RESSIGNIFICANDO A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A CONSTRUÇÃO DE

June 4, 2017 | Autor: Mônica P.Santos | Categoria: Educational evaluation, Inclusive Education
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1 RESSIGNIFICANDO A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA CULTURA DA AVALIAÇÃO Denize Sepulveda Mônica Pereira dos Santos

Culturas, Políticas e Práticas Inclusivas: focalizando as concepções e práticas de avaliação

Introdução O presente trabalho baseia-se na Pesquisa Ressignificando a Formação de Professores desenvolvida pelo LAPEADE (Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação), do Programa de Pós Graduação em Educação da UFRJ. A pesquisa iniciou-se em fevereiro de 2004 e objetivou investigar a formação de futuros/as professores/as 1 da Faculdade de Educação com relação a uma orientação inclusiva de educação. Por orientação inclusiva de educação referimo-nos àquela defendida por Santos e Paulino (2008) e Santos, Fonseca e Melo (2009), que compreende os processos de inclusão e exclusão como interligados em uma relação dinâmica, tensional, dialética e trialética, perpassada, contínua e simultaneamente, por três dimensões: a da construção de culturas, a do desenvolvimento de políticas e a da orquestração de práticas de inclusão em educação, como veremos mais adiante. Os resultados mostraram que a instituição possui entraves a serem superados quanto a uma formação inclusiva dos estudantes, alimentando a enorme lacuna entre teoria e prática, permitindo-nos verificar as práticas incoerentes dos formadores de professores, quando relacionadas às políticas públicas atuais em educação e às ementas das próprias disciplinas que ministram, cujo teor é potencialmente crítico, reflexivo, democrático e inclusivo. Esta lacuna e incoerências podem ser explicadas, em parte, pelo fato de o ensino dos professores de nível superior estar fundamentado, predominantemente, em práticas pedagógicas que possuem uma orientação ‘tradicional’ do processo ensino/aprendizagem. Por orientação ‘tradicional’ queremos nos referir ao referencial iluminista de educação, cujo projeto de escola e sociedade – liberal – pautam-se em valores positivistas, que primam pelo método, pela padronização e pela fragmentação de saberes em nome da suposta organização científica dos saberes e didática de conteúdos para facilitar o ensino. Para a superação desse quadro, uma das sugestões feitas ao final da pesquisa diz respeito à revisão das Concepções e Práticas Avaliativas por parte dos/as professores/as formadores/as, na tentativa de propor uma nova cultura da avaliação pedagógica na Faculdade 1

Utilizamos o gênero masculino e feminino em nossa escrita como uma opção política. Historicamente, a sociedade patriarcal silenciou a mulher, impedindo-a muitas vezes de falar. Dessa forma, em nosso texto, damos a fala aos alunos e alunas, assim como aos professores e professoras.

2 de Educação, onde a avaliação não seja um fim em si mesma, mas seja vista como um processo pelo qual o/a educador/a acompanha o desenvolvimento do/a aluno/a, privilegiando-a como momento de análise na qual o/a professor/a interroga-se a si mesmo e aos alunos/as e se pergunta – e aos alunos – como eles/as estão construindo seus conhecimentos e organizando o pensamento. Assim, o/a educador/a procura compreender a lógica dos/as estudantes/as e tenta

Excluído: Excluído: seus/as alunos

entender o que sabem e o que necessitam de sua mediação, desenvolvendo uma ação docente que favorece o processo ensino/aprendizagem de todos/as os/as alunos/as, onde todos/as poderão vivenciar o desenvolvimento de culturas, políticas e práticas de inclusão. Assim sendo, este artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução. Na

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primeira, esclareceremos em que consistem as dimensões acima referidas e suas respectivas categorias de análise e apresentaremos os dados gerais da pesquisa. Na segunda, discutiremos a problemática da avaliação no processo ensino-aprendizagem, em particular no ensino superior, tomando por base as referidas dimensões. Na terceira, teceremos considerações acerca da avaliação no que tange à formação docente, novamente tendo as três mencionadas dimensões como base de análise. Por fim, apresentaremos nossas conclusões.

