RESTAURAÇÃO DE CANTARIAS, UMA VISÃO MULTIDISCIPLINAR: O CASO DO ANTIGO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL

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III Congresso Internacional na Recuperação, Manutenção e Restauração de Edifícios 12, 13 e 14 de Maio de 2010 – Rio de Janeiro – RJ - Brasil

RESTAURAÇÃO DE CANTARIAS, UMA VISÃO MULTIDISCIPLINAR: O CASO DO ANTIGO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL

Catherine J. S. Gallois (1); Edilene Capanema (2); Marisa dos Santos Assumpção (3) (1) Arquiteta e urbanista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional, Especialista em Conservação de Pedras pelo ICCROM. Superintendência do IPHAN no Rio de Janeiro. Av. Rio Branco, 46. RJ – RJ. CEP 20090-002. Tel: 21 22337603. E-mail: [email protected]; [email protected]. (2) Bacharel em Escultura pela UFRJ. Terra Brasil, Arte, Pesquisa e Restauro Ltda. R. Pres. Pedreira, 29/01. Niteroi - RJ. CEP 24210-470. Tel 21 3904 7442. Email: [email protected]. (3) Arquiteta e Urbanista. Instituto Herbert Levy- IHL. Rua Marquês de Abrantes,178/1807. Tel: 21 8103 7102. CEP 22.230-061. RJ – RJ. E-mail: [email protected]

Tema: Restauração do Patrimônio Histórico RESUMO O presente trabalho visa discutir a importância da multidisciplinaridade na elaboração de projeto e na restauração, especificamente de elementos pétreos, onde as interfaces entre as diversas disciplinas do campo da restauração são necessárias para o sucesso de uma boa intervenção. Esta metodologia de trabalho passa por diversas etapas, desde o projeto até a execução obra, envolvendo saberes de diferentes profissionais, tais como: arquitetos, engenheiros, restauradores e cientistas da conservação. O que resulta positivamente na otimização do tempo de obra, do dimensionamento da equipe, de materiais e recursos disponíveis. Neste caso, a elaboração do projeto tem como necessários e fundamentais os seguintes critérios: identificação das patologias e mapeamento de danos, mapeamento de intervenções anteriores, pesquisa histórica, caracterização dos tipos de rochas que originaram a cantaria, análises físico-químicas do estado de conservação, diagnósticos, definição da metodologia de restauro a ser adotada para cada caso, proposta de intervenção, testes de limpeza, consolidação, recuperação volumétrica e proteção. Propomos mostrar o exemplo do projeto e obra do antigo Tribunal Regional Eleitoral - Rio de Janeiro, intervenção na qual a ciência e a tecnologia, aliadas à conservação-restauração, foram fundamentais para o êxito de uma intervenção de qualidade e que atenda aos princípios éticos e normas internacionais.

PALAVRAS-CHAVE:

cantarias,

conservação-restauro

ABSTRACT This paper aims to discuss the importance of a multidisciplinary approach in stone conservation, where the interfaces between the various disciplines of the field of conservation-restoration are necessary for the success of a good intervention. This way of working goes through many stages, from design to execution work involving knowledge of different professionals such as architects, engineers, conservators and conservation scientists. It brings positive results for the optimization of time of works, for the design of the worksite team, materials and available resources. In this case the preparation of the diagnostic survey for the conservation had these necessary and fundamental criteria: historical research; graphic documentation of conservation conditions; identification of constituent materials, alteration phenomena present on façade and previous interventions (previous surface applications) through scientific investigations; treatment trials (cleaning and consolidation) and design of the methodology of restoration to be adopted in each case. Science and technology combined with conservation and restoration skills are the key to a successful intervention and meet the ethical principles and international standards for the conservation of built heritage. We present here the example of the project and worksite restoration of the former Superior Electoral Court, at Rio de Janeiro.

