Responsabilidade Solidária Presumida na Lei de Improbidade Administrativa

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02/10/2016

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Responsabilidade Solidária Presumida na Lei de Improbidade Administrativa? Publicado 23 de Setembro, 2016

Dorivan Marinho/SCO/STF

Por Thiago Luís Sombra

Advogado. Professor de Direito na Universidade de Brasília-UnB. Mestre em Direito pela PUC-SP. Pós-graduado pela Università degli Studi di Camerino (Itália). Foi Procurador do Estado de São Paulo e assessor de Ministro do STJ.

À

s vésperas de completar 25 anos, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) ainda se revela um campo relativamente

inde nido e juridicamente instável, sujeito a imprecisões conceituais e algumas arbitrariedades. Um dos pontos de maior incompreensão envolve a associação da responsabilidade solidária com a improbidade administrativa, ou seja, a possibilidade de obter o ressarcimento dos cofres públicos mediante cobrança dos prejuízos de qualquer um dos condenados na sentença[1]. A necessária individualização da conduta dos agentes tem sido relegada a segundo plano em nome da suposta defesa do patrimônio público. Sob a mesma régua, empresas, agentes públicos e particulares são solidariamente condenados por atos de improbidade, ainda que tenham atuado com graus distintos de participação no prejuízo aos cofres públicos. Dolo e culpa ganham, a cada dia, contornos de acessoriedade

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quando deveriam ser o cerne da responsabilização por atos de improbidade administrativa em um Estado Democrático de Direito. A base dogmática do instituto da solidariedade advém do Direito Privado (art. 264 do CC); decorre da vontade das partes ou da lei, jamais pode ser presumida (art. 265 do CC), o que indica que o modelo brasileiro se afastou do alemão e italiano[2]. A principal consequência da solidariedade é a con guração da responsabilidade in solidum, ou seja, cada devedor responde pela integralidade do débito e cada credor pode exigir o todo. O devedor responde pelo todo porque deve o todo e não pelo fato de a prestação não comportar fracionamento cômodo, como ocorre na indivisibilidade. A solidariedade tem projeção externa, o que signi ca que cada credor ou devedor atua como se fosse o único sujeito de uma classe, culminando no fenômeno da expansão subjetiva da responsabilidade obrigacional. Em outras palavras, constitui uma pluralidade subjetiva acompanhada de uma unidade objetiva. Mas qual o exato ponto de conexão entre a solidariedade e a improbidade administrativa? De onde partiu a construção falaciosa desta relação inexistente? Apesar de a Lei de Improbidade Administrativa não prever expressamente a responsabilidade solidária entre os agentes públicos ou entre sociedades controladoras, controladas, coligadas ou nos casos de fusão e incorporação[3], como o faz a Lei Anticorrupção (art. 4.º), a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente mantido condenações desta natureza. Embora a solidariedade não se presuma, isto é, decorra da lei ou da vontade das partes, o STJ tem entendido que “a responsabilidade é solidária até, ao menos, a instrução nal do feito em que se poderá delimitar a quota de responsabilidade de cada agente para o ressarcimento”[4]. Trata-se, à evidência, de uma clara confusão entre os efeitos da responsabilidade solidária e os do pedido de indisponibilidade de bens formulado quando da propositura da ação[5], em que o principal objetivo é bloquear um montante capaz de assegurar o ressarcimento integral do dano, independentemente da conduta dolosa ou culposa de cada réu. De acordo com a posição majoritária da Corte, “na hipótese em que sejam vários os agentes, cada um agindo em determinado campo de atuação, mas de cujos atos resultem o dano à Administração Pública, correta a condenação solidária de todos na restituição do patrimônio público e indenização pelos danos causados”.[6] Três claros problemas merecem ser destacados na posição do Superior Tribunal de Justiça. O primeiro deles é intuitivo e já apontado como premissa maior de análise, ou seja, a solidariedade não se presume, tal como equivocamente se constata nos precedentes. Segundo, não se admite solidariedade condicional: ou ela foi concebida por lei ou pela vontade das partes, ou ela simplesmente não existe. Sob http://jota.uol.com.br/responsabilidade­solidaria­presumida­na­lei­de­improbidade­administrativa