As dimensões de análise da dialética e trialética inclusão/exclusão e os dados da pesquisa: O tripé culturas, políticas e práticas de inclusão está baseado no estudo do material denominado Index para a Inclusão (BOOTH & AINSCOW, 2000; Trad. SANTOS, 2002) e nos ajuda a pensar a questão das Concepções e das Práticas Avaliativas, já que o referido tripé proposto por esse material está baseado em três dimensões, essas presentes em qualquer esfera educacional e que influenciam nas concepções e práticas avaliativas dos/as professores/as que atuam nas instituições formadoras de futuros/as professores/as. As dimensões propostas pelo Index são: Dimensão A – Construindo CULTURAS Inclusivas; Dimensão B: Desenvolvendo POLÍTICAS inclusivas; Dimensão C: Orquestrando PRÁTICAS Inclusivas. Os conceitos de inclusão são argumentados na direção da construção de culturas, políticas e práticas inclusivas no âmbito da educação, dimensões fundamentais para a redução

Excluído: elementos

das barreiras que impedem as aprendizagens ou não ampliam as participações de todos/as os/as alunos/as. Vale dizer que o princípio da participação é, no campo teórico dos processos de inclusão/exclusão, um conceito chave, na medida em que seja compreendida não apenas em seu aspecto de integrar as pessoas – por fazerem parte de -, como também de que tal parte se dê no sentido da tomada conjunta de decisões. Como culturas de inclusão compreendemos os valores, conceitos e representações que

Excluído: -se

os sujeitos têm a respeito da inclusão. Como políticas de inclusão entendemos as diretrizes e

Excluído: -se

norteamentos das ações que visem à inclusão. Como práticas de inclusão definimos as

Excluído: em-se

participações sociais efetivas em relação à inclusão (SANTOS, 2003).

3 Todas as instâncias de formação de professores/as possuem as referidas dimensões: Culturas, Políticas e Práticas, que influenciam a maneira como as universidades se organizam e os processos de apropriação dos conhecimentos dos/as alunos/as. As culturas refletem os

Excluído: Levando em conta que as

valores e conhecimentos que os/as professores/as possuem; que as políticas são as metas, diretrizes, orientações e objetivos a serem traçados para o processo gestatório e de ensino/aprendizagem e que as práticas se traduzem nas ações dos envolvidos no processo educacional. Assim, se os objetivos presentes nessas dimensões não forem voltados para uma

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proposta inclusiva, que amplie a participação (capacidade e oportunidade de tomada de decisão), podem se pautar em valores e conhecimentos conservadores e tradicionais do processo ensino/aprendizagem. Dito isto, vale lembrar que como as dimensões se apresentam simultânea e continuamente, o que caracteriza o aspecto dinâmico da di/trialética inclusão/exclusão, podemos afirmar que, por mais que lutemos contra as exclusões, enquanto nossas sociedades estiverem organizadas como estão, em parâmetros capitalistas, que se alimentam da desigualdade social, toda pessoa, instituição, rede/sistema ou governo será sempre, a um só tempo, tanto inclusiva quanto excludente. Todos tanto estaremos atentos às exclusões causadas pela desigualdade e, provavelmente, posicionando-nos contra as mesmas, quanto ao mesmo tempo poderemos dizer ou praticar algum ato ou decisão que, mesmo sem intenção, gere exclusão. Eis a complexidade da dialética e trialética inclusão/exclusão. Não há como garantir que sejamos, um dia, totalmente “inclusivos”, como se inclusão fosse um estado ao qual chegarmos em nossa “evolução”. Porque inclusão é processo, e não estado. E como tal, não é o fim, mas o meio para que a luta, que deve ser infindável, contra as exclusões, nunca acabe. Daí a necessidade de busca do que vimos chamando de um olhar trialético sobre os processos de inclusão/exclusão. Trata-se de adotarmos uma perspectiva de reflexão que suplemente uma visão dialética (e não a substitua) no sentido de tornar possível que a análise crítica se faça para além do pensamento binário, classificatório e polarizado (tese – antítese – síntese) que o racionalismo moderno insiste em afirmar e defender. O olhar polarizado, binário, dicotômico, gera uma visão monolítica acerca dos complexos processos humanos e sociais, em que se incluem a educação e as histórias das sociedades. Trata-se, em suma, não da defesa de uma síntese como fruto de acolhimento da pluralidade reflexiva, mas da defesa do reconhecimento da coexistência de múltiplas maneiras e formas de existirmos, todas com peso moral e ético igual, pois que o reconhecimento de tal coexistência abdicaria de julgamentos (práticas classificatórias e comparativas) apriorísticos sobre o Outro. Isto posto, a pesquisa acusou, em seus resultados, no que tange à complexidade dialética e trialética inclusão/exclusão, que a Faculdade investigada ainda estava longe, à época, de poder dizer-se uma instituição que buscasse, ou que tinha como proposta ou projeto, uma orientação

