Responsabilização criminal por atos praticados por agentes públicos durante a ditadura (1964-1985)

July 17, 2017 | Autor: Marcelo Cattoni | Categoria: Human Rights, Transitional Justice
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02/06/2015

Ditadura de 1964­1985 e responsabilização criminal dos agentes públicos ­ Jus Navigandi

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Responsabilização criminal por atos praticados por agentes públicos na ditadura de 1964­1985 Emílio Peluso Neder Meyer|

Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira

Publicado em 10/2013. Elaborado em 10/2013.

Boa  parte  dos  crimes  praticados  pela  ditadura  são  crimes  contra  a  humanidade,  crimes gravíssimos  e  que  devem  ser  investigados,  processados  (com  todas  as  garantias  que  a Constituição de 1988 dá) e punidos a qualquer tempo. A América Latina foi marcada, durante o período que segue da década de 1960 ao final da década de 1980, por diversas ditaduras. Regimes autoritários em que não imperava a vontade do povo e de seus representantes democraticamente eleitos, mas a vontade de poucos que tomaram para si o poder. Foi assim, por exemplo, na Argentina, de 1976 a 1983; no Chile, de 1973 a 1990; no Uruguai, de 1973 a 1985. Na maior parte dos casos, a tomada do poder se devia a uma suposta ameaça comunista, ou seja, ao próprio contexto mundial de bilateralidade imposto pela Guerra Fria e pelas potências mundiais mais poderosas, Estados Unidos e União Soviética. Capitalismo e socialismo pareciam apontar caminhos diversos e claramente opostos. O  Brasil  viveu  uma  ditadura  entre  os  anos  de  1964  e  1985.  Após  o  Governo  democraticamente  eleito  do  Presidente  João Goulart ter sido derrubado por um golpe de Estado, criou­se um regime autoritário comandado por militares e com o apoio de  setores  importantes  da  sociedade.  Esse  regime  se  manteve  baseado  em  severas  restrições  de  direitos  e  liberdades, sufocando violentamente qualquer anseio democrático, com restrições sobre a participação popular, a representação por meio de partidos políticos, a liberdade de expressão e a liberdade de reunião. Passeatas deveriam ser autorizadas; a censura atingia  todos  os  meios  de  comunicação,  inclusive  as  formas  de  expressão  artística.  Direitos  humanos  básicos,  como  a inviolabilidade da vida e da integridade física, foram desde o início agredidos. Como qualquer ditadura, o regime buscou apagar qualquer foco de oposição política, utilizando­se de meios não permitidos pela própria legislação da época, como tortura, homicídios, agressões físicas, sequestros, estupros e outros crimes. O próprio Estado brasileiro, de forma coordenada e consciente, voltava­se contra a população que deveria proteger, contra pessoas que ousavam tentar participar do poder político ou que questionavam as suas bases. Se alguma oposição foi oficialmente admitida, isto só aconteceu de forma “consentida”, com um sistema de dois partidos políticos, a Arena, o partido de situação, e o MDB, o partido de oposição. Quanto mais a oposição política buscava se afirmar, mais duro o regime ficava. As chamadas leis de “segurança nacional” ampliavam o espaço da repressão política. Uma Carta autoritária foi imposta em 1967, seguida por inúmeras mudanças em 1969. Atos institucionais procuravam traçar as linhas do  poder  de  fato  exercido;  o  pior  deles,  o  Ato  Institucional  n°  5,  de  1968,  firmou­se  como  a  legislação  mais  restritiva  de direitos  da  história  recente  brasileira,  proibindo,  inclusive,  que  habeas  corpus  fossem  concedidos  para  presos  políticos, além de considerar qualquer cidadão como um inimigo em potencial do Estado. Diante desse quadro, grupos de oposição no Brasil se organizaram para buscar exercer um direito de resistência contra o autoritarismo estabelecido. Vários deles entenderam que apenas a luta armada poderia combater o regime, uma vez que a participação democrática estava anulada. Diversos cidadãos brasileiros pegaram em armas. Contra isto, os órgãos de Estado procuraram coordenar a repressão política, ligando as diversas áreas das Forças Armadas e dos órgãos policiais de segurança nos  chamados  DOI­CODI  –  Destacamento  de  Operações  Internas/Centros  de  Operação  de  Defesa  Interna.  Importantes instituições do Estado, como o SNI – Serviço Nacional de Informações, permitiam criar uma rede de dados que permitisse uma repressão mais incisiva e apta a desfazer a oposição armada. Técnicas de tortura como pau­de­arara, choques elétricos, prisões arbitrárias e desaparecimento de pessoas foram práticas constantes que buscavam acabar com o que se chamava de inimigo interno. Todas essas práticas permaneceram até o fim da ditadura, em 1985. Três grandes fases podem ser desenhadas a partir desse quadro:  uma  primeira  fase  seguinte  ao  golpe  de  Estado,  com  o  governo  de  Castelo  Branco;  uma  segunda  fase  de  maior repressão,  os  chamados  anos  de  chumbo,  iniciados  logo  após  o  AI­5,  nas  presidências  de  Costa  e  Silva  e  Médici;  e  uma terceira fase, que começa com o governo Geisel, em que, apesar dos sucessivos desaparecimentos de opositores, busca­se o que se chamou de uma “lenta e gradual distensão” rumo ao retorno da democracia, o que acontecerá após o governo de Figueiredo. Todavia, a insatisfação popular com a economia, o progressivo aumento dos votos para o MDB, o crescimento cada vez maior de denúncias e de casos rumorosos de mortes nos órgãos de repressão, como os de Vladimir Herzog e Manoel