KEY WORDS: stone, conservation-restoration

1. INTRODUÇÃO Acreditamos que todas as ações de conservação-restauração devem se basear em princípios éticos do restauro, nas reflexões advindas das teorias do restauro e em experiências comprovadamente bem sucedidas, as quais devem ser divulgadas e promover intercâmbios no campo da atuação prática. E é através da multidisciplinaridade que o compartilhamento nas tomadas de decisão, fundamental quando se trata de restauro, se faz possível. Desta forma, entendemos a conservação-restauração como processo multidisciplinar 1, baseado em estudos e reflexões aprofundados 2. O presente trabalho visa exemplificar como a multidisciplinaridade e as ciências aplicadas ao campo da conservação e restauração foram importantes e decisivas num projeto e obra de restauração de fachadas em cantarias no Rio de Janeiro.

2. A MULTIDISCIPLINARIDADE NECESSÁRIA NA CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DAS CANTARIAS A complexidade do material lítico, suas origens, sua diversidade, fatores climáticos e ambientais e intervenção humana levam a um número infinito de situações possíveis do estado de conservação. Dois monumentos próximos, com materiais e época de construção similar, não necessariamente apresentarão as mesmas patologias e graus de degradação. A evolução da ciência e tecnologia abriu espaço para a ampliação e participação de várias áreas de conhecimento no campo do restauro e conservação. A expertise de profissionais de diferentes áreas da arquitetura, engenharia, restauração, química, geologia e especialistas em pesquisas laboratoriais, direcionadas ao restauro, possibilitou a incorporação de avanços tecnológicos ao campo da conservação-restauro. A aplicação de materiais e técnicas já consagradas em outras atividades permitiu, por exemplo, a utilização desde sistemas de irrigação agrícola em limpeza a base d’água à nanotecnologia em produtos 3 consolidantes e protetivos. Exemplificaremos essa multidisciplinaridade através da obra de restauro do antigo Tribunal Regional Eleitoral – atual Centro Cultural da Justiça Eleitoral 4. O projeto de restauração das fachadas, aprovado pelo IPHAN em 2007 5, contém projeto completo de conservação-restauração com mapeamento de materiais e danos, análises mineralógicas e fisicoquimicas, proposta de intervenção por tipo de material e dano, metodologia dos procedimentos de restauro, materiais e instrumentos. O projeto de restauração e modernização, coordenado pelo Instituto Herbert Levy, nesta fase contou com a colaboração de especialistas italianos das Universidades de Padova e de Veneza, de engenheiros 1

Aqui se entende multidisciplinaridade como contexto de trabalho ou pesquisa realizada por uma equipe de profissionais pertencentes a ramos de saber ou especialidades diferentes. (JAPIASSU, 2006, p.39). 2 Ver KUHL (2006, p. 25). 3 As pesquisas sobre produtos consolidantes inorgânicos são feitas desde o século XIX, na Alemanha e Inglaterra. Mas é no início do século XX que tais produtos tornaram-se mais eficazes e seguros para cantarias. Hoje os progressos científicos já avançaram e novos tipos de produtos são criados com base nos silicatos de etila, com ótima penetração e baixa evaporação. Os avanços na nanotecnologia também são consideráveis e já se encontram em diversos produtos utilizados na Europa. (Gallois, Catherine. Anotações da aula “Stone conservation in the past” proferida pelo Prof. G. Torraca, Stone Conservation Course, ICCROM-UNESCO, Veneza, 24.04.09). 4 O prédio do Antigo TRE é de estilo eclético, situa-se no centro da cidade do Rio de Janeiro e está inserido no perímetro tombado pelo IPHAN “Área da Praça XV de Novembro e arredores”. Sua construção foi iniciada em 1892 para ser sede do Banco do Brasil. A obra foi concluída em 1896, quando foi entregue ao governo federal que ali instalou o Supremo Tribunal Federal até 1909. Em 1946 passou às mãos do Tribunal Regional Eleitoral. Em 1960, com a mudança da capital para Brasília, o prédio passou a sediar o Tribunal Regional Eleitoral. Hoje abriga o Centro Cultural da Justiça Eleitoral. 5 Aprovação pelo IPHAN- MinC do Projeto PRONAC 07-6084 através da Lei de Incentivo à Cultura (proponente: Instituto Herbert Levy - IHL).

de materiais e de restauradores que atuam em pesquisas de novos produtos e métodos 6. Foram aplicadas nos relatórios e na prática, metodologias já utilizadas há algum tempo na Europa. O aprofundamento do diagnóstico do estado de conservação das cantarias externas se deu através de um minucioso mapeamento de danos, análises físico-químicas dos materiais e patologias realizadas em laboratórios especializados 7. Tal tecnologia, aliada ao treinamento da equipe de restauradores, permitiu a redução dos prazos estimados para a etapa de restauro possibilitando ações seguras e controladas.