Excluído: , e que

4 inclusiva de formação de seus futuros professores. Isto porque, em quase nenhum dos indicadores de culturas, políticas e práticas de inclusão utilizados como base para a investigação, as respostas dos sujeitos da amostra apresentavam características que nos pudessem fazer crer que a instituição ao menos tivesse como proposta a busca de relações mais justas e democráticas para seus alunos, o que constituiria indícios de uma perspectiva inclusiva de formação. Em que pese não termos perguntado, na pesquisa, diretamente, acerca dos processos avaliativos por que passavam os alunos – futuros professores -, em suas respostas a outras questões, tanto no questionário quanto nos grupos focais, o assunto da avaliação era recorrente, em particular no que se referia a exemplos de culturas, políticas e práticas de exclusão e de injustiça sofridos pelos alunos, em suas reflexões sobre as experiências de inclusão/exclusão ao longo de sua formação. Quando referiam-se à avaliação no sentido das culturas, mencionavam valores e critérios adotados por seus professores de graduação que, em suas percepções, obedeciam a “dois pesos e duas medidas” e em muito eram influenciados pela empatia ou antipatia que porventura pareciam sentir pelos alunos. Critérios, portanto, na avaliação dos entrevistados, bastante subjetivos e passíveis de discussão e questionamento. Quando mencionavam a avaliação no sentido das políticas, exemplificavam as normas em vigor a respeito dos direitos que possuíam, como alunos, a terem suas notas revisadas, por exemplo. Ou ainda, às normas relativas à obtenção de uma média mínima, ao percentual acumulado de créditos e ao quanto isso poderia interferir negativamente em qualquer tentativa de bolsa de apoio estudantil ou iniciação científica, caso tais médias e coeficientes fossem abaixo do mínimo ditado pelas políticas da instituição. Levantavam a discussão de que as notas e as políticas institucionais que as orientavam não eram, necessariamente, representativos de seus potenciais como alunos. Quando, por fim, referiam-se à avaliação em termos das práticas, não eram poucos os exemplos de exclusão que sofriam em muitas matérias cursadas. Havia casos de alunos que precisaram faltar às avaliações marcadas e não tiveram chance de fazê-las em outro dia; de alunos que chegavam atrasados e eram impedidos de iniciar a avaliação, perdendo-a; de alunos que solicitavam uma segunda chance para melhorar suas notas ao professor e eram recusados; alunos cujos professores haviam perdido seus trabalhos e ao não admitirem tal perda, penalizavam o aluno, não atribuindo-lhe nota alguma, o que baixava sua média, ou mesmo o reprovava. Foram muitos o exemplos, enfim.

Analisando a avaliação a partir de uma perspectiva de inclusão. Nesse contexto, os/as alunos/as que fogem do modelo de aluno ideal, modelo esse ainda presente no imaginário dos professores, inclusive (e arriscaríamos até a dizer: principalmente),

5 os universitários, muitas vezes apresentam dificuldades em seu processo de formação e acabam experimentando histórias de fracasso e exclusão. Por isso as dimensões propostas pelo INDEX se tornam importantes, pois os princípios inclusivos contidos nesse material ajudam a orientar as concepções e práticas avaliativas dos/as professores/as formadores/as de maneira que a aprendizagem de todos/as os/as alunos/as seja favorecida. No que tange à dimensão da construção de culturas avaliativas de inclusão, por