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Ditadura de 1964­1985 e responsabilização criminal dos agentes públicos ­ Jus Navigandi

Fiel Filho, vários foram os fatores que, entre outros, contribuíram para que o povo e suas diversas organizações da sociedade civil voltassem às ruas para lutar abertamente pela redemocratização e pela reconstitucionalização do Brasil, movimentos esses que fugiram de qualquer tentativa ou pretensão de controle pelo regime ditatorial. Essa  luta  teve  como  objeto  a  busca  pela  anistia,  reivindicada  pela  sociedade  civil  através  do  Movimento  Feminino  pela Anistia e do Comitê Brasileiro de Anistia. A anistia permitiria a soltura de diversos presos políticos, bem como o retorno de um grande número de asilados. Entretanto, a Lei 6.683/1979, a chamada Lei de Anistia, não representou a ansiada anistia ampla,  geral  e  irrestrita.  E,  se,  por  um  lado,  ela  permitiu  o  retorno  de  vários  exilados,  por  outro  lado,  por  meio  dela  se procurou historicamente exculpar os próprios agentes do Estado que praticaram os inúmeros crimes da repressão. As lutas da sociedade continuaram em prol de uma eleição direta para a Presidência da República, o que não aconteceu. Mas a eleição indireta de um civil, Tancredo Neves, pareceu permitir a criação de um novo ambiente para a democracia. Com  sua  morte,  coube  ao  governo  de  José  Sarney  tentar  traduzir  a  busca  pela  democracia  com  a  convocação  de  uma assembleia  constituinte  que  pudesse  fazer  uma  nova  Constituição,  agora  de  acordo  com  o  processo  democrático  que  se estabelecia. A Constituição de 1988, fruto do processo constituinte de maior participação política dos cidadãos e dos diversos setores organizados da sociedade na história brasileira, que recentemente completou 25 anos, substituía as autoritárias cartas de  1967  e  1969.  Uma  nova  Constituição  para  uma  nova  democracia.  A  esse  período  de  sucessão  de  um  regime  de autoritarismo por um regime democrático diversos estudiosos têm dado o nome de “transição”. Mas,  hoje,  cabe  rediscutir  o  sentido  constitucional  da  “transição”.  Não  basta  que  qualquer  transição  ocorra.  É  preciso consolidar o que se tem chamado de uma “justiça de transição”. A justiça de transição envolve um conjunto de medidas que permitam uma efetiva superação do regime autoritário por uma ordem democrática e respeitadora de direitos humanos. Cuida­se de discutir no presente os abusos do passado em prol de uma não repetição no futuro. Costuma­se apresentar como elementos da justiça de transição: o direito à memória e à verdade; as reformas institucionais; as reparações simbólicas e financeiras;  e,  a  responsabilização  por  crimes  praticados  no  período  autoritário.  A  justiça  de  transição  se  dá  em  tempos diversos segundo os contextos no qual ela incide. Não há uma receita mundial sobre qual é o momento adequado no qual deverão  ser  produzidos  aqueles  resultados.  O  que  tem  crescido  é  um  consenso  em  relação  ao  fato  de  que  todos  eles  são importantes e devem ser reivindicados. Isto é parte, por exemplo, de um documento produzido pela ONU, a Organização das Nações Unidas. Países  latino­americanos  como  Argentina,  Chile  e  Uruguai  enfrentaram  seu  passado  autoritário  mais  rapidamente. Programas de reparação, comissões da verdade, discussões sobre as anistias e processos criminais fizeram e fazem parte dos recentes processos democráticos enfrentados nesses países. Fora de nosso continente, é possível encontrar exemplos no Leste Europeu, na Alemanha ou na África do Sul. Todos esses movimentos demonstram como o Brasil ainda