3. AS ETAPAS DO RESTAURO DE CANTARIAS DAS FACHADAS DO ANTIGO TRE 8 As diretrizes para as especificações e desenvolvimento do restauro levaram em consideração as questões do cronograma físico da obra, onde a indicação de métodos e produtos se adequou ao prazo definido para o serviço, sem prejuízo com respeito aos materiais, às técnicas e às normas internacionais de conservação e restauro. A função do restaurador que catalogou os danos e identificou os materiais foi tão importante quanto a experiência dos engenheiros e químicos que realizaram os exames laboratoriais. O intercâmbio da prática entre os técnicos, o profundo conhecimento prévio sobre os materiais originais e o domínio sobre os métodos empregados, propiciaram reforçar e destacar a importância da formação profissional de cada técnico. Este contato próximo de projeto-execução permitiu correções de procedimentos que são detectados somente no momento do restauro, eliminando as diferenças comumente encontradas na teoria versus prática. 3.1. Mapeamento e Diagnóstico do Estado de Conservação das Cantarias Primeiramente foram classificados todos os materiais, procurando indícios e registros de intervenções anteriores bem como procedimentos executados na construção do prédio, a fim de complementar as informações resultantes das análises. Em continuidade, o exaustivo contato e detalhamento visual das superfícies, feito por desenhistas e restauradores permitiram aos especialistas italianos traçarem o perfil preliminar para as diretrizes das metodologias que vieram a ser adotadas, após a confirmação dos exames laboratoriais. Os mapeamentos de danos são essenciais para o diagnóstico do estado de conservação, pois sistematizam graficamente todos os problemas e danos existentes nas cantarias, tais como pulverulência e descontinuidade das superfícies, pátina biológica, crostas negras, fissuras, perdas volumétricas, recalques diferenciais, entre outros. Arquitetos, engenheiros, químicos, especialistas em teoria e práticas de conservação e restauro, através destes pontos de partida – exame visual e exame laboratorial – puderam especificar as alternativas de métodos e produtos a serem testados em laboratório, e depois aplicados à obra. Nessa obra, foram usadas para os mapeamentos, normativas específicas para identificação e mapeamento de danos, dentre elas as normas italianas para materiais lapídeos 9. 3.2. Identificação das Patologias e Diagnósticos 6

Busca-se cada vez mais produtos a base d’água, inócuos ao ambiente e ao manuseio, integrados com o desenvolvimento das ciências dos materiais aplicados à evolução da química e do comportamento de materiais. 7 Arcadia Ricerche SRL, Venezia. 8 Créditos dos projetos e obras: Coordenação Geral: Tribunal Regional Eleitoral; Instituto Herbert Levy Fiscalização: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN / 6ª SR (RJ) Execução (obras civis e restauro): Porto Belo Comércio e Construções Ltda; Terra Brasil Restauro Ltda. Projeto Arquitetônico: Glauco Campello Arquitetura Projeto de mapeamento preliminar: Augusta Cyrillo Gomes Análises laboratoriais: Arcadia Ricerche Projeto Executivo: Guido Biscontin (químico de restauro); Giuseppe Longega (arquiteto restaurador) Consultoria de Restauro: C.T. Assumpção Ltda. 9 UNI 11182:2006 (norma italiana recomendada pelo ICCROM-UNESCO no Stone Conservation Course para identificação e mapeamento de danos de materiais lapídeos naturais e artificiais).