Formatado: Fonte: Itálico

exemplo, a própria definição, percepção e maneira de trabalhar a avaliação seria bastante diferente do que se vê comumente. Os alunos/as não seriam comparados entre si, tampouco classificados, em suas competências, dentro de uma média geral em relação à turma. Ele/as seriam avaliados em comparação a eles/as mesmo/as, em sua própria trajetória dentro da disciplina. Na dimensão do desenvolvimento de políticas, a instituição, o/a professor/a e a turma refletiriam e decidiriam sobre que aspectos valorizar em cada momento da avaliação, em um processo coletivo. Decidiriam também quais as melhores formas de se levar a avaliação a cabo. Estas decisões seriam tomadas com base em orientações eleitas como principiais à uma educação democrática e de qualidade. Na dimensão das práticas, dificilmente uma avaliação inclusiva seria apenas fundamentada nas capacidade e ações individuais, mas a tendência seria sempre ao trabalho coletivo e de modo alternado,de modo a não repetir grupos nem criar-se ‘panelinhas’, tendo em vista uma formação social e pedagógica solidária, crítica e relativizada. Entretanto, percebemos que muitas práticas avaliativas atuais possuem uma tensão entre

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continuidade e ruptura, ou seja, apesar de alguns professores e professoras demonstrarem uma crítica às práticas avaliativas tradicionais 2, em alguns momentos, ainda mantêm parâmetros dessas. Muitas vezes as concepções dos/as professores/as formadores/as estão alicerçadas em alguns autores críticos às práticas avaliativas tradicionais que ainda ocorrem em muitos de nossos estabelecimentos de ensino superior; em outros momentos estão baseados na perspectiva tradicional da avaliação. Essa situação acaba apresentando-se como uma contradição entre as concepções avaliativas dos/as professores/as e a prática avaliativa por eles/as desenvolvida, o que acaba por influenciar na formação dos/as futuros/as professores/as e automaticamente em sua prática posterior. Nossa argumentação encontra eco no posicionamento de Hoffman (2003: 108). Para essa autora, a questão da avaliação no ensino superior passa a ser um fator muito sério, porque:

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Segundo Sepulveda (2003) a avaliação na abordagem tradicional é realizada predominantemente visando a exatidão da reprodução do conteúdo comunicado em sala de aula. Mede-se, portanto, pela quantidade e exatidão de informações que se consegue reproduzir. Daí a consideração de provas escritas e orais, exames etc..., que evidenciem a exatidão da reprodução da informação. O exame passa a ter um fim si mesmo e o ritual é mantido. As notas obtidas funcionam, na sociedade capitalista, como indicadores dos níveis de aquisição do patrimônio cultural.

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6 a avaliação nesses cursos, é um fenômeno com características seriamente reprodutivistas. Ou seja, o modelo que se instala em cursos de formação é o que vem a ser seguido pelos professores que exercem o magistério nas escolas e universidades. Muito mais forte que qualquer influência teórica que o aluno desses cursos possa sofrer, a prática vivida por ele enquanto estudante passa a ser o modelo seguido quando professor. (..)

Em nosso ver, o problema inicia-se na visão idealizada do aluno, a que nos referimos acima. A formação docente ainda continua sendo feita de modo a fazer crer que todos os alunos sejam homogeneamente iguais e apreendam, depreendam, compreendam e aprendam da mesma maneira. Triste construção histórica, não desprovida, evidentemente, de intencionalidade política, e fruto da herança iluminista, moderna, liberal e positivista de escola a que nos

Excluído: concepção

referimos no início deste artigo. Concepção esta que já teve seu lugar, mas que nos dias de hoje, não nos parece suficiente, porque deixa de lado a multiplicidade e as diferentes velocidades de existências humanas (e consequentemente de “estilos” de aprendizagem), que precisam ser consideradas, se a inclusão deve mesmo assumir espaço nas arenas educacionais. Uma avaliação orientada inclusivamente desafia as estruturas de tudo aquilo que, como docentes, até o presente, demos como certo e inquestionável em nossa formação, como por exemplo: nosso lugar como sujeitos do saber-poder, como transmissores de conhecimento, como direcionadores e organizadores do processo educativo em uma visão unilateral (nós planejamos e aplicamos – os alunos acatam e executam) e nada construtiva do processo ensinoaprendizagem, nossos supostos saberes e técnicas (e consequentemente, nossos supostos poderes)... Eis porque falar de avaliação nos remete, então, a discutir estes assuntos um pouco mais especificamente, em relação à formação docente. É o que faremos na próxima seção.