precisa se posicionar melhor sobre a questão. Como os diversos elementos da justiça de transição tem se estabelecido no nosso país? Precisamos enfrentar essa questão lembrando o seguinte: pelo menos 50 mil pessoas foram detidas nos primeiros momentos da ditadura, 10 mil foram viver no exílio, 7.367 pessoas foram acusadas em processos na justiça militar, 4 condenações a morte ocorreram sem se consumarem, 130 pessoas foram banidas do país, 4.862 cidadãos tiveram seus mandatos e direitos políticos cassados, 6.592 militares foram punidos, 245 estudantes expulsos de universidades e, pelos números oficiais, 357 pessoas morreram ou desapareceram. Os familiares contam 426 mortos, mas se já se discute se esse número não seria triplicado. A questão é que é preciso investigar para saber. Comecemos pelo direito à memória e à verdade. Ainda durante a ditadura, no início da década de 1980, a Igreja Católica (que apoiou o golpe, mas passou a se opor ao regime em seguida) desenvolveu um importante trabalho. Analisando peças dos processos judiciais que tramitaram na justiça militar brasileira e que levaram milhares à prisão, a Arquidiocese de São Paulo  produziu  o  importante  documento  “Brasil  Nunca  Mais”,  que  informa  as  diversas  práticas  autoritárias  ocorridas naquele período. Na década de 1990, a aprovação da Lei 9.140/1995 permitiu a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Ela identificou e reconheceu a história e as circunstâncias de morte e desaparecimento de diversas vítimas, produzindo, ao final, o importante documento “Direito  à  memória  e  à  verdade”,  disponível  para  todos  os  cidadãos  na  internet.  Mais  recentemente,  a  Lei  12.528/2011 permitiu  a  criação  da  Comissão  Nacional  da  Verdade,  cujo  trabalho  está  em  andamento.  Ela  tem  por  dever  examinar  e esclarecer graves violações de direitos humanos ocorridas na ditadura, sem que tenha, contudo, poderes punitivos. Como as diversas comissões de verdade que já apareceram no mundo, sua função é investigativa, permitindo que familiares e o povo em geral formem uma memória que possam chamar de suas sobre o que ocorreu. Em relação às reformas institucionais, o que se discute é a necessidade de não permitir que permaneçam trabalhando em nome do Estado pessoas que estiveram envolvidas em violações de direitos humanos durante a ditadura. Fala­se também na necessidade de aprimoramento dos programas de formação de servidores do Exército, Marinha e Aeronáutica e das polícias civis e militares que sejam adequados à nova ordem democrática, pautados, principalmente, por uma cultura de direitos humanos. Muito pouco tem sido feito no Brasil a este respeito. O modo truculento como as forças de segurança reagiram às recentes manifestações populares e a constante e interminável prática de desaparecimento de pessoas por parte das polícias demonstra que há um árduo trabalho pela frente. Órgãos de defesa dos interesses da sociedade, como o Ministério Público, tem tentado trabalhar para efetivar a retirada do serviço público de pessoas que são associadas às práticas violentas da época; mas nada de concreto foi ainda aceito pela justiça brasileira. Quando  se  pensa  no  sistema  de  reparações,  terceiro  elemento  da  justiça  de  transição,  é  possível  verificar  que  fomos  um pouco  mais  longe.  A  Constituição  de  1988  criou  a  interessante  situação  dos  “anistiados  políticos”.  Aqueles  que  foram, inicialmente, “perdoados” pelo regime autoritário porque lutaram contra ele, o que ocorreu com a Lei de Anistia de 1979, passam a receber do Estado Democrático um pedido de desculpas pelas perseguições, mortes e violações de direitos que ele