A análise laboratorial da cantaria comprovou o comprometimento da camada superficial. Nos três tipos de pedra analisados, foram encontradas características porosimétricas superiores aos parâmetros em materiais sãos. O Rosso di Verona e o granito apresentavam fenômenos de esfoliação e descontinuidade da superfície, resultado da dissolução dos silicatos presentes na composição. E no mármore Carrara, desagregação interna de grãos de cristais de calcita. Havia também uma espessa camada de crosta negra, isto é, gesso (sulfato de cálcio bihidratado), provocado pelas agressões do meio externo. Exclusivamente no mármore Carrara havia a presença de uma pátina de oxalato de cálcio hidratado. Tanto na observação macroscópica no local (transposta para os mapeamentos de danos), quanto na laboratorial confirmou-se uma diferença de degradação que variava entre fachadas. Na rua 1º de Março era maior a quantidade de crosta negra, resultante da poluição do tráfego de automóveis, e, na rua do Rosário, as superfícies se encontravam mais lavadas pelas intempéries. Tais características foram consideradas para os parâmetros da proposta de intervenção.

Figura 1 – Exemplos de Análises Laboratoriais para o TRE (Arcadia Ricerche, 2007).

3.3. Análises Físico-Químicas dos Materiais e Patologias As análises físico-químicas, estratigráficas e mineralógico-petrográficas são essenciais, porque visam não só classificar as pedras, mas, principalmente avaliar seu estado de conservação (micromorfologia). Também visam identificar quimicamente depósitos superficiais e tratamentos eventuais aplicados em intervenções anteriores 10. No caso das cantarias do antigo TRE, as análises visaram, num primeiro momento, auxiliar na identificação de materiais lapídeos naturais (pedras) e artificiais (argamassas, rejuntes); caracterizar protetivos aplicados no passado; documentar e caracterizar os danos existentes identificando-se 10

Ver INSTITUTO HERBERT LEVY (2008).

mecanismos de degradação. Num segundo momento, visaram dar diretrizes para o estabelecimento das diretrizes do projeto de conservação-restauro das fachadas. As pedras identificadas são: calcário vermelho Rosso di Verona, Mármore de Carrara e granito tipo lenticular, que visualmente identifica-se como um tipo de granito muito presente no patrimônio histórico do Rio de Janeiro. As análises laboratoriais executadas foram: microscopia óptica de luz polarizada de seções delgadas; observações em microscopia de seções translúcidas estratigráficas; analise em Fluorescência Raios X; observação em microscopia eletrônica de varredura (MEV-EDS); microanálise em EDS; análise com espectrofotometria FT-IR. A análise porosimétrica também foi feita em muitas amostras, sendo essa uma das mais importantes análises posto que a porosidade está diretamente relacionada ao estado de conservação da pedra. O termo “porosidade” se define, basicamente, pelo volume de espaços vazios no interior de um corpo sólido em proporção ao seu volume 11. A combinação de análises diferentes de uma mesma amostra permite enriquecer as possibilidades de análise e interpretação dos dados obtidos. Assim, uma mesma amostra foi, por exemplo, objeto de análise com MEV-EDS combinada com imagem MEV de uma seção estratigráfica. Outra foi objeto de análise com espectrofotometria FT-IR (para ver a crosta externa) e imagem MEV da seção estratigráfica, a qual fornece dados sobre a microestrutura e morfologia do dano. A observação de seções delgadas translúcidas combinada com análise em espectrofotometria permite ver, por exemplo, as concreções dentríticas de crostas negras e identificar os componentes químicos desta crosta.