Considerações Sobre o Processo de Formação de Professores e Professoras Os debates sobre a formação de professores e professoras, desenvolvidos nos últimos anos, têm demonstrado a preocupação com as práticas realizadas no cotidiano de nossas escolas. A discussão sobre as funções da escola, sobre o tipo de educação que queremos, sobre o controle do saber, sobre avaliação e tantas outras questões, vem se tornando mais tensa e explícita. Verdades consagradas, no momento, se apresentam insuficientes, exigindo de nós, professores e professoras, a busca e o entrecruzamento de novos saberes. As antigas certezas, que os/as professores/as achavam que possuíam, mostram-se esvaziadas, gerando em muitos/as de nós dúvidas e incertezas, provocando transformações no processo de formação docente. A formação docente anuncia mudanças ainda não consolidadas, das quais destacamos a manutenção da prioridade da aprendizagem da teoria sobre a prática pedagógica, ficando em segundo plano a atuação, não entendida como um lugar de aprendizagem, mas de treino. Entretanto, entre esses dois lugares, existem pontos intermediários ocupados pela observação e

Excluído: destaco

7 pela crítica, ou seja, os alunos e alunas aprendem na sala de aula, vão ao estágio observar o professor e a professora, criticam o observado e a partir do que aprenderam, num momento posterior, possivelmente vão atuar. Os alunos e alunas em formação primeiro aprendem, observam, refletem, teorizam, criticam, treinam (pois eles vão atuar a partir da observação de um/a outro/a professor/a) e depois, quando supõe-se que já sabem, realizam. Segundo Schön (1992), muitas vezes a teoria e a técnica não dão conta dos problemas que aparecem na prática. Os cursos de formação de professores e professoras apresentam uma dicotomia entre a teoria e a prática, entre a reflexão e a ação: primeiro, há contato com a teoria, com a reflexão, pensa-se e aprende-se a técnica, para depois se aplicá-la em sala de aula. O estágio docente é o momento de se fazer essa articulação, pois normalmente os cursos de formação primeiro ministram as disciplinas teóricas que, por serem descontextualizadas, não ajudam muito os/as alunos/as na reflexão sobre o processo ensino-aprendizagem. Essas disciplinas teóricas pretendem ser as que ensinam a pensar. Num segundo momento, são ministradas as disciplinas ligadas à prática, as que ensinam como o/a futuro/a professor/a deve ensinar. Essas disciplinas são entendidas como as que ensinam a fazer. E, por último, o estágio é entendido como o momento de treinamento para a efetiva ação docente, o que evidencia a separação entre a prática e a teoria que orienta as concepções já consolidadas de estágio. Analisando os cursos de formação, Schön (1992) acredita que deveriam ser desenvolvidos em torno de uma prática reflexiva a partir de três idéias centrais: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação. O conhecimento na ação já traz um saber. Este conhecimento está presente nas ações dos profissionais e possui uma parcela de um saber especificamente produzido na escola. Segundo Nóvoa (apud CAMPOS e PESSOA; 2000:196), o saber escolar é “um tipo de conhecimento que os professores são supostos possuir e transmitir aos alunos. É uma visão dos saberes como factos e teorias aceites”. O conhecimento na ação produz uma forma de saber que se relaciona ao enfrentamento das situações presentes no cotidiano, articulando conhecimentos espontâneos, intuitivos e experimentais. Dessa forma, podemos dizer que o conhecimento está contido na própria ação, ou seja, o profissional, ao agir, demonstra o conhecimento que possui. No momento em que o/a profissional pára e reflete, ele/a faz uma pausa em sua ação, é um momento em que ele/a pensa e reorganiza o que está fazendo; geralmente isso acontece diante de situações inesperadas, para as quais não encontra respostas imediatas. Nem sempre quando interrompemos uma ação para refletirmos sobre ela estamos teorizando ou estamos ampliando nossa compreensão do fato. Porém, ao refletirmos sobre a ação, passamos a refletir sobre uma ação passada e essa reflexão pode nos ajudar em futuras ações e nos dar uma nova compreensão sobre o momento. Esse processo é o de reflexão sobre a ação e, acompanhado da reflexão sobre a reflexão na ação, pode ajudar o/a profissional a traçar uma solução para o seu problema. Schön (2000:16) afirma que “os problemas do mundo real não se apresentam aos