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Ditadura de 1964­1985 e responsabilização criminal dos agentes públicos ­ Jus Navigandi

praticou. Isto é feito tanto simbolicamente, com um real pedido de perdão, pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, como financeiramente, com o pagamento de indenizações que visam abrandar os sofrimentos enfrentados pelos anistiados. Essa  prática  foi  regulada  pela  Lei  10.559/2001  e  tem  se  efetivado  adequadamente  pelo  menos  desde  2007.  Iniciativas importantes,  como  as  Caravanas  da  Anistia,  procuram  democratizar  os  procedimentos  de  julgamento  do  pedido  de reconhecimento da situação de anistiado político, levando tais questões para os locais onde essas pessoas vivem e permitindo que o público em geral participe do processo. O quarto elemento da justiça de transição consiste na responsabilização criminal. É preciso lembrar que, em uma ditadura, o mesmo Estado que define certas situações como crime e busca puni­las com penas, pratica os crimes que deveria evitar. Ao se  tornar  um  Estado  Democrático  de  Direito  e  respeitador  de  leis  e  de  direitos  humanos,  espera­se  que  ele  investigue  e condene  firmemente  essas  práticas.  Contudo,  nos  momentos  de  transição,  que  normalmente  são  controladas  pelo  Estado autoritário, os que estão no poder procuram formas de evitar que isto possa acontecer no futuro. Uma dessas formas são as leis de  anistia.  No  campo  do  Direito,  é  possível  evitar  que  um  fato  que  constitui  um  crime  não  seja  punido  por  diversas circunstâncias. Uma delas seria a anistia: uma espécie de perdão dado pelo Estado que apaga os efeitos de um crime. Ocorre que uma anistia não pode ser um equivalente de esquecimento. E, pior: não pode também ser uma anistia dada pelo Estado para seus próprios agentes, ou seja, uma auto­anistia. Mas foi justamente isto o que buscou o governo brasileiro quando enviou para a aprovação do Congresso Nacional (à época controlado pela Presidência da República) o projeto que resultou na Lei de Anistia de 1979. De uma forma até certo ponto “disfarçada”, a lei trouxe um dispositivo que dizia que aqueles que praticaram “crimes conexos” aos crimes políticos por ela anistiados  seriam  também  perdoados.  Com  isto,  firmou­se  um  certo  consenso  entre  autoridades  e  Poder  Judiciário brasileiros nas décadas de 1980 e 1990 no sentido de que aquelas pessoas não poderiam ser investigadas ou processadas por conta da anistia. Contudo,  no  processo  de  idas  e  vindas  de  uma  justiça  de  transição,  em  2007,  após  uma  discussão  de  especialistas  na Comissão  de  Anistia  do  Ministério  da  Justiça,  o  Conselho  Federal  da  Ordem  dos  Advogados  no  Brasil  resolveu  levar  essa questão para ser debatida frontalmente pelo Poder Judiciário e decidida por ele. Não se buscou propriamente revogar a Lei de  Anistia  de  1979  –  até  porque,  isto  poderia  contrariar  os  próprios  interesses  dos  que  se  opuseram  ao  regime  e  foram anistiados. O caminho escolhido foi o de levar a questão ao Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da justiça brasileira. Isto porque ele poderia cumprir a sua principal função, ou seja, discutir a constitucionalidade de leis perante a Constituição de  1988  e,  se  for  o  caso,  invalidá­las.  