3.4. Testes de métodos e produtos para limpeza, consolidação e proteção a) Rosso di Verona A metodologia de limpeza testada para a limpeza do Rosso di Verona com depósito de sujidades leves e com crostas, foi: aguarrás borrifada mais aquecimento a vapor; compressa com bentonita e água por 40 a 60 minutos e enxágüe com água e escovação branda; nebulização com água por 2 horas e aplicação de tensoativo e enxágüe. O que apresentou melhores resultados foi a nebulização com água a baixa pressão e a aplicação de emplastros de bentonita. Em ambos os casos o resultado foi satisfatório, com tempo preciso e de fácil controle. Para a proteção foram testados: cera de alta viscosidade; cera fluida; cera polimérica em dispersão aquosa. O melhor resultado foi obtido com a cera polimérica 12, pois recuperou o valor cromático sem alteração do tom original da pedra. b) Mármore de Carrara Foram feitos testes com: lavagem com tensoativo ph neutro e posterior nebulização com água por 3 horas; compressa com bentonita e água deionizada por 24 horas, e posterior enxágüe com água. Na nebulização aplicada na parte superior, compressa com carbonato de amônia a 10% aplicado com algodão durante 3 horas; bentonita com água por 24 horas e posterior enxágüe. Os três métodos obtiveram bons resultados. Desta forma, foram estabelecidos como procedimentos: a lavagem generalizada com água e escova, seguida de nebulização de água por 3 horas e nas partes menos acessíveis e resistentes aos procedimentos, compressas de carbonato de amônia sobre polpa de papel. Para a consolidação e proteção, foi aplicado um composto à base de microemulsão 13 de silanossiloxanos, indicada como consolidante e hidrofugante 14, objetivando a proteção contra a penetração de água e favorecendo a reagregação das partículas dos cristais. c) Granito

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Ver LAZZARINI (1986) e HAAS (2003). Nome comercial Isograff P, Colorificio San Marco – Venezia/Itália. 13 A micro emulsão age dentro dos princípios da nanotecnologia onde a dimensão das moléculas favorece a penetração ao contato com o material. 14 Nome comercial Nanorep 10, Colorificio San Marco, Venezia / Itália. 12

Para teste de limpeza foram escolhidos: compressa com bentonita 15 e enxágüe com água e escovação para remoção dos resíduos da bentonita, podendo ser reaplicada mais de uma vez, no caso de depósitos mais espessos; compressa com EDTA bissódico em solução 10%. A escolha foi determinada pela natureza do material e da necessidade de um sistema de baixo impacto, contendo água.

3.5. Definição da Metodologia de Restauro Após os testes, foram apresentadas ao IPHAN as alternativas escolhidas, visando à aprovação para o detalhamento da proposta de intervenção escolhida. As técnicas e produtos aprovados passaram por análises de suas fichas técnicas e de resultados dos testes laboratoriais. A concordância do órgão quanto à metodologia proposta foi no sentido da busca por novos procedimentos, a base de produtos de restauro solvent free e controlados, os quais incluem, também, as novas formulações químicas em sinergia com o meio-ambiente. Além do fato dos produtos serem constantemente atualizados por pesquisas científicas de ponta, é importante ressaltar que os métodos postos em prática na conservação e restauro de cantarias são similares àqueles usados há 21 anos, na restauração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro 16. Neste monumento, foram executados os métodos de nebulização para limpeza à baixa pressão e o uso de resinas de silicone para proteção hidrorrepelente e recuperação cromática das superfícies dos mármores externos. No antigo TRE para a limpeza das sujidades leves e da crosta negra foi levada em consideração a composição do material encontrado nas pátinas, o estado fragilizado das superfícies e o cronograma da obra. Além disto, o conceito de intervenções com produtos cada vez menos agressivos ao homem, ao ambiente e aos materiais originais, direcionou os procedimentos técnicos e produtos a base d’água (solvente) e compostos químicos leves, emulsionados em polpas de celulose e em argilas.

3.6. Proposta de Intervenção Segue abaixo a lista dos procedimentos propostos para a limpeza das cantarias das fachadas do antigo TRE.

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NEBULIZAÇÃO: Processo definido para a limpeza dos Mármores Carrara e Rosso di Verona por aspersão de água continuada. O sistema consiste na instalação de varas de tubos de PVC, com dimensões variadas (de 2 a 6 m), com bicos aspersores distribuídos de 20 em 20cm. o Período de ação: 2 a 3 dias de exposição; o Material: tubos de PVC de 20 mm; bicos aspersores MA30; bomba; o Local: Carrara e Rosso di Verona.



LIMPEZA MECÂNICA 1: Processo de limpeza por escovação. o Período de ação: depende do grau de sujidade; o Material: escovas de nylon e água abundante; o Local: Carrara, Rosso di Verona e granito.