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hipótese alguma se poderá admitir uma modalidade de solidariedade que exista apenas até “instrução nal do feito”[7]. Repita-se: esta é uma consequência da indisponibilidade de bens e não da solidariedade propriamente dita! E não se diga que a responsabilidade solidária da Lei de Improbidade é decorrência de analogia com a Lei Anticorrupção ou com a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, a qual se aplica apenas às irregularidades apuradas em processos de tomada e prestação de contas (art. 12, I, 16, §2.º, 44, §1.º, da Lei 8.443/92). Terceiro, os que defendem a previsão da responsabilidade solidária se valem dos arts. 3.º e 5.º da Lei de Improbidade em combinação com o art. 942 do Código Civil para justi car esta posição[8]. Ocorre que o art. 3.º da Lei de Improbidade não trata expressamente do tema e o art. 942, caput, do Código Civil[9], ao prever a responsabilidade solidária dos sujeitos pela reparação dos danos causados a outrem, apenas o faz em relação aos “ilícitos civis”[10], o que não abrange os atos de improbidade. Sob hipótese alguma o ressarcimento integral do dano imposto pela lei deve ser confundido com a ideia de responsabilidade solidária. Recorrer ao Código Civil para disciplinar o regime jurídico administrativo nesta circunstância seria uma impropriedade[11], pois somente os ilícitos essencialmente civis se submetem à responsabilidade solidária do art. 942, caput, do CC. Por sinal, tal conclusão é corroborada pelo exame do julgamento da repercussão geral no RE 669.069, rel. Min. Teori Zavascki, ocasião em que o Supremo Tribunal Federal promoveu um recorte metodológico em torno do conceito de “ilícito civil”, distinguindo-o dos atos de improbidade[12]. Eis mais uma razão para não se presumir a existência de solidariedade na LIA. Apesar disso, o STJ tem simplesmente se limitado a reiterar a tese da existência de responsabilidade solidária mesmo nos casos de necessária comprovação do dolo[13] e dos danos ao erário para ns de ressarcimento (art. 21, I), mediante a inconsistente presunção de que “poderá ser reavaliada por ocasião da instrução nal do feito ou ainda em fase de liquidação, inexistindo violação ao princípio da individualização da pena”[14]. A consequência imediata deste entendimento não é propriamente a recuperação dos danos causados ao patrimônio público ou a promoção de valores típicos de um Estado de Direito, mas o descrédito de um modelo de Direito Administrativo Sancionador ine ciente, incapaz de individuar condutas ímprobas e mensurar sanções de acordo com a participação dos envolvidos. Enquanto os órgãos de investigação e persecução não se derem conta da relevância da separação de condutas e da de nição da dimensão do dolo ou culpa de cada agente, a Lei de Improbidade continuará a ser um instrumento moroso e aquém das suas possiblidades de proteger o patrimônio público. ________________________ [1] A consequência imediata de tal fato é que, em geral, as empresas com maior capacidade nanceira são aquelas mais são visadas no momento da http://jota.uol.com.br/responsabilidade­solidaria­presumida­na­lei­de­improbidade­administrativa

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execução das sentenças das ações de improbidade. [2] STJ, REsp 239.539/RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 19.11.2001; REsp 234288/MG, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 28.02.2000. [3] Este é um dos aspectos omissos da lei, ou seja, ao contrário da Lei Anticorrupção ela não disciplina o impacto das sanções pela prática de atos de improbidade em caso de fusão, cisão e incorporação de pessoas jurídicas condenadas por outras. A lei apenas prevê as consequências para a sucessão mortis causa de pessoa física, cuja herança suportará a condenação pelo enriquecimento ilícito do agente até o limite das suas forças (art. 8.º). Isto signi ca que apenas as sanções de ressarcimento ao erário e multa civil poderão impactar na herança em caso de sucessão mortis causa de pessoa física. [4] STJ, AgRg no AREsp 698.259/CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 04.12.2015; MC 15.207/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10.02.2012. [5] “Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado. Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito”. [6] STJ, REsp 678.599/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ 15.05.2007; REsp 1.407.862/RO, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 19.12.2014. [7] STJ, AgRg no AREsp 698.259/CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 04.12.2015 [8] STJ, REsp 1119458/RO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 29.04.2010. [9] Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem cam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. [10] Por ilícito civil, conforme assentado pelo STF no RE 669.069, entenda-se aquele associado à responsabilidade civil contratual e extracontratual: “não se consideram ilícitos civis, de um modo geral, os que decorrem de infrações ao direito público, como os de natureza penal, os decorrentes de atos de improbidade e assim por diante”. [11] Até mesmo um enunciado sobre o tema foi aprovado nas VI Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “Enunciado 558 – São solidariamente responsáveis pela reparação civil, juntamente com os agentes públicos que praticaram atos de improbidade administrativa, as pessoas, inclusive as jurídicas, que para eles concorreram ou deles se bene ciaram direta ou indiretamente”. A justi cativa do enunciado pode ser consultada em: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/629 http://jota.uol.com.br/responsabilidade­solidaria­presumida­na­lei­de­improbidade­administrativa

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[12] Ao julgar a repercussão geral no RE 669.069, Rel. Min. Teori Zavascki, a Corte promoveu um recorte no tema ao apontar a distinção entre as ações de ressarcimento decorrentes de ilícito civil contra a Administração Pública, ações que considerou prescritíveis, e aquelas oriundas de atos de improbidade administrativa, cuja prescritibilidade não foi decidida na ocasião. Segundo o Min. Teori, para delimitar o que seriam ilícitos civis se deveria utilizar o método de exclusão, ou seja, “não se consideram ilícitos civis, de um modo geral, os que decorrem de infrações ao direito público, como os de natureza penal, os decorrentes de atos de improbidade e assim por diante”. [13] Segundo a posição do STJ, é inadmissível a responsabilidade objetiva na aplicação da Lei 8.429/1992, de modo que se exige a presença de dolo nos casos dos artigos 9.º e 11 e ao menos de culpa nos casos do art. 10 (AgRg no REsp 1500812/SE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJE 28.05.2015; AgRg no REsp 968447/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJE 18.05.2015; REsp 1478274/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJE 31.03.2015) [14] STJ, REsp 1.407.862/RO, Rel. Min. Mauro Campbell, DJe 19.12.2014. RECOMENDADAS

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