar os períodos de coleta e volumes fixados em regulamentos específicos, quando

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BLIACHERIS, Marcos Weiss. Manejo Florestal Sustentável: uma perspectiva jurídica. Revista da AGU, Brasília, Ano X, n. 29, jul./set. 2011, p. 205 a 223. p. 207. 72 BLIACHERIS, Marcos Weiss. 2011, Op. cit p. 207. 73 SCHULZE, Mark; GROGAN, Jimmy; e VIDAL, Edson. 2008 .Op. cit. p. 163-164. 74 SCHULZE, Mark; GROGAN, Jimmy; e VIDAL, Edson. 2008 .Op. cit.. p. 163.

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houver; c) ocorrer apenas na época de maturação dos frutos e sementes; e c) adotar técnicas que não coloquem em risco a sobrevivência de indivíduos e da espécie coletada no caso de coleta de flores, folhas, casas, óleos, resinas, cipós, bulbos, bambus e raízes. Já o manejo florestal sustentável de produtos madeireiros com propósito comercial somente pode ser praticado mediante a aprovação prévia do chamado Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS)75, o que cabe somente para as florestas nativas e formações sucessoras, e não para as plantadas localizadas fora das áreas de preservação permanente ou reserva legal76. O PMFS é o documento básico que define como será realizado o manejo florestal numa determinada área77, devendo atender os seguintes fundamentos técnicos e científicos: a) caracterização dos meios físico e biológico; b) determinação do estoque existente; c) intensidade da exploração compatível com a capacidade de suporte ambiental da floresta; d) ciclo de corte compatível com o tempo de restabelecimento do volume de produto extraído da floresta; e) promoção da regeneração natural da floresta; f) adoção de sistema silvicultural adequado; g) monitoramento do desenvolvimento da floresta remanescente; e g) adoção de medidas mitigadoras dos impactos ambientais e sociais. O manejo florestal sustentável de produtos madeireiros difere-se, com isso, da exploração ilegal ou praticada de modo convencional — antes que o PMFS se tornasse obrigatório, já que a prática da chamada exploração convencional não é hoje considerada permitida pela legislação, pois os danos excessivos à floresta são inevitáveis —, em vários pontos principais. O mais relevante é o planejamento78. É realizado um inventário prévio pormenorizado das espécies presentes na área, ao invés do ingresso de equipe mata adentro a procura de árvores com valores comercial para derrubada no ato. A derrubada é realizada com direcionamento adequado, de maneira que não ocasione danos às árvores adjacentes. Os pátios de estocagem são planejados de acordo com o inventário realizado (volume e distribuição das árvores), ao contrário do tratorista sair rompendo o solo na busca das árvores cortadas. A colheita baseia-se no conhecimento das árvores a serem cortadas, na topografia, limitando-se às áreas que podem ser objeto de exploração (exclusão das APPs). São poupadas as árvores matrizes, descartadas as defeituosas. Os cipós são removidos quando da realização do inventário, a fim de evitar o entrelaçamento com outras árvores e evitar a provocação de acidentes e derrubadas de árvores vizinhas. O arraste é planejado com o cuidado de se preservar ao máximo a floresta residual79. Além disso, na região amazônica, a Resolução CONAMA nº 406/2009 estabelece os parâmetros técnicos específicos a serem adotados, como a limitação do DAP80 e do DMC81 para o corte, além da intensidade máxima de corte, sendo de 30m3/ha para os PMFS que prevejam a utilização de máquinas de arraste, com ciclo de corte inicial de 35 anos, e de 10m3/ha para os PMFS que não utilizem tais máquinas, com 75

Art. 31 da Lei nº 12.651/2012. Art. 32, II, da Lei nº 12.651/2012. 77 BLIACHERIS, Marcos Weiss. 2011, Op. cit. p. 215. 78 SCHULZE, Mark; GROGAN, Jimmy; e VIDAL, Edson. 2008 .Op. cit.. p. 169-170. 79 SCHULZE, Mark; GROGAN, Jimmy; e VIDAL, Edson. 2008 .Op. cit.. p. 170-171. 80 Diâmetro à altura do peito. 81 Diâmetro mínimo de corte. 76

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ciclo de corte inicial de 10 anos. Ademais, a Resolução dispõe sobre a necessidade de manutenção de pelo menos 10% do número de árvores por espécie, na área de efetiva exploração anual, respeitados o limite mínimo de manutenção de três árvores por espécie por 100 ha em cada unidade de trabalho, bem como a manutenção de todas as árvores cuja abundância de indivíduos com DAP superior ao DMC seja igual ou inferior a três árvores por 100 ha. Como se pode perceber, o manejo florestal sustentável de produtos madeireiros proporciona ganhos expressivos na eficiência da atividade e na redução dos seus impactos, traduzindo expectativa de múltiplas colheitas futuras82. O planejamento exaustivo da atividade minimiza os impactos ambientais83, permitindo que a floresta se recomponha a cada ciclo, e permaneça indefinidamente proporcionando a possibilidade do proveito econômico, sem comprometer os serviços ambientais prestados. Contudo, as estatísticas apontam que o percentual de madeira nativa amazônica extraída ilegalmente nunca foi inferior a 60%, com pequenas alterações em períodos de fiscalização mais intensa nas áreas privadas, combate à exploração ilegal em terras públicas e a criação de unidades de conservação84. Em terras privadas, a floresta localizada na área de reserva legal somente pode ser explorada mediante o manejo florestal sustentável. Contudo, muitas vezes, após a aprovação do PMFS, não há fiscalização do órgão licenciador quanto ao seu correto cumprimento, trazendo uma ideia de “falsa legalidade” à atividade praticada, pois formalmente encontra-se correta. Em florestas públicas não destinadas, ou em outras cuja destinação não permite a exploração florestal, ela ocorre de forma ilegal. Sobram as concessões florestais em florestas públicas, cujo controle na aplicação das regras do manejo florestal sustentável é muito mais efetivo. Porém, ainda não poucas as florestas públicas habilitadas para a realização da concessão florestal, ante, por exemplo, a falta de plano de manjo de muitas florestas nacionais, o que é prérequisito para que se possa começar o procedimento. Segundo Antônio Carlos Hummel85, a extração ilegal de madeira na Amazônia tem várias causas. A primeira é a falta de governança das terras públicas, federais ou estaduais, destinadas ou não destinadas. A indefinição quanto à destinação de parte dessas florestas, que ainda somam mais de 60 milhões de hectares nas duas esferas, é uma oportunidade para a sua grilagem. Ademais, existem muitas dificuldades operacionais e de logística para atuação da fiscalização nas condições da região, que detém uma abundância de matéria-prima florestal, cuja demanda nos mercados locais é alta. Os altos índices de desmatamento ilegal disponibilizam essa matéria-prima requerida, ocasionando uma concorrência impossível de ser alcançada por quem atua conforme a lei, ou seja, por quem pratica efetivamente o manejo florestal sustentável. A impunidade também é alta. A ênfase nos instrumentos de controle do transporte da madeira, de forma não articulada e estratégica com o licenciamento da indústria madeireira e a não integração com os sistemas de arrecadação da fazenda estadual, é