LIMPEZA MECÂNICA 2: Processo de limpeza mecânica de crostas dendríticas. o Período de ação: depende da espessura da crosta; o Material: bisturi e eventualmente talhadeiras pequenas; o Local: Carrara.



COMPRESSAS: Processo de limpeza por contato, no qual a ação do produto se prolonga, permitindo um resultado mais eficiente.



COMPRESSA DE CARBONATO DE AMÔNIA: concentração 10%. o Período de ação: 6, 12 ou 24 horas dependendo do grau de sujidade; o Material: Carbonato de amônia diluído a 10% em água + ARBOCEL (polpa de papel); o Local: Carrara e Rosso di Verona.

Bentonita é uma argila especial absorvente, constituída principalmente de silicato hidratado de magnésio, com elevada capacidade absorvente e quelante, favorecendo a migração de sais para a superfície externa da pedra. 16 Restauração dos elementos pétreos das fachadas do Theatro Municipal – 1989, com projeto incentivado pela Lei Sarney e patrocínio da Petrobrás, Pirelli, White Martins, Banco do Brasil e Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro - EMOP.



COMPRESSA DE BENTONITA: consistência tixotrópica. o Período de ação: 24 horas; o Material: Bentonita (argila inerte) + água; o Local: Granito.



EMPLASTRO: Processo de limpeza por contato, no qual a ação do produto se prolonga, permitindo um resultado mais eficiente.



EMPLASTRO BIOLÓGICO: fórmula (1 litro de água, 50g de uréia, 20g de glicerina, 15g de tylose + RICEM até atingir uma pasta tixotrópica) o Período de ação: 15 a 20 dias; o Local: Carrara.



EMPLASTRO DE EDTA: concentração 10% o Período de ação: 24 horas; o Material: Carboximetilcelulose + E.D.T.A Dissódico diluído a 10% em água; o Local: Granito.

Figura 2 - Fachada Rua do Rosário – Antes e depois da intervenção

Figura 3 - Mármore Carrara (coroamento) - limpeza com máscara de argila tipo “bentonita” - março/2008

Figura 4 - Mármore Carrara (coroamento) - limpeza com emplastro de água e carbonato de amônia - março/2008

Figura 5 - Granito do embasamento da rua 1º de Março, durante e após a limpeza com argila tipo “bentonita” março/2008

3.7.

Obra

Após a definição da metodologia de trabalho iniciou-se a elaboração de um projeto de irrigação, onde deviam ser seguidas informações importantes, de forma que não resultasse em sistemas que não atendessem as expectativas esperadas. A primeira consistia no estudo dos recursos disponíveis, a segunda na disposição mais apropriada do sistema, e a terceira, no dimensionamento do sistema buscando a máxima eficiência. Não existe um método ideal, cada situação em particular deve ser estudada, portanto a escolha adequada e criteriosa do método e do sistema de aplicação de água foi de extrema importância. No presente caso foi escolhida a irrigação por aspersão, aplicando a área total em forma de névoa, resultante da fragmentação de um jato de água lançado sob pressão no ar atmosférico, por meio de simples orifícios ou bocais de aspersores, que permitem um bom controle da lâmina de água a ser aplicada. Esse sistema possui um elevado custo inicial de operação e manutenção.

Após a nebulização que ocorreu nos mármores de Carrara da platibanda, cimalhas, ornatos e balaustradas, o que facilitou a limpeza das áreas adjacentes de Rosso di Verona e do embasamento em granito, foi a escovação branda em toda fachada. Nos mármores, foram feitas compressas de carbonato de amônia e tratamento biocida com o produto italiano Combat 333. No mármore Rosso di Verona a escovação foi suficiente. Já no granito a limpeza foi aprofundada com emplastros de bentonita. Nas regiões com crostas foi aplicado EDTA. Em seguida, foi realizado o estucamento dos rejuntes, áreas com perdas pequenas de material pétreo utilizando-se nos mármores a cal hidratada aproveitando a coloração da mesma. No Rosso di Verona foi realizada uma coloração com pigmentos minerais, pó de pedra e cerâmica, sendo que nas áreas mais frágeis foi acrescentado o consolidante Marcryll. As áreas em granito foram consolidadas utilizando-se aguadas de cal e resinas epóxi, e tiveram seus rejuntes recuperados com argamassa de cal com pigmentos minerais. Para proteção dos elementos pétreos foram utilizados os seguintes protetivos: Nanorep 10 para os mármores, que tem a função de consolidante e hidrofugante; Isograff P especialmente produzido para proteger e saturar o tom cromático do Rosso di Verona com propriedade antigrafite; Atomo para consolidar as áreas em desagregação do granito e Isograff para proteção hidrofugante e antigrafite do granito. Os produtos utilizados têm eficácia comprovada tanto em testes laboratoriais quanto na aplicação de recuperação de patrimônio histórico.