8 profissionais com estruturas bem delineadas”. Expõe sua preocupação em relação ao fato de que muitas vezes os profissionais saem de seus cursos de formação com bastante conhecimento teórico e técnico; entretanto, esses conhecimentos não são suficientes na aplicabilidade prática, pois existem vários fatores que interferem no processo ensino-aprendizagem: fatores políticos, financeiros, ambientais etc... Esse modelo de formação, ainda hegemônico, vai sendo conduzido pela racionalidade técnica, cuja “intenção é resolver os problemas da prática através da aplicação de teorias derivadas da investigação acadêmica” (ZEICHNER, 1997:125). Mantendo como referência o trabalho de Schön, a nossa análise vai encontrando pistas que evidenciam o paradigma da racionalidade técnica como articulador dos modelos de formação docentes hegemônicos. Este paradigma, evidentemente, está presente em nossas práticas, em nossos modos de ensinar e aprender. A racionalidade técnica não representa uma solução para os problemas educativos, pois qualquer situação de ensino, quer seja no âmbito da estrutura das tarefas acadêmicas ou no âmbito da estrutura da participação social, é incerta e única, variável, complexa e portadora de um conflito de valores na definição das metas e na seleção dos meios (GOMES; 1992:100).

Assim, não existe uma teoria única que possa criar meios, regras e técnicas para serem utilizadas no cotidiano escolar, como pretende a racionalidade técnica. O problema é que a racionalidade técnica não dá conta do cotidiano escolar, pois a ação profissional não é uma atividade meramente técnica e como tal não se pode empregar somente técnicas produzidas como aplicação do conhecimento científico. O cotidiano escolar é um espaço tecido pela multiplicidade, portanto, é necessária a utilização da criatividade e da sensibilidade para intervir em problemas da ação prática. Segundo Yinger (1986, apud GOMES; 1992:102), “o êxito do profissional depende da sua capacidade para manejar a complexidade e resolver problemas práticos, através da integração inteligente e criativa do conhecimento e da técnica”. Por isso, a aprendizagem na ação mostra-se relevante por contribuir para que se encontrem soluções para problemas que se apresentam na prática cotidiana, e não a mera aplicação de uma solução estabelecida anteriormente, desenvolvida fora do contexto específico da prática, o que normalmente ocorre nos cursos de formação, onde se estudam teorias e técnicas que pretendem mudar a prática. Essa mudança, na maioria das vezes, não ocorre, pois as questões da prática muitas vezes não conseguem ser resolvidas por teorias e técnicas produzidas distantes delas; teorias e técnicas que simplificam as complexas relações estabelecidas no cotidiano escolar. O processo lógico, cumulativo, linear, que vai pouco a pouco capacitando o/a aluno/a a tornar-se professor/a, trabalha com generalizações que permitem visualizar os contornos das relações que se estabelecem na sala de aula, traçados que podem servir para qualquer sala de aula, mas que não podem

Excluído: necessário

9 informar sobre os pequenos atos cotidianos que dão materialidade à prática pedagógica e trazem singularidade de cada sala, de cada turma, de cada aula, de cada professor/a, de cada aluno/a, de cada relação. (ESTEBAN E ZACCUR; 2002:19).

A teoria e a técnica aprendidas nos cursos de formação se mostram, na maioria das vezes, insuficientes para lidar com as questões do cotidiano escolar, dificultando um diálogo entre teoria e prática que se torna cada vez mais necessário para a formação de professores e professoras. Dessa forma, vemos que muitas vezes são as práticas avaliativas dos/as

Excluído:

professores/as formadores/as que vão influenciar mais decisivamente nas futuras práticas avaliativas dos/as futuros/as professores/as e não as concepções teóricas avaliativas. Portanto, se torna fundamental que as práticas avaliativas dos/as professores/as sejam desenvolvidas sobre um pilar inclusivo, pois, como já foi visto, elas também são formadoras e serão decisivas para o desenvolvimento de uma prática cotidiana democrática.