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SCHULZE, Mark; GROGAN, Jimmy; e VIDAL, Edson. 2008 .Op. cit. p. 173. BLIACHERIS, Marcos Weiss. 2011, Op. cit. p. 212. 84 HUMMEL, Antônio Carlos. Madeira da Amazônia: um novo foco no combate à ilegalidade. Disponível em: , acesso em: mar/2014. 85 HUMMEL, Antônio Carlos. 2014. Op. cit. 83

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outro ponto importante. Ainda conforme Hummel86, a todas essas causas, pode-se acrescentar a total ausência de estímulos públicos para quem atua conforme a lei. Outro problema que desestimula aqueles que pretendem praticar o manejo florestal sustentável é a burocracia e lentidão dos órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento da atividade. De fato, costuma ser mais fácil conseguir uma autorização para supressão de vegetação do que a aprovação do PMFS. Nesse contexto, as concessões florestais em florestas públicas, considerado um instrumento econômico para efetividade da Política Nacional do Meio Ambiente87, talvez seja a política pública mais adequada para a promoção da sustentabilidade da exploração florestal na Amazônia, como instrumento para se manter a floresta não só em pé, mas pública, para as presentes e futuras gerações. Nas áreas atualmente objeto de concessão é onde ocorre o efetivo controle do manejo florestal, com governança do poder público, transparência e compromissos de longo prazo88. Para tanto, é necessário fortalecer a política das concessões florestais, ao passo em que se combate a ilegalidade e a falsa legalidade. A concorrência com a ilegalidade, contudo, afeta a sustentabilidade econômica da atividade, não só nas florestas públicas, mas também nas privadas. A possibilidade de supressão de vegetação e corte raso da parte da floresta em áreas privadas que estão fora da reserva legal, também é um desestímulo à manutenção da floresta em pé, pois os incentivos econômicos para a produção agrícola e pecuária são em muito superiores.

CONCLUSÕES A realização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecido pelo art. 225 da CF, pressupõe a partilha de responsabilidades entre o Estado e a sociedade, em razão do caráter público e privado da função ambiental. Essa corresponsabilidade envolve, entre outras obrigações, a promoção do manejo ecológico das espécies, preservando-se o bem ambiental para o suprimento das necessidades das presentes e futuras gerações. O desenvolvimento sustentável como meta traduz a busca pelo equilíbrio entre essas necessidades econômicas e de preservação ambiental. A crise ecológica demonstra em si os limites materiais da atuação do homem, caracterizando-se a política ambiental como uma política de perdas e reparação, na tentativa de se evitar deterioração do meio ambiente a um ponto de desastre ecológico do qual não haja possibilidade de retorno. A história da devastação da mata atlântica serve como exemplo a não ser seguido. De onde o homem ultrapassou o ponto de equilíbrio da floresta, do qual não há mais volta. A reiteração das políticas desenvolvimentistas, em prática hoje na Amazônia, demonstram que ainda se fecha os olhos para as lições do passado. É preciso manter a floresta amazônica de pé. Nesse contexto, o manejo florestal sustentável pode desempenhar papel primordial, aliando a exploração econômica, com benefícios sociais, à conservação ambiental.

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HUMMEL, Antônio Carlos. 2014. Op. cit. Art. 9º, XIII, da Lei nº 6.938/81. 88 HUMMEL, Antônio Carlos. 2014. Op. cit. 87

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Para que consiga cumprir tão relevante papel, a prática do manejo florestal sustentável necessita ser incentivada, seja em florestas públicas ou privadas, combatendo-se, também, a ilegalidade e a falsa legalidade. As florestas públicas e as concessões florestais podem ser o peso que falta nesta balança. REFERÊNCIAS BENJAMIN, Antônio Herman. Função ambiental. In: Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. Antônio Herman Benjamin (coord.). São Paulo: RT, 1993. p. 9-82. __________________________. O meio ambiente na constituição federal de 1988. In: Sandra Akemi Shimada Kishi et al (orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 363-398. BLIACHERIS, Marcos Weiss. Manejo Florestal Sustentável: uma perspectiva jurídica. Revista da AGU, Brasília, Ano X, n. 29, jul./set. 2011, p. 205 a 223. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. 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