Figura 6 - Cornija em mármore Carrara antes e depois da limpeza - março/2008

Figura 7 - Capitéis em mármore Carrara antes e depois da limpeza - março/2008

3.8.

Conclusão da Obra

Para documentar todos os trabalhos realizados foi elaborado um caderno contendo: diários de obra, relatórios, fichas técnicas de todos os produtos utilizados, procedimentos utilizados, as built, incluindo os documentos iniciais. A pesquisa segue com a observação constante dos resultados ao longo do tempo, bem como dos resultados de produtos aplicados em áreas específicas para servir de base a pesquisas futuras.

4. OTIMIZAÇÃO DE RESULTADOS O projeto apresentado aqui pode ser eleito como um exemplo bem sucedido, onde todas as etapas necessárias a um projeto de intervenção em cantarias foram seguidas. Buscou-se mostrar, no presente trabalho, como a conjunção de saberes multidisciplinares ligados à conservação-restauração, são complementares e necessários para o sucesso de um bom projeto de restauração de cantarias. Elencamos aqui os aspectos de projeto e obra que influenciaram diretamente no bom andamento das obras. Também enfatizamos a importância do projeto de conservação e restauração, no qual cada etapa foi devidamente aprofundada, levando a diagnósticos e definição precisa de testes e de procedimentos de limpeza, consolidação e proteção para cada tipo de pedra e danos existentes. Com base em diagnósticos completos e projeto executivo com especificações devidamente testadas, foi possível, nesta obra, facilitar a tomada de decisões. Assim, cada etapa se encadeou da melhor forma possível, otimizando o tempo de obra, o dimensionamento das equipes e dos materiais e recursos disponíveis. Visamos também mostrar como as ciências da conservação, aliadas às práticas da conservaçãorestauração, são fundamentais para o êxito de intervenções de qualidade e que atendam aos princípios éticos da conservação e restauro.

5. REFERÊNCIAS ARCADIA RICERCHE srl. Tribunal Regional Eleitoral – Rio de Janeiro. Indagine chimicofisiche, stratigrafiche e mineralogico-petrografiche di laboratorio. Venezia: Arcadia, 2007. HAAS, Yanara Costa. Tecnologia de Conservação de Pedras: Uma Sistematização dos Procedimentos para Conservação dos Elementos de Fachada. Rio de Janeiro, UFRJ: 2003. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. INSTITUTO HERBERT LEVY (coord.). Tribunal Regional Eleitoral - Projeto de Restauração das Fachadas – Revisão 1 (PRONAC 07-6084). Rio de Janeiro, 2008. JAPIASSU, Hamilton. O sonho transdisciplinar. Rio de Janeiro: Imago, 2006. KUHL, Beatriz Mugayar. Restauração hoje: método, projeto e criatividade. In: Desígnio: revista de história da arquitetura e do urbanismo. Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. N.1 (2004). São Paulo: Annablume, 2006 – N.6 setembro de 2006. LAZZARINI, Lorenzo, TABASSO, Marisa. Il restauro della pietra. Padova: CEDAM, 1986. UNI - Ente Nazionale Italiano di Unificazione. UNI 11182:2006. Beni culturali. Materiali lapidei naturali ed artificiali. Descrizione della forma di alterazione - Termini e definizioni. Italia: UNIEnte Nazionale Italiano di Unificazione, 2006.

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