Especificamente,  optou­se  por  um  caminho  pelo  qual  o  STF  apenas  declararia  a inconstitucionalidade da interpretação de que a Lei de Anistia de 1979 pode permanecer até hoje como uma auto­anistia, vedando a responsabilização de agentes públicos por graves violações de direitos humanos praticadas na ditadura. O Supremo Tribunal Federal não concordou com esse pedido. Em abril de 2010, ele se pronunciou declarando que a Lei de Anistia de 1979 estabeleceu um “acordo político” entre governo e oposição que, inclusive, permitiu a caminhada rumo à democracia. A questão é a seguinte: quem seriam as partes desse acordo? Como um governo autoritário assinaria um acordo com a oposição? Como seria possível tal acordo se, em 1979, boa parte da oposição armada já havia sido fulminada? O fato é que, diante da Constituição de 1988 – democrática e afirmadora de direitos humanos – o STF preferiu dar validade a um sentido de uma lei imposta durante a ditadura, permitindo que permaneçam impunes agentes públicos responsáveis pelos mais  atrozes  atos  praticados  com  o  uso  do  Estado.  Disse  mais  o  Supremo:  tal  acordo  seria  tão  importante  que,  inclusive, estabeleceria as bases da Constituição de 1988 – o que significa que, em última instância, apenas uma nova Constituição permitiria discutir os termos da anistia. Sabe­se que decisões judiciais devem ser cumpridas. Mas isto não significa que não se possa criticá­las, até mesmo para que elas possam ser revistas. O processo que discutiu a interpretação constitucionalmente a ser dada à Lei de Anistia de 1979 ainda não acabou – um recurso ainda deve ser julgado nesta ação. Além disto, novos Ministros do STF podem, no futuro, rever o julgamento. Por isto, é preciso estar atento para o que é decidido e discutir os fundamentos de tais decisões. A decisão nesta ação tem diversos pontos questionáveis e que acabam por colocar em perigo diversos direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988 e em tratados internacionais. Paralelamente à decisão Supremo Tribunal Federal, familiares de pessoas que desapareceram na Guerrilha do Araguaia, entre os anos de 1973 e 1974, levaram seu problema a uma corte internacional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ela cuida da aplicação entre Estados americanos da Convenção Americana da Direitos Humanos. Aquelas famílias visavam esclarecer um episódio obscuro do período ditatorial que envolveu familiares seus. Tais pessoas, antigos membros do PCdoB, fixaram­se na região do Araguaia, hoje correspondente ao norte de Tocantins e sul do Pará, com vistas a lá estabelecer uma guerrilha rural que combateria a ditadura. Assim que o governo brasileiro tomou conhecimento do ocorrido, enviou três expedições do Exército ao local, envolvendo algo entre 3 a 5 mil soldados, para combater 71 guerrilheiros. A grande maioria foi morta e seus corpos desapareceram. Os familiares de 61 guerrilheiros procuraram sem sucesso a justiça brasileira e, em 1995, o sistema interamericano. Em  novembro  de  2010,  a  Corte  Interamericana  de  Direitos  Humanos  condenou  o  Brasil,  entre  outras  obrigações,  a investigar, processar e punir todas as pessoas envolvidas com os crimes praticados no Araguaia. Mais diretamente a Corte se preocupou com os crimes de “desaparecimento forçado”: tais crimes são tão graves que eles permanecem sendo praticados até que se encontre a vítima ou seus restos mortais. Nada disto aconteceu em relação aos combatentes do Araguaia. Agora, a justiça brasileira começa a analisar pedidos feitos pelo órgão em grande parte responsável por processos criminais no Brasil, o Ministério Público, em que se busca responsabilizar agentes da ditadura que praticaram os crimes de desaparecimento