A busca da democratização das práticas cotidianas A dualidade entre as concepções e as práticas de avaliação presente nas instâncias de formação acaba referendando de alguma maneira a forma como os/as alunos/as foram avaliados/as durante toda sua vida de estudantes. Muitos professores e professoras foram avaliados sob uma concepção tradicional de ensino/aprendizagem durante sua vida; se, ao ingressarem em um curso superior, continuam a ser avaliados dessa forma, provavelmente terão dificuldades para modificar o fazer pedagógico. Assim, o presente, aliado à nossa experiência de vida, às nossas lembranças de estudantes e toda dinâmica escolar que fragmenta e hierarquiza os conteúdos e classifica os/as estudantes, acabam demonstrando como a experiência orienta a ação. Segundo Thomson, citado por Oliveira (2001:48): O processo de recordar é uma das principais formas de nos identificarmos quando narramos uma história. Ao narrar uma história, identificamos o que pensamos que éramos no passado, quem pensamos que éramos no passado, quem pensamos que somos no presente e o que gostaríamos de ser. As histórias que relembramos não são representações exatas do nosso passado, mas trazem aspectos desse passado, e os moldam para que se ajustem às nossas identidades e aspirações atuais.

Assim, percebemos que aprendemos a partir das práticas sociais que vivemos e desenvolvemos, seja nas ruas, em casa, na escola, nas relações de amizade ou nas lembranças que possuímos. A avaliação do cotidiano escolar não é desvinculada do contexto social, é estabelecida pelos padrões sociais que definem o que deve, ou não, ser valorizado. Em uma sociedade capitalista como a nossa, onde impera a lógica da meritocracia e da competitividade, os/as melhores ganham destaque, alguns são excluídos/as, e os/as outros/as são considerados medianos/as. Acaba-se estimulando a competição entre os indivíduos de uma maneira naturalizada, como se o mundo, para sobreviver, necessitasse realmente dos/as melhores/as,

Excluído: em

10 assim, e os/as que não são considerados/as melhores devem se conformar com a situação de subjugados/as. Como a avaliação do cotidiano escolar pode escapar a essa premissa, se ela é alimentada pela própria dinâmica social? As questões da comparação e da competição não estão presentes só na esfera educativa, a avaliação está permeada, na maioria das vezes, pelos valores sociais. Somos educados/as numa sociedade que compara e compete. De que forma nós, professores/as

Excluído: quase sempre

e futuros/as professores/as, podemos escapara a esses valores em que somos educados/as, para

Excluído: fugir d

que possamos desenvolver uma prática democrática onde todos/as os/as alunos/as sejam incluídos no processo educativo? É necessário pontuar que os valores dominantes não são os únicos, existem outros sendo

Excluído: Entretanto, é

abafados ou ressaltados em determinadas circunstâncias, como a participação, solidariedade e a cooperação. Quem sabe, a partir destes valores, possamos começar a tecer práticas mais

Excluído: dos

democráticas onde todos possam estar incluídos?

Excluído: de solidariedade e da cooperação

Como os valores dominantes não são únicos, algumas práticas pedagógicas já começam a ser traçadas, tentando diminuir a competitividade e a meritocracia. Cremos que a pesquisa realizada que possibilitou essas reflexões é uma tentativa de modificação dessa situação, já que objetivou investigar a formação de futuros/as professores/as da Faculdade de Educação com relação a uma orientação inclusiva de educação. Como os resultados mostraram que a instituição possui entraves a serem superados quanto a uma formação inclusiva dos/as estudantes e a prática avaliativa desenvolvida é um desses entraves, o presente ensaio é um exercício para pensarmos em como desenvolver outras culturas, políticas e práticas avaliativas inclusivas. Quem sabe esse já não é um princípio de caminho na busca de uma prática avaliativa mais democrática? A complexidade dos cursos de formação de professores e professoras mostram que o seu cotidiano é cheio de nuances e imprevisibilidades. Através do movimento da pesquisa e da percepção da complexidade do cotidiano podemos compreender que o ensinar e o aprender são movimentos compartilhados, em que professores/as e alunos/as caminham entre os dois pontos, mesclando seus papéis (ESTEBAN, 2001). Esse é um aspecto significativo se levarmos em conta que a transformação nas práticas escolares deve partir de movimentos compartilhados; talvez assim possamos pensar em práticas avaliativas inclusivas. É importante salientar que o processo de formação docente deve continuar em sua ação de maior democratização de suas práticas avaliativas, como parte de um processo maior de democratização da sociedade para que possamos construir, permanente e interminavelmente, uma sociedade inclusiva.

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