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02/06/2015

Ditadura de 1964­1985 e responsabilização criminal dos agentes públicos ­ Jus Navigandi

forçado  daquele  período.  A  questão  é  que  não  só  tais  crimes  merecem  ser  investigados  e  punidos.  Boa  parte  dos  crimes praticados pela ditadura são crimes contra a humanidade, crimes gravíssimos e que devem ser investigados e punidos a qualquer tempo. É por isto que não cabe aqui a pergunta: por que fazer isto tanto tempo depois? A justiça de transição preocupa­se em evitar que atos violadores de direitos humanos sejam repetidos. Ela quer que haja uma efetiva consolidação do Estado Democrático de  Direito,  de  um  sistema  de  direitos  humanos  em  que  o  seu  principal  violador  não  seja  o  próprio  Estado.  Saber  o  que aconteceu e, se possível, discutir e possibilitar a responsabilização criminal de agentes que praticaram tais atos é um claro reconhecimento de que o Brasil, como Estado e sociedade, evitará que no futuro novas violações aconteçam. Mais do que saber  o  que  aconteceu,  é  preciso  que,  com  todas  as  garantias  que  a  Constituição  de  1988  dá,  os  responsáveis  sejam investigados, processados e punidos.

Autores Emílio Peluso Neder Meyer Professor Adjunto de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG (Graduação e Pós­Graduação – Mestrado e Doutorado). Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG.  Mestre  em  Direito  Constitucional  pela  UFMG.  Membro  do  IDEJUST  –  Grupo  de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição.

Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira Professor  Associado  III  de  Direito  Constitucional  da  Faculdade  de  Direito  da  UFMG (Graduação  e  Pós­Graduação  –  Mestrado  e  Doutorado).  Mestre  e  Doutor  em  Direito  pela Faculdade de Direito da UFMG. Pós­Doutorado em Teoria do Direito pela Università degli studi di Roma TRE. Bolsista em Produtividade pelo CNPq. Membro Diretor do IDEJUST – Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição.

Informações sobre o texto No dia 4 de outubro de 2013, foi publicado no Diário Oficial da União o resultado do Prêmio CAPES de Tese. Na área do Direito,  foi  premiado  o  trabalho  elaborado  pelo  Professor  Emilio  Peluso  Neder  Meyer  e  orientado  pelo  Professor  Marcelo Andrade  Cattoni  de  Oliveira,  “Responsabilização  por  graves  violações  de  direitos  humanos  na  ditadura  de  1964­1985:  a necessidade  de  superação  da  decisão  do  Supremo  Tribunal  Federal  na  ADPF  n°  153/DF  pelo  Direito  Internacional  dos Direitos Humanos”. O trabalho foi defendido em 2012 perante o Programa de Pós­Graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFMG, em banca composta pelo orientador e pelos Professores Doutores Bernardo Gonçalves, Álvaro Ricardo de Souza  Cruz,  Maria  Fernanda  Salcedo  Repolês  e  José  Carlos  Moreira  da  Silva  Filho.  Ele  se  encontra  publicado  no  livro “Ditadura e responsabilização: elementos para uma justiça de transição no Brasil” (Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012). Este pequeno ensaio visa, de modo bastante didático, introduzir o leitor na temática do texto.

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT) MEYER,  Emílio  Peluso  Neder;  OLIVEIRA,  Marcelo  Andrade  Cattoni  de.  Ditadura  de  1964­1985  e  responsabilização criminal  dos  agentes  públicos.  Revista  Jus  Navigandi,  Teresina,  ano  18,  n.  3764,  21  out.  2013.  Disponível  em: . Acesso em: 2 jun. 2015.

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